quinta-feira, 18 de junho de 2015

Nelson Mandela & Sharpeville: Fim do Apartheid Africano.

                                Ubiracy de Souza Braga*
 
        A educação é arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”. Nelson Mandela


Nelson Rolihlahla Mandela nasceu em Mvezo, em 18 de julho de 1918 e faleceu em Joanesburgo, em 5 de dezembro de 2013. Foi advogado, líder rebelde e presidente da África do Sul de 1994 a 1999, considerado como o mais importante líder da África Negra, vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 1993, e pai da moderna nação sul-africana, onde é normalmente referido como Madiba, nome do seu clã ou Tata (Pai). Nascido numa família de nobreza tribal, numa pequena aldeia do interior onde possivelmente viria a ocupar cargo de chefia, recusou esse destino aos 23 anos ao seguir para a capital, Joanesburgo, e iniciar sua atuação política. Passando do interior rural para uma vida de experiência e contestação na faculdade, transformou-se em um jovem advogado na capital e líder da resistência não violenta da juventude, acabando como réu em um infame julgamento por traição. Foragido, tornou-se depois o prisioneiro mais famoso do mundo e, finalmente, o político mais galardoado em vida, responsável pela refundação do seu país como uma sociedade tribal multiétnica. Mandela ficou preso durante 27 anos – 6 anos e 9 meses em uma prisão no subúrbio da Cidade do Cabo, até dezembro de 1988, e pouco mais de dois anos na prisão Victor Verster, entre as cidades de Paarl e Franschhoek. 

Em 1985, Mandela passou por uma cirurgia de próstata, quando ainda estava preso, e é internado com tuberculose em 1988. Em 2001, foi diagnosticado com câncer de próstata e hospitalizado por problemas respiratórios, sendo liberado dois dias depois. No dia 11 de fevereiro de 1990, o líder sul-africano foi solto e, em um evento transmitido mundialmente, disse que continuaria lutando pela igualdade racial no país. Em 1993, ganhou o Prêmio Nobel da Paz. No ano seguinte, foi eleito o primeiro presidente negro da África do Sul, nas primeiras eleições multirraciais do país.  Em dezembro de 2013, foi revelado pelo The New York Times que a CIA americana foi a força decisiva para a prisão de Mandela em 1962, quando “agentes norte-americanos foram empregados para auxiliar as forças de segurança da África do Sul a localizá-lo”. Ele presidiu a transição do governo interventor de minorias e apartheid, tendo conquistado o respeito internacional pela sua defesa da reconciliação nacional e internacional. Uma celebração internacional de sua vida e nova dedicação às suas metas de liberdade e igualdade foi realizada em 2008 no seu nonagésimo aniversário. Até 2009, ele havia dedicado 67 anos de sua vida à causa de direitos humanos e pela qual se tornou prisioneiro de um regime de segregação racial, até ser eleito o primeiro presidente da África do Sul livre. A ONU instituiu o Dia Internacional Nelson Mandela na data de seu nascimento, em 18 de julho, como forma de valorizar socialmente em todo o mundo a luta pela liberdade, pela justiça e pela democracia.   

Historicamente o conflito foi uma sequência direta da Primeira Guerra dos Bôeres, dentro do contexto social da disputa entre o povo bôer e os britânicos pelo controle de partes do sul da África. A recém criada República Sul-Africana sofria com a falta de pessoal qualificado e seu potencial industrial era pequeno. No período entre os dois conflitos com o Reino Unido, foi descoberto ouro na área de Witwatersrand. O governo sul-africano, relutantemente, aceitou novamente a chegada de imigrantes (chamados de uitlander) vindos da Europa, principalmente da Inglaterra, que começaram a chegar em peso no final do século XIX à região de Transvaal. Os Bôeres, observando a vinda de imigrantes ingleses em escala cada vez maior, começaram a temer que logo seriam sobrepujados em número, gerando tensões étnicas, que logo se manifestaram em atos de violência. Enquanto isso, o governo britânico continuou sua expansão territorial pelo Sul da África (instigada por homens como Cecil Rhodes). A partir de 1895, imigrantes britânicos exigiram direitos iguais com relação aos bôeres, o que levaria a revoltas de Joanesburgo como lembra a Jameson Raid. Vídeo Simple Minds & Peter Gabriel – Biko Mandela 70th, Estádio Wembley 1988.

