Ubiracy de Souza Braga
“A tragédia da velhice consiste não no fato de sermos velhos, mas de ainda nos sentirmos jovens”. Oscar Wilde
Como
ator Vittorio De Sica tem seus maiores sucessos de bilheteria com: “Madalena”, “Zero
em Comportamento”, “Pão, Amor e Fantasia”, “Meu Filho Nero”, “Adeus às Armas”, “Um
Italiano na América” e “Coisas da Cosa
Nostra”. E como diretor, além dos
filmes com os quais ganhou o Óscar de melhor filme estrangeiro, De Sicca também
se destacou pela direção de “Umberto D.”, em 1951; “Boccaccio 70”, de 1962; “Ontem,
Hoje e Amanhã”, de 1963; “Matrimônio à Italiana”, de 1964; e “Os Girassóis da
Rússia”, de 1970. Vittorio De Sica tinha prazer em trabalhar com atores como
Marcello Mastroianni e Sophia Loren, seus amigos particulares, e os dirigiu em “Ontem,
Hoje e Amanhã”, “Matrimônio à Italiana” e “Os Girassóis da Rússia”.
A
primeira identificação do neorrealismo italiano diz respeito àquela ideia de
Umberto Barbaro quando chamou de “neorrealístico”, à “attività con la quale
collaborò con i più famosi registi della sua epoca, in particolare con Luchino Visconti
in Ossessione” (1943), do qual havia sido brilhante montador. Vale lembrar que
“Ossessione” é um filme italiano de 1943, dirigido por Luchino Visconti,
baseado no romance “The Postman Always Rings Twice”, de James M. Cain. Primeiro
longa-metragem de Visconti, é considerado por muitos como o primeiro filme
neorrealista italiano. A outra possibilidade é atribuída a Mario Serandrei,
quando este usou o termo em uma resenha do filme: “Quai des Brumes”. Seus temas protagonizados por trabalhadores
da classe operária, como fizera Píer Paolo Pasolini, imersas em um ambiente
injusto e fatalista, sempre encontrando a frustração na eterna busca por
melhores condições de vida, foram trazidos por influência do realismo poético
francês. Seus primeiros quatro filmes
seguiram a tradição do cinema italiano. Porém, a quinta película, “A Culpa dos
Pais”, torna-se uma obra profundamente humana e madura “sobre o impacto social da
loucura adulta na mente inocente de uma criança”.
O filme marcou o começo da
colaboração de De Sicca com o roteirista Cesare Zavattini, um relacionamento
criativo que daria ao mundo dois dos mais significativos filmes do movimento
neorrealista italiano, “Sciusciá” e “Ladri di Biciclette”. Ao receber o Óscar
especial da Academia, “Sciusciá” recebeu também o que foi acompanhado da
menção: - “L`alta qualità di questo film, un riflesso di una vita vissuta in un
paese devastato dalla guerra, dimostra al mondo che lo spirito creativo in
grado di superare ogni avversità”. Talvez tenha sido a primeira menção,
antropologicamente falando, sobre a tópica da diversidade na Sétima Arte,
sobretudo num período difícil da produção cinematográfica. Foi o primeiro filme estrangeiro
vencedor e que possibilitou abrir as portas para os diversos filmes italianos
que viriam à ser vencedores no futuro próximo. É o retrato das chamadas
“crianças de rua” como tem sido recorrente no Brasil e comparativamente na Itália pós-guerra.
Giuseppe e Pasquale são duas crianças,
dois grandes amigos que vivem de engraxar sapatos de soldados norte-americanos.
Eles dividem suas esperanças e seus sonhos inocentes de um futuro melhor, mas
acabam presos numa terrível e inconcebível instituição para menores. É um filme
muito importante para a história social do cinema, assim como: “Ladri di
Biciclette” de 1948. A carga dramática desses filmes é a que torna a principal
característica do diretor, sempre excelente. É também a história de muitos
italianos que estavam desempregados com o fim da Guerra. Um desses italianos é
Antonio Ricci, que consegue um emprego de colocador de cartazes. Entretanto,
para realizar este trabalho, precisava de uma bicicleta. Depois de penhorar
diversos objetos, ele adquiriu uma, mas ela é roubada. Juntamente com seu
filho, ele parte por toda Roma como o objetivo de encontra-la. É fora de dúvida
é uma obra-prima do cinema italiano e mereceu o prêmio honorário.
Na Itália do início dos anos 1950, enquanto a
economia do país renasce, os idosos “sofrem com as miseráveis pensões dadas
pelo governo” (cf. Gennari, 2009). Em Roma, Umberto Domenico Ferrari, um
funcionário público aposentado, é despejado por não conseguir pagar o aluguel
de seu quarto. Na companhia de seu único amigo, o cachorrinho Flik, Umberto vaga pelas ruas, buscando
apenas um objetivo: viver com dignidade diante da adversidade, o que levou Antônio
Gramsci (cf. Coutinho, 1986; 1997; 1999), à seguinte reflexão: “A indiferença é
o peso morto da história. É a bala de chumbo para o inovador, é a matéria
inerte em que se afogam frequentemente os entusiasmos mais esplendorosos, é o
fosso que circunda a velha cidade e a defende melhor do que as mais sólidas
muralhas, melhor do que o peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus
sorvedouros de lama os assaltantes, os dizima e desencoraja e às vezes, os leva
a desistir de gesta heroica”. Em 8 de novembro de 1926, a polícia fascista deteve
Gramsci e, apesar de sua imunidade parlamentar, levaram-no à prisão.
