sábado, 1 de agosto de 2015

Filme: “Melhor é Impossível” - Adorno e a Dialética Negativa

                                Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga*


Marlon Brando foi uma grande influência na minha vida”. Jack Nicholson


              Jack Nicholson cresceu em Neptune City, uma pequena cidade no condado de Monmouth, em Nova Jersey, situada a cerca de 80 km de Manhattan, próxima a Jersey Shore e Asbury Park, a meca exuberante do delitos carnavalescos e fliperama que povoam a imaginação das crianças da classe operária em South Jersey. E, neste caso, Asbury Park não precisa de uma atmosfera mítica além da criada por sua cultura de incontáveis sonhadores nativos, ente os quais se destacam Jack Nicholson, Bruce Springsteen, Danny DeVito e, se voltarmos algumas décadas para trás, o duo de comédia cinematográfica mais bem-sucedido comercialmente de seu tempo, a clássica formação burlesca-adestrada do sujeito magricela e do adorável tonto rechonchudo, Bud Abbott e Lou Costello. Como a maioria dos garotos de sua idade, Jack Nicholson idolatrava Joe DiMaggio e tinha todos os cartões dele. Adorava o Batman mais do que todo o resto por causa das habilidades humanas potencializadas muito mais que poderes supernaturais. E do Coringa. Jack preferia a telona das matinês aos sábados do que o conteúdo embaçado e tagarela da telinha tremeluzindo. Se impressionava com As Aventuras do Super-Homem ou O Cavaleiro Solitário. Para ele, era tudo muito melhor nas histórias em quadrinhos ou em sua imaginação animada do que na TV.
              Os grandes estúdios de Hollywood, havia décadas, controlavam o que poderia ser feito e o que poderia ser visto; produziam os filmes e soa distribuíam e possuíam as salas de cinema onde os exibiam. A chegada do cinema independente marcou o início do fim do Código de produção censório, e Hollywood, embora não necessariamente os grandes estúdios, passou a fazer filmes mais interessantes, explorando assuntos além do que era dominante na Era de Ouro do cinema. Em 1954, pouco depois de Jack ter chegado a Hollywood, o longa-metragem dirigido por Elia Kazan, Sindicato de ladrões, estrelado por Marlon Brando, estreou nos cinemas e substituiu Johnny Strabler por Terry Malloy como o mais novo rebelde do cinema norte-americano, um sujeito durão e viril, mas vulnerável e em busca de sua própria alma torturada. No papel de Terry Malloy, em Sindicato de ladrões, o desempenho de Brando deixou em polvorosa uma geração de jovens admiradores que, igualmente a Jack Nicholson, ansiavam por ser o próximo memorável Marlon Brando.
             “Melhor É Impossível”, em inglês: “As Good as It Gets” é um filme norte-americano de 1997, do gênero comédia romântica, dirigido por James L. Brooks e produzida por Laura Ziskin. A película é protagonizada por Jack Nicholson como um romancista “obsessivo-compulsivo misantropo”, Helen Hunt, como uma “mãe solteira” com um filho asmático, e Greg Kinnear como um artista gay. O roteiro foi escrito por Mark Andrus e James L. Brooks. Melvin Udall (Jack Nicholson) é um escritor de romances de sucesso em Nova Iorque. Ele é racista, homófobo, antissemita e misantropo. Sofre de da doença “transtorno obsessivo compulsivo” (TOC), que aliado à sua misantropia, o isola de seus vizinhos e de qualquer outra pessoa em seu apartamento em Manhattan. No filme “Melhor É Impossível”, representa dialeticamente com humor as manias de um paciente com TOC. Apesar de crônicos, segundo alguns especialistas no campo da medicina e psicoterapia, esses transtornos não comprometem as habilidades físicas e mentais do paciente.

