domingo, 31 de maio de 2015

Lélia Gonzalez – Feminismo Negro & Subversão da Identidade.

Ubiracy de Souza Braga*

    “Lélia exerceu um papel fundamental na criação e ampliação do movimento negro contemporâneo”. Luiza Barros 

    

Lélia Gonzalez nasceu “de Almeida”, em Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, em 1º de fevereiro de 1935.  Tinha 59 anos quando faleceu, em 10 de julho de 1994, no bairro de Santa Teresa (foto), na cidade do Rio de Janeiro. Quando Lélia era criança, sua família instalou-se no Rio de Janeiro, na favela do Pinto, no bairro do Leblon, ao lado do Clube de Regatas do Flamengo, onde jogava (e depois foi técnico) seu irmão, Jaime de Almeida (nascido em 1920), por quem nutria enorme admiração e nos passos de quem seguiu torcendo pelo Flamengo e gostando muito de futebol.  Logo depois, a família mudou-se para o subúrbio, para uma casa em Ricardo de Albuquerque onde correm os trilhos da Estação Ferroviária Central do Brasil. Pela localização da residência, se percebe que Lélia de Almeida viajou muito pelas margens no trem suburbano da Central do Brasil, junto com o “povão” (como dizia), principalmente quando estudou no Colégio Estadual Orsina da Fonseca, ao lado do terminal ferroviário da Central do Brasil, no centro da cidade e no Imperial Colégio Pedro II na Av. Marechal Floriano, no centro da cidade do Rio de Janeiro, também próximo a extinta Rede Ferroviária Federal Central do Brasil, hoje, Rede Ferroviária Federal S. A .  
 O Colégio Pedro II representa uma tradicional instituição de ensino público federal, localizada no estado do Rio de Janeiro, no Brasil. Faz parte da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, vinculada a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (Brasil). É o terceiro mais antigo colégio em atividade no país, depois do Ginásio Pernambucano e do Atheneu Norte-rio-grandense. A escola foi criada em homenagem ao seu patrono, o imperador do Brasil, D. Pedro II. Fundado durante a regência do Marquês de Olinda, Pedro de Araújo Lima, integrava um projeto civilizatório mais amplo do Império do Brasil, do qual faziam parte a fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Arquivo Público do Império, seus contemporâneos. No plano da educação, autores entendem que o colégio pretendia formar uma elite ao destacar a transformação do Seminário de São Joaquim em Colégio de Pedro II baseada na ideia da Reforma da Constituição em 1834.
 de construir um modelo a ser seguido, já que as províncias não estavam dando conta de, por si mesmas, estabelecer seu sistema de ensino local. Outro grupo de autores, como a historiadora e docente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo Circe Bittencourt, têm estabelecido visões que dialogam com ambas as perspectivas. A formação histórica e sociológica do Colégio explica bastante do plano civilizatório Imperial: uma educação que priorizava uma boa formação, mas que abrangia uma parte pequena da sociedade, que era suficiente ao projeto do Império, na medida que preenchesse os quadros básicos do sistema burocrático e ideológico às lideranças do país, com um currículo que servia a estes interesses, não estando tão preocupada com a formação de uma massa ampla de operários minimamente capacitados, como ocorreria em momentos posteriores no Brasil e já ocorria em alguns lugares da Europa.    
         Filha de um ferroviário negro e de uma empregada doméstica indígena, Lélia Gonzalez nasceu em Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, em 1º de fevereiro de 1935. Autora de artigos, ensaios e livros sobre a temática racial, a antropóloga e militante do movimento negro nos anos 1970, Lélia foi também um expoente no combate ao preconceito social e racial contra a mulher. Sua obra acadêmica e seu trabalho como militante contribuíram para impulsionar não apenas o debate sobre a problemática racial no Brasil, mas também os seus desdobramentos a partir, basicamente, de dois temas correlatos: “a ideologia do branqueamento” e seus efeitos e o da “dupla exposição da mulher negra, discriminada pelo racismo e pelo sexismo”. Lélia fez parte do grupo de fundadores do “Movimento Negro Unificado” - MNU, principal canal de ressurgimento e rememoração da luta pela igualdade racial, nos anos 1970. Sua “vontade de potência” se realiza na tríade: a) na luta contra o racismo e a discriminação racial, b) como também uma militante da causa feminina, c) particularmente da mulher negra. Sua importância para o movimento negro tem sido comparada à de Ângela Davis, ícone do movimento norte-americano.
          Angela Davis nasceu no estado do Alabama, considerado um dos mais racistas do sul dos Estados Unidos e desde cedo conviveu com humilhações de cunho racial em sua cidade. Leitora voraz quando criança, aos 14 anos participou de um intercâmbio colegial que oferecia bolsas de estudo para estudantes negros sulistas em escolas integradas do norte do país, o que a levou a estudar no Greenwich Village, em Nova Iorque, onde travou conhecimento com o ensino do comunismo e socialismo teórico de tradição marxista, sendo recrutada para uma organização comunista de jovens estudantes. Na década de 1960, Angela tornou-se militante do partido e participante ativa dos movimentos negros e feministas que sacudiam a sociedade norte-americana, primeiro como afiliada da SNCC de Stokely Carmichael e depois de movimentos e organizações políticas como o Black Power e os Panteras Negras. Angela lecionou durante 17 anos no Departamento de História da Consciência na prestigiada Universidade da Califórnia-Santa Cruz. Recebeu o título de professora Emérita da Universidade da Califórnia e se aposentou do trabalho acadêmico de ensino e pesquisa em 2008. Após sua aposentadoria continuou sua rotina de palestras e cursos em diversas universidades e centros culturais por todo o mundo. Em 2019 passou a integrar o National Women`s Hall of Fame dos Estados Unidos da América. 
            