                            

O governo de Transvaal enviou soldados para reprimir essas manifestações e rebeliões. Com as tensões na África do Sul crescendo, negociações começaram para tentar encontrar algum meio termo. As autoridades bôeres tentavam, de todas as formas, limitar ao máximo o poder político e acesso aos benefícios econômicos por parte dos novos imigrantes (uitlander), a maioria de origem inglesa. Enquanto isso, o governo britânico em Londres ainda mantinha suas ambições de recontrolar a região toda, pretendendo tornar Transvaal e o Estado Livre de Orange em uma confederação sob seu controle direto. Como a esmagadora maioria dos imigrantes que chegavam a África do Sul eram de origem britânica, os bôeres temiam que dar direitos políticos a eles resultaria na perda do controle sobre seu próprio país. Negociações começaram então em Bloemfontein e, em 1899, Secretário de Estado britânico para as colônias, Joseph Chamberlain, exigiu total direito a voto e a representação política por parte dos imigrantes britânicos na região de Transvaal. Tais negociações falharam e então o presidente da República Sul-Africana, Paul Kruger, mandou um ultimato ao governo inglês, a 9 de outubro de 1899, exigindo a retirada de todas as suas tropas das regiões próximas a fronteira do seu país.

Londres rejeitou o ultimato, resultando, dois dias depois, numa declaração de guerra por parte da República Sul-Africana e do Estado Livre de Orange. A Segunda Guerra Bôer (ou dos bôeres), travada entre 11 de outubro de 1899 e 31 de maio de 1902, foi um conflito lutado entre o Império Britânico e as duas nações Bôer, a República Sul-Africana, ou República de Transvaal e o Estado Livre de Orange, sobre o domínio da África do Sul. Ficou conhecida também simplesmente como Guerra Boer ou Guerra Anglo-Boer. No começo do conflito, os bôeres tomaram a iniciativa e tiveram alguns sucessos, porém os britânicos reagiram, mandando reforços, e infligiram grande derrotas as duas nações sul-africanas. Os bôeres iniciaram então uma ampla e violenta campanha de guerrilha que durou dois anos. Os britânicos responderam brutalmente e adotaram represália, queimando fazendas, destruindo casas e mandando milhares de civis para campos de concentração. A guerra foi extremamente brutal com enorme impacto na região. Os bôeres se renderam e um tratado foi firmado entre as partes envolvidas.

O Estado Livre de Orange foi fundado em meados do século XIX pelos bôeres que haviam emigrado da Colônia do Cabo após a Grande Marcha a partir de 1835. Os bôeres tinham criado duas repúblicas independentes. A primeira, o Transvaal, obteve a sua independência pelos britânicos, em 1852 pelo Tratado de Sand River. A segunda, o Estado Livre de Orange, foi reconhecido em 1854 pela convenção de Bloemfontein, capital do novo estado, saída dos refugiados britânicos para manter sua autoridade jurídica e política sobre os territórios constituídos desde 1847. O termo Orange era em homenagem à família real dos Orange-Nassau dos Países Baixos, metrópole de origem da maioria dos pioneiros bôeres. Na sua fundação, o Estado Livre de Orange continha aproximadamente 13 000 habitantes naturais de origem bôer. De modo homogêneo seus habitantes se organizaram rapidamente na constituição de sua república. Segundo eles, o direito de voto tinha sido reconhecido a todos os habitantes brancos de sexo masculino com idade mínima de 18 anos. Eles então elegeram um conselho do povo e um presidente. Diferentemente do Transvaal, o Estado Livre de Orange entretinha relações privilegiadas com a Colônia do Cabo. Engajados ao lado do Transvaal contra os britânicos durante a Guerra dos bôeres, de 1899 a 1902, os britânicos proclamaram sua anexação de 1900 após a tomada de Bloemfontein. O acontecimento não foi, entretanto, aceito formalmente pelas autoridades bôeres que saíram do Tratado de Vereeniging.