             Vladimir Safatle admite que quando Adorno afirma que a dialética “é a consciência consequente da não-identidade”, parecerá não estar fazendo outra coisa que fornecer uma repetição contemporânea da definição hegeliana da dialética como “espírito de contradição organizado”. Isto é a consciência adorniana não procuraria transformar a irredutibilidade da experiência à norma adaequatio em bloqueio para o pensamento, mas em motor de uma experiência renovada. No entanto, há algo a mais. Pois essa não-identidade será a mesma expressão do processo que leva o pensamento identificador a deparar com um princípio de infinitização de seu objeto. Por isso, longe de uma estratégia deceptiva, a consciência consequente da não-identidade permite ao sujeito “tirar sua substância da experiência de tudo aquilo que é múltiplo, que desvia, que dissolve”. Ipso facto, se estamos falando de não-identidade, e não exatamente de diferença, é porque se trata de insistir na dimensão processual do pensamento. Há um processo que precisa passar pelo fogo da resistência à identidade para que as determinações insidiosamente permanecem como representações  naturais possam ser queimadas uma a uma. A força da reificação e da gramática da finitude é muito maior do que gostaríamos de acreditar; ela passa todos os poros da experiência, retorna quando menos esperamos. Os meandros da sua resiliência são astutos, mas são combatidos através da explosão interna de sua gramática, e esta é a estratégia dialética por excelência (Cf. Safatle, 2019: 50).
             O filme Melhor é Impossível estreou no Natal de 1997, sob críticas unânimes e com uma tremenda bilheteria. Sean Mitchekk, no Los Angeles Times, chamou o filme de “mais engraçado é impossível”. Jack foi exaltado por vários outros críticos de cinema por sua maravilhosa interpretação, especialmente como ele foi capaz de equilibrar o humor e a compaixão por seu personagem. O filme passaria  a arrecadar 314 milhões no mundo todo, tornando-se a segunda melhor bilheteria de sua carreira, depois de Batman. O burburinho sobre um Oscar começou de imediato. Jack deu corda o quanto pode, concedendo um mínimo de entrevistas ás revistas - já tinham lhe causado problemas o suficiente - e continuou se recusando a aparecer em qualquer programa de televisão para promover o filme. O estúdio o pressionava, mas não havia nada que pudessem fazer. Constava me seu contrato que não teria de fazer qualquer tipo de divulgação se não quisesse. E ele não queria. Apesar da ausência de Jack, houve também rumores sobre um Globo de Ouro por sua atuação, e o The New York Times se valeu disso para tecer uma dura análise sobre o sexismo e o etarismo em Hollywood, com Jack, infelizmente para ele, posicionado bem no centro do alvo. O artigo responsável por todo esse papo desanimador foi escrito pela feminista e crítica de cinema Molly Haskell.  
              Como intérprete no filme o ator almoça todos os dias, na mesma mesa do mesmo restaurante, usando esses pequenos e desconfortáveis talheres descartáveis que ele mesmo leva consigo para utilizá-lo em seu cotidiano. Ele se interessa pela garçonete Carol Connelly (Helen Hunt), a única funcionária que, disciplinada e atenta no âmbito do famoso restaurante que tolera seu comportamento de freguês elitista e abusivo. Determinado dia, um vizinho de Melvin, o artista plástico, homossexual, Simon Bishop (Greg Kinnear) é internado em um hospital por causa de um assalto à sua residência. Melvin é forçado pela própria ética de solidariedade a cuidar de Verdell, o cachorro de Simon. Apesar de Melvin odiar o cachorro, por mais difícil que seja o obstáculo à sua frente, ele sabe que nenhuma pessoa no mundo consegue viver só. Assim, ele acaba criando laços de amizade com o animal, na medida em que começa a ganhar atenção da garçonete no restaurante que ele frequenta. Suas vidas começam a se misturar a partir da volta de Simon do hospital.  
                 Enquanto método de análise em filosofia, a dialética representa uma concepção no âmbito geral das leis do movimento, tanto no mundo externo quanto do pensamento humano. Através dela compreendemos que as coisas estão sempre em relação recíproca. Nada acontece por acaso, tanto nos fenômenos da natureza como nas relações sociais entre os homens. Ela é a representação (Αντιπροσώπευση) da estrutura contraditória do real. Nada pode ser entendido isoladamente, fora da realidade à sua volta. Tudo e todos pertencem a uma “totalidade dialética”, isto é, fazem parte de uma estrutura de conhecimento. Inscrita na tradição da Teoria Crítica, a dialética negativa recupera a questão central dessa vertente: a emancipação do homem. Os pensadores dialéticos da Escola de Frankfurt (cf. Jay, 1973; Horkheimer e Adorno, 1985; Wiggershauss, 1994; Thomson, 2010) questionam um sistema que nega ao homem o direito à própria vida enquanto totalidade contraditória: biológica, social, intelectual, política, econômica etc. Conscientes do poder mistificador da ideologia, um poderoso artifício presente nas relações sociais, eles se revelam melancólicos, para lembramos de Walter Benjamin, na busca por um mundo melhor e mais justo.
Criticam de maneira original e inclusiva, a indústria cultural que é usada para manipulação das massas e para matar, já na raiz, as legítimas manifestações culturais dos seres sociais. Para atingir essa emancipação, contra os vetores opressivos da sociedade moderna, Theodor Adorno retoma o método filosófico inicialmente apresentado por Hegel: a dialética (cf. Kojève, 1973; Labarrière, 1975). No entanto, Adorno inverte o princípio mesmo de funcionamento deste método. Em vez de basear o conhecimento humano sobre a identidade (na consciência) entre os objetos e o sujeito pensante, como “Aufhebung” em Hegel, a dialética de Adorno representa um conhecimento agudo da não identidade entre sujeito e objeto. Em outras palavras, a dialética negativa representa a consciência dessa diferença e da impossibilidade abarcar o todo por meio do simples pensamento.
O estilo dialético extremo da obra “Minima Moralia”, que data de 1944-1947, foi publicado em 1951, contrapõe proposições hiperbólicas e conflitantes em uma tentativa de manter o pensamento estruturado em movimento, pode permitir que colocassem tal afirmação, aparentemente exagerada, entre parênteses, como um momento no pensamento de Adorno que parece ter mais certeza e ser igualmente severo. Uma das grandes forças dos escritos de Adorno é a sua capacidade de ligar as maiores questões metafísicas aos menores detalhes da existência humana, como ele argumenta na introdução a “Minima Moralia”, isso, em parte, é uma herança do genial Hegel.   
Eu iria quase ao ponto de dizer que mesmo a visita aparentemente inofensiva ao cinema a que nos condenamos deveria ser acompanhada pela constatação de que tais visitas são na verdade uma traição dos discernimentos que adquirimos e que elas provavelmente nos enredarão - reconhecidamente, apenas num grau infinitesimal, mas certamente com certo efeito cumulativo - no processo que nos transformará naquilo que se espera que nos transformemos e no que estamos fazendo de nós mesmos para poder sobreviver, e assegurar que nos conformemos” (cf. Thomson, 2010).
Vale lembrar que o filme: As Good as It Gets” é um filme norte-americano de 1997, do gênero comédia romântica, dirigido por James L. Brooks e produzida por Laura Ziskin. É estrelada por Jack Nicholson como um romancista obsessivo-compulsivo misantropo, Helen Hunt como uma mãe solteira com um filho asmático, e Greg Kinnear como um artista gay. A singularidade também se relaciona a questão de gênero. Os atores de “As Good As It Gets” ganharam ambos os prêmios de atuação de protagonização, o que é raro e o primeiro desde 1991, quando aconteceu com “O Silêncio dos Inocentes”. Ele é classificado naquela conjuntura particular, na posição 140° da revista Empire da lista de “Os 500 Melhores Filmes de Todos os Tempos”. Ao receber o prêmio Óscar de melhor ator pelo filme: “Melhor É Impossível”, Jack Nicholson o dedicou ao ator James Thomas Patrick Walsh.  que atuou como o grande vilão de Breakdown, com Kurt Russell. Seu último trabalho foi no filme O Negociador, ao lado de Kevin Spacey e Samuel L. Jackson. Faleceu em 27 de fevereiro de 1998 vitimado por um ataque cardíaco. Jack Nicholson havia trabalhado juntos em “A Few Good Men” e que havia falecido pouco antes.
           Ao se apaixonar por Carol, Melvin se vê aos poucos livre de sua doença, deixando alguns rituais de lado e sendo uma pessoa melhor, para que Carol se apaixone por ele também. Para Melvin, sua loucura é o centro da sua doença. Ele não reconhece que não tem controle sobre os seus atos. Enquanto anda pela rua, pede às pessoas que não o toquem. Os sintomas ritualísticos de Melvin são: a) Trancar e destrancar a porta várias vezes, contando todas; b) Ligar e desligar as luzes, na mesma contagem das trancas da porta (4 vezes); c) Sempre estar calçado; d) Come sempre com talheres de plástico e quando sai de casa, os leva consigo; e) Sempre usa luvas; f) Lava as mãos com água quente, trocando várias vezes o sabonete, como se fosse descartável; g) Medo constante de ser contaminado, pelas pessoas na rua ou por qualquer outra coisa; h) Não pisa em listras, anda na calçada, olhando atentamente para o chão; i) Excesso de simetria e exatidão. Melvin reconhece que suas obsessões como tais no seu dia a dia são excessivas, inapropriadas e irracionais quando Carol, desesperadamente acaba perguntado se ele sabe o quanto é inconveniente.            
Afetivamente após se apaixonar por Carol os sintomas de Melvin , significativamente diminuem, e como dizia Martin Heidegger, “a tendência é conselheira”, ele diz que voltou a tomar os remédios e tenta “ser uma pessoa melhor para estar com ela”. Melvin passa a ser gentil, ainda que mantenha os comentários sarcásticos. A obsessão se caracteriza por ideias fixas que o próprio paciente reconhece como desagradáveis. Mas não consegue fazer parar, gerando grande ansiedade e a necessidade de repetir gestos e práticas para aliviá-la. A compulsão é a repetição incessante dessas práticas. Mesmo causando danos que a própria pessoa reconhece, mas não consegue frear. Práticas como lavar as mãos repetidas vezes, conferir diversas vezes se o gás do fogão foi desligado, repetir gestos ou sons, mania de organização e simetria, podem ter como causa a tentativa de diminuir o desconforto causado pelos pensamentos fixos. Ou, mesmo fazerem parte de rituais supersticiosos que preveniriam a pessoa de algo ruim, mesmo ela tendo consciência “para si” de que uma coisa real provavelmente não poderia estar ligada à outra em sua imaginação individual (sonho) e coletiva.

