quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Mudança Social & Ideologia dos Partidos Eleitoreiros.

Ubiracy de Souza Braga*

Nossa mudança não é de fisiologismo, é de luta. Mudei de partido para lutar”. Cid Ferreira Gomes

Oligarquia é um termo comumente referido enquanto uma relação social cujo sentido é dado, implicitamente, como óbvio – daí aparentemente não ser compreendida como suspostamente carecendo de qualquer explicação. O problema é que diferentes autores em sociologia e teoria política tomam o termo de formas muito distintas. Contudo, o uso mais rigoroso desse conceito, dando-lhe tratamento teórico, histórico e analítico ao mesmo tempo mais preciso, rigoroso e complexo, pode demonstrar-se bastante útil para ao menos com relação a três fins: 1) Como termo para designar grupos políticos tradicionais que dominam determinadas regiões, ou, por derivação de interesses, seu governo; 2) Como termo tomado na sua acepção clássica, platônica e aristotélica, de “governo dos ricos” ou, por extensão, como o “grupo dos ricos”. Trata-se de um uso que não se distingue completamente do primeiro significado; 3) Como um grupo minoritário dotado de poder dentro de organizações, principalmente, mas não só as de caráter representativo, ou de seu governo.
A pesquisa teórica sobre a “oligarquia no partido” foi levada a cabo justamente na organização partidária que tinha como finalidade democratizar na sociedade alemã, o partido socialdemocrata, onde o consenso e a pública declaração afastava a hipótese adiantada pelo inquiridor. Robert Michels demonstrou que a necessidade de organização e burocratização suscitou o aparecimento de uma camada de dirigentes autoritários que despertaram nas massas sentimentos “favoráveis” e que chegaram a considerar a sua qualidade de “representantes” como propriedade particular. A mídia interage como um partido político, sataniza o eleitor, cultua o personalismo através da individualização das referências e da veiculação das imagens nas primeiras páginas dos jornais consumidos pelos leitores. É facistóide no período eleitoral, com a repetição ininterrupta formando o “capital da notícia”. É sicofanta das estruturas de poder global em detrimento do pobre, massa de manobra, delinquido, delinquente, “morador de rua”.

        A família em questão tem como representação a oligarquia Ferreira Gomes, composta pelos irmãos Cid Gomes (PSB), ex-governador do Ceará e presidente estadual do partido; Ciro Gomes, ex-deputado federal e ex-ministro dos governos Itamar Franco (1994) e de Luís Inácio Lula da Silva (2004); e ainda pelo deputado estadual Ivo Gomes, ambos também no PSB. O gosto dos irmãos pela política é uma herança do pai, José Euclides Ferreira Gomes Júnior, que, no final da década de 1970, foi prefeito de Sobral, a 238 km de Fortaleza. Do ponto de vista do troca-troca de partidos políticos, Cid Ferreira Gomes foi filiado ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Partido Popular Socialista (PPS), Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Partido Republicano da Ordem Social (PROS). Atualmente, é filiado ao Partido Democrático Trabalhista (PDT). Foi governador do estado do Ceará por dois mandatos. Em 2006, Cid Gomes foi eleito Governador do Ceará, derrotando o então ocupante do cargo, Lúcio Alcântara, em primeiro turno, com 62,38% dos votos. Quatro anos depois, foi reeleito, também no primeiro turno, com 62,31% dos votos. No primeiro mandato de governador, o vice foi Professor Pinheiro um historiador e político filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) e, no segundo, Domingos Filho.
              É Doutor em História Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professor do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará (UFC), onde se graduou. É especialista em História Social da Igreja na América Latina pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Foi presidente da Associação dos Docentes da UFC, vereador de Fortaleza e presidente do diretório municipal do Partido dos Trabalhadores por dois mandatos. Foi também secretário da Regional IV na primeira gestão da prefeita Luizianne Lins.  Alfabetizou-se no Grupo Escolar Raul Barbosa em Jaguaribe. Cursou o ensino fundamental em Várzea Alegre e Lavras da Mangabeira, ambos no Ceará, retornando a Jaguaribe para cursar o ensino médio no Colégio Clóvis Bevilacqua. Concluiu os estudos em 1971 no Colégio Farias Brito, em Fortaleza. Do ponto de vista conceptual o autoritarismo inscreve uma forma de governo caracterizada pela ênfase na autoridade do Estado, em uma República ou União. É um sistema político controlado por legisladores que usualmente permitem algum grau de liberdade individual. Mas que tem como prerrogativa e pode ser definido como um comportamento em que uma instituição ou preferentemente pessoa se excede no exercício da autoridade que lhe foi investida afastando-se da democracia.  Sociologicamente estamos longe de admitir que o sistema federativo brasileiro possa modificar substancialmente a herança oligárquica alimentada pelos regimes autoritários, rumo a uma estrutura política mais inclusiva e democrática em sua estrutura e comportamento societário. Ipso facto, pode ser caracterizado socialmente pelo uso e consequentemente como abuso de poder (e da autoridade) confundindo-se claramente com o despotismo. Nas relações sociais e humanas o autoritarismo pode se manifestar: a) como elemento na vida nacional onde um chefe de partido político age sobre milhões de cidadãos, b) até o âmbito da vida familiar, onde existe a dominação de uma pessoa sobre outra através do poder financeiro, econômico ou pelo terror e coação.

