quarta-feira, 27 de maio de 2015

Comentários sobre Michel de Certeau & Ludwig Wittgenstein.

Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga

                          “O conhecimento é uma ilha cercada por um oceano de mistério”. Ludwig Wittgenstein


             

           A voga da frase “a utilização da linguagem ordinária” (cf. Ryle, 1980: 37 e ss.), parece sugerir a alguns intelectuais e livres pensadores a ideia de que existe uma doutrina filosófica segundo a qual: (a) todas as Philosophische Untersunchungen se ocupam com termos vernaculares, por oposição a termos mais ou menos técnicos, acadêmicos ou esotéricos; (b), em consequência, todas as discussões filosóficas devem elas próprias exprimir-se integralmente em expressões vernaculares. A inferência é falaciosa, embora exista alguma verdade na sua conclusão. Mesmo que fosse verdade – o que não é o caso – que todos os problemas filosóficos se referem a conceitos não técnicos, i, é, se referem ao “modo de emprego de expressões vernaculares”, não se seguiria dessa (falsa) premissa que as discussões desses problemas devessem ser feitas ou fossem mais adequadamente feitas em inglês, francês ou alemão dos homens de ruas. 
         Se historicamente a palavra “modelo” advém do italiano “modelo”, neste sentido Viena representou uma “colcha de retalhos” cuidadosamente costurada, em três aspectos ímpares: a) por uma experiente dinastia amparada em burocracia (Weber), b) matrimônios (F. Alberoni) e, c) um “liberalismo pragmático” (J. Bentham). A Europa média ou central era a própria Áustria-Hungria, como o Oriente Médio, até 1918, confundia-se com o Império Otomano. Englobava boa parte da Europa central, oriental, norte da Itália e Bálcãs, vinte nações que poderiam ser arrumadas em 16 diferentes composições geopolíticas. As pilastras do antigo império – Áustria, Boêmia, Morávia, Hungria – integravam as alternativas. Politicamente o reinado de Francisco José I, que vai de 1848 a 1916, mais longo da história europeia. Em 68 anos de estabilidade, burocracia, rigor, tradição e protocolo, a aristocracia difundiu um comportamento sobre a cultura e a política austríacas pelo menos até a 2ª grande guerra (1939-1945).  
        A celebrada efervescência vienense é de intensa produção artística e principalmente literária. Melhor dizendo, na virada para o século XX, Viena experimentava díspares: de um lado, “decadência e inovação; unidade e multiplicidade cosmopolitismo e provincianismo; de outro, Levante e Ocidente”, escreveu Carl Shorske em seu libelo: “Viena fin-de-siècle”. Viena fin-de-siècle demonstra onde, quando e como se fabricou a essência irradiante da modernidade. Paradigmáticos foram o salão da musa Alma Malher, Gustav Mahler, Kokoschka, Klimt, Gropius e Werfel, Hofmannsthal e Schnitzler, mas também o café Central onde se cruzavam Freud, Mazarik, Trotski, Bauer, o reacionário Lueger. Wittgenstein, Schoenberg e Schiele, Loos e Otto Wagner, por sua vez discutiam avanços da matemática à estética. Casa de Ludwig Wittgenstein. 
        Os cenários intelectuais de “leitura” eram múltiplos: a) havia o salão de Alma Mahler, mulher de Gustav e musa de Kokoschka, Giropius e Werfel; b) o Café Central, onde se cruzavam Freud, Mazarik, Bronstein (ou melhor, Leon Trotsky), o socialista Bauer e o reacionário Lueger. Wittgenstein, Schoenberg, Klimt e Otto Wagner discutiam avanços que iam da matemática à estética; c) Herzl vislumbrava o Estado judeu, já temendo o antissemitismo crescente; e d) tragicamente o então jovem Adolf percorria maravilhado, a monumental Avenida Ringstrasse. A vida de Arthur Schnitzler coincide com o outono áureo de uma civilização majestosa, cenário ideal para romper com a tradição e antecipar a modernidade. Mas as circunstâncias trágicas pelas quais a Áustria acabou sendo enredada nas duas grandes guerras, até ser anexada pela Alemanha em 1938, aguçaram os contrastes e antinomias. Num cenário histórico de intolerância crescente e irradiação artística luminosa, o esplendor vienense degradou-se.
                                      