            Vale lembrar que Ângela Yvonne Davis, nascida em Birmingham, 26 de janeiro de 1944 foi professora e filósofa socialista estado-unidense que alcançou notoriedade mundial na década de 1970 como integrante do Partido Comunista dos Estados Unidos. Através do grupo “Panteras Negras”, por sua militância pelos direitos das mulheres e contra a discriminação social e racial nos Estados Unidos. E, particularmente, por ser personagem de um dos mais polêmicos e famosos julgamentos criminais da recente história norte-americana. Ângela nasceu no estado do Alabama, um dos mais racistas do sul dos Estados Unidos e desde cedo conviveu com humilhações de cunho racial em sua cidade. Leitora voraz quando criança, aos 14 anos participou de um intercâmbio colegial que oferecia bolsas de estudo para estudantes negros sulistas em escolas integradas do norte do país. Sendo selecionada com bolsa de estudos que a levou a estudar no Greenwich Village, em Nova Iorque, onde travou conhecimento com o comunismo e o socialismo teórico, sendo recrutada para uma organização comunista de jovens estudantes. Na década de 1960, Ângela tornou-se militante do partido e participante ativa dos movimentos negros e feministas que sacudiam a sociedade norte-americana, primeiro, como filiada da SNCC de Stokely Carmichael e depois de movimentos e organizações políticas como o Black Power e Panteras Negras, mas que não trataremos agora.
         Gus Hall foi organizador político americano que era secretário-geral do Partido Comunista dos Estados Unidos da América (1959–2000) e quatro vezes candidato à presidência dos Estados Unidos (1972,1976,1980,1984). Os pais de Hall eram membros dos militantes Trabalhadores Industriais do Mundo e, em 1927, ele foi recrutado por seu pai para ingressar no CPUSA. De 1931 a 1933, ele estudou no Instituto VI Lenin, depois rebatizado de Instituto Marx-Engels-Lenin) em Moscou, e depois de retornar aos Estados Unidos, ele se envolveu em atividades de organização sindical, ocasionalmente sendo preso. Ele se tornou um membro oficial do partido em tempo integral em 1937. Após servir na marinha durante a 2ª Guerra Mundial, ingressou no conselho executivo nacional do CPUSA. Em 1949, ele foi um dos 11 líderes partidários condenados por conspirar para derrubar o governo dos Estados Unidos pela força e foi condenado a cinco anos de prisão. Livre sob fiança durante uma apelação, Hall e três outros fugiram para o México quando o recurso foi rejeitado em 1951. Eles foram recapturados, entretanto, e a sentença de Hall foi estendida; ele foi encarcerado até 1957. Eleito para a posição de liderança do CPUSA em 1959, Hall concorreu à presidência dos Estados Unidos como candidato do partido em quatro anteriores e obteve seu melhor resultado em 1976, quando obteve quase 60.000 votos. Ele viagens anuais a Moscou até a queda do regime comunista e foi premiado com a maior medalha civil da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, uma Ordem de Lênin. Embora a adesão do CPUSA à sua fé no comunismo de estilo soviético o mantivesse separado da chamada Nova Equerda que emergia no cenário político mundial e seu número de membros diminuísse constantemente, Hall permaneceu secretário-geral do partido até sua morte.
O feminismo negro começa a ganhar visibilidade mundial (Barreto, 2005; Damasco, 2009) a partir da segunda “onda do feminismo”, entre 1960 e 1980, por conta da fundação da National Black Feminist, nos Estados Unidos, em 1973. Surge no final do conflito armado segundo os vietnamitas, intitulado: “Guerra Americana”,  ocorrido no Sudeste Asiático entre 1955 e 30 de abril de 1975. Notadamente, porque feministas negras passaram a pesquisar e escrever sobre o tema, criando uma literatura própria intitulada “feminista negra” universal. Porém, historicamente, mulheres negras já desafiavam o sujeito mulher determinado pelo feminismo num mundo masculino ainda ressentido pelas formas de opressão e dominação em mulheres. Duas questões pontuais me fazem refletir sobre a cisão das mulheres negras com o movimento feminista: a) Por deterem o domínio racial e contarem com maior número de lideranças consolidadas, as feministas em geral resistem às questões das mulheres negras, em particular; b) Supondo que passam pelos mesmos problemas e desejam  quase as mesmas coisas, o feminismo não atenta para as especificidades de cada grupo feminino e acaba atuando sob omissão. Muitas vezes deliberada sobre as necessidades das mulheres negras, sem que seja feita uma análise histórica e crítica do racismo brasileiro, levando em conta os aspectos culturais regional, nacional e global.    
Maria José Motta de Oliveira, nome de batismo da artista, nascida em Campos dos Goytacazes (RJ), em 27 de junho de 1944, mãe de cinco filhas e de um filho - adotados - e avó de quatro netos, tornou-se conhecida nacionalmente a partir de meados da década de 1970, quando conquistou brasileiros e estrangeiros, com “Xica da Silva”, personagem vivido por ela no filme homônimo de Cacá Diegues, que se transformou em seu talismã. A cantora e atriz Zezé Motta, com quase 50 anos de carreira, convive com o status de estrela no universo das artes no país. Militante do movimento negro, ela ainda vê barreiras a serem vencidas no exercício da profissão. - “Já avançamos, mas ainda temos muita luta pela frente. Precisamos de mais autores, produtores e diretores negros atuando. Eles existem e não são aproveitados. Felizmente, percebo hoje uma preocupação na distribuição dos papéis, em não deixar o negro fora das produções”. Campos dos Goytacazes nasceu com o tamanho de toda região Norte e Noroeste Fluminense, exceto São João da Barra. O município, historicamente, fazia divisa com Nova Friburgo, Cantagalo, Cabo Frio e com o estado de Minas Gerais, mas, com a emancipação da cidade de Itaperuna, perdeu metade de seu território. A partir da década de 1980, Campos perdeu cinco de seus antigos distritos, que, atualmente, formam os municípios de Talva e Cardoso Moreira.