Como jovem estudante do direito, Mandela se envolveu na oposição ao regime do apartheid, que negava aos negros, a maioria da população, mestiços e indianos - uma expressiva colônia de imigrantes -  direitos políticos, sociais e econômicos. Uniu-se ao Congresso Nacional Africano em 1942 e dois anos depois fundou, com Walter Sisulu e Oliver Tambo, entre outros, a Liga Jovem do Congresso Nacional Africano. Depois da eleição de 1948 dar a vitória aos afrikaners (Partido Nacional), que apoiavam a política de segregação racial, Mandela tornou-se mais ativo no CNA, parte do Congresso do Povo (1955) que divulgou a Carta da Liberdade – documento contendo um programa fundamental para a causa antiapartheid. Comprometido de início com atos não violentos, Mandela e seus colegas aceitaram recorrer às armas após o Massacre de Sharpeville, em março de 1960, quando a polícia política repressiva sul-africana atirou em manifestantes negros, matando 69 pessoas e ferindo 180.

Em 1961, ele se tornou comandante do braço armado do CNA, o chamado Umkhonto we Sizwe (“Lança da Nação”, ou MK), fundado por ele e outros militantes. Mandela coordenou uma campanha de sabotagem contra alvos militares e do governo e viajou para o Marrocos e Etiópia para treinamento paramilitar. Em agosto de 1962 Nelson Mandela foi preso após informes da CIA à polícia sul-africana, sendo sentenciado a cinco anos de prisão por viajar ilegalmente ao exterior e incentivar greves. Em 1964 foi condenado à prisão perpétua por sabotagem (o que Mandela admitiu) e por conspirar para ajudar outros países a invadir a África do Sul (o que Mandela nega). No decorrer dos 27 anos que ficou preso, Mandela se tornou de tal modo associado à oposição ao apartheid que o clamor “Libertem Nelson Mandela” se tornou o lema das campanhas antiapartheid em vários países. Durante os anos 1970, ele recusou uma revisão da pena e, em 1985, não aceitou a liberdade condicional em troca de não incentivar a luta armada. Mandela continuou na prisão até fevereiro de 1990, quando a campanha do CNA e a pressão internacional conseguiram que ele fosse libertado em 11 de fevereiro, aos 72 anos, por ordem do presidente branco Frederik Willem de Klerk nascido em Johanesburgo em 1936.

