sábado, 16 de maio de 2015

Yasujirō Ozu - Técnica, Cinema & Representação da Vida.

Ubiracy de Souza Braga*
                                 “A tela larga me lembra de um rolo de papel higiênico. Yasujirō Ozu (1903-1963)

         Yasujirō Ozu nasceu em Fukagawa, em Tóquio, filho de um comerciante de adubo, e foi educado num colégio interno em Matsusaka, não tendo sido um aluno particularmente bem sucedido. Desde cedo se interessa pelo cinema e aproveita o tempo para ver o máximo de filmes que podia. Trabalhou por um breve período como professor, antes de voltar para Tóquio em 1923, onde se juntou à Companhia cinematográfica Shochiku. Trabalhou, inicialmente, como assistente de fotografia e de realização. Três anos depois, dirigiu o seu primeiro filme, Zange no yaiba (A espada da penitência), um filme histórico, em 1927. Em julho de 1937, numa época em que os estúdios demonstravam algum descontentamento com o insucesso comercial dos filmes de Ozu, apesar dos louvores e prémios com que a crítica o celebrava, é recrutado com 34 anos e servirá como cabo de infantaria, na China, durante dois anos. A sua experiência militar leva-o a escrever um extenso diário onde se inspirará mais tarde para escrever guiões cinematográficos. O primeiro filme realizado por Ozu ao regressar, Toda-ke no Kyodai (Os irmãos da família “Toda”, do título em inglês, 1941), foi um sucesso de bilheteira e de crítica. Em 1943 foi, de novo, alistado no exército para realizar um filme de propaganda na Birmânia. Em vez disso, foi enviado para Singapura onde passou grande parte do seu tempo vendo filmes norte-americanos confiscados pelo exército.

De acordo com Donald Richie, o filme preferido de Ozu era a obra-prima de Orson Welles, Citizen Kane. Devido as campanhas militares na China, a economia japonesa encontra-se dilapidada e o comércio exterior impedido de se expandir por pressão dos aliados. Foi quando os Estados Unidos da América resolveram dar o golpe fatal. O governo norte-americano suspende em 1939 a venda de matérias-primas e demais insumos industriais para o Japão. O petróleo seria uma delas. Nenhum acordo com o presidente Franklin Roosevelt foi possível. Do lado japonês, o endurecimento das posições se dá com o ministro da Guerra, o general Tojo Hideki, que ascende ao cargo de primeiro ministro. O general não queria mais acordo com os Estados Unidos, preferindo a opção pela guerra. Ainda não tinha amanhecido em Havaí, em 7 de dezembro de 1941, quando a aviação japonesa ataca a base norte-americana de Pearl Harbor, declara guerra aos Estados Unidos e Inglaterra. E a entrada na guerra estava fadada ao fracasso. Em 1942, já davam sinais de debilidade nas guerras do Pacífico.

Derrotada na guerra, o Japão precisa ser reconstruído e adaptado à modernidade. Mas antes, teve que arcar com as dores. As forças aliadas ocupam o Japão em 1945 sob o comando do general Douglas Mac Arthur. O período de ocupação americana, que vai de 1945 a 1951, serviu para o Japão retomar o caminho do desenvolvimento. Foram eliminadas as ideias bélico-imperialistas e restaurada a democracia. Uma década depois, o Japão mostrava sinais de recuperação. É daí a expressão “milagre japonês”. Algumas décadas foram necessárias para colocar o Japão entre os países adiantados. Se no início os produtos japoneses eram considerados baratos e ruins até pelos próprios japoneses, em pouco tempo o País passou a ameaçar os Estados Unidos como segunda potência econômica. Assimilando bem os ensinamentos dos americanos quanto ao aumento de produtividade e melhoria de qualidade, os japoneses passaram a adotar métodos de trabalho que hoje são utilizados no mundo inteiro, que visam principalmente a eliminar o desperdício no processo industrial. Na área comercial, os japoneses ganharam dos americanos em segmentos. Produtos japoneses invadiram as lojas dos Estados Unidos.