         A obra de Ludwig Wittgenstein teve recentemente uma abordagem inédita e provavelmente única a partir da fenomenologia da linguagem de Michel de Certeau (1974; 1975; 1980; 1994), objeto de nossa análise. Antes a advertência: “para descrever essas práticas cotidianas que produzem sem capitalizar, isto é, sem dominar o tempo, impunha-se um ponto de partida por ser o foco exorbitado da cultura contemporânea e de seu consumo: a leitura”. Isto porque, da televisão ao jornal, da publicidade a todas as epifanias mercadológicas, a nossa sociedade canceriza a vista, mede toda a realidade por sua capacidade de mostrar ou de se mostrar e transforma as comunicações em viagens do olhar. É de fato, uma epopeia do olho e da pulsão de ler. A economia fomenta uma hipertrofia da leitura. O binômio de produção-consumo poderia ser substituído por seu equivalente geral: “escritura-leitura”. Aliás, a leitura da imagem, ou do texto, parece constituir o ponto máximo da passividade que caracterizaria o consumidor, constituído em voyeur em uma “sociedade do espetáculo” (cf. Debord, 1967; 1995).
          Para lembramos de Ginzburg e Poni (1979), no ensaio: “Il nome e il come: scambi ineguale e mercato storiografico”, Ludwig Wittgenstein não era inglês por nascimento ou “comportamento social”, ainda que ao morrer tenha levado consigo, talvez por “acidente de percurso” a nacionalidade inglesa. Filho caçula de uma família vienense rica e culturalmente refinada, de ascendência judaica, teve, tal como o sociólogo Max Weber, em família, a virtù como centro de vida artística, mas não política, e, em particular, a música do classicismo vienense. Na literatura a influência do extraordinário Wolfgang Goethe, formando um ambiente que mais tarde ele denominaria, com argúcia, o seu “bom treinamento intelectual pré-escolar”. Viena na virada para o século 20 viveu momentos e circunstâncias díspares de decadência e inovação, unidade e multiplicidade, cosmopolitismo e provincianismo, propiciando o florescimento de surto de criatividade tal que a vida cultural e política posterior seriam marcadas por traços de gênio e bom humor, culpa e redenção, angústia e beleza.           
        Os sábios eram pensadores de fora do ambiente filosófico acadêmico cuja obra Wittgenstein lera ainda bem moço, como Karl Kraus, o “feroz crítico” da cultura e da linguagem do final do Império Habsburgo que lhe causou forte impressão, por sua insistência na integridade pessoal. A obra de Kraus inseria-se no contexto da chamada “crise da linguagem”, quando a preocupação geral era a autenticidade da expressão simbólica na arte e na vida pública. Outra expressão dessa crise foi a crítica da linguagem de Mauthner, autor que perseguiu uma meta kantiana, a derrota da especulação metafísica, substituindo a “crítica da razão” por uma “crítica da linguagem”, sendo sua obra mais tributária de Hume e de Mach. Seu método era psicologista e historicista: a crítica da linguagem faz parte da psicologia social. O conteúdo da crítica era empirista – a linguagem funda-se nas sensações. Seu resultado foi cético – a razão idêntica à linguagem. Mas esta última não serve para penetrar a realidade. Wittgenstein, acertadamente, opõe sua própria “crítica [lógica] da linguagem” à de Mauthner, quem primeiro identificou a filosofia com a crítica da linguagem.
          Historicamente em 1752, Hume é convidado a dirigir a biblioteca da Faculdade dos Advogados de Edimburgo. Embora fosse escassamente remunerada, a função colocava à disposição as fontes bibliográficas para um novo projeto: a elaboração da História da Inglaterra. Essa obra historiográfica de importância monumental foi publicada em seis volumes, nos anos de 1754, 1756, 1759 e 1762. Esse esforço de uma década foi recompensado. Os volumes da História da Inglaterra valeram ao seu autor a tão almejada celebridade literária e, além disso, proporcionaram-lhe bons retornos pecuniários. Mas Hume não ficou livre dos ataques de seus adversários. Em 1754, ele foi acusado de encomendar “livros indecentes” para a biblioteca, e houve uma movimentação para destituí-lo do cargo. Diante das pressões, os membros do conselho diretor cancelaram as encomendas dos livros “considerados ofensivos” – decisão que Hume tomou como uma ofensa pessoal. Como precisava do acervo da biblioteca para prosseguir suas pesquisas para a História da Inglaterra, adiou seu pedido de demissão, mas reverteu os pagamentos de seu salário em benefício de Thomas Blacklock (1721-1791) – poeta cego que decidira ajudar. Antes de sua demissão em 1757, foi alvo de processo inquisitório mal sucedido de excomunhão em 1756.