           A história social da África é reconhecida no Ocidente por manuscritos que datam da Antiguidade Clássica. No entanto, vários povos deixaram testemunhos etnográficos ainda mais antigos das suas civilizações. Para, além disso, terem sido encontrados os mais antigos fósseis de hominídeos, com cerca de cinco milhões de anos, permitindo considerá-la o “berço da humanidade”, do ponto de vista de sua evolução social com a descoberta de Charles Darwin, de que o homem detém o centro da espécie, do ponto de vista histórico de Karl Marx, em que os homens fazem a história, mas não como eles querem e, claro, psicológico, com a descoberta de Sigmund Freud em que o homem não detém o centro de sua individualidade. O Egito foi provavelmente o primeiro Estado a constituírem-se na África há cerca de 5000 anos, mas outros reinos ou cidades-Estados se foram sucedendo neste continente, ao longo dos séculos. Podem referir-se os Estados de Kush e Meroé, ainda no Nordeste de África, o primeiro Estado nacional do Zimbabwe e o reino do Congo que, historicamente, mas só aparentemente floresceram como sociedade entre os séculos X e XV.
África seria para os egípcios, o berço da humanidade. Com o enfraquecimento das Metrópoles europeias, desenvolveu-se na África um nacionalismo caracterizado pelo anti-imperialismo e pela busca de soberania política e econômica. O século XIX marcou o devassamento da África pela civilização da Europa industrializada, acarretando profundas modificações nas populações locais. A África sempre sofreu o impacto ambiental e demográfico das transformações políticas mundiais. Em primeiro lugar “Afri” era o nome de vários povos que se fixaram perto de Cartago no Norte de África. O seu nome é geralmente relacionado com os fenícios como “afar”, que significa “poeira”, embora uma teoria de 1981 tenha afirmado que o nome também deriva de uma palavra de berbere, “ifri”, palavra que significa “caverna”, em referência à gruta onde residiam. No tempo dos povos romanos, Cartago passou a ser a capital da Província de África, que incluiu também a parte costeira da moderna Líbia. Os romanos utilizaram o sufixo “-ca” denotando a noção etimológica de “país ou território”.                  
A história social da África é conhecida no Ocidente por manuscritos que datam da Antiguidade Clássica. No entanto, vários povos deixaram testemunhos etnográficos ainda mais antigos das suas civilizações. Para, além disso, terem sido encontrados os mais antigos fósseis de hominídeos, com cerca de cinco milhões de anos, permitindo considerá-la o “berço da humanidade”, do ponto de vista de sua evolução com a descoberta de Charles Darwin, de que o homem detém o centro da espécie, do ponto de vista histórico de Karl Marx, em que os homens fazem a história, mas não como eles querem e, claro, psicológico, com a descoberta de Sigmund Freud em que o homem não detém o centro de sua individualidade. O Egito foi provavelmente o primeiro Estado a constituírem-se na África há cerca de 5000 anos, mas outros reinos ou cidades-estados se foram sucedendo neste continente, ao longo dos séculos. Podem referir-se os Estados de Kush e Meroé, ainda no Nordeste de África, o primeiro Estado nacional do Zimbabwe e o reino do Congo que, historicamente, mas só aparentemente floresceram como sociedade entre os séculos X e XV.
África seria para os egípcios, o berço da humanidade. Com o enfraquecimento das Metrópoles europeias, desenvolveu-se na África um nacionalismo caracterizado pelo anti-imperialismo e pela busca de soberania política e econômica. O século XIX marcou o devassamento da África pela civilização da Europa industrializada, acarretando profundas modificações nas populações locais. A África sempre sofreu o impacto ambiental e demográfico das transformações políticas mundiais. Em primeiro lugar “Afri” era o nome de vários povos que se fixaram perto de Cartago no Norte de África. O seu nome é geralmente relacionado com os fenícios como “afar”, que significa “poeira”, embora uma teoria de 1981 tenha afirmado que o nome deriva da palavra de berbere, “ifri”, palavra que significa “caverna”, em referência à gruta onde residiam. Com os romanos, Cartago passou a ser a capital da Província de África, que incluiu também a parte costeira da moderna Líbia. Os romanos utilizaram o sufixo “-ca” denotando a noção etimológica de “país ou território”.                               
Mais tarde, o reino muçulmano de “Ifriqiya”, atualmente reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como Tunísia, também preservou o nome. Outras etimologias têm sido apontadas como originárias para a antiga denominação “África”. No século I, por exemplo, o historiador judeu Flavius Josephus (Ant. 1.15) afirmou ter sido nomeado para “Epher”, neto de Abraão, segundo o Génesis (25:4), cujos descendentes, em sua interpretação, tinha invadido a Líbia. “Aprica”, palavra latina que significa: “ensolarados”, mencionada por Isidoro de Sevilha, século VI, no manuscrito “Etymologiae”. Ou ainda, “Aphrike”, palavra grega que significa: “sem frio”. Esta foi proposta pelo historiador Leo Áfricanus (1488-1554), que sugeriu a palavra grega “Aphrike”, significando “frio e horror”, combinado com o prefixo privativo “-um”, indicando assim “um terreno livre de frio e de horror”. Massey, em 1881, afirmou que o nome deriva do egípcio “af-rui-ka”, que significa “para virar em direção a abertura do Ka” e que remete para o útero ou berço.

