terça-feira, 4 de agosto de 2015

Ministério Público & Prédios Abandonados na Cidade de Fortaleza.

Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga

Tudo o que pode substituir-se com facilidade pode ser abandonado mais facilmente ainda. Alexandre Dumas

               

Em meados da década de 1990 ministrava na universidade pública em que trabalho, uma disciplina intitulada: “Correntes Epistemológicas Contemporâneas” que, apresentada por mim ao colegiado de curso do extinto Departamento de Ciências Sociais, transformado posteriormente em Coordenação do curso de Ciências Sociais, (por que, eu não sei!) continha em seu programa excertos da hermenêutica de Hans-Georg Gadamer, da filosofia de transição de Georg Simmel, da fenomenologia de Michel de Certeau, e essencialmente a temática do poder simbólico desenvolvida hic et nunc por Pierre Bourdieu. Como consequência das tolas e frequentes reformas universitárias que apenas racionalizam o sistema de créditos, a nova disciplina criada como primícias do raisonnement sociologique chegou ao fim, excluída pelos próceres das Ciências Sociais.  Isto quer dizer o seguinte: uma disciplina representa um tempo social, original como fruto do processo de trabalho com começo, meio e fim que, neste caso, representa um resultado que pode se converter em causa de uma ação assembleísta. Mas isto não ocorre com frequência como “lugares praticados” nas universidades.

O Ceará é uma notável exceção de ultraconservadorismo docente. Há pouco, por exemplo, submeti ao Apostolado da instituição duas novas disciplinas para integrar a grade curricular do curso de graduação. No primeiro caso a disciplina: “Sociologia das Emoções”, e no segundo caso a disciplina: “Teoria Política Contemporânea”, acrescido do projeto de pesquisa: “A Conciliação como Princípio de Autoridade”. Esta em função do extraordinário golpe de Estado ocorrido em 2016 no Brasil. As propostas foram rejeitadas, inicialmente, talvez pelo “excesso” de disciplinas ofertadas por professores do curso de Ciências Sociais, inclusive em função de atividades programadas destinadas aos candidatos recém aprovados no exame de seleção do doutorado tardio em Sociologia.  Autores notaram a extrema confusão que reina na demasiado rica terminologia do  imaginário individual (sonho) e coletivo (mitos, ritos, símbolos): signos, imagens, símbolos, alegorias, emblemas, arquétipos, esquemas (schémas), esquemas (schèmes), ilustrações, diagramas e sinepsias são termos empregados pelos analistas do imaginário social. O esquema é uma generalização dinâmica e afetiva da imagem, constitui a factividade e a não-substantividade geral do parcours imaginário. 

O esquema aparenta-se ao que Jean Piaget, na esteira de Herbert Silberer, chama “símbolo funcional” e ao que Gaston Bachelard na filosofia chama de “símbolo motor”. Faz a junção ente dos gestos inconscientes da sensório-motricidade, entre as dominantes reflexas e as representações. São esses esquemas que na antropologia do imaginário formam o “esqueleto dinâmico”, o esboço funcional da imaginação. A diferença entre os gestos reflexológicos que Gilbert Durand descreve analogamente e os esquemas é que estes últimos já não são apenas abstratos engramas teóricos, mas trajetos encarnados em representações concretas bem mais precisas. Os gestos diferenciados em esquemas vão determinar, em contato com o ambiente natural e social, os grandes arquétipos que Jung os definiu constituem as substantificações dos esquemas. E vai buscar esta noção em Jakob Burckhardt e faz dela sinônimo de origem primordial, de enagrama, de margem original, de protótipo social. O pensador evidencia claramente o caráter de trajeto antropológico dos arquétipos quando escreve que a imagem primordial deve incontestavelmente estar em relação com certos processos perceptíveis da natureza que se reproduzem sem cessar e são sempre ativos, mas por outro lado é igualmente indubitável que ela diz respeito também a certas condições inferiores da vida do espírito e da dinâmica da vida em geral.