                                     

         Formou-se no Japão um governo imperial centralizado, no século VII da nossa Era, sob dinâmica influência chinesa. A reforma Taika de 646 aboliu os anteriores agregados dos grupos de linhagens nobre de lavradores deles dependentes, e instaurou pela primeira vez um sistema político unitário. O novo Estado japonês, que viria a ser regido pelos Códigos Tailho emitidos no princípio do século VIII (702), possuía uma administração organizada segundo o modelo chinês contemporâneo, o império Tang, e assentava o monopólio imperial da propriedade fundiária. O solo era arrendado em pequenos lotes, periodicamente redistribuídos a agricultores que ficavam obrigados a impostos em espécie ou a corveias perante o Estado; inicialmente aplicados aos domínios pessoais da linhagem imperial, este sistema de loteamento estendeu-se gradualmente através do país durante o século seguinte. Uma vasta burocracia central, composta por uma classe aristocrática civil obtinha os cargos mais por hereditariedade do que por qualificações, mantinha o país sob um controle político unificado. O reino situava-se sistematicamente dividido em circunscrições, províncias, distritos e aldeias, sob a estreita supervisão governamental.  Foi também criado o recrutamento para um exército permanente.

      A exemplo da China, comparativamente, foram edificadas cidades imperiais simetricamente planejadas. O budismo, combinado sincreticamente com os cultos xintoístas nativos, tornou-se religião oficial, oficialmente integrada no próprio aparelho de Estado. Todavia, a partir de cerca de 800, este Império Significado começou a dissolver-se, sob a ação de pressões centrífugas. Desde o início, a ausência de algo de idêntico a um verdadeiro mandarinato no seio da burocracia, tornou-a presa dos esforços de apropriação privada dos nobres. As ordens religiosas budistas conservavam privilégios especiais sobre as terras que lhes haviam sido doadas. O recrutamento desapareceu efetivamente em 792, e a redistribuição de lotes de terra por volta de 844. Nas províncias, começaram gradualmente a surgir Estados semiprivados, ou shõen, domínios da propriedade de nobres ou de mosteiros. Subtraídos inicialmente à propriedade fundiária do Estado, acabaram por adquirir imunidade fiscal e, finalmente, isenção da inspeção cadastral pelo governo central. Os mais vastos destes domínios, muitas vezes com origem em terras recentemente postas em cultivo, cobriam várias centenas de hectares. Os camponeses que cultivavam os shõens passaram a pagar os seus tributos diretamente aos senhores e, neste sistema dominial em formação, camadas intermédias de intendentes e bailios adquiriram direitos adicionais de acesso à produção sobretudo de arroz. A organização interna dos domínios senhoriais japoneses era grandemente influenciada pela natureza da cultura do arroz, o setor base da agricultura.  

        Não havia afolhamento trienal como na Europa, e as terras comunais tinham relativamente pouca importância, dada a ausência da pecuária. As courelas camponesas eram muito menores que na Europa e menos numerosos os aglomerados aldeões, com uma considerável densidade de população rural e escassez de terras. Sobretudo, não havia nos domínios um sistema de reserva senhoria: os shiki, ou direitos divisíveis de apropriação do produto, eram uniformemente coletados sobre toda a produção do shõen. Entretanto no seio do sistema político, a aristocracia da corte, ou kuge, desenvolveu uma apurada cultura civil na capital, onde a casa de Fujiwara adquiriu duradouro ascendente sobre a própria dinastia imperial. Foi ficando cada vez mais ao abandono. Ao mesmo tempo, desaparecendo o recrutamento, as forças aramadas nas províncias foram caindo gradualmente nas mãos de uma nova nobreza militar, os bushi, que começou a salientar-se durante o século XI. Tanto os funcionários públicos do governo central como os proprietários shõen locais agrupavam junto de si esses bandos guerreiros, para objetivos de defesa e agressão. As lutas civis aumentavam com o desenvolvimento da privatização do poder coercivo, já que as tropas bushi interviam nas lutas das cliques de corte pelo controle da capital do império e do aparelho administrativo. A queda do velho sistema Tailho culminou com a instauração vitoriosa do shogunato Kamakura por Minamoto-no-Yoritmo, no fim do século XII. A dinastia imperial de Kyoto e a administração civil foram preservadas pelo monarca, criado em Kyoto a que devotava respeito do legado.

