terça-feira, 9 de junho de 2015

Artifícios da Memoria - Os ´Pickpockets` do Metrô de Paris?

                                                                                                                          Ubiracy de Souza Braga*

Pickpockets love tourists.

                                
            A primeira linha de metropolitano foi inaugurada em 1863 em Londres. Tinha como função principal transportar o maior número de pessoas, para que, dessa forma, acabasse com os problemas de congestionamento de trânsito da cidade. Os comboios a vapor circulavam dentro de túneis que percorriam o subsolo da capital inglesa. Apesar da grande novidade gerada pela apresentação deste novo meio de transporte urbano, os passageiros deixaram rapidamente de utilizá-lo pelo “mal-estar criado pelo fumo vindo da locomotiva”. Porém, em 1890, as linhas férreas passaram a ser eletrificadas, fato que revigorou o potencial do metropolitano. Num curto período de tempo muitas outras cidades construíram as suas redes, desenvolvendo técnicas de construção de túneis, conforto das carruagens, entre outras modernidades úteis. Os sistemas de metropolitano situam-se em grandes áreas metropolitanas e transportam elevado número de pessoas. A extensão das redes de metropolitano varia muito de cidade para cidade e também das infraestruturas associadas a elas.
             Em cidades de maiores dimensões a rede pode até ultrapassar os limites da cidade, estendendo-se a municípios ou regiões vizinhas. É comum estes estarem associados a outras redes de transporte tais como autocarros (ônibus), eléctricos (bondes) e/ou comboios (trens), entre muitos outros. Existem muitas estratégias para gerir os transportes de uma cidade; em muitos casos, os vários meios de transporte estão coordenados para não existir um excesso de serviços, isto é, por exemplo, haver uma linha de comboio para fazer o mesmo percurso que uma linha de metropolitano. Nessa medida, normalmente, as empresas que gerem os vários transportes públicos têm acordos que permitem uma cooperação entre si evitando o desnecessário excesso. Um exemplo dessa cooperação é o metropolitano de Oslo; no centro da cidade os ônibus elétricos transportam os passageiros. Essas linhas vão juntar-se com várias linhas de metropolitano que levam os trabalhadores e turistas à periferia de Oslo. As carruagens são muito confortáveis e todas automatizadas; as estações são modernas e nelas decorrem exposições de arte, entre outros eventos, e formas de comunicação alheia à principal função da estação; os túneis são escavados a alta velocidade, potenciando a expansão rápida das redes de metropolitano. 
 
            Poucas cidades no mundo atraem tantos visitantes como Paris. A “cidade” instaurada pelo discurso utópico e urbanístico é definida pela possibilidade de uma tríplice operação: 1) a produção de um espaço próprio: a organização racional deve, portanto, recalcar todas as poluições físicas, mentais ou políticas que a comprometeram; 2) estabelecer um não tempo ou um sistema sincrônico, para substituir as resistências inapreensíveis e teimosas das tradições: estratégias científicas unívocas, possibilitadas pela redução niveladora de todos os dados, devem substituir as táticas dos usuários que astuciosamente jogam com as “ocasiões” e que, por esses acontecimentos-armadilhas, lapsos da visibilidade, reintroduzem por toda a parte as opacidades da história; 3) enfim, a criação de um sujeito universal e anônimo que é a própria cidade: com seu gigantismo crescente laboral, como a seu modelo político, o Estado de Hobbes.
            Pode-se atribuir-lhe pouco a pouco todas as funções e predicados até então disseminados e atribuídos a múltiplos sujeitos reais, grupos, associações, indivíduos (cf. Certeau, 2013: 160). A Cidade-conceito se degrada, mas no caso parisiense por ano são em torno de 30 milhões de pessoas que visitam a cidade. Ainda que esse lugar de tantos encantos, de filmes e belos romances e que remetem a elegância, cultura, e história, inúmeras vezes desencanta. E, de uma hora para outra, turistas correm o sério risco de serem roubados na capital francesa. O perigo já começa no aeroporto. Vídeos registrados pelas câmeras de segurança mostram a ação dos adolescentes bandidos, que aproveitam momentos de distração dos viajantes. E não há lugar onde os turistas estejam mais distraídos que no museu mais visitado do mundo, o Louvre, que recebe 300 mil pessoas por dia.
Pickpockets são reconhecidos em sua história dinãmica como “os batedores de carteira franceses”, “os mãos-leves”, “ladrõezinhos constantes” do cotidiano de nossos dias, como aqueles emergentes e são representados nos filmes dos anos 1950 e que até então não tinham sido encontrados. Mas não é à toa que em locais públicos, e não em espaços privados - monumento ou museu, as vozes nos alto-falantes comunicam que todos os públicos fiquem atentos a eles. Há até a estratégia de documentários informando que essa é uma “arte” (cf. Certeau, 2013: 95 e ss.) entre os ditos “marginais parisienses”, uma marca que os distingue, culturalmente de espaço e lugar – o metrô de Paris, assim como se situam na faixa etária dentre adolescentes. Do paradoxo urbano, surge a tese filosófica: - “É inútil revoltar-se”, para lembramos de Michel Foucault (2004), em termos de crise econômica, crise de identidade ou mesmo em termos da questão xenofobia (cf. Bolaffi, 2003) sobre a permanência de imigrantes. A pergunta é: há muitos golpistas em Paris, à “cata” de turistas endinheirados, desde sempre? Ou se trata de um comportamento urbano e, portanto, reativo à questões de políticas culturais que envolvem as relações sociais entre emigrantes nas ruas no entorno do metrô de Paris?
     
