Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga
“Tudo o que pode substituir-se com facilidade pode ser abandonado mais facilmente ainda”. Alexandre Dumas
Marc Augé, ao analisar a relação social entre lugar
antropológico e não-lugares na sociedade contemporânea, transporta para o espaço
a questão da alteridade: “porque os processos de simbolização colocados em prática
pelos grupos sociais deviam compreender e controlar o espaço para se
compreenderem e se organizarem a si mesmos” (cf. Augé, 1994: 158). O exemplo já
clássico de Lévi-Strauss em relação à aldeia dos Bororos mostrava como a
localização espacial das palhoças estava diretamente relacionada com a sua
organização social. Quando os missionários salesianos mudaram sua disposição,
colocando-as em linha reta e substituindo sua forma tradicional circular, os
Bororos perderam o sentido das tradições e da sua própria cultura.
No plano político foi a prefeita de Fortaleza,
Luizianne Lins que assinou um decreto que “tomba” como patrimônio do município
14 prédios de importância histórica e sociológica para a cidade. Dentre eles, o
Lord Hotel, prédio localizado no Centro, onde Ivaneide Franco Marques vive há
18 anos, com seu marido e filho. Ela faz parte do grupo de cinco proprietários
que resistem em deixar o local, desde que o “Metrofor” interveio para desocupar
o prédio, a propósito da construção de uma linha de trem subterrâneo na beira
Mar. Em 2002, a empresa ofereceu a cada morador R$ 20.500,00 para desocupar o
local que, segundo o Metrofor, estava com a estrutura comprometida. - “Compramos com tanto sacrifício, e com esse valor
não daria para comprar nenhum apartamento grande como esse”, afirma Ivaneide.
Para ela os moradores mereciam uma indenização pelos transtornos causados pela
empresa. - “Foi uma safadeza”. - “Antes tínhamos porteiro, síndico, agora, não
tem mais nada disso, é cada um por si”, afirma ao se referir às atuais
condições de moradia. A água consumida pelos moradores é bombeada de um poço
instalado no local. - “A Cagece cortou o abastecimento, porque o prédio estava
todo endividado”. Apesar da resistência,
Ivaneide sabe que um dia terá que deixar o apartamento. - “É uma tristeza, mas
eu vou lutar até quando puder”.
Com o auge do comércio empreendedor e a implantação de
indústrias no Ceará, na primeira década do século XX, foi favorecida a
construção e a fundação de hotéis em edifícios exemplares de mais de três
andares, especialmente, no centro de Fortaleza. Assim, temos o Excelsior Hotel construído
em 31/12/1931, propriedade do empresário Plácido de Carvalho, na Praça do
Ferreira, considerado o primeiro “arranha-céu” de Fortaleza; o Iracema Hotel Plaza,
década de 1950, construído na Praia de Iracema, continuidade da área central; o
Hotel Savanah, de Pedro Lazar, construído em 12/04/1964, na Rua Major Facundo;
e como objeto de análise, o Lord Hotel, construído em 1956, na Rua Liberato
Barroso, onde se hospedavam, nesse período, caixeiros, turistas visitantes e
viajantes. O Lord Hotel foi fundado na década de 1950, pela família Philomeno
Gomes: um prédio de 8 andares, com cerca de 120 apartamentos e, por isso, é
considerado um exemplar da arquitetura moderna cearense. Fruto dos negócios do
industrial Pedro Philomeno Gomes, patriarca da família, que em 1947 instalou a
pioneira companhia de seguros, a Ceará Seguros Gerais.
As
centenárias caixas-d´água localizadas no Centro de Fortaleza, na Rua Antônio
Pompeu, estão abandonadas e têm ferrugens e pichações. Os equipamentos foram
inaugurados no dia 3 de maio de 1926 e até meados dos anos 80, abasteciam parte
da capital. O aposentado Pedro Alves lamenta a falta de cuidados com que ele
considera patrimônio histórico da cidade. – “Isso aqui é uma relíquia, não pode
se acabar assim, infelizmente tudo está abandonado”. Para quem passa todos os
dias pelo local, relata que a forma generalizada de abandono da construção
serve agora para ponto de encontro de usuários de drogas e assaltos. – “Estou
passando aqui por acaso, mas não costumo mais andar por aqui devido a
insegurança. Não tem a mínima condição, tem muita sujeira e lixo lá dentro”,
afirmou a aposentada Fátima Matos. O hotel Iracema Hotel Plaza logo entrou na lista dos melhores de Fortaleza, tendo sido arrendado a um casal de suíços até 1959.