A partir daí ele se esquece de trancar a porta, tira as luvas, pisa nas listras das calçadas, por perceber que os seus comportamentos estavam interferindo em sua vida. Jack Nicholson interpreta Melvin Udall, a) um escritor de romances de Nova York e que sofre de transtorno obsessivo-compulsivo, b) que não pisa nas rachaduras das calçadas e joga fora seu sabonete após um único uso, além de outras tantas manias que ele utiliza para se sentir bem consigo mesmo. Para piorar seu comportamento, Melvin é racista, homofóbico e misantropo, aquele que tem aversão a qualquer outro tipo de vida. Com todas essas características, o escritor tem grandes problemas de convivência. Principalmente com seu jovem vizinho gay, Simon (Greg Kinnear) e com a destreza da garçonete Carol (Helen Hunt), a única que compreende e reconhece as suas estranhezas e o modo como ele gosta de ser atendido nas manhãs. Mas se irrita facilmente quando ele resolve falar.                         
Tudo muda na vida de Melvin Udall quando Simon é agredido e passa a ter um fracasso total em sua profissão. Entra em uma profunda depressão e Udall é o único vizinho que aceita cuidar do suicida. Pois tinha uma grande simpatia por seu cachorro, animal que faz nascerem sentimentos desconhecidos no talentoso escritor. A garçonete Carol sai do restaurante para cuidar de seu pequeno filho que sofre de asma. É então, que para ter sua garçonete de volta, Melvin contrata um médico particular para dar astendimento ao garoto, para que ela pudesse trabalhar no restaurante e servi-lo. De imediato, achando tudo estranho, Carol compreende que o irritante senhor havia salvado sua vida. E numa troca de favores recíprocos, a vida de Melvin, Carol e Simon irão se entrelaçarem do ponto de vista da dialética negativa, aonde, três pessoas completamente diferentes irão se deparar com uma única coisa extraordinária, mas em comum: o medo de encontrar a normalidade em suas vidas.