As condições sociais e políticas das mulheres negras no Brasil contraria a tendência mundial baseada em dados estatísticos de que as mulheres vivem mais que os homens. A expectativa de vida para as afrodescentes é de 66 anos, está alguns meses abaixo da média nacional que é de 66,8 anos. A precária situação da saúde sexual e reprodutiva das mulheres negras está diretamente relacionada à desigualdade social de acesso ao serviço de saúde. Em razão da predisposição biológica para algumas doenças, como hipertensão e diabetes causando com mais frequência a morte materna entre as mulheres negras. As doenças étnicas mais frequentes nas mulheres afrodescendentes são descritas da seguinte forma: miomas uterinos, Hipertensão Arterial, Diabetes Mellitus Tipo II, Câncer no colo do útero além do traço falciforme, inclusive HIV-AIDS, o que dispensa-nos de comentários clínicos etc.  Atriz Zezé Motta (foto) criou centro para cadastrar atores negros no mercado de trabalho no Brasil.
A luta histórica das feministas negras representa uma batalha no campo das ideias, mas, sobretudo enredada em uma práxis contínua para nivelar seu lugar de análise ao lugar das atividades práticas de mulheres brancas no âmbito da sociedade. Este aspecto ideológico levanta: a) a importante reflexão sobre a representação feminina na mídia e/ou indústria cultural, b) seu espaço de participação social no mercado de trabalho brasileiro, além do eixo desenvolvimentista Rio-São Paulo; c) o lugar de “primazia” como assédio moral e vítima da violência sexual, d) o protagonismo da maternidade, entre outros temas conjunturais, inclusive de formação no âmbito das universidades e escolas técnicas. Há tanto um conjunto de práticas e saberes sociais por que as mulheres brancas precisam lutar. É bastante preocupante o fato de que as mulheres negras nem sequer conquistaram igualdade social e política. Sem perder de vista comparativamente com outros indivíduos do seu próprio grupamento étnico e de classes sociais, inclusivamente à particularidade da questão social de gênero no Brasil.

