quarta-feira, 24 de junho de 2015

A Era da Censura – Redes Sociais de “Brancos para Brancos”.

Ubiracy de Souza Braga*
                                                     
O Facebook tem uma infraestrutura robusta de denúncia e um time de revisores altamente treinado para avaliar os casos”.  

 

            Um grande estranhamento movimentou a Internet no Brasil, particularmente no caso das redes sociais. O Ministério da Cultura informou no seu portal na sexta-feira, 17/05, que iria tomar as providencias legais cabíveis contra a decisão do Facebook de “bloquear a foto de um casal de Índios Botocudos, publicada em sua fanpage”. Por nota oficial, o Ministério da Cultura destacou que a medida da rede social era uma censura e um ataque à liberdade de expressão. – “Se os índios não podem aparecer como são, o recado que fica é que precisam se travestir de não indígenas para serem reconhecidos. Isso é de uma crueldade sem fim”, afirmou o ministro da cultura Juca Ferreira. A foto censurada, em domínio público, integra um post de divulgação do lançamento do “Portal Brasiliana Fotográfica” de comunicação social, às vésperas do Dia do Índio, resultado de uma parceria entre a Fundação Biblioteca Nacional e o Instituto Moreira Salles e que contará com mais de duas mil imagens históricas dos séculos XIX e XX. Um patrimônio cultural do país, portanto.
            Botocudos referem-se a uma denominação genérica dada pelos colonizadores portugueses a diferentes grupos indígenas pertencentes ao tronco macro-jê (grupo não tupi), de diversas filiações linguísticas e regiões geográficas, cujos indivíduos, em sua maioria, usavam botoques labiais e auriculares. Também chamados aimorés, eram numerosos na época das primeiras incursões do homem branco, distribuindo-se pelo sul da Bahia e região do vale do rio Doce, incluindo o norte do Espírito Santo e Minas Gerais. Ainda há grupos remanescentes, nas bacias dos Rios Mucuri e Pardo. Os botoques eram discos brancos, geralmente feitos com a “madeira leve da barriguda” (“Bombax ventricosa”), secados ao fogo, de diâmetro variável, chegando a até 12 centímetros. Esses acessórios, fixados nos lóbulos das orelhas e nos lábios, conferiam aos indígenas uma aparência particularmente assustadora aos colonizadores. Quando os portugueses invadiram o atual Espírito Santo, encontraram vários grupos indígenas que viviam da pesca, da caça, coleta e pequena agricultura de subsistência. Aqueles que ocupavam mais territórios e que ofereceu maior resistência em sua organização política aos colonizadores brancos foram justamente o grupo indígena dos botocudos.
No século XX, em Minas Gerais, se dizia que não havia mais índios, ou que no máximo havia Botocudo sobrevivente e Maxacali (aqueles de Mucuri, de Santa Helena e Bertópolis). Esses Maxacali são um fenômeno impressionante, pois não se aculturaram. Você chega numa aldeia Maxacali e eles estão falando a língua deles, vivendo na religião deles, vivendo no mundo deles. Pelo menos nos últimos duzentos anos ficaram isolados. Tempos atrás estiveram em Diamantina e em outras regiões, no Jequitinhonha. Mas, nos últimos duzentos anos, fizeram um movimento e se fixaram nessa região do Mucuri. Eram inimigos preferenciais dos Botocudo. Quando não havia branco para brigar, os Botocudo brigavam com os Maxacali. O que resultava em roubo de mulheres de um lado e do outro. Logo, nós somos parentes, somos parentes porque nossos grupos guerreavam e tomavam crianças uns dos outros, e mulheres uns dos outros” (cf. Entrevista com Ailton Krenak, 2009).

          O ministro Juca Ferreira e a foto realmente censurada pelo Facebook. 
      