Hospedou personalidades e artistas ilustres, nas décadas de 1960-1970. Em 1992
é desativado, transformando-se em “residência-hotel”. Posteriormente torna-se
pousada, abriga lojas comerciais e condomínio de apartamentos, sua configuração
atual. Desde 2001, a gerência do Metrofor, apoiada pelo governo do Estado do
Ceará, tentou demolir o imóvel. É reconhecido pela população ainda “como o
elegante Lord Hotel”, oferecendo indenizações aos proprietários e moradores
contrários aos pagamentos e a derrubada do prédio, já que aí residem há mais de
30 anos. O Metrofor justificava tal empreitada pelo fato de que a estrutura do
Lord não suportaria as obras da Estação da Lagoinha, ao invés de mudar a rota
dos pontos de acesso do metrô. Dessa medida, contrária à preservação social da
construção, tornou-se necessária uma política ineficaz de tombamento e sem preservação
do Lord Hotel, no edifício Philomeno Gomes, como forma de ocupação e vivência
do Centro de Fortaleza, percebido em diversos tempos históricos, por diferentes
usos e sujeitos sociais.
Se o espaço “é um lugar praticado”, para concordarmos
com Michel de Certeau, que desenvolve de forma conspícua a percepção
fenomenológica do cotidiano, através do que ele denominou “invenção do
cotidiano”, livro que já alcançou em 2013 a 20ª edição pelas Editoras Vozes, a
rua geometricamente definida por um urbanismo “é transformada em espaço pelos
pedestres”. Analogamente, a leitura é o espaço produzido pela prática do lugar
constituído por um sistema de signos – um manuscrito. Merleau-Ponty já distinguia
de um espaço geométrico outra espacialidade que denominava “espaço
antropológico”, que visava separar da univocidade geométrica a experiência de
um “fora” dado sob a forma de espaço e para o qual dialeticamente o “espaço é
existencial” e “a existência é espacial”. Essa experiência dialética é relação
com o mundo, no sonho e na percepção, de Freud aos nossos dias, e por assim
dizer anterior à sua diferenciação. Ela exprime o nosso ser situado por um
desejo, indissociável da existência e plantado no espaço de uma paisagem em
experiências espaciais distintas.
A cadeia das
operações espacializante parece toda pontilhada de referências ao que produz
uma representação de lugares ou ao que implica uma ordem local. Tem-se assim a
estrutura do relato de viagem, histórias de caminhadas e gestas que são
marcadas pela “citação” dos lugares que daí resulta ou que as autoridades
simbólicas preconizam preconceitos. Dois pesos e duas medidas, bem
equilibradas? Os relatos antropológicos efetuam um trabalho que, seguindo a
etnografia extraordinária de Michel de Certeau, incessantemente, transforma
“lugares em espaços” ou “espaços em lugares”. Organizam também os “jogos” das
relações sociais mutáveis que uns mantêm com os outros. São inúmeros esses
jogos, num leque se estende desde a implantação de uma ordem imóvel e quase
mineralógica até a sucessividade acelerada das ações multiplicadoras de espaços
populares, no âmbito das representações da vida. Mas esse “frenesi
espacializante” nem por isso deixa de ser menos circunscrito pelo lugar
textual. Seria possível uma tipologia de todos esses relatos, em termos de
identificação de lugares e de efetuações de espaços, para aí encontrar os modos
segundo os quais se combinam essas distintas operações. Onde precisa se ter critérios
e categorias de análise que reduz aos relatos etnográficos com a leitura real
do cotidiano que já não existe.