A atualidade do perspectivismo de Simone de Beauvoir tem sido admitida por Daniele Reis (2005). A cor é fator relevante quando analisamos os casos de agressão e assassinato por parte de companheiros e ex-companheiras. As negras são mais de 60% das vítimas de “feminicídio”, exatamente porque não contam com assistência adequada e estão mais vulneráveis aos abusos das próprias autoridades. Já no aspecto da sexualidade, das mulheres brancas é esperado o comportamento moderado e sensualidade com limitações, porém, as mulheres chamadas de “mulatas” são amplamente “exotificadas” e tratadas como objetos disponíveis para a exploração. O argumento de quem enxerga as mulheres negras para investidas sexuais é de que elas são mais provocantes, que seus corpos suportam atos mais intensos ou até mesmo que não podem negar os estilos de assédio moral e sexual.
A cultura do estupro é vigente desde o período histórico de colonização do Brasil, quando mulheres negras foram estupradas por homens brancos e usadas em políticas oficiais de miscigenação, com o fim de branquear a população. A mentalidade daquela época se mantém forte na contemporaneidade e é por isso que são tão naturalizados aspectos culturais como a escolha anual da “Globeleza”, nome dado à cobertura do carnaval feita pela Rede Globo. É também o nome dado à mulata que samba nas vinhetas da emissora, pelo qual consagrou a carreira da dançarina Valéria Valenssa, que durante 14 anos foi a Mulata Globeleza, dançando apenas com o corpo completamente pintado nas vinhetas da emissora designadas para o carnaval carioca. Realizou shows de dança no exterior, com apresentações em países como Portugal e Áustria, entre outros. Erika Moura, assumiu o posto no ano de 2015. A posição de mulata que expõe seu corpo é tão relacionada exclusivamente à mulher negra, que nem sequer se estende o concurso sexista para mulheres de outras etnias ou raças. Enquanto as mulheres brancas são vítimas de violência sexual, é preciso, comparativamente, salientar as formas distintas: as brancas são violentadas exclusivamente por seu gênero, as negras sob a trágica forma de dupla penetração: sexual e vítimas do preconceito racial.
Um bom exemplo histórico refere-se à chamada Marcha das Vadias, um movimento social que surgiu a partir de um protesto realizado no dia 3 de abril de 2011 em Toronto, no Canadá, e desde então se internacionalizou, sendo realizado em diversas partes do mundo, no âmbito do hemisfério ocidental e que atualmente tem sido realizada em quase todos os estados brasileiros. Há diversos grupos do “Feminismo Negro” que não participam dos protestos. Mas criticam o uso de palavras expressas como “vadia” e “puta”, afirmando que as mesmas não podem ser “ressignificadas” pelas negras, para usarmos o voguismo antropológico, pois o estigma que carregam é muito forte e o mais urgente é romper representações hipersexualizadas. Partindo desse pressuposto, o melhor seria lutar para ser reconhecida no plano de atividades como uma intelectual, capaz de conquistas diversas e ocupação em papéis ilimitados. Não obstante, esse posicionamento não é unânime; diversas mulheres negras participam das marchas e ocupam posições políticas adentre as equipes de organização em torno das lutas sociais.