Foi também durante o período em que exerceu a função de bibliotecário que escreveu duas grandes obras sobre religião: História Natural da Religião e os Diálogos sobre Religião Natural. A primeira veio a público em 1757 como parte das Quatro Dissertações. O projeto original previa cinco dissertações: além da História Natural da Religião, o livro também incluiria os ensaios “Sobre as Paixões”, “Sobre a Tragédia”, “Sobre o Suicídio” e “Sobre a Imortalidade da Alma”. Esses dois últimos ensaios foram as investidas frontais contra os dogmas religiosos, pois criticavam a condenação ao suicídio e a crença na vida após a morte. Antes que fossem publicados, pelo Editor de Hume, Andrew Millar (1705-1768), um britânico do século XVIII. Em 1725, como aprendiz de livreiro aos 20 anos, ele evitou as “restrições de impressão” da cidade de Edimburgo indo para Leith para imprimir, o que foi considerado fora da jurisdição de Edimburgo. Millar logo assumiria a gráfica de Londres de seu mestre aprendiz. Ele estava ativamente envolvido em protestos contra as autoridades em Edimburgo. Em torno de 1729, Millar iniciou seus negócios como Livreiro e Editor em Strand, Londres.

Seu próprio julgamento em assuntos literários era pequeno, mas ele reuniu uma excelente equipe de consultores literários e não hesitou em pagar o que na época era considerado alto preço por bom material. “Respeito Millar, senhor”, disse o Dr. Johnson em 1755, “ele aumentou o preço da literatura”. Ele pagou a Thomson £ 105 por The Seasons e Fielding uma quantia total de £ 700 por Tom Jones e £ 1.000 por Amelia. Millar fazia parte do Sindicato de Livreiros que financiou o Johnson`s Dictionary em 1755, e sobre ele recaiu principalmente o trabalho de ver esse livro na imprensa. Durante o mesmo ano, Millar publicou a primeira edição do Mitchell Map. Ele também publicou as histórias de Robertson e Hume. Millar foi o queixoso no caso de 1769, Millar versus Taylor, que sustentou que “autores e editores têm direito a direitos autorais perpétuos de direito comum. Essa decisão acabou sendo anulada no caso histórico de 1774 Donaldson versus Beckett, cujo autor malsucedido era o aprendiz de Millar, Thomas Becket (ou Beckett). Millar morreu em em Kew Green, perto de Londres, em 8 de junho de 1768.