           Em segundo lugar, o termo conflito étnico identifica qualquer conflito que tenha em sua essência o choque de pessoas com origens religiosas, raciais, culturais ou geográficas. O enfrentamento violento está sempre presente e por vezes as ações são tão extremizadas que violam as determinações do Código de Guerra. É o caso do genocídio, que leva a morte milhares ou milhões de pessoas, sem distinção entre civis e militares, homens, mulheres ou crianças. Em alguns casos, especialmente no Oriente Médio, o termo conflito religioso é usado no lugar de conflito étnico porque os motivos religiosos são bem mais destacados em relação aos demais. E, por fim, o continente africano que é marcado por uma série de conflitos étnicos. A maioria dos problemas sociais, políticos e culturais africanos está ligada a fatores desse tipo, o que é uma consequência da exploração imperialista que as (mal) ditas potências capitalistas desenvolveram no continente negro.
              Em 1956, as autoridades prenderam Nelson Mandela e decidiram condená-lo à morte pelo crime de traição. No entanto, a repercussão internacional de sua prisão e julgamento serviram para que o líder ficasse em liberdade. Depois disso, Nelson Mandela continuou a conduzir os protestos pacíficos contra a ordem estabelecida. Em março de 1960, um trágico episódio incitou Nelson Mandela a rever seus meios de atuação política. Naquele mês, um protesto que tomou conta das ruas da cidade de Sharpeville resultou na morte de vários manifestantes desarmados. Depois disso, Nelson Mandela decidiu se empenhar na formação do Lança da Nação, um braço armado do Congresso Nacional Africano  (CNA). Naturalmente, o governo segregacionista logo saiu em busca dos líderes dessa facção e, em 5 de agosto de 1962, o líder estudantil Nelson Mandela foi mais uma vez preso.    
              No dia 21 de março de 1960, ocorreu na cidade de Sharpeville, na província de Gauteng, na África do Sul, um protesto, realizado pelo Congresso Pan-Africano (PAC). O protesto reagia expressivamente contra a Lei do Passe, que obrigava os negros da África do Sul a usarem uma caderneta na qual estava escrito aonde eles poderiam ir. Cerca de vinte mil manifestantes reuniram-se em Sharpeville, uma cidade negra nos arredores de Johannesburg, e marcharam calmamente, num protesto pacífico. A polícia sul-africana conteve o protesto com um massacre através de rajadas de metralhadora. Morreram 69 pessoas, e cerca de 180 ficaram feridas. Após esse dia, a opinião pública mundial focou sua atenção pela primeira vez na questão do regime apartheid. No dia 21 de novembro de 1969, a Organização das Nações Unidas programou o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial, que passou a ser comemorado todo dia 21 de Março, a partir do ano seguinte.
             No século XIX, a África foi toda dividida entre os países imperialistas que buscavam suas matérias-primas e as zonas de influência no continente. A divisão do território foi toda feita sem se levar em consideração as diferenças étnicas em cada região, deixando, muitas vezes, grupos rivais, ou, pelo menos, de práticas culturais muito distintas vivendo em um mesmo território. As consequências desse processo são vistas até hoje, marcando os grandes problemas de instabilidade social e política no continente. No caso africano, podemos citar o genocídio de Ruanda, no qual milhares de tutsis foram mortos por hutus; os conflitos no Chifre da África, ocasionando em devastação da região; e os conflitos na Nigéria, onde tem ocorrido de forma intermitente  diversos confrontos político-ideológicos entre grupos religiosos e o governo do país.
          Não queremos perder de vista que Stephen Bantu Biko (1946-1977) fora um ativista antiapartheid da África do Sul pelo desempenho das lutas pela democracia nas década de 1960 e 1970. Tal como posteriormente veio à lume Nelson Mandela líder estudantil, fundou o “Movimento da Consciência Negra” (“Black Consciousness Movement”), que capacitava e mobilizava grande parte da população negra urbana. Desde sua morte sob a custódia da polícia, ele foi chamado de mártir de um movimento antiapartheid. Enquanto vivia, através de seus escritos e ativismo tentou arregimentar as pessoas negras, e era famoso por seu slogan “black is beautiful”, que o próprio descreveu como: - “você está bem como você é, comece a olhar para si mesmo como um ser humano”. Mesmo que Biko nunca tenha sido um membro do Congresso Nacional Africano (ANC), foi incluído no panteão dos heróis de luta, indo tão longe como à utilização de sua imagem para cartazes de campanha nas primeiras eleições não raciais da África do Sul em 1994. Nelson Mandela disse a respeito de Biko: - “Eles tiveram que matá-lo para prolongar a vida do [regime] apartheid”.  
             Nelson Mandela nasceu em família de nobreza tribal, numa pequena aldeia do interior aonde possivelmente viria a ocupar cargo de chefia, abandonou este destino aos 23 anos ao seguir para a capital Johanesburgo e iniciar atuação política. Nelson Mandela iniciou sua militância política antes mesmo de terminar a faculdade de Direito, ao se unir ao Congresso Nacional Africano (CNA) - organização que tinha como principal objetivo combater a segregação racial no país. Após divergências com a cúpula da entidade, Mandela e o embate ficariam ainda mais duros após 1948, quando chegou ao poder o Partido Nacional, que oficializou o regime apartheid. Depois do massacre de Sharpeville em 1960, passou a defender a “resistência armada” e coordenar uma grande campanha de sabotagem contra alvos militares e do governo. Acabou preso, sob a forjada e mentirosa acusação de traição e terrorismo (cf. Balandier, 1964; 1971; Stengel, 2010; Mandela, 2010). Da farsa  política de sua prisão tornou-e o prisioneiro mais famoso do século XX, ipso facto o político mais galardoado em vida, sendo responsável pela refundação de seu país - uma sociedade multiétnica. 