                 

Bem longe de ter a primazia sobre a imagem, a ideia seria tão-somente o comprometimento pragmático do arquétipo imaginário num contexto histórico e epistemológico dado. Neste sentido, o mito representa um sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e esquemas, sistema dinâmico que, sob o impulso de um esquema tende a compor uma narrativa. O mito é já um esboço de racionalização, dado que utiliza o fio do discurso, no qual os símbolos se resolvem em palavras e os arquétipos em ideias culturais. O mito explicita um esquema ou um grupo de esquemas. Do modo que o arquétipo promovia a ideia, o símbolo o nome, concordamos com Durand que o mito promove a doutrina religiosa, o sistema filosófico ou, como bem anteviu Émile Bréhier, a “narrativa histórica e lendária”.  Foi este princípio, que o psicólogo Carl Jung sentiu abrangido por seus conceitos de “Arquétipo” e “Inconsciente coletivo”, justamente o que uniu o médico psiquiatra Jung ao físico Wolfgang Pauli, dando início às pesquisas interdisciplinares em física e psicologia. A sincronicidade, vale lembrar, se manifesta muitas vezes atemporalmente e/ou em eventos energéticos acausais, e em ambos são violados princípios associados ao paradigma científico vigente.. Marc Augé, ao analisar a relação social entre lugar antropológico e não-lugares na sociedade contemporânea, transporta para o espaço a questão da alteridade: “porque os processos de simbolização colocados em prática pelos grupos sociais deviam compreender e controlar o espaço para se compreenderem e se organizarem a si mesmos” (cf. Augé, 1994: 158). O exemplo já clássico de Lévi-Strauss em relação à aldeia dos Bororos mostrava como a localização espacial das palhoças estava diretamente relacionada com a sua organização social. 

Quando os missionários salesianos mudaram sua disposição, colocando-as em linha reta e substituindo sua forma tradicional circular, os Bororos perderam o sentido das tradições e da sua própria cultura. No plano político foi a prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins que assinou um decreto que “tomba” como patrimônio do município 14 prédios de importância histórica e sociológica para a cidade. Dentre eles, o Lord Hotel, prédio localizado no Centro, onde Ivaneide Franco Marques vive há 18 anos, com seu marido e filho. Ela faz parte do grupo de cinco proprietários que resistem em deixar o local, desde que o “Metrofor” interveio para desocupar o prédio, a propósito da construção de uma linha de trem subterrâneo na beira Mar. Em 2002, a empresa ofereceu a cada morador R$ 20.500,00 para desocupar o local que, segundo o Metrofor, estava com a estrutura comprometida. - “Compramos com tanto sacrifício, e com esse valor não daria para comprar nenhum apartamento grande como esse”, afirma Ivaneide. Para ela os moradores mereciam uma indenização pelos transtornos causados pela empresa. - “Foi uma safadeza”. - “Antes tínhamos porteiro, síndico, agora, não tem mais nada disso, é cada um por si”, afirma ao se referir às atuais condições de moradia. A água consumida pelos moradores é bombeada de um poço instalado no local. - “A Cagece cortou o abastecimento, porque o prédio estava todo endividado”.  Apesar da resistência, Ivaneide sabe que um dia terá que deixar o apartamento. - “É uma tristeza, mas eu vou lutar até quando puder”.         

Com o auge do comércio empreendedor e a implantação de indústrias no Ceará, na primeira década do século XX, foi favorecida a construção e a fundação de hotéis em edifícios exemplares de mais de três andares, especialmente, no centro de Fortaleza. Assim, temos o Excelsior Hotel construído em 31/12/1931, propriedade do empresário Plácido de Carvalho, na Praça do Ferreira, considerado o primeiro “arranha-céu” de Fortaleza; o Iracema Hotel Plaza, década de 1950, construído na Praia de Iracema, continuidade da área central; o Hotel Savanah, de Pedro Lazar, construído em 12/04/1964, na Rua Major Facundo; e como objeto de análise, o Lord Hotel, construído em 1956, na Rua Liberato Barroso, onde se hospedavam, nesse período, caixeiros, turistas visitantes e viajantes. O Lord Hotel foi fundado na década de 1950, pela família Philomeno Gomes: um prédio de 8 andares, com cerca de 120 apartamentos e, por isso, é considerado um exemplar da arquitetura moderna cearense. Fruto dos negócios do industrial Pedro Philomeno Gomes, patriarca da família, que em 1947 instalou a pioneira companhia de seguros, a Ceará Seguros Gerais.                   
            As centenárias caixas-d´água localizadas no Centro de Fortaleza, na Rua Antônio Pompeu, estão abandonadas e têm ferrugens e pichações. Os equipamentos foram inaugurados no dia 3 de maio de 1926 e até meados dos anos 80, abasteciam parte da capital. O aposentado Pedro Alves lamenta a falta de cuidados com que ele considera patrimônio histórico da cidade. – “Isso aqui é uma relíquia, não pode se acabar assim, infelizmente tudo está abandonado”. Para quem passa todos os dias pelo local, relata que a forma generalizada de abandono da construção serve agora para ponto de encontro de usuários de drogas e assaltos. – “Estou passando aqui por acaso, mas não costumo mais andar por aqui devido a insegurança. Não tem a mínima condição, tem muita sujeira e lixo lá dentro”, afirmou a aposentada Fátima Matos. O hotel Iracema Hotel Plaza logo entrou na lista dos melhores de Fortaleza, tendo sido arrendado a um casal de suíços até 1959. Hospedou personalidades e artistas ilustres, nas décadas de 1960-1970. Em 1992 é desativado, transformando-se em “residência-hotel”.