A ideia de dominar a sociedade por meio de algum tipo de consenso não é nova. O perturbador problema por meio do confronto decorrente da apropriação capitalista da mais-valia perseguia a economia política clássica praticamente desde o início, e sua última grande figura, Ricardo, não tentou ocultar as inconciliáveis contradições envolvidas. Em 1799 Ricardo teve o primeiro contato com A Riqueza das Nações, de Adam Smith, tendo se impressionado profundamente com o livro. Sua primeira participação no debate público deu-se dez anos depois, em 1809, tratando de questões de economia monetária. O debate era sobre a livre conversibilidade da moeda inglesa, a possibilidade de converter-se qualquer libra emitida pelo governo britânico em ouro, no momento em que se desejasse. Esta conversibilidade, o pilar do que conhecemos como padrão-ouro, estava suspensa desde 1797 em função da desvalorização das notas em relação à cotação do ouro. Ou seja, um processo de inflação, de aumento dos preços das mercadorias em relação à unidade monetária, fizera com que o governo suspendesse a garantia no pagamento com ouro de suas próprias notas. Ricardo colocou-se desde o primeiro momento como defensor da volta da conversibilidade, argumentando que o deslizamento do valor da moeda provocava quebra de confiança nos contratos e favorecia os “devedores ociosos e pródigos em detrimento do credor industrioso e frugal”.

Mas foi sob as circunstâncias de sua interpretação das causas da inflação que Ricardo trouxe uma contribuição que permaneceu desde então presente no debate econômico global. Para Malthus, importante economista da época e que desenvolveria intenso debate com Ricardo em outras questões, divergindo quase sempre, embora ambos desfrutassem de uma grande amizade, a causa da inflação estava na elevação dos preços dos cereais, devida à ocorrência de guerras que prejudicavam o abastecimento. Ricardo mudou o rumo da discussão ao apontar que a causa do aumento dos preços residia no excesso de emissões de notas pelo Tesouro inglês, que deveria, para restabelecer a paridade, recolher o excesso de papel-moeda na mesma proporção da elevação de preços havida. Formulava uma das primeiras versões da Teoria Quantitativa da Moeda - segundo a qual o nível geral de preços guarda estrita proporcionalidade com a quantidade de bens e serviços transacionada na economia e com a quantidade de moeda em circulação, dados os hábitos de pagamentos da comunidade. Esta teoria tem-se mantido para vertentes da teoria econômica até os dias de hoje e, embora polêmica por seus efeitos, serve de base para as doutrinas ortodoxas de combate à inflação.