Por isso, recebeu ameaças de ser judicialmente processado caso os textos fossem distribuídos publicamente. Diante disso, fez alterações na História e substituiu os dois últimos textos pelo ensaio “Sobre o Padrão de Gosto”. Os Diálogos, por sua vez, só foram publicados em 1779, três anos após a morte de Hume. Hume nunca se casou. Suas opiniões políticas eram tipicamente progressistas, e era, assim como seu amigo Adam Smith, um fervoroso defensor do livre-comércio. De maneira geral, a vida de Hume é condizente com as palavras que escreveu sobre si mesmo: “um homem de disposição branda, de têmpera equilibrada, de humor franco, sociável e alegre, capaz de manter laços de afeição e pouco propenso a inimizades, e de grande moderação em todas as minhas paixões”. Numa carta em que fala sobre o passamento de Hume, Adam Smith conclui sua exposição com as seguintes palavras: - “No todo, sempre o considerei, tanto durante a sua vida como desde a sua morte, como alguém que se aproximava tanto da ideia de um homem sábio e virtuoso permite a frágil natureza humana”. Quando as ideias representam seus objetos, as relações, contradições e concordâncias entre elas são aplicáveis, como podemos observar em geral, o fundamento do conhecimento humano.

O termo unidade é apenas uma denominação fictícia, que a mente pode aplicar a qualquer quantidade de objetos por ela reunidos. Sendo na verdade um verdadeiro número, tal unidade não pode existir sozinha, já que um número não o pode. A unidade que pode existir sozinha, e cuja existência é necessária à existência de todos os números, é uma unidade de outro tipo; ela deve ser perfeitamente indivisível e incapaz de ser resolvida em qualquer unidade menor. Todo esse raciocínio também se aplica ao tempo, juntamente com um argumento adicional, que valeria a pena considerar. Uma propriedade inseparável do tempo, e que constitui, e que constitui de certa maneira sua essência, é que suas partes são todas sucessivas, nenhuma delas podendo coexistir com outra, ainda que sejam contíguas. A mesma razão pela qual os anos de 1737 não podem coincidir com o presente ano de 1738 faz que todo momento deva ser distinto, deva ser posterior ou anterior a ele. Portanto, é certo que o tempo, tal como existe, deve ser composto de momentos indivisíveis. Pois se, no caso do tempo, nunca pudéssemos chegar ao fim da divisão. E, se cada momento, ao suceder o outro, não fosse singular e indivisível, haveria um número infinito de momentos ou partes coexistentes do tempo. A divisibilidade infinita do espaço implica o tempo, evidente, pela natureza do movimento.

Mas podemos aqui observar, afirma David Hume (2009), que nada pode ser mais absurdo que esse costume de atribuir uma dificuldade aquilo que pretende ser uma demonstração. As demonstrações não são como as probabilidades, em que podem ocorrer dificuldades, e um argumento pode contrabalançar outro, diminuindo sua autoridade. Uma demonstração ou é irresistível, ou não tem força alguma. Portanto, falar em objeções e respostas, em contraposição de argumentos numa questão como essa, é o mesmo que confessar que a razão humana é um simples jogo de palavras, ou que a pessoa que assim se exprime não está à altura desses assuntos. Há demonstrações difíceis de compreender, por causa do caráter abstrato de seu tema; nenhuma demonstração, porém, uma vez compreendida, pode conter dificuldades que enfraqueçam sua autoridade. É uma máxima estabelecida da metafísica que tudo que a mente concebe claramente inclui a ideia da existência possível, ou, em outras palavras, que anda que imaginamos é absolutamente impossível. Não poderia haver descoberta mais feliz para a solução de todas as controvérsias em torno das ideias que as impressões sempre precedem as ideias, e que toda ideia contida na imaginação apareceu primeiro em uma impressão correspondente. As percepções deste último tipo são tão claras e evidentes que não admitem discussão, ao passo que muitas de nossas ideias são tão obscuras que é quase impossível, mesmo para a mente que as forma, dizer qual é exatamente sua natureza e composição. Pallais Wittgenstein. 