         O Xogunato Tokugawa, ou Período Tokugawa, ou Xogunato Edo, representou uma espécie de ditadura militar feudal estabelecida no Japão por Tokugawa Ieyasu, primeiro líder desta Era governada pelos xoguns (grande general) da família Tokugawa no período de 1603 a 1868. O nome do período é também reconhecido Período Edo, em homenagem a cidade de Edo, atualmente Tóquio, que era a capital do Xogunato Tokugawa, até a Restauração Meiji, que acabou definitivamente com o período dos Xogunatos. Seguindo o Período Sengoku Jidai de guerras civis, o governo central foi largamente restabelecido por Oda Nobunaga e Toyotomi Hideyoshi durante o Período Azuchi-Momoyama. Após a batalha de Sekigahara em 1600, o país unificou com o fim das disputas entre os feudos, a autoridade central foi concedida a Tokugawa Ieyasu, que completa o processo de centralização e recebe o título de Xogum em 1603. Politicamente foi um período de forte isolamento político-econômico do país em relação ao resto do mundo ocidental e rígido controle interno (sakoku), regulando os feudos através do código de leis.

        Yasujirō Ozu (1903-1963) inevitavelmente iniciou seu trabalho como cineasta em comédias, analogamente como Charles Chaplin na trilha aberta pelo cinema anglo-saxão, originais no seu estilo, antes de se dedicar a obras com maiores preocupações sociais e porque não dizer, na esfera da vida política, na década de 1930, principalmente ao ter como escopo cinematográfico a utilidade de uso as lentes em dramas familiares, gênero próprio do cinema japonês, chamado Gendai-Geki, um gênero de filme e televisão ou peça de teatro no Japão. Ao contrário do gênero jidai-geki de dramas conjunturais de época, cujas histórias se passam no período Edo, as histórias gendaigeki são dramas contemporâneos ambientados no mundo moderno. Outros temas caros ao mestre japonês são a velhice, o conflito entre gerações, a nostalgia, a solidão e inevitabilidade da decadência, como se verifica, de imediato, nos títulos dos seus filmes que evocam o passar do tempo. É frequente que terminem num local ou situação ligada com o início, no sentido do “eterno retorno”, acentuando o carácter de circularidade, como ocorre nas estações do ano ou a alternância das “marés destas obras exuberantes”. 

         Em 1868, o período terminou com a Restauração Meiji, quando o governo imperial (tenno) recuperou sua autoridade, marcando o fim das ditaduras feudais, iniciando a modernização do Japão. Em 268 anos o Japão passou por um período de relativa paz e de valorização das artes, como: o teatro kabuki, a pintura em madeira, arte do chá, escrita e a educação. Também se desenvolveram a agricultura e a construção civil no setor de estradas, que posteriormente, contribuíram para a rápida industrialização do país.  Durante o período Sengoku do século XV ao XVII, o Japão sofria uma grande instabilidade política. As disputas de poder e de terras entre os senhores feudais (dáimios) geravam ondas sangrentas de guerras civis. Essas guerras contribuíram para o enfraquecimento do poder central do Xogunato Muromachi, deixando o país à mercê da “lei do mais forte” e das constantes tentativas falhadas de unificar o Japão. A reunificação do Japão ganhou forma com a campanha do dáimio Oda Nobunaga.            

       Após afirmar o seu domínio sobre a província de Owari em 1559, Nobunaga marcha sobre a capital Quioto em 1568, restaurando o poder da corte real, meramente uma posição simbólica. Estabelecendo-se na capital, Nobunaga continua a eliminação dos seus adversários, entre eles a famosa seita budista Ikko-ikki, destruindo o mosteiro Enryaku-ji em 1575. Tirando partido da introdução das armas-de-fogo no Japão, Nobunaga consegue rechaçar clãs inimigos como, por exemplo, o clã Takeda. Em 1582, Nobunaga é assassinado por um dos seus vassalos, Akechi Mitsuhide, que aproveita a situação e usurpa o lugar do seu mestre. O general Toyotomi Hideyoshi, que lutava ao lado de Nobunaga, agindo rapidamente, consegue destruir as forças de Mitsuhide, assumindo o controle. Com o apoio dos seguidores de Nobunaga e alianças com vários dáimios importantes, Hideyoshi continua com a campanha de reunificação, conquistando as províncias de Shikoku e Kyushu. Finalmente, com um exército de mais de 200 mil homens, Hideyoshi derrotou a última resistência, a família Hojo, que controlava Kanto, a região Leste de Honshu. A unificação do Japão estava completa.