                                                                              As conclusões de Ricardo, melhor expressas em uma nova intervenção sob o título de Propostas para um Numerário Seguro, de 1910, serviram de base para a formação do Bullion Comittee, que endossaria suas propostas e recomendaria a volta da conversibilidade da moeda - o que ocorreu em 1821. O regime de padrão-ouro serviria de base para os sistemas monetários europeus até a eclosão da 1ª grande guerra. Ricardo afirmava que, sob o padrão-ouro, a estabilidade monetária e os fluxos de capitais entre os países poderiam ser regulados automaticamente, sem a intervenção dos governos nacionais, apenas se fossem deixadas operando as forças de livre mercado. Imagine-se um país em que por qualquer razão os preços internos estivessem em elevação em relação ao ouro poderia ser, por exemplo, pela ocorrência sistemática de superávit na balança comercial, com acúmulo do metal e sua desvalorização ante os demais bens. Nesta situação, a livre concorrência propiciaria um fluxo de oferta de bens estrangeiros naquele país, fazendo escoar-se o excesso de ouro através das importações e reequilibrando os preços internos. A situação oposta, de diminuição de preços internos pela escassez de ouro, seria resolvida pelo aumento das exportações e recuperação do lastro metálico.

Outro importante debate foi marcado pela participação de Ricardo e nasceu daí a redação dos Princípios de Economia Política e Tributação. A discussão era sobre as “corn laws”, leis inglesas que sobretaxavam os cereais importados abaixo de determinado nível de preços. O objetivo destas leis era proteger os produtores domésticos de cereais da concorrência externa, fazendo, no entanto, com que os preços de importantes produtos da subsistência dos trabalhadores ingleses ficassem mais caros. A polêmica antepunha os industriais e populações urbanas, de um lado, aos produtores agrícolas e proprietários de terras, de outro, e Ricardo, ferrenho defensor dos interesses industriais, passou a atacar as “corn laws”. Em seu texto de 1815 intitulado: Um Ensaio Sobre a Influência do Baixo Preço do Trigo Sobre os Lucros do Capital, Mostrando a Inconveniência das Restrições à Importação, Ricardo demonstrava que a proteção aos produtores nacionais de cerais menos eficientes fazia aumentar a proporção da renda da terra e dos salários que deveriam ser maiores em relação aos preços dos demais bens para acomodar os preços maiores dos bens da cesta básica em relação aos lucros. Esta transferência de renda dos setores dinâmicos para os menos eficientes fazia diminuir a intensidade da acumulação e do crescimento da economia. A superioridade da argumentação lógica de Ricardo, ainda que não tenha convencido seus opositores, pois os grandes debates de economia dificilmente produzem consensos, reforçou a notoriedade do autor e o colocou em contato estreito com importantes economistas da época, tais como James Mill e Malthus, que o incentivaram decisivamente a escrever uma obra que reunisse todo o seu pensamento econômico. 

Esta obra, uma reelaboração do Ensaio sobre as “corn laws”, transformou-se nos Princípios, a primeira grande sistematização teórica em economia após A Riqueza das Nações, de Adam Smith. Já no prefácio de Princípios, Ricardo aponta qual era o problema central da economia política: “determinar as leis que regem a distribuição do produto total da terra entre as três classes, o proprietário da terra, o dono do capital necessário para seu cultivo e os trabalhadores, que entram com o trabalho para o cultivo da terra”. Notamos já neste ponto que o problema central de Ricardo divergia do de Adam Smith na Riqueza das Nações. Para este, a questão central estava em investigar as causas do crescimento das nações, que era a fonte de onde provinham os estímulos à acumulação de capital. Para Ricardo, a acumulação era um problema relativamente simples, já que era determinada pela manutenção das taxas de lucros em determinados patamares, garantindo a reinversão. O problema central era da distribuição do produto total entre as três categorias. E os lucros eram vistos como resíduos, formados após a dedução dos custos de produção (aí incluídos os salários) e da renda da terra. Como se dava a distribuição? O esquema de Ricardo utilizava-se da produção agrícola porque existiam aí, segundo ele, características especiais que levavam a determinar a distribuição nos outros setores.