Entendmos que por razões históricas e/ou comerciais, várias estações do metrô de Paris não são utilizadas nem acessíveis, adquirindo um caráter misterioso para parisienses e turistas. Três estações nunca foram reabertas após o fim da Segunda Guerra Mundial: Arsenal (linha 5), Champ-de-Mars (linha 8) e Croix-Rouge (linha 10), que foi em uma época decorada com uma praia, antes de servir de quadro publicitário em 2007-2008 para uma exposição organizado pela Biblioteca Nacional da França sobre o tema do erotismo. Duas outras estações foram reabertas, mas possuem plataformas inacessíveis ao público: Porte des Lilas/Cinéma (linha 3 bis) e Invalides (linha 8). Duas estações do metrô de Paris foram construídas sobre o traçado da linha, mas nunca foram abertas ao público e não possuem saídas para a rua no trecho exatamente de Porte Molitor/Murat e Haxo.
Porte Molitor é uma estação que foi construída em conexão com as linhas 9 e 10, com o objetivo de ser uma opção de locomoção e via de comunicação para os frequentadores do estádio Parc des Princes, mas a exploração comercial foi considerada complicada e o projeto foi abandonado antes da construção de acessos à estação. Suas vias servem atualmente como estacionamento de trens. Uma via única, denominada voie des Fêtes, liga Place des Fêtes à Porte des Lilas com uma estação intermediária: Haxo. Haxo foi construída sobre um curto trecho da rede destinado a ligar as atuais linhas 3 bis e 7 bis, mas acabou-se optando por uma ligação expressa rodoviária; no entanto, a logística não deu ceerto e o serviço de ônibus acabou não agradando aos usuários e foi suprimido em 1939. Finalmente, a estação denominada “Invalides” tem uma meia-estação que consiste de um cais inoperante, em via única em impasse, ramificada nas vias da linha 8 em direção ao norte. 
Na origem das operações do metrô, o projeto técnicoapresentado por Fulgence Bienvenüe previa a operação de um cinturão interno, onde os trens viajariam nas vias da linha 8 entre esplanade des Invalides e Opéra. Este princípio implica a construção de várias ligações sob a esplanade des Invalides, onde dois cais de via única enquadrariam a estação da linha 8. No entanto, a ideia de explorar uma linha circular foi finalmente abandonada em 1922, logo após o fim dos trabalhos e as duas meias-estações realizadas não receberam todos os viajantes. Cinquenta anos depois, a criação da linha 13 atual, com a integração da antiga linha 14 e a construção de um túnel sob o Sena, causou alterações significativas. A meia-estação Oeste, adormecida desde 1922, tornou-se parte da estação da nova linha 13 com os trens em direção ao norte. Em contrapartida, a meia-estação Leste não foi afetada pelos trabalhos e permanece fechada ao público; o túnel de ligação a Varenne foi removido, ela torna-se uma meia-estação em cul-de-sac. Anualmente o turismo na França movimenta cerca de € 42 bilhões, o equivalente a R$ 130 bilhões, uma atividade essencial para a economia.
Em tempos de crise da economia e do desemprego, o país não pode se dar ao luxo de perder essa receita. Por isso, o governo tenta lutar contra a proliferação dos batedores de carteira, que roubam dinheiro e celular, principalmente de estrangeiros. Como eles sabem que a legislação francesa protege as crianças, se recusam a deixar as impressões digitais e a fazer qualquer exame para determinar a idade. Após algumas horas de detenção, a justiça sem alternativas manda soltar. As gangues voltam a agir imediatamente. Com a quase certeza da impunidade, uma menina aceitou dar uma entrevista “sem cobrir o rosto”. Lembramos que a distinção conceitual entre estratégia e táticas parece apresentar, para Certeau, um esquema inicial mais adequado. A estratégia refere-se ao cálculo (ou a manipulação) das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército, uma cidade, uma instituição científica) pode ser isolado. A estratégia postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio a ser a base de onde se podem gerir as relações com uma exterioridade de alvos ou ameaças (os clientes ou os concorrentes, os inimigos, o campo em torno da cidade, os objetivos e objetos da pesquisa etc.).
         Como na administração e empresas, toda racionalização “estratégica” procura em primeiro lugar distinguir de um “ambiente” um “próprio”, isto é, o lugar do poder e do querer próprios. Gesto cartesiano, quem sabe: circunscrever um próprio num mundo enfeitiçado pelos poderes invisíveis do Outro. Gesto da modernidade científica, política ou militar. E conta quem são seus alvos preferidos. - “Todo mundo, desde que seja turista. Os brasileiros, para nós todos, são fáceis. Dependendo do dia, se tiver muito turista, a gente pode trabalhar e juntar até € 20 mil, € 30 mil. Se não tiver, às vezes a gente volta para casa sem nada”, revela. A audácia é tanta que elas chegam a fazer uma simulação de roubo, usando o próprio policial como vítima fictícia. Neste interminável jogo de gato e rato, tanto o contingente policial como os jovens infratores já se conhecem pela utilização dos mesmos métodos nestes últimos anos, em geral a partir do ano de 2009 na capital das Luzes. Existe aparentemente até uma certa camaradagem. Mesmo em lados opostos, os policiais e as meninas se tratam com simpatia e até uma dose de carinho. A investigação policial demonstrou praticamente que a rede era estruturada, e as meninas, a maior parte da Bósnia, recebiam uma “formação” tática ou estratégica, antes que o chefe exigisse a quantia de 300 euros por dia/furtos, a maior parte no metrô parisiense. 
Caso o objetivo não fosse atingido, elas poderiam ser submetidas a diversos tipos de violência. As vítimas preferidas das menores eram os turistas asiáticos, que costumam carregar uma grande quantidade de dinheiro vivo. De acordo com uma estimativa, o montante dos furtos teria chegado a 1,3 milhões de euros em 2009. As penas são bem inferiores às requisições da Promotoria, que havia solicitado 15 anos de prisão em regimes fechado contra Fehim Hamidovic, e 12 contra sua mulher. O advogado de Hamidovic se disse satisfeito com o veredito, e declarou que não entrará com recurso contra a decisão. Com o pronunciamento da sentença, o casal está definitivamente proibido de entrar no país. O tribunal também ordenou o confisco dos bens de diversos acusados. Outras 20 pessoas que integravam a rede foram julgadas, e apenas uma delas foi libertada. A maior parte do bando era originária da Bósnia Herzegovina, e foram acusados de formação de quadrilha, incitação de menores ao crime, tráfico de seres humanos e furtos. A rede de batedores de carteiras do metropolitano de Paris foi desmantelada em novembro de 2010, quando a polícia, agindo de forma preventiva, efetuou uma série de prisões no sul da França e na Itália. O bando também tinha filial na Bélgica, Espanha e Itália. As meninas menores do bando de Hamodovic davam preferência aos turistas asiáticos.
 
