Leonel Olimpio*
“O conhecimento
é uma ilha cercada por um oceano de mistério”. Ludwig Wittgenstein
Quando tratamos de analisar a filosofia de Ludwig Wittgenstein
será impossível compreende-la se olharmos de maneira dogmática, ou com
parâmetros da filosofia anterior, é preciso analisa-lo com a própria filosofia
de Wittgenstein. Quando falo de uma filosofia dogmática, refiro a algo que pode
ser interpretado de modo muito sistemático, o que Ludwig detestava. Foi esse um
dos motivos dele ter se tornado fã de Sigmund Freud. O inventor da Psicanálise
escrevia e refletia de uma maneira totalmente contrária ao dogmatismo. E Wittgenstein
adorava isso, porém achava que Freud errava na conclusão de seus trabalhos
quanto a interpretação sobre os sonhos, já que o alemão tendia a levar os
sonhos para um lado sexual. Mas para Wittgenstein os sonhos tem sim um
significado, porém não dessa maneira. Porque para ele, Freud tentava separar a
interpretação dos sonhos dos sentimentos dos sonhos! E quando isso ocorre, o
sonho já teria outro sentido.
A linguagem e o mundo se correlacionam, e neste
sentido ela é uma forma de representação (“αντιπροσώπευση”), porém não
é possível descrever pela linguagem o mundo como totalidade. Essa seria a
essência de alguns dos vários pensamentos desse filósofo. A maneira como sua
filosofia é analisada por alguns intérpretes de seu legado, faz com que ele seja classificado como um filósofo neopositivista, o que é
injusto. Entendemos como neopositivista a corrente que negava em parte a
metafísica, pois eles valorizavam a ciência e achavam que a metafísica não
teria nenhuma contribuição. Considerando-a não somente inútil e contraditória
como desprovida de significado. Nessa medida isso não cabe para Wittgenstein,
que a exaltava e estudava de maneira intensa. Ele ainda chega a dizer: - “Mesmo [com] todas as questões científicas
possíveis tendo obtido resposta, nossos problemas de vida não terão sido sequer
tocados”.
Wittgenstein de fato influenciou a corrente neopositivista
com o seu “Tractatus Logicus-Philosophicus”, no entanto, o maior crítico desse
livro foi o próprio austríaco. Que inclusive em seus cadernos de 1914-16
discute o Tractatus, e em uma das
cartas da mesma época ele diz que o sentido do Tractatus é uma obra ética. Isso é uma discussão muito longa
tratada por todos que analisam e leem a filosofia de Wittgenstein. Uma
definição muito boa sobre o Tractatus
é que “O Tractatus é uma obra ética, justamente por não falar sobre ética”. Ou
seja, na interpretação de Ludwig Wittgenstein não seria possível existir uma ciência que pudesse de fato
estudar a ética. Não é que não se pudesse falar de ética, mas quando tentamos
estudá-la a perspectiva sempre será da própria pessoa que fala. E neste sentido
afirma: - “Eu só posso dizer: eu não ridicularizo essa tendência no homem, eu
me descubro diante dela”.
A metafísica para Wittgenstein nunca foi algo que
devesse ser negado ou que seria desprovido de significado. Wittgenstein se opôs
a isso, de sua maneira. Como ele mesmo diz: - “Minha filosofia é como ajudar
uma mosca a voar fora do pote”. Ele mesmo chega a admitir que o seu “Tractatus”
beirou o absurdo, foi feito contra uma filosofia dogmática e quase se torna
uma. A importância do amadurecimento intelectual de Wittgenstein em sua
filosofia é grande e sempre deve ser ressaltada. Ele foi o maior crítico dele
mesmo. Seu livro póstumo “Investigações Filosóficas” representa um aspecto de
seu amadurecimento. É nesse livro que ele quebra com a questão meramente da
linguagem única. Demonstra os “Jogos de Linguagem”, termo que demonstra como
Ludwig passa a entender a linguagem, como um jogo, em que você deve saber usar
as regras bem, como a própria linguagem.
Os filósofos neopositivistas, como já inferimos, são
tidos por quase ridicularizarem a metafísica, o que Wittgenstein não concordava
nem um pouco. O próprio diz: - “Muitas das maiores obras que já lí, eram obras,
textos metafísicos”. Sua admiração cognitiva fez com que ele se tornasse um
crítico dela e assim pudesse analisá-la. O filósofo austríaco para nos referirmos
ao ambiente de sua familiaridade intelectual, encontrava questões abordadas na
metafísica com uma concepção bem desnorteada. Com a proposição de sua filosofia
da linguagem ele encontrou várias formulações metodológicas elaboradas de
maneiras errôneas. Ele começa então através da compreensão de sua “linguagem” a
critica-la.