Após a morte de Hideyoshi, o poder voltou a ser concorrido entre os senhores feudais. Entre eles, destacou-se Tokugawa Ieyasu, um dos partidários de Nobunaga desde o início da reunificação. Usando o seu poderio político e militar, quebrou as suas promessas traindo o sucessor de Hideyoshi, seu filho Hideyori, e iniciou uma batalha pelo poder do Japão. Destruindo as forças que apoiavam Hideyori na Batalha de Sekigahara, Tokugawa, sem rivais à altura, consegue expandir o seu domínio por todo o Japão, recebendo do Imperador, em 1603, o título de xogum, estabelecendo assim o Xogunato Tokugawa. O Xogunato Tokugawa tardio ou Último Xogum foi o período entre 1853 e 1867 durante o qual o Japão acabou com sua política isolacionista estrangeira, chamada sakoku, e modernizou-se de um xogunato feudal para o Governo Meiji. Este período situa-se no final da Era Edo, precedendo a Era Meiji. As principais facções ideológicas ou facções políticas durante o período dividiram-se basicamente em: a) em pró-imperialistas Ishin Shishi (patriotas nacionalistas) e, b) as forças do xogunato, incluindo a elite política Shinsengumi do corpo do exército selecionado de espadachins.

Embora os dois grupos fossem os de maior força militar visível, muitas outras facções tentaram usar o caos do Bakufu numa tentativa de ganhar poder pessoal. Em julho de 1853 uma esquadra dos Estados Unidos da América (EUA) de quatro navios, comandada pelo Comodoro Matthew C. Perry, chegou à Baía de Edo exigindo a abertura dos portos japoneses, iniciando assim uma cadeia de eventos que levariam ao fim do Bakufu no Japão. O responsável em realizar as negociações com os EUA foi o presidente do conselho dos veteranos Abe Masahiro (1819-1857). Sem nenhum precedente para as negociações, Abe tentou conciliar as vontades divergentes dos conselhos dos veteranos, que queriam abrir negociações, do Imperador, que queria manter os estrangeiros fora, e dos daimiôs, que queriam ir à guerra. Sem um consenso sobre a situação, Abe decidiu favorecer os acordos norte-americanos, permitindo assim abrir o Japão ao comércio estrangeiro, contanto que ao mesmo tempo fosse feita uma preparação militar. Em março de 1854, foi assinado o Tratado da Paz e Amizade, ou Tratado de Kanagawa, que concedia a abertura de dois portos a navios norte-americanos em busca de suprimentos, a ajuda a náufragos e a permissão a um Cônsul dos Estados Unidos de estabelecer uma morada em Shimoda, um porto marítimo na Península de Izu, a sudoeste de Edo. Cinco anos mais tarde, a abertura de mais portos para navios dos Estados Unidos da América (EUA) foi forçada ao Bakufu através de tratados, demonstrando o início do declínio de poder do Xogunato.

Esse processo ocasionou danos desastrosos para o Bakufu. Debates políticos sobre o Xogunato, o que era algo incomum, afloraram pela população, ocasionando severas críticas ao governo. Para conter a instabilidade política, Abe tentou ganhar novos aliados à sua causa consultando os clãs Shinpan e Tozama, para a surpresa dos Fudai (clã mais próximo dos Tokugawa), situação que desestabilizou ainda mais o já debilitado Bakufu. Seguindo o plano de fortalecer o governo, na Reforma Ansei (1854-1856), Abe conseguiu navios de guerra e armamentos dos Países Baixos e construiu novas defesas para os portos. Em 1855 uma escola naval com instrutores neerlandeses foi montada em Nagasaki, e uma escola militar estrangeira foi estabelecida em Edo; no ano seguinte, o governo estava traduzindo livros estrangeiros. A abertura do Japão ao ocidente não foi aceita por várias facções aliadas aos Tokugawa, principalmente os Fudai, onde uma oposição a Abe crescia, impedindo a entrada do clã Tozama no conselho de veteranos. Consequentemente, Abe foi substituído da presidência do conselho em 1855 por Hotta Masayoshi (1810-1864), diminuindo assim a rivalidades entre os clãs. Os ideais pró-imperialistas cresciam politicamente, principalmente pela propagação de escolas de ensino, como a Escola Mito, baseada em ensinamentos neo-confucionistas e xintoístas, que tinha como objetivo a restauração da instituição imperial, a retirada dos ocidentais do Japão e a criação de um Império mundial sobre a divina Dinastia Yamato.