 Posteriormente torna-se pousada, abriga lojas comerciais e condomínio de apartamentos, sua configuração atual. Desde 2001, a gerência do Metrofor, apoiada pelo governo do Estado do Ceará, tentou demolir o imóvel. É reconhecido pela população ainda “como o elegante Lord Hotel”, oferecendo indenizações aos proprietários e moradores contrários aos pagamentos e a derrubada do prédio, já que aí residem há mais de 30 anos. O Metrofor justificava tal empreitada pelo fato de que a estrutura do Lord não suportaria as obras da Estação da Lagoinha, ao invés de mudar a rota dos pontos de acesso do metrô. Dessa medida, contrária à preservação social da construção, tornou-se necessária uma política ineficaz de tombamento e sem preservação do Lord Hotel, no edifício Philomeno Gomes, como forma de ocupação e vivência do Centro de Fortaleza, percebido em diversos tempos históricos, por diferentes usos e sujeitos sociais.
Se o espaço “é um lugar praticado”, para concordarmos com Michel de Certeau, que desenvolve de forma conspícua a percepção fenomenológica do cotidiano, através do que ele denominou “invenção do cotidiano”, livro que já alcançou em 2013 a 20ª edição pelas Editoras Vozes, a rua geometricamente definida por um urbanismo “é transformada em espaço pelos pedestres”. Analogamente, a leitura é o espaço produzido pela prática do lugar constituído por um sistema de signos – um manuscrito. Merleau-Ponty já distinguia de um espaço geométrico outra espacialidade que denominava “espaço antropológico”, que visava separar da univocidade geométrica a experiência de um “fora” dado sob a forma de espaço e para o qual dialeticamente o “espaço é existencial” e “a existência é espacial”. Essa experiência dialética é relação com o mundo, no sonho e na percepção, de Freud aos nossos dias, e por assim dizer anterior à sua diferenciação. Ela exprime o nosso ser situado por um desejo, indissociável da existência e plantado no espaço de uma paisagem em experiências espaciais distintas.
 A cadeia das operações espacializante parece toda pontilhada de referências ao que produz uma representação de lugares ou ao que implica uma ordem local. Tem-se assim a estrutura do relato de viagem, histórias de caminhadas e gestas que são marcadas pela “citação” dos lugares que daí resulta ou que as autoridades simbólicas preconizam preconceitos. Dois pesos e duas medidas, bem equilibradas? Os relatos antropológicos efetuam um trabalho que, seguindo a etnografia extraordinária de Michel de Certeau, incessantemente, transforma “lugares em espaços” ou “espaços em lugares”. Organizam também os “jogos” das relações sociais mutáveis que uns mantêm com os outros. São inúmeros esses jogos, num leque se estende desde a implantação de uma ordem imóvel e quase mineralógica até a sucessividade acelerada das ações multiplicadoras de espaços populares, no âmbito das representações da vida. 
Mas esse “frenesi espacializante” nem por isso deixa de ser menos circunscrito pelo lugar textual. Seria possível uma tipologia de todos esses relatos, em termos de identificação de lugares e de efetuações de espaços, para aí encontrar os modos segundo os quais se combinam essas distintas operações. Onde precisa se ter critérios e categorias de análise que reduz aos relatos etnográficos com a leitura real do cotidiano que já não existe. O Museu do Mar é uma obra do arquiteto Oscar Niemeyer “que não saiu do papel”. Assim pode ser definido o “projeto do Museu do Mar”, desenhado pelo arquiteto em 2003, aos 95 anos. Ele concebeu a obra em forma de diamante, que seria construída na Praia de Iracema (CE), com entrada na altura do espigão da Avenida Rui Barbosa. O projeto foi elaborado durante o governo de Lúcio Alcântara (2003/2007) com o objetivo de mostrar “a relação do homem cearense com o mar”. Com forma octogonal, a área total do equipamento é de 4,5 mil m² e o “diamante”, em vidro, teriam 65 metros de diâmetro e 20 metros de altura: “É um projeto muito bem feito”, define Lúcio Alcântara, que diz “não saber informar por que a obra não seguiu em frente”.