             A démarche de Nelson Mandela, para o que nos interessa foi descrita jornalisticamente com exemplaridade por Richard Stengel (2010), Editor-chefe da revista Time, na entrevista que cobriu os três anos que antecederam a primeira eleição democrática no país, o início das lutas sociais e políticas pela liberdade e os terríveis 27 anos em que esteve preso, incluindo seu casamento aos 80 anos, descritos também no livro Os Caminhos de Mandela. Lições de Vida, Amor e Coragem (2010). De outra parte, no filme: “Invictus”, o ator-cineasta Clint Eastwood (EUA, 2009), trata com paixão da inspiradora história social e política como Nelson Mandela uniu forças materiais e psicofísicas com o capitão da equipe de rúgbi da África do Sul, François Pienaar, para ajudar a unificar a nação. Recém-eleito, o presidente Mandela sabe que seu país permanece dividido racial e economicamente após o fim do regime de segregação apartheid. Acreditando ser capaz de unificar politicamente as etnias com da linguagem universal do esporte, Mandela apoia o quase desacreditado time da África do Sul na Copa de Rúgbi de 1995, que faz uma incrível campanha até as finais.
             A nação sediou a Copa do Mundo de futebol em 2010, o que jogou um importantíssimo papel político do ponto de vista da dimensão da sociedade civil mundial. Criticado muitas vezes por ser um pouco egocêntrico e por seu governo ter sido amigo de ditadores que foram simpáticos ao Congresso Nacional Africano, a figura do ser humano que enfrentou dramas pessoais e permaneceu fiel ao seu mister de conduzir pela via institucional da democracia seu país suprimiu todos os aspectos propalados como negativos. Foi o mais poderoso símbolo da luta contra o regime segregacionista do regime Apartheid, sistema racista oficializado em 1948, e modelo mundial de resistência. No dizer de Ali Abdessalam Treki, Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, “um dos maiores líderes morais e políticos de nosso tempo”. Se devemos sempre abrir o olhar para o horizonte que nos mostra a estrada, devemos também compreender que não existe um lugar onde o horizonte acabe. 
            Apesar da duas décadas e meia de democracia, o tempo ainda é curto para que as mudanças e cicatrizes sociais de mais de cinquenta anos de opressão e segregação tenham sido curadas. É possível observar nas cidades e nas ruas o que o sociólogo e professor emérito da Universidade de Witwatersrand, Roger Southall, cita como “consequências sociais e geográficas do apartheid”. No lado social, a desigualdade entre negros e brancos ainda é muito grande. Com dados de 2015, 1% da população branca era considerada pobre, ganhando menos do que 992 rands, a moeda local, por mês. Entre os pretos, 64,2% ganhavam menos do que esse valor. Já no lado geográfico, não houve uma redistribuição da população que vivia nos guetos, chamados de townships, grandes regiões onde somente a população preta vivia. Essa não distribuição ainda causa desigualdade social com grandes conglomerados de casas e habitações sem estruturas básicas, e as regiões não recebendo os investimentos necessários. De acordo com o Relatório de dados comparativos sobre Pobreza Subjetiva na África do Sul, de 2015, realizado pelo Statistics South Africa, 80,4% das pessoas pobres no país são pretas, enquanto 8,8% são pardas, 8,3% brancas e 2,5% são indianas/asiáticas.
           Segundo o Relatório do Programa de Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas de 2018, 55,5% da população sul-africana vive estatisticamente abaixo da linha de pobreza de renda, que é um valor estipulado por cada país. No Brasil, comparativamente esse índice é de 8,7%. Cada nação define um valor que seria o mínimo para a subsistência de um cidadão para que ele possa comprar alimentos e itens de necessidade básica. Portanto, esses valores variam de país para país e não seguem a linha de pobreza, que calcula a média de US$ 1,90 por dia  para que se viva com o mínimo. O valor utilizado pela África do Sul em 2018 foi de 1.183 rands recebidos por pessoa por mês para essas despesas, o que na cotação de hoje seria equivalente a aproximadamente R$ 321. Desde a primeira eleição, o Congresso Nacional Africano se mantém no poder. Depois de vários governantes diferentes, o país enfrentou casos recentes de corrupção no governo de Jacob Zuma, que renunciou ao devido aos escândalos, dando lugar a Cyril Ramaphosa, seu vice. Apesar da grande preocupação com o uso do dinheiro público para esquemas de corrupção, boa parte da sociedade sul-africana ainda vive em condições de pobreza e necessidades. Isso faria dela um problema menos importante do que as necessidade básicas de vida sejam supridas, afirma o professor Lawrence Hamilton.