A escola teve a sua génese em 1657, quando Tokugawa Mitsukuni (1628-1700), segundo Daimyō de Mito, encomendou a compilação do Dai Nihon-shi (História do Grande Japão). Vários estudiosos reuniram-se para a elaboração do projeto, entre os quais Asaka Tanpaku (1656-1737), Sassa Munekiyo (1640-1698), Kuriyama Senpō (1671-1706), e Miyake Kanran (1673-1718). A abordagem fundamental do projeto foi Neo-confucionista, com base na visão de que o desenvolvimento histórico segui leis morais. Tokugawa Mitsukuni acreditava que o Japão, enquanto nação que tinha sido por muito tempo governado sob o domínio unificado do imperador, era um exemplar perfeito de uma "nação", como entendido no pensamento sinocêntrico. Dai Nihon-shi creditou que a história do Japão fosse governada por imperadores enfatizando o respeito pela corte imperial e pelas divindades xintoístas. A fim de registar fatos históricos, os historiadores da escola reuniram fontes históricas locais, compilando frequentemente as suas próprias obras históricas no processo. Inicialmente, a escola Mitogaku estava focada em historiografia e trabalhos académicos. Ao final do século XVIII, Mitogaku veio para tratar de questões sociais e políticas contemporâneas, dando início à era da Mitogaku Tardia. O líder do clã Mito, Nariaki Tokugawa (1800-1860), expandiu Mitogaku estabelecendo Kōdōkan como escola do clã. Além de confucionista e do pensamento kokugaku, a escola também absorveu o conhecimento de medicina, astronomia e outras ciências naturais. Em meio a esses conflitos sociais, políticos e ideológicos, Tokugawa Nariaki ficou encarregado da defesa nacional em 1854.

 Nariaki já havia há muito tempo abraçado ideais antiestrangeiros e uma lealdade militar ao Imperador, tornando-se assim um dos principais líderes da facção contrária ao Xogunato e futuramente tendo um papel importante na Restauração Meiji. Nos anos finais do Xogunato, as relações estrangeiras aumentaram e mais concessões foram feitas. Um novo tratado com os Estados Unidos em 1859 permitiu que mais portos fossem abertos para representantes diplomáticos. No mesmo ano, originou-se um comércio sem supervisão que foi permitido em mais 4 portos e a construção de residências estrangeiras em Osaka e Edo. Pelo mesmo tratado, foi incorporado o conceito de extraterritorialidade, estrangeiros estavam submetidos às leis de seus respectivos países, e não à lei japonesa. Devido a isso, Hotta perdeu apoio de importantes daimiôs, e quando Tokugawa Nariaki se opôs ao novo tratado, Hotta buscou aprovação Imperial. Os oficiais da corte, percebendo a fraqueza do bakufu, rejeitaram o pedido de Hotta e, pela primeira vez em séculos, envolveram Kyoto e o Imperador decisivamente na esfera da política interna do Japão. Quando o Xogum Iesada morreu sem deixar herdeiros, Nariaki apelou para a corte pelo apoio de seu filho, Tokugawa Yoshinobu (ou Keiki), para Xogum, que era favorecido pelos daimiôs dos clãs Shinpan e Tozama. 

Entretanto, os fudai ganharam a luta pelo poder, instituindo Tokugawa Yoshintomi no cargo de Xogum, prendendo Nariaki e Keiki e executando Yoshida Shoin (1830-1859), um importante intelectual sonnõ-jôi que tinha se colocado contra o tratado norte-americano e tinha arquitetado uma revolução contra o bakufu, e assinaram tratados com os Estados Unidos da América e mais cinco outras nações, acabando com mais de 200 anos de reclusão. A influência de Yasujirō Ozu no cinema oriental e ocidental é indubitável. E, sem temor a erro, quando admitimos que nas lentes de Akira Kurosawa e do fabuloso Kenji Mizoguchi, que despertaram primeiramente a “curiosidade” cinéfila europeia em relação ao cinema japonês são tributários do seu estilo de olhar a vida. E neste aspecto a particularidade incide sobre o tema do egoísmo. No filme: “Era uma Vez em Tóquio” (1953), um casal idoso decide visitar seus filhos, já adultos, que moram na cidade de Tóquio. Quando chegam lá, notam que os filhos estão muito ocupados com suas rotinas diárias, da casa, dos costumes, dos horários das refeições, da ordem, para prestar atenção nos pais, como sobredeterminação psicológica da vida. São temas candentes no âmbito da modernidade artística, no âmbito da ética e da filosofia na pós-modernidade, sobretudo originais no seu estilo, antes de se dedicar a obras com maiores preocupações sociais na década de 1930, principalmente ao focar dramas familiares, gênero próprio do cinema japonês, chamado “Gendai-Geki”. 

