Ubiracy
de Souza Braga*
“O Facebook tem uma infraestrutura robusta de
denúncia e um time de revisores altamente treinado para avaliar os casos”.
Um
grande estranhamento movimentou a Internet
no Brasil, particularmente no caso das redes sociais. O Ministério da Cultura
informou no seu portal na sexta-feira, 17/05, que iria tomar as providencias
legais cabíveis contra a decisão do Facebook de “bloquear a foto de um casal de
Índios Botocudos, publicada em sua fanpage”.
Por nota oficial, o Ministério da Cultura destacou que a medida da rede social
era uma censura e um ataque à liberdade de expressão. – “Se os índios não podem
aparecer como são, o recado que fica é que precisam se travestir de não
indígenas para serem reconhecidos. Isso é de uma crueldade sem fim”, afirmou o
ministro da cultura Juca Ferreira. A foto censurada, em domínio público, integra um post de divulgação do lançamento do
“Portal Brasiliana Fotográfica” de comunicação social, às vésperas do Dia do Índio, resultado de uma parceria entre a Fundação Biblioteca
Nacional e o Instituto Moreira Salles e que contará com mais de duas mil
imagens históricas dos séculos XIX e XX. Um patrimônio cultural do país,
portanto.
Botocudos
referem-se a uma denominação genérica dada pelos colonizadores portugueses a
diferentes grupos indígenas pertencentes ao tronco macro-jê (grupo não tupi), de diversas filiações linguísticas e
regiões geográficas, cujos indivíduos, em sua maioria, usavam botoques labiais
e auriculares. Também chamados aimorés, eram numerosos na época das primeiras
incursões do homem branco, distribuindo-se pelo sul da Bahia e região do vale
do rio Doce, incluindo o norte do Espírito Santo e Minas Gerais. Ainda há
grupos remanescentes, nas bacias dos Rios Mucuri e Pardo. Os botoques eram
discos brancos, geralmente feitos com a “madeira leve da barriguda” (“Bombax
ventricosa”), secados ao fogo, de diâmetro variável, chegando a até 12
centímetros. Esses acessórios, fixados nos lóbulos das orelhas e nos lábios,
conferiam aos indígenas uma aparência particularmente assustadora aos
colonizadores. Quando os portugueses invadiram o atual Espírito Santo,
encontraram vários grupos indígenas que viviam da pesca, da caça, coleta e
pequena agricultura de subsistência. Aqueles que ocupavam mais territórios e
que ofereceu maior resistência em sua organização política aos colonizadores
brancos foram justamente o grupo indígena dos botocudos.
“No século XX, em Minas Gerais, se dizia que não havia mais índios, ou que no máximo havia Botocudo sobrevivente e Maxacali (aqueles de Mucuri, de Santa Helena e Bertópolis). Esses Maxacali são um fenômeno impressionante, pois não se aculturaram. Você chega numa aldeia Maxacali e eles estão falando a língua deles, vivendo na religião deles, vivendo no mundo deles. Pelo menos nos últimos duzentos anos ficaram isolados. Tempos atrás estiveram em Diamantina e em outras regiões, no Jequitinhonha. Mas, nos últimos duzentos anos, fizeram um movimento e se fixaram nessa região do Mucuri. Eram inimigos preferenciais dos Botocudo. Quando não havia branco para brigar, os Botocudo brigavam com os Maxacali. O que resultava em roubo de mulheres de um lado e do outro. Logo, nós somos parentes, somos parentes porque nossos grupos guerreavam e tomavam crianças uns dos outros, e mulheres uns dos outros” (cf. Entrevista com Ailton Krenak, 2009).
O ministro Juca Ferreira e a foto realmente censurada pelo Facebook.