             Após os escândalos de corrupção revelados durante o governo de Jacob Zuma, seu sucessor, Cyril Ramaphosa, tomou medidas para combater a corrupção e o ex-presidente foi a julgamento, ainda sem uma definição. Mesmo com os problemas de corrupção durante o governo, a iniciativa de combate e a corrupção presente também em outros partidos faz quem acompanha o cenário acreditar na manutenção do poder. - “Há um tipo diferente de líder no ANC agora. E acho que, entre as pessoas as pessoas que estavam em cima do muro um ano e meio atrás, pensando que poderiam votar para o EFF  ou o DA, pelo menos metade vai votar para o ANC”, avalia o professor Lawrence. O EFF, criado por Julius Malema, é um partido de extrema-esquerda formado por dissidentes do ANC. A Aliança Democrática (DA), é um partido liberal conservador, sendo o segundo mais forte do país em número de cadeiras no congresso. O ANC conta com 249 cadeiras no congresso, enquanto o DA com 89 representantes e o EFF mantém 25 parlamentares, num total de 400 lugares.
         Segundo a Agência da Organização das Nações Unidas para os Refugiados (UNHCR), em 2017 a África do Sul teve mais de 280 mil pedidos de asilo ou de refúgio. A questão dos refugiados é uma das preocupações do país, pelo grande número de pessoas que entram legalmente e ilegalmente e pela xenofobia que essas pessoas sofre de parte dos sul-africanos. Países vizinhos e do continente, como Nigéria, República Democrática do Congo e Zimbábue, vivem crises que obrigam seus cidadãos a deixar suas nações, e muitos acabam procurando uma das referências no continente, que é a África do Sul. No nível de análise econômica vem de um período de estagnação econômica e sofre ainda com os problemas sociais, além de não ser mais a maior economia do continente, posto tem ocupado pela Nigéria, que mesmo em crise ainda se mantém em primeiro lugar. O Produto Interno Bruto (PIB) nigeriano é de 375,8 bilhões de dólares contra 349,4 bilhões do sul-africano.
            O professor Southall fala em união da sociedade, do governo e de sindicatos para trabalhar e superar os grandes problemas enfrentados. - “Nós temos de resolver a questão da dívida, temos de conseguir energia nas casas das pessoas, ser capazes de alimentar as fábricas. Se não fizermos isso, se continuarmos como estamos, muito em breve estaremos nas mãos do FMI ou dos chineses. Estamos falando sobre tentar salvar empregos agora, mas é preciso aceitar que a Eskom está levando o país a uma crise econômica absoluta. A questão da corrupção tem de ser resolvida”. A Eskom é a companhia de energia sul-africana e vem realizando seguidos blecautes em todo o país para poupar energia, chamados de load sheddings, mas hospitais, residências, escolas e indústrias sofrem com os cortes, que em algumas épocas do ano chegam a ser diários e durar várias horas. A causa dos cortes vem da falta de fontes de energia e do mau uso delas, além de uma crise administrativa.  Brandon de Jager também acredita que a questão energética é um dos primeiros e mais importantes passos a serem dados se o país quiser se colocar em outro patamar de desenvolvimento e crescer, pois sem isso não há competitividade contra outros mercados. - “Durante o blecaute energético os fabricantes têm duas opções. Desligar ou continuar a produção. Caso um fabricante opte por continuar a produção, precisará utilizar um gerador, que é muito mais caro e altera a estrutura de custos. Do ponto de vista da exportação, os fabricantes são menos competitivos”. A questão nevrálgica é que precisam ter o básico e as empresas prosperar para estimular o crescimento.
Bibliografia geral consultada.