O projeto já continha os cálculos para sua execução, no entanto “uma série de obstáculos impediu que fosse executada”. O ex-governador lamentou o fato de o Ceará não contar com a obra projetada por Niemeyer, acrescentando que houve muita reclamação à época e que quiseram transferi-la para o Pirambu: - “O projeto original previa a construção no espigão da Rui Barbosa, conta. Na parte central, ficaria o museu semelhante ao formato de um diamante”, comparado ao Museu de Arte Contemporânea (MAC), construído pelo arquiteto, em Niterói (RJ): - “Tenho ainda o projeto comigo. Acho que até a licitação chegou a ser aberta, recordou, admitindo que a não realização fosse “uma das coisas [que] me deixaram triste”. Lúcio contou ainda sobre a presença do projetista de Niemeyer, José Carlos Süssekind, que ao sobrevoar a cidade “para achar o local mais apropriado para a construção, escolheu a Praia de Iracema”.
O Museu de Arte Contemporânea de Niterói está localizado na cidade de Niterói, estado do Rio de Janeiro. Projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, o MAC tornou-se um dos cartões-postais de Niterói. Destina-se principalmente a obras pertencentes à arte contemporânea, todas datadas ao decorrer do século XX. Apresenta desde artes abstratas até obras retratando a ilusão da monarquia brasileira. O museu possui um acervo de 1.217 obras da Coleção João Sattamini. Um conjunto reunido desde a década de 1950, pelo colecionador, constituindo a segunda maior coleção de arte contemporânea do Brasil. Localizado sobre o Mirante da Boa Viagem, na orla de Niterói, o museu com sua fachada futurística “possibilita que o visitante desfrute de vistas panorâmicas que se lhe oferecem quer fora do museu, a partir do pátio, quer dentro do museu por um olhar pelo anel de janelas que divide este gigantesco prato de concreto em duas faixas”. O Museu de Arte Contemporânea desenvolve atividades desde 1996, chamadas de “Desafios Comunicativos da Arte Contemporânea”, com o objetivo de incentivar a produção artística contemporânea, que se coloca exposta em um espaço público onde circulam indivíduos não pertencentes ao mundo da arte. 
Bibliografia geral consultada.                                                                        
MILLS, Charles Wright, A Elite do Poder. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975; ELIADE, Mircea, O Sagrado e o Profano. São Paulo: Editora Martins Fontes Editora, 1992; ANGELI, Margarida Nilda, Museus por Teimosia. Uma Análise da Utilidade dos Museus. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Economia. Campinas: Universidade de Campinas, 1993; MARTINS, José de Souza, O poder do atraso. São Paulo: Editora Hucitec, 1994; AUGÉ, Marc, Pour une Anthropologie des Mondes Contemporains. Paris: Aubier, 1994; Idem, Où est passé l´avenir? Paris: Éditions du Seuil, 2011; SOUZA, Celina, “Elites ou lobbies: quem formula as políticas públicas brasileiras”?. In: RBCS - Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo: ANPOCS - Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais, 2001, vol.16, nº. 46; WILSON, David Mackenzie, The British Museum - A History. Londres: The British Museum Press, 2002; LUSTOSA, Isabel, D. Pedro I - Um Herói Sem Caráter. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2006; Artigo: “A Assombração do Continuísmo”. In: Revista VEJA. Edição 2056,16 de abril de 2008; METZELTIN, Michael, Wege zur Europäischen Identität. Berlin: Editor Frank & Timme, 2010; BENTO, Victor Régio da Silva, Centro e Periferia em Fortaleza sob a Ótica das Disparidades na Infraestrutura de Saneamento Básico. Dissertação de Mestrado. Departamento de Geografia. Centro de Ciência e Tecnologia. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará, 2011; ARAÚJO, Ícaro Queiroz de, Sistema Detector de Vazamentos em Instalações Prediais de Água Fria. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2015;  entre outros.

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