            A imagem do casal de índios Botocudos data de 1909, está em domínio público e foi publicada por conta de uma parceria entre a Fundação Biblioteca Nacional e o Instituto Moreira Salles. A rede social, porém, avaliou que a imagem fere suas políticas internas de publicação, levando o ministro a anunciar que adotará providências legais contra o que considera um ato de censura e ataque à liberdade de expressão. – “Vamos entrar com um processo e levar para instituições internacionais que regulam a área de direitos humanos e a de regulação da internet e da comunicação”, expôs Ferreira. Na visão do MinC, a postura do Facebook tenta impor padrões morais próprios, o que considera ilegal e arbitrário. – “Nosso entendimento é o de que eles praticaram uma censura unilateral com suas normas internas. Essas empresas às vezes cometem esse erro de ignorar as normas que regulam as relações internacionais. Desrespeitam o Brasil e a Constituição, o Estado Brasileiro, a nossa cultura, e isso é inaceitável”. 
            O Facebook, por exemplo, de forma insistente censura a página do grupo ucraniano feminista Femen. A administração da rede social remove fotos das manifestação das ativistas. Nas imagens, elas mostravam os seios em sinal de protesto. A censura a mulheres com seios à mostra faz parte da política do Facebook, que já censurou outros grupos e usuários da rede, chegando a suspender suas contas. O próprio Femen já havia sofrido com a repreensão dos administradores em 2011, quando sua página foi tirada do ar duas vezes. As fotos censuradas são de um protesto ocorrido em Hamburgo, na Alemanha, “contra o fascismo da indústria do sexo”. As feministas se manifestaram em um bairro repleto de casas de prostituição. Nas imagens, as ativistas utilizam apenas sungas e têm mensagens escritas em seu corpo. Tentando driblar a política do Facebook, o Femen apenas publica fotos em que os seios de suas ativistas estão cobertos com imagens virtuais. O grupo passou a utilizar outras redes sociais, como o Google+, para divulgar as fotos de seus protestos. Entretanto, mesmo em outros meios, as feministas encontram resistência dos censores.
Há cerca de um mês o Facebook publicou um artigo explicitando essas diretrizes em relação a assuntos “sensíveis” como nudez, violência, discursos de ódio e apologia ao terrorismo. O texto, assinado por Monika Bickert, responsável pelo gerenciamento de políticas globais, e pelo conselheiro Chris Sonderby, tenta explicitar como funciona a cooperação da rede social com os chefes de Estado dos mais diversos países em que atua. A página adianta aparentemente que remove conteúdos que violem leis de países em específico, mesmo que não estejam em desacordo com sua política interna. - “Apesar de os Padrões da Comunidade delinearem as expectativas do Facebook no que tange quais conteúdos são ou não aceitáveis em nossa comunidade, os países têm leis próprias que proíbem alguns tipos de conteúdo. Em alguns países, por exemplo, é ilegal compartilhar conteúdos classificados como blasfemos. Apesar de a blasfêmia não ser uma violação dos Padrões da Comunidade, iremos avaliar o conteúdo denunciado e restringi-lo naquele país se considerarmos que ele viola suas leis”.          
Censura refere-se ao uso de efeitos de poder pelo Estado ou grupo de poder, no sentido de controlar e impedir a circulação sob a forma irradiada de informação. A censura criminaliza certas ações de comunicação, que podem mudar de forma, e contém uma determinada orientação ou até a tentativa de exercer essa comunicação. No sentido contemporâneo, a censura consiste em qualquer tentativa de suprimir informação, opiniões e formas de expressão, como expressões da arte. O propósito da censura está na manutenção do status quo, evitando alterações de pensamento num grupo social e a consequente “vontade de saber”. Desta forma, a censura é muito comum entre alguns grupos de interesse e pressão (“lobbies”), religiões, multinacionais e governos, como forma de manutenção do poder. A censura procura evitar que certos conflitos sociais e discussões se estabeleçam. É explícita no caso de estar prevista na lei, proibindo a informação de ser publicada ou acessível, após ter sido analisada previamente por uma entidade censora que avalia se a informação social pode ou não ser publicada.


Uma dentre outras fotos de um blog feminista censurada pela rede Facebook.
Ou, consequentemente, pode tomar a forma de intimidação governamental ou popular, onde as pessoas têm receio de expressar ou demonstrar apoio a certas opiniões, com medo de represálias pessoais e profissionais e até ostracismo, como sucedeu nos Estados Unidos com o chamado Macarthismo. Pode também a censura ser entendida como a supressão de certos pontos de vista culturais, constituindo-se em opiniões divergentes, através da propaganda, contrainformação ou manipulação dos meios sociais de comunicação social. Esses métodos tendem a influenciar opinião pública de forma a evitar que outras ideias, que não as dos grupos hegemônicos e dominantes, tenham receptividade social. Formas contemporâneas de censura referem-se: a) a limitações de acesso a certos meios de comunicação, b) ao modo de atribuição de concessões de rádio e televisão por agências reguladoras, ou, c) a critérios morais editoriais discricionários, segundo os quais um jornal, por exemplo, pode não noticiar determinado fato social ou político que se justifica de proteção do público.
            Ao tomar conhecimento da censura à fotografia, que exibe o dorso nu de uma indígena, o MinC entrou em contato com o Facebook, alertando para a ilegalidade e solicitando o imediato desbloqueio da fotografia. No entanto, a empresa manteve a decisão de censurá-la, argumentando que não está submetida à legislação nacional e que tem regras próprias que adota globalmente. No comunicado, o Ministério da Cultura sustenta que o Facebook, ao aplicar termos de uso abusivos e sem transparência, “tenta impor ao Brasil, e às demais nações do mundo onde a empresa opera seus próprios padrões morais, agindo de forma ilegal e arbitrária”. Tal postura reforçou o Ministério, “fere a Constituição da República; o Marco Civil da Internet; o Estatuto do Índio e a Convenção da UNESCO sobre Proteção e Promoção da Diversidade e das Expressões culturais. Também desrespeita a cultura, a história e a dignidade do povo brasileiro”. - “Não podemos aceitar que uma empresa pretenda se colocar acima das leis, da cultura e da soberania de nosso país. O Facebook e outras empresas globais operam numa lógica muito próxima à dos tempos coloniais”, frisou o ministro Juca Ferreira, admitindo “que é preciso avançar na regulação das relações internacionais em ambiente econômico digital global de forma a preservar a soberania dos estados nacionais, a liberdade de expressão, a diversidade humana e a autodeterminação dos povos”.
            Na sociedade globalizada a supressão de palavras e/ou conteúdos de sentido tem como significado o ato de suprimir, eliminar, extinguir. Também pode ser sinônimo de omissão, ou desaparecimento. A palavra supressão tem origem no termo em latim “supprimere”, que significa “empurrar para baixo” ou “fazer parar”. A supressão é uma medida bastante comum em regimes democráticos com liderança populista autoritária, como ocorre com a sobrevivência coronelista no nordeste brasileiro, onde seus próceres suscitam fortes elementos morais e/ou políticos supressores, inclusive no que se refere à obtenção de titulação na educação superior.  A supressão de modo geral está relacionada com algum tipo de censura. No livro, quando um determinado texto ou livro tem palavras ou parágrafos que foram suprimidos, ou seja, cortados. No âmbito da ditadura militar golpista de 1° de abril de 1964, Chico Buarque é exemplar quando demonstra a supressão de uma palavra por outra em suas músicas, em particular: “Vai passar”.