Os salários eram fixados pelo cálculo nível mínimo necessário para garantir a subsistência dos trabalhadores. Ricardo adotava a teoria de Malthus segundo a qual o salário apontava para a subsistência, porque se se elevasse, induziria ao aparecimento de um número maior de trabalhadores (pelo aumento do número de filhos dos operários), que faria, através da concorrência, o nível dos salários baixar novamente até a subsistência. Do contrário, um nível abaixo da subsistência faria os salários retornarem ao patamar natural, pela escassez de trabalhadores que seria causada. E quanto à formação da renda da terra? Para Ricardo, a renda da terra devia-se à escassez de terras e à diferenciação das produtividades entre elas. Em uma situação ideal, em que todas as terras cultivadas obtivessem a mesma produtividade, não haveria, de acordo com o autor, a formação de uma renda diferenciada na terra. Os lucros seriam simplesmente o resíduo do produto após a dedução dos custos (para simplificar, consideremos como custos somente a parcela dos salários). Ocorre que, em uma situação real, a pressão populacional exige a ocupação de terras menos férteis para a produção crescente de alimentos. Suponhamos que todas as terras anteriormente ocupadas tivessem a mesma fertilidade e que a pressão populacional exigisse o cultivo de uma nova porção de terras com qualidade inferior.

A produção nesta terra exibirá um produto líquido menor (produto total menos os salários pagos) e, portanto, determinará uma taxa de lucro inferior. Como o sistema opera sob condições de livre concorrência, esta nova taxa de juros impor-se-á ao resto do sistema. Nas terras de qualidade superior, aparecerá agora um resíduo que será a renda da terra. Com a diminuição do produto líquido, a renda diferenciada da terra nada mais será do que um pagamento efetuado aos proprietários do recurso escasso, impondo uma redução da mesma magnitude sobre os lucros e diminuindo a taxa de acumulação do sistema e, portanto, a taxa de investimento, já que, segundo o esquema de Ricardo, são os capitalistas que investem. Ficava então determinado para Ricardo o esquema de distribuição e de determinação da taxa de lucros e do potencial de acumulação. Num esquema de livre concorrência, a distribuição entre retorno do capital e pagamentos aos proprietários de terras se dava de acordo com a ocupação das terras. Prosseguindo-se ao limite a ocupação das terras menos férteis, chegar-se-ia à situação em que o produto líquido extraído da terra de menor fertilidade seria suficiente apenas para cobrir a parcela de custos, o pagamento da subsistência dos trabalhadores, no esquema simplificado; em todas as terras de maior fertilidade, seriam geradas rendas diferenciadas de magnitudes crescentes apropriadas pelos proprietários de terras, como dedução do produto líquido.

A taxa de lucro estaria então reduzida a um mínimo e o sistema entraria em estagnação, gerando apenas o suficiente para repor o desgaste do capital no processo produtivo - este era o chamado estado estacionário que Ricardo via como produto inevitável da expansão do sistema. É claro que poderiam ocorrer fatos que adiassem momentaneamente a chegada do estado estacionário. Era o caso das inovações tecnológicas na agricultura fazendo aumentar a produtividade em todas as terras e barateando a parcela destinada à reprodução da classe trabalhadora. Era o caso também do comércio internacional, que poderia evitar o efeito da ocupação das terras menos férteis com a compra pelo país de produtos com maior produtividade no exterior, evitando-se assim a rebaixa geral na taxa de lucros. Daí o porquê de Ricardo ter defendido com tanto rigor a extinção das “corn laws” na Inglaterra. Ricardo era um aplicado defensor do liberalismo no comércio internacional. Como vimos acima, para ele, as transações entre os países eram um mecanismo poderoso para infundir ânimo aos sistemas econômicos. Em sua visão, as trocas internacionais seriam vantajosas mesmo em uma situação em que um determinado país tivesse maior produtividade que o outro na produção de todas as mercadorias. Ele criou o famoso exemplo do comércio de tecidos e vinhos entre a Inglaterra e Portugal. A teoria das Vantagens Comparativas de Ricardo foi a base para a construção de toda uma vertente de teorias de comércio internacional que dominou por muito tempo o debate econômico. O esquema lógico ricardiano fornecia o substrato para um sistema de comércio mundial ancorado no padrão-ouro e no livre-cambismo.