WOODS, Donald, Biko: A História do Líder Negro Sul-africano. São Paulo: Editora Best Seller, 1987; BIKO, Steve, Escrevo o Que eu Quero. São Paulo: Editora Ática, 1990; BEINART, William; DUBOW, Saul (Orgs.), Segregation and Apartheid in Twentieth-century South Africa. Londres: Editor Routledge, 1995; TUTU, Desmond, No Future Without Forgiveness. New York/ Londres/ Toronto: First Image Books Edition, 2000; MARTINS, Anderson Bastos, Onde Fica o Meu País? O Exílio e a Migração Ficção Pós-Apartheid de Nadine Gordimer. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Letras: Literatura. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2010; CASALS, Xavier, “Mandela: El forjador de una Nueva Sud África”. In: Clío - Revista de História. MC ediciones, Barcelona, n°100: 75-79, 2010; STENGEL, Richard, Os Caminhos de Mandela. Porto Alegre: Editor Globo, 2010; ALLES, Leonardo Miguel, A Não-Indiferença na Política Externa Brasileira: A Maneira de Intervir da Diplomacia Lula da Silva. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2011; MARTINS, Luciana Lima de, Reflexões da Era Apartheid e Pós-Apartheid na Comunicação Contemporânea. Trabalho de Conclusão de Curso. Bacharel em Rádio e Televisão. São Paulo: Universidade Morumbi, 2012; BRAGA, Ubiracy de Souza, “Nelson Rolihlahla Mandela: Um Homem Justo”. In: Jornal O Povo. Fortaleza, 14 de dezembro de 2013; AZEVEDO, Aina, Três Lugares para Viver e um para Morrer - O Sentido das Casas na África do Sul. Projeto de Qualificação de Doutorado, Antropologia Social. Brasília: Universidade de Brasília, 2009; Idem, Conquistas Cosmológicas: Pessoa, Casa e Casamento entre os Khubeka de KwaZulu-Natal e Guateng. Tese de Doutorado em Antropologia Social. Brasília: Universidade de Brasília, 2013; FONSECA, Danilo Ferreira da, Etnicidade e Luta de Classes na África Contemporânea: Ruanda (1959 1994) e África do Sul (1948-1994). Tese de Doutorado em História. Programa de Estudos Pós-Graduados em História. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2013; SOUSA, Natália Adriele Pereira de, As Disputas em Torno das Legislações sobre a Reforma da Terra: Restituição de Direitos e os Efeitos do Colonialismo/Apartheid na África do Sul. Dissertação de Mestrado.  Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Instituto de Ciências Sociais. Brasília: Universidade de Brasília, 2015; entre outros.

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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).

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