O Museu do Mar é uma obra do arquiteto Oscar Niemeyer
“que não saiu do papel”. Assim pode ser definido o “projeto do Museu do Mar”,
desenhado pelo arquiteto em 2003, aos 95 anos. Ele concebeu a obra em forma de
diamante, que seria construída na Praia de Iracema (CE), com entrada na altura
do espigão da Avenida Rui Barbosa. O projeto foi elaborado durante o governo de
Lúcio Alcântara (2003/2007) com o objetivo de mostrar “a relação do homem cearense
com o mar”. Com forma octogonal, a área total do equipamento é de 4,5 mil m² e
o “diamante”, em vidro, teriam 65 metros de diâmetro e 20 metros de altura: “É
um projeto muito bem feito”, define Lúcio Alcântara, que diz “não saber
informar por que a obra não seguiu em frente”.
O projeto já continha os cálculos para sua execução,
no entanto “uma série de obstáculos impediu que fosse executada”. O
ex-governador lamentou o fato de o Ceará não contar com a obra projetada por
Niemeyer, acrescentando que houve muita reclamação à época e que quiseram
transferi-la para o Pirambu: - “O projeto original previa a construção no
espigão da Rui Barbosa, conta. Na parte central, ficaria o museu semelhante ao
formato de um diamante”, comparado ao Museu de Arte Contemporânea (MAC),
construído pelo arquiteto, em Niterói (RJ): - “Tenho ainda o projeto comigo. Acho
que até a licitação chegou a ser aberta, recordou, admitindo que a não
realização fosse “uma das coisas [que] me deixaram triste”. Lúcio contou ainda
sobre a presença do projetista de Niemeyer, José Carlos Süssekind, que ao
sobrevoar a cidade “para achar o local mais apropriado para a construção,
escolheu a Praia de Iracema”.
O Museu de Arte Contemporânea de Niterói está
localizado na cidade de Niterói, estado do Rio de Janeiro. Projetado pelo
arquiteto Oscar Niemeyer, o MAC tornou-se um dos cartões-postais de Niterói.
Destina-se principalmente a obras pertencentes à arte contemporânea, todas
datadas ao decorrer do século XX. Apresenta desde artes abstratas até obras
retratando a ilusão da monarquia brasileira. O museu possui um acervo de 1.217
obras da Coleção João Sattamini. Um conjunto reunido desde a década de 1950, pelo
colecionador, constituindo a segunda maior coleção de arte contemporânea do
Brasil. Localizado sobre o Mirante da Boa Viagem, na orla de Niterói, o museu
com sua fachada futurística “possibilita que o visitante desfrute de vistas
panorâmicas que se lhe oferecem quer fora do museu, a partir do pátio, quer
dentro do museu por um olhar pelo anel de janelas que divide este gigantesco
prato de concreto em duas faixas”. O MAC desenvolve atividades desde 1996, chamadas de “Desafios Comunicativos da Arte Contemporânea”, com o
objetivo de incentivar a produção artística contemporânea, que se coloca
exposta em um espaço público onde circulam indivíduos não pertencentes ao mundo
da arte.
Bibliografia geral consultada.
MILLS, Charles Wright, A Elite do Poder. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975; ELIADE, Mircea, O Sagrado e o Profano. São Paulo: Editora Martins Fontes Editora, 1992; MARTINS, José de Souza, O poder do atraso. São Paulo: Editora
Hucitec, 1994; AUGÉ, Marc, Pour une Anthropologie des Mondes Contemporains. Paris: Aubier,
1994; Idem, Où est passé l´avenir? Paris: Éditions du Seuil, 2011; SOUZA, Celina, “Elites ou lobbies: quem formula as políticas públicas
brasileiras”?. In: RBCS - Revista Brasileira de Ciências Sociais.
São Paulo: ANPOCS - Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais,
2001, vol.16, nº. 46; Artigo: “A Assombração do Continuísmo”. In: Revista VEJA. Edição 2056,16 de abril de 2008;
METZELTIN, Michael, Wege zur Europäischen
Identität. Berlin: Editor Frank & Timme, 2010; BENTO, Victor Régio da Silva, Centro e Periferia em Fortaleza sob a Ótica das Disparidades na Infraestrutura de Saneamento Básico. Dissertação de Mestrado. Departamento de Geografia. Centro de Ciência e Tecnologia. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará, 2011; ARAÚJO, Ícaro Queiroz de, Sistema Detector de Vazamentos em Instalações Prediais de Água Fria. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2015; entre outros.
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