Se o sistema do padrão-ouro recebeu abalo definitivo após a 1ª grande guerra (1914-18), a teoria das vantagens comparativas ainda tinha muita força entre os economistas da maioria dos países na entrada dos anos 50, quando se iniciava a etapa da rápida industrialização nos países subdesenvolvidos. E foi com ela que tiveram de dialogar com os defensores da industrialização latino-americana, quando se tratava de demonstrar que seus países necessitavam industrializar-se - ainda que daí resultasse uma produção menos eficiente que a das indústrias congêneres dos países mais avançados. Para demonstrar o desacerto das proposições retiradas do esquema ricardiano de vantagens comparativas, os economistas latino-americanos diziam que o universo ricardiano não podia funcionar perfeitamente nas condições que se apresentavam nas trocas entre os países centrais e a periferia, porque os pressupostos do livre-cambismo não ocorriam de maneira perfeita - nem os ganhos de produtividade ocorridos nos países centrais eram repassados aos preços dos produtos (a organização dos trabalhadores e o monopólio das novas tecnologias faziam reter estes lucros sob a forma de salários maiores, lucros extraordinários ou de repasses ao Estado de Bem-Estar), nem na periferia os ganhos de produtividade podiam ser retidos em função da desorganização do mercado de trabalho, pela heterogeneidade entre os setores econômicos. 

Ainda assim, veja-se que era tão hegemônico o esquema ricardiano, que suas críticas mais contundentes eram formuladas a partir de dentro da teoria, como “casos especiais” para os quais o universo ricardiano deixava de operar como esperado do pensamento elitista. Na sua análise sobre o poder político critica a tripartição aristotélica das formas de governo: monarquia, oligarquia e democracia e sustenta só haver uma forma de governo exercida por uma única classe política, a oligarquia. Considera que, em cada sociedade, existem apenas duas classes: os governantes, que são as elites que detêm o poder, e os governados, isto é, o resto da sociedade. É autor de ensaios como: Teorica dei Governi e Governo Parlamentare (1884), Questioni Costituzionali (1885), Elementi di Scienza Politica (1896), Appunti di Diritto Costituzionale (1906), Saggi di Storia delle Dottrine Politiche (1927), e neste sentido, a governabilidade da elite política no poder é organizada de tal modo que mantém num processo de longo prazo, “a própria posição, tutelando seus próprios interesses, para isso utilizando até mesmo os meios públicos à sua disposição”. Por este motivo, acredita que a democracia, o parlamentarismo, o socialismo sejam somente utopias ou teorias políticas construídas para “legitimar e manter um poder que sempre está em mãos de poucos homens”. Enfim, o elitismo é uma categoria social de interpretação que sustenta que o poder : a) só se reproduz por vias democráticas quando a oligarquia permite o ingresso dos membros de qualquer classe social; b) existe uma reprodução do poder pela via aristocrática, mas a substituição ocorre sempre no interior da elite. Enfim, c) essa troca dependerá também da situação do Estado. Numa condição de guerra, por exemplo, o ingresso na classe política será facilitado para os generais, comandantes, etc. 

Gaetano Mosca foi senador durante o período de governo liberal e, sendo o cargo vitalício, também durante o fascismo, ideologia com a qual não concordava absolutamente, o que o fez refletir “sobre o valor daquele parlamentarismo tão criticado nas suas primeiras obras”. Ocupou-se exclusivamente das chamadas “elites políticas”, embora não utilizasse o termo “elite”, mas, “classe política”. A recusa do termo “elite” se justifica na medida em que o seu significado pode conduzir à ideia de que aqueles que estão no poder sejam “in partibus infidelium”, ou, “nelle terre dei non credenti: os elementos melhores da sociedade”. Tais minorias governantes são formadas por indivíduos que “se distinguem da massa dos governados por certas qualidades que lhes dão certa superioridade material, intelectual ou mesmo moral. Em outras palavras, esses indivíduos devem ter algum requisito, verdadeiro ou aparente, fortemente valorizado na sociedade em que vivem” - ou então devem ser os herdeiros daqueles dotados dessa característica.  Em Mosca, existem dois casos recorrentes da vida política, os quais são somente fenômenos aparentes: existe um só homem no comando. A elite se deixa destituir pela massa movida pelo descontentamento. A autocracia se baseia na classe política, e governo não pode ir contra a classe política: princípio da organização. Por mais que a “massa” possa acreditar que pode destituir uma elite, surgirá uma restrita classe, pois sem classe política não se governa.