A
imagem do casal de índios Botocudos data de 1909, está em domínio público e foi
publicada por conta de uma parceria entre a Fundação Biblioteca Nacional e o
Instituto Moreira Salles. A rede social, porém, avaliou que a imagem fere suas
políticas internas de publicação, levando o ministro a anunciar que adotará
providências legais contra o que considera um ato de censura e ataque à
liberdade de expressão. – “Vamos entrar com um processo e levar para
instituições internacionais que regulam a área de direitos humanos e a de
regulação da internet e da comunicação”, expôs Ferreira. Na visão do MinC, a
postura do Facebook tenta impor padrões morais próprios, o que considera ilegal
e arbitrário. – “Nosso entendimento é o de que eles praticaram uma censura
unilateral com suas normas internas. Essas empresas às vezes cometem esse erro
de ignorar as normas que regulam as relações internacionais. Desrespeitam o
Brasil e a Constituição, o Estado Brasileiro, a nossa cultura, e isso é
inaceitável”.
O
Facebook, por exemplo, de forma insistente censura a página do grupo ucraniano feminista Femen. A
administração da rede social remove fotos das manifestação das
ativistas. Nas imagens, elas mostravam os seios em sinal de protesto. A censura
a mulheres com seios à mostra faz parte da política do Facebook, que já
censurou outros grupos e usuários da rede, chegando a suspender suas contas. O
próprio Femen já havia sofrido com a
repreensão dos administradores em 2011, quando sua página foi tirada do ar duas vezes. As fotos censuradas são de um protesto ocorrido em
Hamburgo, na Alemanha, “contra o fascismo da indústria do sexo”. As feministas
se manifestaram em um bairro repleto de casas de prostituição. Nas imagens, as
ativistas utilizam apenas sungas e têm mensagens escritas em seu corpo. Tentando
driblar a política do Facebook, o Femen
apenas publica fotos em que os seios de suas ativistas estão cobertos com
imagens virtuais. O grupo passou a utilizar outras redes sociais, como o
Google+, para divulgar as fotos de seus protestos. Entretanto, mesmo em outros
meios, as feministas encontram resistência dos censores.
Há cerca de um mês o Facebook publicou um artigo
explicitando essas diretrizes em relação a assuntos “sensíveis” como nudez,
violência, discursos de ódio e apologia ao terrorismo. O texto, assinado por
Monika Bickert, responsável pelo gerenciamento de políticas globais, e pelo
conselheiro Chris Sonderby, tenta explicitar como funciona a cooperação da rede
social com os chefes de Estado dos mais diversos países em que atua. A página
adianta aparentemente que remove conteúdos que violem leis de países em
específico, mesmo que não estejam em desacordo com sua política interna. - “Apesar
de os Padrões da Comunidade delinearem as expectativas do Facebook no que tange
quais conteúdos são ou não aceitáveis em nossa comunidade, os países têm leis
próprias que proíbem alguns tipos de conteúdo. Em alguns países, por exemplo, é
ilegal compartilhar conteúdos classificados como blasfemos. Apesar de a
blasfêmia não ser uma violação dos Padrões da Comunidade, iremos avaliar o
conteúdo denunciado e restringi-lo naquele país se considerarmos que ele viola
suas leis”.
Censura refere-se ao uso de efeitos de poder pelo Estado
ou grupo de poder, no sentido de controlar e impedir a circulação sob a forma
irradiada de informação. A censura criminaliza certas ações de comunicação, que
podem mudar de forma, e contém uma determinada orientação ou até a tentativa de
exercer essa comunicação. No sentido contemporâneo, a censura consiste em
qualquer tentativa de suprimir informação, opiniões e formas de expressão, como
expressões da arte. O propósito da censura está na manutenção do status quo, evitando alterações de
pensamento num grupo social e a consequente “vontade de saber”. Desta forma, a
censura é muito comum entre alguns grupos de interesse e pressão (“lobbies”),
religiões, multinacionais e governos, como forma de manutenção do poder. A
censura procura evitar que certos conflitos sociais e discussões se
estabeleçam. É explícita no caso de estar prevista na lei, proibindo a
informação de ser publicada ou acessível, após ter sido analisada previamente
por uma entidade censora que avalia se a informação social pode ou não ser
publicada.