        De Otto Weiniger, autor do célebre livro: Sex and Character pode-se dizer, talvez, que era mais um psicopata do que propriamente um sábio. Este autor defendia a tese da inferioridade da mulher relativamente ao homem, receitando, então, aos homens a abstinência sexual. Contudo, Weiniger parece ter sido um autor bastante influente na Europa do início do século, pelo menos se levarmos em conta o seu livro “Sexo e Caráter” que mereceu, em vinte anos, 25 edições, e traduções em 8 línguas, o próprio Freud teve acesso e serviu-se dos manuscritos. Seu suicídio, encenado teatralmente em 1903, foi imitado por vários jovens em Viena. A influência benigna que exerceu sobre Wittgenstein foi restrita. Contaminou-o com sua misoginia, com dúvidas, igualmente tola e perniciosa, quanto ao poder criativo dos judeus, mas talvez como Theodor Herzl que vislumbrava o Estado judeu, temendo o antissemitismo ainda existente em Viena. A influência mais importante reside, entretanto, na ideia de que o indivíduo tem o dever moral para consigo, e elementos empíricos e os elementos a priori da mecânica.
     Elucidou a possibilidade de explicação científica com base na natureza da representação. A ciência constrói modelos (“Bilder”) da realidade, de tal modo que as consequências lógicas de tais modelos correspondam às consequências reais das situações externas que descrevem. Suas teorias não são predeterminadas pela experiência, mas antes construídas de forma ativa, respeitando-se restrições formais e pragmáticas, às quais Hertz se referia como “as leis do pensamento”. Ele requereu da ciência evitar pseudoproblemas pela apresentação desses elementos apriorísticos de modo claro e perspícuo. Boltzmann foi mais hostil a Kant. Acusou-o, em um espírito darwiniano, de não levar em conta o fato de que as “leis do pensamento” não são imutáveis, mas apenas inatas no indivíduo, resultantes da “experiência da espécie”.
            Família de Wittgenstein em Viena, no verão de 1917. Levou adiante, contudo, o projeto hertziano de esclarecer a ciência com base em modelos que não se originam da experiência, conservando a visão de que a confusão filosófica deve ser resolvida pela revelação da natureza absurda de certas questões. Estes autores exerceram influência sobre a teoria pictórica do Tractatus, e também sobre a discussão que ali se encontra acerca da ciência. E mais ainda, reforçaram uma concepção kantiana sobre a tarefa da filosofia, que Wittgenstein encontrara também em Schopenhauer: distinguindo-se da ciência, a filosofia não descreve a realidade; sua tarefa é crítica. O plano inicial de Wittgenstein de estudar com Boltzmann, em Viena, foi frustrado pelo suicídio deste último em 1906. Ele foi, então, encaminhado a Berlim para estudar engenharia. Não tardou, entretanto, a ver-se atraído por problemas filosóficos, “dando início ao hábito, que duraria por toda a vida, de anotar suas reflexões filosóficas em apontamentos datados de 1914 em cadernos”.
            Em 1908, mudou-se para Manchester, onde desenvolveu interesse primeiro pela matemática pura, e logo por seus fundamentos filosóficos. Conheceu os escritos de Frege e Russell e, em 1909, tentou resolver o maior problema então em destaque – a contradição que Russell descobrira no sistema de Frege. Em 1911, traçou um plano para um trabalho filosófico, o qual discutiu com Frege, mas desde Frege a semântica filosófica colocou no centro a estreita relação entre significado e verdade. Contudo, a completa equiparação do compreender ao conhecimento de condições da verdade ou métodos de verificação, no entanto, é insustentável, visto que o aspecto da verdade não é constitutivo para todas as modalidades, e a compreensibilidade inclusive de sentenças afirmativas não verificáveis é indiscutível. Especialmente a análise linguística provinda de situações sociais e culturais ditas radicais (Quine) de tradução e aprendizagem demonstra-nos quantas coisas permanecem inaplicadas em teorias existentes.
        Ao conselho deste foi para Cambridge estudar com Russell, que a esta altura tornara-se a figura central destes debates. Isto foi decisivo na vida de Wittgenstein. Frege e Russell proporcionaram o pano de fundo essencial para sua “primeira filosofia”, bem como alvos importantes de seu pensamento posterior. Enfim, para sermos breves, o sistema lógico dos Princípia Mathematica, de Russell e Alfred North Whitehead, assim como os de Frege, faz uso da analogia de eventos entre a estrutura de proposições e estruturas associadas à teoria das funções presentes na análise matemática. Entretanto, a concepção que Russell tinha de função proposicional, na perspectiva comparada, diferia da noção de conceito de Frege, no sentido de que seus valores não eram duas entidades lógicas e relacionais, como o verdadeiro e o falso, mas sim proposições. Russell negou, por conseguinte, que as sentenças “nomeiem valores de verdade”.