 
            A invenção do “politicamente correto” consiste em tornar a linguagem neutra em termos de discriminação e evitar que possa ser ofensiva para certas pessoas ou grupos sociais, como a linguagem e o imaginário individual ou coletivo racista ou sexista. O politicamente incorreto, é uma forma de expressão que procura externalizar os preconceitos sociais sem receios de nenhuma ordem, funcionando muitas vezes como um eufemismo para discurso de ódio. A expressão tida como “politicamente correto” costuma aparecer em contextos editoriais e satíricos. É usada por grupos políticos conservadores, muitos dos quais se autodenominam “politicamente incorretos”. Mas não ocorre inversamente, em especial para atacar os críticos de discriminação e discursos de ódio. Além de justificar a apresentação de narrativas políticas polêmicas e não consensuais do ponto de vista científico. Na Europa ocidental, o “politicamente incorreto” e particularmente em Portugal, nestes dias, podem configurar um conjunto de práticas e saberes sociais denominados discurso de ódio.
            Enfim, o grupo “hacktivista Anonymous” fez um novo convite para seus seguidores: - “atacar globalmente o Facebook”. A ideia do coletivo é protestar contra as supostas políticas de censura da rede social. A convocação foi feita por meio do site Anonnews.org e chama os membros do grupo para se unir e bombardear o Facebook com “material sem censura”, o que eles acreditam que pode dificultar a moderação dos posts. – “Nós vamos inundar o seu sistema”, diz o post. A data combinada para o protesto, batizado de #OP TRUTH FORCE, foi o dia 06 de abril, que coincide com o aniversário do início da marcha em desobediência civil à lei britânica em 1930, comandada por Mahatma Gandhi. O protesto acontece após relatos de uma tendência crescente de censura no Facebook. Em um dos casos mais recentes divulgado pela organização, a página do museu francês “Jeu de Paume”, localizado em Paris, foi bloqueada por um período de 24 horas depois de postar a imagem de uma mulher seminua, que na verdade fazia parte de uma exposição de arte da fotógrafa Laure Albin Guillot. O museu conseguiu reestabelecer seu acesso à conta no Facebook, mas a foto em questão permanece censurada pela rede social. 
             Bibliografia geral consultada:
 
DEBORD, Guy, Commentaires sur la Societé du Spetacle. Paris: Gallimard, 1966; CASTRO, Ruy, O Ano Pornográfico. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1992; PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro, “O Tempo da Dor e do Trabalho. A Conquista dos Territórios Indígenas nos Sertões do Leste. Tese de Doutorado em História Social. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, 1998; DOWBOR, Ladislau e outros, Desafios da Globalização. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1998; CASTELLS, Manuel, City, Class and Power. London; New York: MacMillan; St. Martin’s Press, 1978;  CASTELLS, Manuel; CARDOSO, Gustavo (Orgs.). A Sociedade em Rede: Do Conhecimento à Ação Política; Conferência. Belém (Por): Imprensa Nacional, 2005; Declaración de las Naciones Unidas sobre los derechos de los Pueblos Indígenas – Resolución Aprobada por la Asamblea  General, 13 de septiembre de 2007; Artigo: “Genocídio e Resgate dos Botocudo”. In: Estud. Av. volume 23 n° 65 São Paulo 2009; Artigo: “Berzoini: - É Hora de se Pensar em Convenções Globais para a Governança da Internet”. Disponível em: http://convergenciadigital.uol.com.br/03/03/2015; BRAGA, Ubiracy de Souza, “Pataxó, Memória, Extermínio, Vergonha”. In: http://cienciasocialceara.blogspot.com.br/2012/05/; BARROS, Thiago, “Facebook Nega ter Censura Automática contra Discursos Políticos”. Disponível em: http://www.techtudo.com.br/2013/; entre outros.
 
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* Sociólogo (UFF), cientista político (UFRJ), doutor em ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará (UECE).



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