Uma dentre outras fotos de um blog feminista censurada pela rede Facebook.
Ou, consequentemente, pode tomar a forma de
intimidação governamental ou popular, onde as pessoas têm receio de expressar
ou demonstrar apoio a certas opiniões, com medo de represálias pessoais e profissionais
e até ostracismo, como sucedeu nos Estados Unidos com o chamado Macarthismo. Pode
também a censura ser entendida como a supressão de certos pontos de vista culturais,
constituindo-se em opiniões divergentes, através da propaganda, contrainformação
ou manipulação dos meios sociais de comunicação social. Esses métodos tendem a
influenciar opinião pública de forma a evitar que outras ideias, que não as dos
grupos hegemônicos e dominantes, tenham receptividade social. Formas contemporâneas
de censura referem-se: a) a limitações de acesso a certos meios de comunicação,
b) ao modo de atribuição de concessões de rádio e televisão por agências
reguladoras, ou, c) a critérios morais editoriais discricionários, segundo os
quais um jornal, por exemplo, pode não noticiar determinado fato social ou
político que se justifica de proteção do público.
Ao
tomar conhecimento da censura à fotografia, que exibe o dorso nu de uma
indígena, o MinC entrou em contato com o Facebook, alertando para a ilegalidade
e solicitando o imediato desbloqueio da fotografia. No entanto, a empresa
manteve a decisão de censurá-la, argumentando que não está submetida à
legislação nacional e que tem regras próprias que adota globalmente. No
comunicado, o Ministério da Cultura sustenta que o Facebook, ao aplicar termos
de uso abusivos e sem transparência, “tenta impor ao Brasil, e às demais nações
do mundo onde a empresa opera seus próprios padrões morais, agindo de forma
ilegal e arbitrária”. Tal postura reforçou o Ministério, “fere a Constituição
da República; o Marco Civil da Internet; o Estatuto do Índio e a Convenção da UNESCO
sobre Proteção e Promoção da Diversidade e das Expressões culturais. Também
desrespeita a cultura, a história e a dignidade do povo brasileiro”. - “Não podemos
aceitar que uma empresa pretenda se colocar acima das leis, da cultura e da
soberania de nosso país. O Facebook e outras empresas globais operam numa
lógica muito próxima à dos tempos coloniais”, frisou o ministro Juca Ferreira,
admitindo “que é preciso avançar na regulação das relações internacionais em
ambiente econômico digital global de forma a preservar a soberania dos estados
nacionais, a liberdade de expressão, a diversidade humana e a autodeterminação
dos povos”.
Na
sociedade globalizada a supressão de palavras e/ou conteúdos de sentido tem
como significado o ato de suprimir, eliminar, extinguir. Também pode ser
sinônimo de omissão, ou desaparecimento. A palavra supressão tem origem no
termo em latim “supprimere”, que significa “empurrar para baixo” ou “fazer
parar”. A supressão é uma medida bastante comum em regimes democráticos com
liderança populista autoritária, como ocorre com a sobrevivência coronelista no
nordeste brasileiro, onde seus próceres suscitam fortes elementos morais e/ou políticos
supressores, inclusive no que se refere à obtenção de titulação na educação
superior. A supressão de modo geral está
relacionada com algum tipo de censura. No livro, quando um determinado texto ou
livro tem palavras ou parágrafos que foram suprimidos, ou seja, cortados. No
âmbito da ditadura militar golpista de 1° de abril de 1964, Chico Buarque é
exemplar quando demonstra a supressão de uma palavra por outra em suas músicas,
em particular: “Vai passar”.