   Ainda que as relações em torno do gênero seja usado como sinônimo de sexo, nas ciências sociais e na psicologia tradicionalmente, refere-se às diferenças sociais, reconhecidas nas ciências biológicas como papel de gênero. Historicamente, o feminismo posicionou os papéis de gênero como construídos socialmente, independente de qualquer base ideal típica biológica. Pessoas cuja identidade de gênero difere do gênero designado de acordo com os genitais são normalmente identificadas como “transexuais” ou “transgêneras”. Muitas sociedades possuem apenas dois papéis de gênero - masculino ou feminino - e estes correspondem ao sexo biológico. Entretanto, algumas sociedades explicitamente incorporam pessoas que adotam o papel de gênero oposto ao sexo biológico, como por exemplo, em algumas sociedades indígenas norte-americanas, mas que não ocorrem apenas nelas. Enfim, outras sociedades incluem papéis bem desenvolvidos que são explicitamente considerados distintos dos arquétipos masculinos e femininos tradicionalmente. Na linguagem da sociologia de gênero há a inclusão de um “terceiro-gênero”, um tanto distinto do sexo biológico, tendo em vista as condições e possibilidades, nesta direção, abranger algumas vezes a base para os papéis de gênero incluem a intersexualidade ou incorpora eunucos.
       A sociologia contemporânea refere-se aos papéis de gênero masculino e feminino como masculinidades e Feminilidades, respectivamente no plural ao invés do singular, enfatizando a diversidade tanto dentro das culturas como entre as mesmas. A revista People elegeu a atriz negra Lupita Nyong’o, atriz mexicana e queniana como a mulher mais linda do mundo. Mas o público não recebeu bem a notícia e os comentários de que ela não “poderia” ser a mulher mais linda do mundo. A maior revelação da indústria cinematográfica nos últimos anos é Lupita Nyong’o, atriz criada no Quênia, com pós-graduação na Yale School of Drama, que surpreendeu o público com seu desempenho em “12 Anos de Escravidão”. Seu papel como Patsey, a escrava que resiste a atos indizíveis de brutalidade, não só lhe rendeu o Oscar como um BAFTA (British Academy of Film and Television Arts) de coadjuvante. Lupita agora foi eleita a mulher mais bonita do mundo pela revista People em sua edição especial, que sai todo ano. É a primeira negra a ostentar esse título. Já tinha sido escolhido o rosto da marca de cosméticos Lancôme. - “Ao vir para os EUA, foi a primeira vez em que tive de me considerar negra e aprender o que significava a minha raça”. As pessoas são naturalmente atraídas por seu espírito e sua beleza impressionante. Sua naturalidade é uma lufada de ar fresco em um mundo repleto de celebridades intragáveis. Nyong’o venceu mil concorrentes que fizeram testes para interpretar Patsey. Temos assim, a designação sociológica “subversão da identidade”.              
 A cor, analogamente como a noite, last but not least, reenvia-nos, assim, sempre para uma espécie de “feminilidade substancial”. Mais uma vez, tradição romântica ou alquímica e análise sociológica convergem para evidenciar uma estrutura arquetípica, e encontra-se com a imemorial visão da tradição religiosa.  No clássico estudo do antropólogo francês Gilbert Durand, Les Structures Anthropologiques de L`Imaginaire (1992) o autor rememora o eufemismo que as cores noturnas constituem em relação às trevas parece que a melodia o constitui em relação ao ruído. Do mesmo modo que a cor é uma espécie de noite dissolvida e a tinta uma substância em solução, pode-se dizer comparativamente que a melodia, que a suavidade musical tão cara aos românticos é a duplicação eufemizante de duração existencial. A música melodiosa desempenha o mesmo papel enstático que ocorre durante a noite. A ocasião é semelhante àquela já descrita no Jataka 314, em que nesta história o Mestre, enquanto morava em Jetavana, contou a respeito de um rei de Kosala.
             Desta vez, contudo, quando o rei disse: - “Senhor, o que estes sons significam para mim?” o Mestre respondeu: - “Grande rei, não tenha medo: nenhum perigo te ameaça devido a estes sons: tais terríveis sons indistintos não foram escutados por você apenas: reis antigos também escutaram sons semelhantes e pretendia seguir o conselho de brahmins e oferecer em sacrifício quatro animais de cada espécie, mas após escutar o quê os sábios tinham a dizer, eles libertaram os animais reunidos para o sacrifício e proclamaram pelo tambor o fim de toda execução e morte”. E com o pedido do rei, ele contou um conto antigo. E o mínimo que podemos fazer é citar, depois de Béguin, a tradução desta bela passagem das Phantasien uber die Kunst, de Ludwig Tieck, berlinense que fez parte do movimento do romantismo do final do século XVIII e início do século XX. A música opera o milagre de tocar em nós o núcleo mais secreto, o ponto de enraizamento de todas as recordações e de fazer dele por um instante o centro do mundo feérico, comparável a sementes enfeitiçadas, os sons ganham raízes em nós com uma rapidez mágica. E num abrir e fechar de olhos, sentimos o murmúrio de um bosque semeado de flores maravilhosas. Bibliografia geral consultada.   