Historicamente existem no Japão indícios de interesse pelo cinema desde o final do século XIX: a) com o primeiro filme conhecido e produzido em 1897, b) os primeiros estúdios criados comercialmente em 1904, e, c) a primeira produtora a ser fundada em 1912. Neste sentido, privilegiava-se o entretenimento, com os estúdios de Tóquio especializando-se nos filmes “gendai-geki” (“a vida tal como é”), e os de Quioto  especializando-se em filmes “jidai-geki”, filmes de tradição, geralmente do período Edo. Havia então uma enorme dependência do teatro tradicional japonês, o kabuki, representando o drama histórico medieval do período Yedo, estilizado e de caracterização e atuação dramática exagerada, ou, “shimpa”, drama contemporâneo.
O fim desse período é particularmente chamado de Xogunato Tokugawa tardio. A causa que deu fim ao período é controversa, mas considera-se que foi a abertura forçada do Japão ao mundo pelo Comodoro da marinha norte-americana Matthew Calbraith Perry como o início do fim. Sua armada ficou reconhecida pelos japoneses como “os navios negros” quando invadiu e realizou vários tiros com suas armas pesadas na Baía de Tokyo. Posteriormente, várias ilhas artificiais foram criadas para bloquear o alcance de armas. Essas ilhas permanecem no que é chamado de distrito de Odaiba. Os Tokugawa colapsaram simplesmente devido a falhas intrínsecas de sua administração. A intrusão estrangeira ajudou a precipitar como num balão de estufa, a luta política complexa entre o bakufu e a coalizão de seus críticos. A continuidade do movimento antibakufu na metade do século XIX iria finalmente trazer o fim dos Tokugawa, na qual o produtor ideal era o “cidadão ideal” a ser atingido na sociedade contemporânea.

Devido as campanhas militares na China, a economia japonesa encontra-se dilapidada e o comércio exterior impedido de se expandir por pressão dos aliados. Foi quando os Estados Unidos da América resolveram dar o golpe fatal. O governo norte-americano suspende em 1939 a venda de matérias-primas e demais insumos industriais para o Japão. O petróleo seria uma delas. Nenhum acordo com o presidente Franklin Roosevelt foi possível. Do lado japonês, o endurecimento das posições se dá com o ministro da Guerra, o general Tojo Hideki, que ascende ao cargo de primeiro ministro. O general não queria mais acordo com os Estados Unidos, preferindo a opção pela guerra. Ainda não tinha amanhecido em Havaí, em 7 de dezembro de 1941, quando a aviação japonesa ataca a base norte-americana de Pearl Harbor. Em seguida, declara guerra aos Estados Unidos e Inglaterra. Mas a entrada do Japão na guerra estava fadada ao fracasso. Já em 1942, os japoneses davam sinais de debilidade nas guerras do Pacífico.

Derrotada na guerra, o Japão precisa ser reconstruído e adaptado à modernidade. Mas antes, teve que arcar com as dores. As forças aliadas ocupam o Japão em 1945 sob o comando do general Douglas Mac Arthur. O período de ocupação americana, que vai de 1945 a 1951, serviu para o Japão retomar o caminho do desenvolvimento. Foram eliminadas as ideias bélico-imperialistas e restaurada a democracia. Uma década depois, o Japão mostrava sinais de recuperação. É daí a expressão “milagre japonês”. Algumas décadas foram necessárias para colocar o Japão entre os países adiantados. Se no início os produtos japoneses eram considerados baratos e ruins até pelos próprios japoneses, em pouco tempo o País passou a ameaçar os Estados Unidos como segunda potência econômica. Assimilando bem os ensinamentos dos americanos quanto ao aumento de produtividade e melhoria de qualidade, os japoneses passaram a adotar métodos de trabalho que hoje são utilizados no mundo inteiro, que visam principalmente a eliminar o desperdício no processo industrial. Na área comercial, os japoneses ganharam dos americanos em segmentos. Produtos japoneses invadiram as lojas dos Estados Unidos.