A
invenção do “politicamente correto” consiste em tornar a linguagem neutra em
termos de discriminação e evitar que possa ser ofensiva para certas pessoas ou
grupos sociais, como a linguagem e o imaginário individual ou coletivo racista
ou sexista. O politicamente incorreto, é uma forma de expressão que procura
externalizar os preconceitos sociais sem receios de nenhuma ordem, funcionando
muitas vezes como um eufemismo para discurso de ódio. A expressão tida como
“politicamente correto” costuma aparecer em contextos editoriais e satíricos. É
usada por grupos políticos conservadores, muitos dos quais se autodenominam
“politicamente incorretos”. Mas não ocorre inversamente, em especial para
atacar os críticos de discriminação e discursos de ódio. Além de justificar a
apresentação de narrativas políticas polêmicas e não consensuais do ponto de
vista científico. Na Europa ocidental, o “politicamente incorreto” e
particularmente em Portugal, nestes dias, podem configurar um conjunto de práticas e saberes sociais denominados discurso de ódio.
Enfim,
o grupo “hacktivista Anonymous” fez um novo convite para seus seguidores: - “atacar
globalmente o Facebook”. A ideia do coletivo é protestar contra as supostas
políticas de censura da rede social. A convocação foi feita por meio do site
Anonnews.org e chama os membros do grupo para se unir e bombardear o Facebook
com “material sem censura”, o que eles acreditam que pode dificultar a
moderação dos posts. – “Nós vamos inundar o seu sistema”, diz o post. A data
combinada para o protesto, batizado de #OP TRUTH FORCE, foi o dia 06 de abril,
que coincide com o aniversário do início da marcha em desobediência civil à lei
britânica em 1930, comandada por Mahatma Gandhi. O protesto acontece após
relatos de uma tendência crescente de censura no Facebook. Em um dos casos mais
recentes divulgado pela organização, a página do museu francês “Jeu de Paume”,
localizado em Paris, foi bloqueada por um período de 24 horas depois de postar
a imagem de uma mulher seminua, que na verdade fazia parte de uma exposição de
arte da fotógrafa Laure Albin Guillot. O museu conseguiu reestabelecer seu
acesso à conta no Facebook, mas a foto em questão permanece censurada pela rede
social.
Bibliografia geral consultada:
DEBORD,
Guy, Commentaires sur la Societé du
Spetacle. Paris: Gallimard, 1966; CASTRO, Ruy, O Ano Pornográfico. São Paulo: Editora Companhia
das Letras, 1992; PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro, “O Tempo da Dor e do Trabalho. A Conquista dos Territórios Indígenas nos
Sertões do Leste. Tese de Doutorado em História Social. São Paulo:
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo,
1998; DOWBOR, Ladislau e outros, Desafios
da Globalização. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1998; CASTELLS, Manuel, City, Class and Power. London; New York: MacMillan; St. Martin’s Press, 1978; CASTELLS, Manuel; CARDOSO, Gustavo (Orgs.). A Sociedade em Rede: Do Conhecimento à Ação
Política; Conferência. Belém (Por): Imprensa Nacional, 2005; Declaración de
las Naciones Unidas sobre los derechos de los Pueblos Indígenas – Resolución
Aprobada por la Asamblea General, 13 de
septiembre de 2007; Artigo: “Genocídio e Resgate dos Botocudo”. In: Estud. Av. volume 23 n° 65 São Paulo 2009;
Artigo: “Berzoini: - É Hora de se Pensar em Convenções Globais para a Governança da Internet”. Disponível em: http://convergenciadigital.uol.com.br/03/03/2015; BRAGA, Ubiracy de Souza, “Pataxó, Memória, Extermínio, Vergonha”. In: http://cienciasocialceara.blogspot.com.br/2012/05/; BARROS, Thiago, “Facebook Nega ter Censura Automática contra Discursos Políticos”. Disponível em: http://www.techtudo.com.br/2013/; entre outros.
______________
* Sociólogo (UFF), cientista político (UFRJ), doutor em ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
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