Ficha técnica
Título: “As Good as It Gets”.  
Ano produção: 1997. 
Dirigido por James L. Brooks. 
Estreia: 6 de Março de 1998 (Brasil). 
Duração: 139 minutos. 
Gênero: Drama. 
Elenco: Cuba Gooding Jr., Greg Kinnear, Hellen Hunt, Jack Nicholson. 
País de Origem: Estados Unidos da América. 


Bibliografia geral consultada:

LACAN, Jacques, O Mito Individual do Neurótico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1953; JAY, Martin, Adorno. Londres: Editor Fontana, 1984; LOWENTHAL, Leo, “Recollections of Theodor W. Adorno”. Disponível em: Telos, 61, 1984; pp. 158-165; KOJÈVE, Alexandre,  Introduction à la lecture de Hegel. Paris: Éditions Gallimard, 1973; HORKHEIMER, Max e ADORNO, Theodor, Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985; DOR, Joel, O Pai e sua função em psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991; WIGGERSHAUSS, Rolf, The Fankfurt School: Its History, Theories and Political Significance. Cambridge: Polity Editor, 1994; KRAKAUER, Eric, The Disposition of the Subject: Reading Adorno`s Dialectical of Technological. Evanston: Northwestern University Press, 1998; JÔ GONDAR, Sobre as Compulsões e o Dispositivo Psicanalítico. Rio de Janeiro: Ágora, vol.4 n° 2, julho-dezembro 2001; BOUVET, Maurice, “O Ego na Neurose Obsessiva. Relação de Objeto e Mecanismo de Defesa”. Disponível em: Manuel Tosta Berlinck (org.) Obsessiva Neurose. São Paulo: Editora Escuta 2005; THOMSON, Alex, Compreender Adorno. Petrópolis, RJ: Editores Vozes, 2010; ELIOT, Marc, Nicholson. A Biografia. Barueri, SP: Novo Século Editora, 2015;  entre outros.   

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