Fazem mais que 60 anos que entrou em cartaz “Viagem a Tóquio”, talvez a mais marcante obra-prima de Yasujirō Ozu, que morreu há 52 anos, em 3 de dezembro de 1963, no dia em que completava 60 anos de idade. Só na aparência da “circularidade” em seus filmes tudo parece aspirar à perfeição do círculo. Vale lembrar que a leitura do real, da realidade concreta, não é coisa para principiantes. Um grupo de filósofos franceses já nos advertia, na década de 1970, sobre o círculo de uma só e mesma questão que, no entanto será preciso transpor, já que a característica do discurso científico é o ser escrito. E que, portanto levanta a questão da forma literária de sua escrita. Assim, não saímos do círculo de uma só e mesma questão: se pudemos, sem sair dele, não girar num círculo, é que ele não representa mais o círculo fechado da ideologia. Mas o círculo perpetuamente aberto pelos próprios fechos, de conhecimento fundado que fascinaram o público ocidental descoberto em partes da Europa, nos anos 1970.           
Do ponto de vista da circularidade e do “eterno retorno” nenhum filme é mais representativo do que na representação “Era uma Vez em Tóquio”, como vimos, sobre a tônica do casal que sai da província para visitar os filhos. Mas a vida em Tóquio não é um paraíso. Eles têm seus problemas de convivenciabilidade. Os pais são um incômodo para eles, e a viagem é frustrante para os pais. Esse tipo de filme rendeu a Ozu Yasujirō epíteto positivo de “maravilhoso cineasta do cotidiano”, pois é nos pequenos fatos sociais, nas inflexões quase imperceptíveis, que esses filmes buscam seu encanto. É verdade, reproduzindo a fama de conformista, pois cada um de seus personagens aceita “a vida como ela é”, quase como na dramaturgia clássica de Nelson Rodrigues, no caso brasileiro de violência masculina contra a mulher. E pior: sem queixa, sem crítica ou ódio. Como se insistissem, contrariando o vitalismo nietzschiano, no fardo de que “a vida é assim”. Do ponto de vista esotérico para alguns caracteriza o Zen do cineasta. 
Essas visões da “vida cotidiana”, metodologicamente analisadas por Agnes Heller (1975) são confrontadas por Kiju Yoshida, antigo assistente de Ozu e depois um dos cineastas mais importantes da chamada “nouvelle vague japonesa”, geração rebelde que surge por volta de 1960. Para ele, ao contrário, Ozu de conformista não tem nada. Para Heller, a vida social humana pode ser entendida em dois grandes âmbitos: o da vida cotidiana e o âmbito das esferas não cotidianas da atividade social. Sendo que o segundo tem sua gênese histórica no primeiro e sua existência já caracteriza certa passagem de desenvolvimento da sociedade. A vida cotidiana é constituída a partir de três tipos de “objetivações” do gênero humano, que constituem a matéria-prima para a formação elementar dos indivíduos: a linguagem, os objetos e os usos e costumes de uma dada sociedade. Já as esferas não cotidianas se constituem a partir de objetivações, compreendidas sob as formas mais complexas, distintas dos planos de realidade cotidiana, como as ciências, a filosofia, a arte, a moral e a política.
O maior expoente da nouvelle vague japonêsa, que eclodiu nos anos 1960, é considerado Nagisa Oshima que desenvolveu a técnica de apreensão em sua obra como uma forma de oposição ao cinema tradicional de seu país. - “Meu ódio pelo cinema japonês inclui absolutamente tudo nele”. Seu inconformismo reagia inclusive contra o estilo de diretores do porte comparativamente de Yasujirō Ozu, Kenji Mizoguchi e Akira Kurosawa. Oshima estava mais preocupado em retratar as contradições e tensões da sociedade japonesa do pós-guerra, incluindo o período de industrialização (cf. Kemp, 1976) e a crescente influência ideológica e cultural do Ocidente, do que dirigir histórias sociais convencionais ou consideradas de narrativa “de época”. Muitos de seus trabalhos durante a “nova onda”, como O Túmulo do Sol (1960) e Violência ao Meio-Dia (1966), rompiam radicalmente com as tradições clássicas e temas vistos nas telas de então. O cineasta ganharia notoriedade internacional do ponto de vista da globalização da arte na década seguinte com o lançamento chocante de O Império dos Sentidos (1976). Mergulho visceral no relacionamento sadomasoquista entre dois amantes em 1936, o filme gerou forte debate por conta de suas inúmeras cenas de sexo explícito. Para Oshima nada é gratuito e o sexo tem conotações políticas. Sexo como mecanismo de poder e que, no limite, pode encontrar a morte, seja no gozo ou na obsessão pelo outro.
E no caso dos Olhos da Vida, de Yasujirō Ozu o centro de sua empreitada consiste numa confrontação com o cinema tradicional, que considera uma arte autoritária, sem conexão com a relação social entre permanência e circularidade, pois, entre outros aspectos, nos obriga a ver algo e por um tempo limitado, dirigindo olhar e impondo significados. O que vemos em Yasujirō Ozu é exatamente o oposto do autoritarismo, seja no plano das ideias, sejam no plano prático das relações imediatas, políticas, econômicas ou sociais. O plano fixo de sua câmera permite que busquemos a conexão de  sentido de ambientes e situações sociais, em vez dele vir “pronto”, como mercadoria-objeto da aparente fixidez da imagem. Nele, pode-se escolher entre o conformista e o inconformista. Entre o criador de um mundo de essências imutáveis e o cronista, como olhar a vida que endereçamos na arte grandiosa que afeta e enriquece. Com este filme Ozu, como um “haiku” definia o seu estilo, feito de planos fixos, ângulos baixos, e um modo vigoroso de narrar, incidindo nos acontecimentos do dia a dia, e deixando de lado os grandes momentos dramáticos. A sua visão era tradicionalista, sendo por muitos considerado o mais japonês dos realizadores do seu tempo. Seguiu-se uma obra extremamente consistente, com filmes muito influentes, como “Early Summer” (Bakushû, 1951), “Viagem a Tóquio” (Tôkyô monogatari, 1953), “Primavera Precoce” (Sôshun, 1956), “A Flor do Equinócio” (Higanbana, 1958), “Floating Weeds” (Ukikusa, 1959), “The End of Summer” (Kohayagawa-ke no aki, 1961), “O Gosto do Saké” (Sanma no aji, 1962), este último no ano que infelizmente precedeu a sua morte. 
Bibliografa geral consultada.