A região parisiense registra um aumento da violência na rede de transporte público. Nos últimos 12 meses, os roubos aumentaram em quase 40% em relação ao mesmo período de 2009. Esta semana uma mulher de 27 anos morreu em uma estação do metrô de Paris depois de cair do alto de uma escada, empurrada por um ladrão em fuga. Existe uma organização poderosa controlando os batedores de carteira que atuam em Paris e outras cidades europeias, como Barcelona e Roma. Alguns dos chefões, originários da Bósnia, foram presos pela Interpol e ainda estão atrás das grades. No entanto, a rede segue funcionando com de forma contínua  e as investigações criminais ainda não esclareceram com precisão o esquema por trás do aliciamento de menores. Não se trata meramente de crimes do dia a dia, mas a crescente onde de violência. Os parisienses ficaram chocados ao tomar conhecimento de um incidente trágico, ocorrido na estação Ettiénne Marcel, na linha 4 do metrô. Em pleno centro da capital, uma jovem de 27 anos morreu ao cair do alto de uma escadaria da estação, “empurrada por um ladrão que acabara de roubar um telefone celular e estava em fuga”. A vítima de origem vietnamita andava pela estação e sem querer cruzou o caminho do ladrão.
          Na queda, ela bateu a cabeça várias vezes ao rolar do alto da escada e, apesar de ter sido socorrida, não resistiram a um grave traumatismo craniano, falecendo no hospital horas mais tarde. As câmeras de segurança do metrô filmaram a ação, mas as imagens do rosto do ladrão são de baixa qualidade, impedindo sua identificação. Segundo o policial encarregado das investigações da morte da vietnamita, comandante Bruno Terrenzi do departamento de investigações judiciárias da brigada da rede ferroviária, é raríssimo que uma agressão dessa natureza termine de forma tão trágica como a morte. Em entrevista ao jornal Le Fígaro, o policial lembra que o último caso parecido, registrado pela brigada, aconteceu em agosto de 2007, na estação Bir-Hakeim, também muito utilizada pelos turistas que visitam a Torre Eiffel. Um jornalista esportivo italiano de 40 anos, que passava férias em Paris, morreu ao ser agredido por dois ladrões que roubaram sua mochila no interior da tumultuada estação.
Bibliografia geral consultada.