           Repudiou, além disso, a distinção fregiana entre sentido e significado, juntamente com a suposição “de que é possível a existência de proposições destituídas de valor de verdade”. Durante um curto espaço de tempo, o que não é pouco, Wittgenstein foi a estrela em ascensão em Cambridge, tendo sido membro de uma autoproclamada elite intelectual, “os Apóstolos”. Em 1913, entretanto, ele parte para a Noruega, com o objetivo de trabalhar sozinho em sua nova teoria da lógica. Com a deflagração da guerra de 1914-18, vai para Viena e se voluntaria ao serviço militar. Feito prisioneiro em 1918, arranjou um jeito de enviar o manuscrito a Cambridge. O apoio de Russell acabou por garantir sua publicação, em 1921, do que hoje se conhece como: “Tractatus logico-philosophicus”, bem como de uma tradução inglesa “plus tard”. Com o “Tractatus”, impresso no papel Wittgenstein acreditava ter resolvido “todos” os problemas fundamentais da filosofia. Ao retornar do cárcere, em 1919, doou a fortuna que herdara de seu pai com o objetivo de “romper com o passado”.
         Para Michel de Certeau, enquanto diz respeito à linguagem, a questão filosófica consistiria, sobretudo em interrogar, em nossas sociedades técnicas, a grande partilha entre as discursividades reguladoras da especialização e as narrativas do intercâmbio massificado. - “Quando os filósofos usam uma palavra – ‘saber’, ‘ser’, ‘objecto’, ‘eu’, ‘proposição’, ‘nome’, – e procuram captar a essência da coisa, devemo-nos sempre perguntar: na linguagem onde vive, esta palavra é de facto sempre assim usada? (…) Nós reconduzimos as palavras do seu emprego metafísico ao seu emprego quotidiano” (cf. Wittgenstein, 1987: 259; 1979: 55). Se Ludwig Wittgenstein pretende “trazer a linguagem do seu uso filosófico de volta ao seu uso ordinário”, ao “everyday use”, ele se proíbe, ou proíbe ao filósofo toda extrapolação metafísica “para fora”, como ocorre com Pierre Bourdieu no livro: - “Ce Que Parler Veut Dire”, quando ele afirma: - “Le discours n’est pas seulement un message destiné à être déchiffré; c’est aussi un produit que nous livrons à l’appréciation des autres et dont la valeur se définira dans sa relation avec d’autres produits plus rares ou plus communs” (cf. Bourdieu, 1998).
       Enfim, Ludwig Wittgenstein opera a mudança simbólica do lugar de análise, definida agora “por uma universalidade que é identicamente uma obediência ao uso ordinário”. Essa mudança modifica o estatuto do discurso antecipando M. Foucault. Vendo-se “preso” na linguagem ordinária, o filósofo não possui mais lugar próprio ou apropriável. É-lhe retirada toda “posição” de domínio. O discurso analisador e o “objeto” analisado têm o mesmo estatuto. De se organizar pelo trabalho de que dá testemunho. Determinados por regras que não fundam nem superam. Igualmente disseminadas em funcionamentos diferenciados. Inscritos em uma textura onde cada fragmento pode “apelar” a outra instância. Dá-se uma permanente troca de lugares distintos. O privilégio filosófico ou científico se perde no ordinário. Essa perda tem como corolário a invalidação das verdades. Demonstrando que são uma mistura de “nonsense” e de poder. Wittgenstein se esforça por reduzir essas verdades a fatos e nos remete a uma redutibilidade linguística identificada na exterioridade da linguagem. Queremos dizer com isso que a referência à “linguagem comum” demarca o contraste com concepções anteriores sobre o papel da linguagem na resolução de problemas filosóficos. Se para os filósofos do período clássico da análise filosófica, tais como, Frege, Russell, e em geral os positivistas lógicos os problemas teriam de ser resolvidos por linguagens artificiais – mais precisas e exatas que a linguagem natural –, a ênfase do segundo Ludwig Wittgenstein e dos filósofos de Oxford concentra-se nos conceitos “tal como forjados pelos falantes da língua em situações concretas de uso das palavras”. Michel de Certeau acaba, afirmando que por essas características a obra disseminada e rigorosa parece oferecer uma épura filosófica a uma ciência contemporânea do ordinário. Sem entrar nos pormenores de sua tese, ao menos por ora, deve-se confrontar este método, tomado como hipótese teórica no campo da comunicação, do poder e da linguagem, com as contribuições positivas de ciências humanas com a redução paradigmática ao conhecimento da cultura ordinária. 
Bibliografia geral consultada.