GIUGLARIS, Marcel e Shinobu, El Cine Japonês. Madrid: Ediciones Rialp, 1957; SCHRADER, Paul, Transcendental Style in Film: Ozu, Bresson, Dreyer. California: Da Capo, 1988; BORDWELL, David, Ozu and the Poetics of Cinema. New Jersey: Princeton University Press, 1988; BARRETT, Gregory, Archetypes in Japanese film. United States: Associated University Presses, 1989; NAGIB, Lúcia e PARENTE, André (org.), Ozu – O Extraordinário Cineasta do Cotidiano. São Paulo: Editora Marco Zero, 1990; RICHIE, Donald, Japanese Movies. Tokyo: Tosho Printing, 1961; Idem, Japanese Cinema, an introduction. Hong Kong: Nordica Printing, 1990; NAGIB, Lúcia, Em Torno da Nouvelle Vague Japonesa. Campinas: Universidade de Campinas, 1993; OZU, Yasujiro, Carnets, 1933-1963. Paris: Editions Alive, 1996; SHIGEHIKO, Hasumi, “Sunny Skies”. In: DESSER, David (Org.), Ozu’s Tokyo Story. Cambridge: Cambridge University Press, 1997; ISHAGHPOUR, Youssef, Formes de l’impermanence: Le Style de Yasujiro Ozu. Paris: Éditions Farago, 2002; YOSHIDA, Kiju, O Anticinema de Yasujiro Ozu. São Paulo: Editor Cosac Naify, 2003; PENNA, Julia Parucker Araújo, Percepções sobre o Vazio na Obra do Cineasta Zen, Yasujiro Ozu, a partir do Filme Pai e Filha (Banshun, 1949). Trabalho de Conclusão de Curso Graduação em Comunicação - Habilitação em Radialismo. Escola de Comunicação. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2009; LOPES, Denilson, “Por que Ozu hoje”. In: Emoção e Poesia: O Cinema de Yasujiro Ozu. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2010; TENDO, Shoko, Memórias de Filha de um Gângster. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2011; OKANO, Michiko, MA: Entre-Espaço da Comunicação no Japão. Um Estudo acerca dos Diálogos entre Oriente e Ocidente. Tese de Doutorado. Departamento de Comunicação e Semiótica. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007; Idem, “Ma: A Estética do Entre”. In: Revista Universidade de São Paulo, n˚ 100, pp. 150-164, 2013-2014; HORI, Yukie, Os Ensaios da Dona Sombra - Shadôsan no Zuihitsu. Dissertação de Mestrado. Escola de Comunicações e Artes. Universidade de São Paulo, 2015; KNIJNIK, João, O Outro na Narrativa Cinematográfica nos Filmes: O Som ao Redor e O Homem ao Lado. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Comunicação. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015; entre outros.

_______________

* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP) Professor Associado da Coordenação da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).  

Nenhum comentário:

Postar um comentário