BAUMAN, Zygmunt, Globalização: As Consequências Humanas. Rio de Janeiro: Editor Jorge Zahar, 1999; BOLAFFI, Guido, Dictionary of Race, Ethnicity and Culture. Estados Unidos: Sage Publications Editor, 2003; FOUCAULT, Michel, “É Inútil Revoltar-se?”. In: Ditos e Escritos – Ética, Sexualidade e Política. Volume V. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2004, pp. 77-81; POCHMANN, Márcio, O Emprego na Globalização. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005; HEAP, Simon, “Their Days are Spent in Gambling and Loafing, Pimping for Prostitutes, and Picking Pockets: Male Juvenile Delinquents on Lagos Island, Nigeria, 1920s–60s”. In: Journal of Family History, 35 (1): 48–70; 2010; Artigo: “Metrô de Paris: Leitora conta como agem os batedores de carteira”. In: http://www.viajenaviagem.com/2012/09; Artigo: “Justiça Francesa Condena Chefe de Gangue de Furtos no Metrô”. In: http://www.portugues.rfi.fr/15/05/2013; CERTEAU, Michel, La Culture au Pluriel. Paris: Union Générale d`Éditions, 1974; Idem, A Invenção do Cotidiano. Artes de Fazer. 20ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2013; KALIFA, Dominique, “Os Lugares do Crime e a Topografia Criminal e Imaginário Social em Paris no Século XIX. In: Topoi, 15 (28) jun. 2014; ROSA, Roberta Silveira Schuler, “O Personagem e o Mais Importante da Reportagem”: O Personagem Construído na Narrativa de Cotidiano do Jornal Diário Gaúcho. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação. Dissertação de Mestrado. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2015; entre outros.      

                      

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