GONZALEZ, Lélia, “O Papel da Mulher na Sociedade Brasileira”. In: Spring Symposium The Political Economy of the Black World. Los Angeles: Center for Afro-American Studies, 1979; Idem, “A Categoria Político-Cultural de Amefricanidade”. In: Revista Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro: n° 92/93 janeiro- junho, 1988; DEL PRIORE, Mary (Org.), História das Mulheres no Brasil. 2 edição. São Paulo: Editora Contexto,1997; OLIVEIRA, Rosália Lemos de, Feminismo Negro em Construção: A Organização do Movimento de Mulheres Negras no Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Departamento de Psicologia. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1997; BARRETO, Raquel de Andrade, Enegrecendo o Feminismo ou Feminizando a Raça: Narrativas de Libertação em Ângela Davis e Lélia González. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura. Departamento de História. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2005; VIANA, Elizabeth do Espírito Santo, Relações Raciais, Gênero e Movimentos Sociais: O Pensamento de Lélia Gonzalez (1970-1990). Dissertação de Mestrado em História Comparada. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006; HIRATA, Helena (Org.), Dicionário Critico do Feminismo. 1ª edição. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, 2009; DAMASCO, Mariana Santos, Feminismo Negro: Raça, Identidade e Saúde Reprodutiva no Brasil (1975-1996). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós- Graduação em História das Ciências e da Saúde. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz, 2009; PEREIRA, Amilcar Araújo, O Mundo Negro: A Constituição do Movimento Negro Contemporâneo no Brasil (1970-1995). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2010; CARDOSO, Cláudia Pons, Outras Falas: Feminismos na Perspectiva de Mulheres Negras Brasileiras. Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2012; CARDOSO, Edson Lopes, Memória do Movimento Negro - Um Testemunho sobre a Formação do Homem Ativista contra o Racismo. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2014; MIGUEL, Luis Felipe e BIROLI, Flávia, Feminismo e Política: Uma Introdução.  1ª edição.  São Paulo: Boitempo Editorial, 2014; RIBEIRO, Maria Florencia Guarche, A Revolução em Rojava: Jin, Jiyan, Azadi (Mulheres, Vida, Liberdade). Monografia de Conclusão de Curso de Bacharelado em Relações Internacionais. Santana do Livramento: Universidade Federal do Pampa, 2015;  entre outros.
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Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).   

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