Os Ferreira Gomes pulando de partido.
Embora se reconheça que, em muitos casos e em muitas situações, os partidos políticos manifestam tendências oligárquicas, a interpretação de Robert Michels foi criticada porque ela apresenta como “lei” um fenômeno que pode verificar-se em algumas circunstâncias históricas, pode ser uma tendência em outras, ou pode até nem apresentar-se de fato em outros casos ainda. O modo de funcionamento dos partidos políticos  não é uniforme. Ele pode variar segundo os tempos históricos e os lugares e espaços é por isso difícil, a propósito, encontrar uma regra entre métodos que seja válida universalmente. Quando o nível de participação social for elevado e o envolvimento político dos cidadãos intenso, a delegação e o controle sobre ela serão acumulados e específicos e os partidos políticos serão levados a colocar um questionamento político que tenha em conta as exigências e as necessidades mais gerais dos próprios associados e simpatizantes. Ao contrário, quando ocorre um baixo nível de participação social e uma situação de não mobilização tornarão menos controlável a delegação favorecerá a cristalização das estruturas políticas permitindo que estas funcionem como filtro de questionamentos particulares e setoriais. Em resumo, a possibilidade de os partidos políticos serem instrumento de democracia está dependente comparativamente do controle direto e da participação social das massas do ponto de vista local, regional e nacional, como vemos nesta conjuntura política eleitoral no Brasil.
Em uma versão mais amena da tese de Robert Michels sobre a “lei de ferro da oligarquia”, Robert Dahl concorda que as políticas dos estados não resultam da articulação dos desejos da maioria da população, mas da constante satisfação dos desejos de um número relativamente pequeno de grupos de interesse. Assim, “regras que são apoiadas apenas por uma minoria rica e educada (dinheiro e conhecimento sendo recursos políticos importantes) e contestadas pelo resto dos eleitores têm certamente mais probabilidade de perdurar do que regras que são apoiadas por uma maioria pobre e não educada e contestadas pelo restante dos eleitores. Do mesmo modo, regras intensamente apoiada por uma minoria e fracamente rejeitada pelo restante têm maior probabilidade de durar do que regras fracamente apoiada por uma maioria e intensamente rejeitada por uma minoria”. Ademais, admite que a apatia do eleitorado em geral é não só inevitável mas até mesmo desejável, contribuindo para a estabilidade do sistema. Melhor dizendo, “em certas circunstâncias um sistema democrático pode ser altamente estável se uma parte substancial do eleitorado meramente aceita-o”. Interessados nas formas manifestas individuais e coletivas de comportamento e interesse políticos - em contraste com a desorganização, ignorância e apatia da maioria – estes pensadores concluíram pela impossibilidade da democracia no sentido político clássico, negando qualquer significado efetivo a expressões como por exemplo “interesse público” e “bem comum”. Segundo Robert Dahl, alguns requisitos devem ser garantidos no âmbito da democracia, a saber: liberdade de organização; liberdade de expressão; direito de voto; elegibilidade para cargos públicos; direito de disputar o poder; fontes alternativas de informação; eleições livres e idôneas. 
Para Huntington, tal definição é vista no discurso de Gettysburg - “o governo do povo, pelo povo e para o povo” - carece de sentido, tanto do ponto de vista empírico e analítico. Assim, “a democracia tem um significado útil somente se definida em termos institucionais. A instituição chave é a escolha dos líderes por meio de eleições competitivas”. Para Giovanni Sartori, “a democracia como é na realidade, não é a democracia como deveria ser. A democracia é antes de tudo e acima de tudo, um ideal”. A persistência de algumas instituições no âmbito de democracia direta, como o Referendo e o Plebiscito, não impede que as democracias contemporâneas sejam indiretas, e que o poder se exerça e se transmita através de mecanismos de representação. Joseph Schumpeter, por sua vez, define a democracia como método de decisão política. Para ele, “o método democrático é o instrumento