Wittgenstein, por exemplo, não quer saber: “O que é
liberdade?”, mas primeiro de tudo ele acha que ao formularmos essa pergunta
precipitada, primeiro deveríamos nos perguntar: “Como a liberdade é associada a
realidade?”, e, “Que realidade?”. Ou ainda: “A realidade de quem?”. É a questão
que ele próprio cita, no exemplo do jogo de Xadrez, que poderíamos nos lembrar
da clássica cena do filme: “O Sétimo Selo” do grande cineasta e gênio sueco
Ingmar Bergman, aonde o jogador de xadrez enfrenta a morte. Nós humanos quando
nos deparamos com a morte, enfrentaremos de maneiras totalmente diferentes. Cada
um com seus atos, seus sentimentos, suas frustrações, é a morte, porém, cada um
enfrenta a morte de uma maneira diferente. Você poderá jogar contra qualquer
pessoa, computador não é o mesmo jogo, mas tem as mesmas regras, porém as
experiências são diferentes, a maneira como cada um jogar o jogo é diferente.
Então se fossemos, por exemplo, refletir em análise
comparativa o filósofo Sócrates com Wittgenstein, os dois em relação ao homem,
teriam sérias discordâncias. Pois para Sócrates, o homem deve buscar a verdade
una, e para o austríaco ele indaga o que é a verdade, e ainda diria que se
existir a verdade, o que de fato seria ela? A minha dor de dente, não é igual a
sua, ou a de qualquer outro alguém, mas damos o mesmo nome a essas dores, então
qual seria de fato verdadeira? Para o austríaco se, por exemplo, duas pessoas
estivessem conversando e um falasse: - “Você gosta de futebol?”, e outro
perguntasse: - “Que tipo de futebol?”. Ludwig diria que representa um problema
de linguagem. Pois futebol para os dois seriam jogos diferentes, embora com a utilização
da mesma palavra.
É bem conhecido e narrado por muitas pessoas um “causo”
que teria acontecido entre Wittgenstein e Bertrand Russel, seu mestre. Russel
teria dito: - “Nesse quarto não há um hipopótamo”. Ludwig diz que é impossível
saber, uma pergunta que não tem como responder, pois não é uma simples pergunta,
mas uma pergunta metafísica. Russel fica indignado, chegou a olhar embaixo das mesas que estavam para provar que o animal não estaria
ali. Wittgenstein relutava em dizer que, do ponto de vista das propriedades da
filosofia da linguagem, não tem como saber a resposta para essa pergunta.
Imagem. The Music salon in the Palais Wittgenstein, onde aborda a questão dos solipsistas em seus
escritos. Ele refere-se principalmente a questão das experiências reais ou não
reais. A sua metafísica aborda muito a questão da própria realidade, até de um
ponto hermenêutico de Gadamer, que seria uma aproximação do que de fato seria
“a verdade”. A hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer nega que exista apenas
uma interpretação metodológica para se alcançar a verdade. Mas afirma que há
uma predisposição à sua existência. Porém Wittgenstein chega por uma base
lógica a refutar a ideia dos solipsistas, que eram céticos radicais. Ele
contesta o que os solipsistas dizem: - “Apenas minhas experiências são reais” e
“As experiências de todos são reais”. Há uma notória “quebra” lógica nessas
afirmações. Assim, concorda que as experiências de cada um são diferentes das
dos outros, porém essas afirmações são negativas entre si. E então, de fato há
ou não experiências reais? E o que são elas?
Para Ludwig, os filósofos deveriam ser como Friedrich Nietzsche,
quase que poetas, transbordando potência e “ajudando a mosca a voar para fora
do frasco”. Ludwig fazia isso a sua maneira, porém foi muito mal compreendido,
até pelo seu mentor, Bertrand Russel, que achava que Wittgenstein havia
enlouquecido. Um homem apaixonado, irascível, meticuloso e acima de tudo, um
gênio, que se dedicou de maneira intensa a sua filosofia, não tentou se adequar
ao mundo, mas fez com que o mundo no âmbito discursivo da linguagem tivesse que
se adequar a ele.
Bibliografia geral consultada.
WITTGENSTEIN, Ludwig, Tractatus Logico-Philosophicus. Londres: Routledge &
Kegan Paul Ltd., 1922; Idem, Investigações Filosóficas. São Paulo: Editora
Nova Cultural, 1989; Idem, The Blue Book; Wittgenstein, Ludwig, Lectures
on Philosophy (Cambridge 1932, 1933).
Monk, Ray, Ludwig Wittgenstein-The Duty of Genius. Londres: Vintage
Books, 1991; HARTNACK,
Justus, Wittgenstein y La Filosofia Contemporanea. Barcelona: Editorial
Ariel, 1977; MORENO, Arley R., Wittgenstein-Ensaio Introdutório. Rio de
Janeiro: Livraria Taurus Editora, 1985/1986; BAKER, Gordon, Wittgenstein, Frege and the Vienna Circle.
Oxford: Basil Blackwell, 1988; BUCHHOLZ, Kai, Compreender
Wittgenstein. 2ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2009; BALIEIRO, Marcos
Ribeiro, Essa Mistura Terrena Grosseira: Filosofia e Vida Comum em David
Hume. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia. São Paulo:
Universidade de São Paulo, 2009; GIMBO, Fernando Sepe, Foucault, o Ethos e o
Pathos de um Pensamento. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação
em Filosofia. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2015; SIAPKAS,
Johannes, “Ontología del Otro: Reflexiones sobre la Filosofía de Michel de
Certeau”. In: La Torre del Virrey. Revista de Estudios Culturales, nº
17, pp. 48-59, 2015/1; entre outros.
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* Aluno do curso de graduação em Filosofia. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).
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