RYLE, Gilbbert, “A Linguagem Ordinária”. In: Ensaios. 2ª edição. São Paulo: Abril Cultural, 1980; GLOCK, Hans-Johan, Dicionário Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998; WITTGENSTEIN, Ludwig, Investigações Filosóficas. 2ª edição. São Paulo: Abril Cultural, 1979 (Os Pensadores); Idem, Tratado Lógico – Filosófico / Investigações Filosóficas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987; BOURDIEU, Pierre, Ce Que Parler Veut Dire. Paris: Fayard (Coleção Cahiers Rougess), 1998; CERTEAU, Michel, La Culture au Pluriel. Paris: Union Gerneral d`Éditions 10-18, 1974; Idem, L`Ecriture de l`Histoire. Paris: Editions Gallimard, 1975; Idem, L`Invention du Quotidienne. Vol 1. Arts de Faire: Union Générale d`Éditions 10-18, 1980; HALLER, Rudolf, “A Ética no Pensamento de Wittgenstein”. In: Revista Estudos Avançados. São Paulo/USP, janeiro/abril. Volume 5 – número 11, 1991; HARTNACK, Justus, Wittgenstein y la Filosofía Contemporánea. Barcelona: Editorial Ariel, 1977; JANIK, Allan, A Viena de Wittgenstein. Rio de Janeiro: Editora Campos, 1991; RORTY, Richard, A filosofia e o espelho da natureza. 3ª edição. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994; SCHLICK, Moritz/CARNAP, Rudolf, Coletânea de Textos. São Paulo: Abril Cultural, 1980 (Os Pensadores); SCHORSKE, Carl, Viena – Fin-de-siècle: Política e Cultura. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1988; MARCONDES, Danilo, Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos à Wittgenstein. 8ª edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004;  D`ALKAINE, Carlos Ventura, Os Trabalhos de Godel e as Chamadas Ciências Exatas. Em Homenagem ao Centenário do Nascimento de Kurt Godel. In: Rev. Bras. Ens. Fis. 28, 525 (2006); BALIEIRO, Marcos Ribeiro, Essa Mistura Terrena Grosseira: Filosofia e Vida Comum em David Hume. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009; GIMBO, Fernando Sepe, Foucault, o Ethos e o Pathos de um Pensamento. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2015; SIAPKAS, Johannes, Ontología del Otro: Reflexiones sobre la Filosofía de Michel de Certeau. In: La Torre del Virrey. Revista de Estudios Culturales, nº 17, pp. 48-59, 2015;  entre outros.

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