institucional para chegar a decisões políticas”. Segundo esse método, cada indivíduo adquire o poder de decidir, ante uma concorrência cujo objeto é o voto popular. A definição schumpeteriana é de caráter empírico, ligada aos fatos e às instituições e seu funcionamento do que a conceitos mais abstratos ou a ideais de democracia. O problema central está em garantir a existência de um método de análise para tomar decisões formalmente democráticas. Restando à maioria, em geral politicamente apática, escolher, de tempos em tempos, no momento da eleição, entre as opções apresentadas por grupos organizados. O eleitor teria, assim, um papel meramente reativo.
A direção é para Robert Michels uma consequência direta da organização e neste binômio se consubstancia o fenômeno global da oligarquia. A complexidade dos trabalhos, o volume dos problemas em cada conjuntura política, a multiplicidade dos desafios sentidos, são fatores que exigem especialização e profissionalismo. Se a capacidade de tomar decisões já existia na organização pelo simples fato de ser indispensável e ter de materializar-se para defendê-las, então ela passará a concentrar-se numa direção forte e profissional com uma regularidade tanto maior quanto mais forte for a própria organização. Crítico do genial Jean-Jacques Rousseau escreveria nos últimos textos que “a tendência para a oligarquia constitui uma necessidade histórica, uma das leis de ferro da história, às quais não puderam escapar as sociedades modernas mais democráticas e, dentro destas sociedades, os partidos mais desenvolvidos”. Sociedades e partidos, pelo fato organizacional, estariam, consequentemente, “sob a lei de ferro da minoria”. Na sua sociologia dos partidos (1982), Michels tinha enfatizado essa tese, escrevendo que a organização é a fonte donde nasce a dominação dos eleitos sobre os eleitores, dos mandatários sobre os mandantes, dos delegados sobre os que delegam de tal modo que, como diz na sua famosa síntese, “quem diz organização diz oligarquia”. 
Bibliografia geral consultada:
DUVERGER, Maurice, Os Partidos Políticos. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1954; RICARDO, David, Princípios de Economia Política e Tributação. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1982; MARCONDES FILHO, Ciro, O Capital da Notícia (Jornalismo como produção social da segunda natureza). São Paulo: Editora Ática, 1986; LENIN, Vladimir Illich, Opere complete, 45 voll., Roma: Rinascita-Editori Riuniti, 1955-1970; FREUND, Julien, Sociologie du Conflit. Paris: Presses Universitaires de France, 1983; SCHUMPETER, Joseph, Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1984; SARTORI, Giovanni, Elementos de la Teoría Política. Editorial Madrid, 1998; MÉSZÁROS, István, O Poder da Ideologia. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004; DAHL, Robert, Poliarquia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1997; AVRITZER, Leonardo, A Moralidade da Democracia. São Paulo: Editora Perspectiva, 2004; MICHELS, Robert, Sociologia dos Partidos Políticos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, Brasília, 1982, pp. 238 e ss.; Idem, Los Partidos Políticos. Un Estudio Sociológico de las Tendencias Oligárquicas de la Democracia Moderna. 2ª edición. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 2008; Artigo: “Cid Gomes Minimiza Indefinição Ideológica do PROS em Entrevista ao Roda Viva”. Disponível em: http://www.opovo.com.br/2013/10/01/; Artigo: “Eleições 2014: Brasil Precisa se Livrar do PMDB, diz Cid Gomes”. Disponível em: http://diariodonordeste.com.br/27.10.2014AMARAL, Oswaldo E.; RIBEIRO, Pedro Floriano, “Por que Dilma de novo? Uma Análise Exploratória do Estudo Eleitoral Brasileiro de 2014”. Revista de Sociologia e Política, vol. 23, nº 56, pp. 107-123, 2015; Artigo: “Dilma Sanciona Lei que Dificulta Fusão e Criação de Partidos, mas Veta Janela”. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/2015/03/; Artigo: “Após Ajustes Locais, Cid e Ciro se Filiam ao PDT até Setembro”. In: http://diariodonordeste.com.br/22.08.2015; outros.
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza:  Universidade Estadual do Ceará (UECE).

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