Recebeu
uma sentença de cinco anos de confinamento e, no ano seguinte, de 20 anos de
prisão em Turim, aonde veio a falecer tuberculoso no cárcere (cf. Milza, 1980;
1985). Não queremos perder de vista que a velhice é um processo individual (Freud),
simultaneamente social (Marx), cultural (Morgan/Engels) e de evolução natural
(Darwin), indiscutível e inevitável sobre a morte (Ariès), para qualquer ser
humano, dando sentido (Weber) e forma à vida (Simmel). Nessa fase sempre
ocorrem mudanças biológicas, fisiológicas, psicossociais, econômicas e
políticas que compõe o cotidiano da vida de homens e mulheres. Em muitas
culturas e civilizações, principalmente as orientais, o velho, o idoso é visto
com respeito e veneração, representando uma fonte de experiência, de talento em
seu ersatz por seu valioso saber
acumulado ao longo dos anos, com prudência e a cautela no desenvolvimento de
sua reflexão. O idoso tem como representação social estigmas tais como:
“o velho”, “o ultrapassado” e psicologicamente falando: “a falência múltipla do
potencial do ser humano”.
Estudos
recentes têm demonstrado cada vez com maior clareza do ponto de vista
técnico-metodológico (pesquisa empírica) e científico (discursivo) que, o
avanço da idade não determina a deterioração da inteligência, pois ela está
associada à educação, ao padrão de vida, a vitalidade física, mental e
emocional. Também é preciso perder o preconceito sobre a idade cronológica das
pessoas. Vale fazer um alerta importante, talvez, só na América do Sul
estima-se que no início deste novo milênio mais de 30 milhões de pessoas
estarão com idade acima de 60 anos. No Brasil, só o Estado de São Paulo
representará quase três milhões de pessoas ou cerca de 8% dessa população. Seu
aumento tende a expandir ainda mais nas próximas décadas, o que justifica o
interesse e a preocupação da sociedade em criar ações para tratar questões
ligadas à velhice.
O
filme: “Umberto D.” tem apenas duas “manifestações de vida”, no sentido simmeliana,
com quem poderá contar: seu cachorro que acabaria por ser o responsável por um
dos finais mais arrebatadores, do cinema da década de 1950, após “O Vagabundo
de Chaplin”, na década de 1930 (cf. Braga, 2011), e a empregada doméstica que
trabalhava na pensão onde residia. Uma jovem grávida que possui seus próprios
problemas. Todos os outros personagens significam adversidade: desde a dona da
pensão até os velhos amigos que não querem ou “lavam as mãos” para não
compreender a situação social do aposentado e poder ajudar Umberto
financeiramente. Por conta das adversidades, Umberto nem sempre consegue ser um
personagem moral e economicamente estável. Ele é capaz de transformar-se e tomar
decisões bastante desumanas, o que torna seu personagem completo e real, em sua
“dramatis personæ” acima de tudo, para lembramos de William Shakespeare de 1623,
no cinema.
Tecnicamente bem estruturado, o
trabalho do diretor italiano encontra-se situado em um momento político de
transformação do cinema tanto quanto da vida real no velho continente e em
particular a Itália. E do ponto de vista teórico das cartas de Antônio Gramsci
são hoje um pretexto ou um ponto de partida na análise marxista das classes para
uma interpretação da história italiana durante o período de entre guerras (cf.
Gramsci, 1947; 1954). Desde 1918 até a chegada do fascismo em 1922, o Estado liberal
defendera-se do seu inimigo mais perigoso, o movimento obreiro. Assustada pela
vaga de greves e ocupação de terras, as frações da classe dominante e/ou
dirigentes irá de mãos dadas em aliança política com o fascismo, que aproveitará
esta crise estrutural para se candidatar progressivamente como a única força
com a capacidade para travar o pulo imparável do movimento obreiro, somando os
consensos das classes médias.
Com efeito, o Estado italiano
enfrentava desde a Unificação uma importante frustração nacional, derivada não apenas
da questione romana, mas também e principalmente do problema do irredentismo e
da provada incapacidade colonial. Acabada a 1ª grande guerra (1914-18), a Itália
verificava que ter estado do lado dos países vencedores na Europa não ajudara
em absoluto para solucionar estes problemas na dinâmica política que, antes como
polos contrários se incrementaram. O fascismo representou, nesse sentido, uma resposta
à crise da democracia liberal, numa perspectiva autoritária e de incorporação
das massas, que serão mobilizadas por meio de um intenso nacionalismo herdeiro
do nacionalismo da pré-guerra, nomeadamente do nacionalismo da corrente florentina
de Corradini e Papini, para além da influência clara de D`Annunzio e Marinetti
(cf. Candeloro, 1986; Arbizzani, 1988; Bondannella, 2008).
Aliás, o fascismo enquanto weltanschaaung tem raízes na filosofia
de um certo Friedrich Nietzsche (“super homem”), Henri Bergson (“élan vital”) e
em Georges Sorel (“violência revolucionária”), guardadas as proporções. Por
último, os “fasci di combattimento” relembram principalmente pelo nome os “fasci
sicilianos” de 1893, bem como as “bandas garibaldinas”, polo seu caráter
intrépido e paramilitar. E, antes de mais, o fascismo, filho da crise pós-bélica,
é também filho da frustração nacional. Com efeito, o nacionalismo fascista
assumirá como objetivo fulcral o acabamento do labor de construção nacional, do
ponto de vista da questão meridional, analisada por Gramsci, através de um Estado
totalitário onde Estado e Nação se confundem de forma definitiva. Os objetivos
da regeneração fascista resumem-se, pois em fazer novamente de “Roma, la
capitale del mondo”, o centro de uma Europa fascista e de um Império neocolonial
em África. É este um discurso que atrai e engaiola as massas, especialmente
aquelas camadas sociais que temem perder na crise o status obtido com a
Unificação de Itália, feita à custa do proletariado industrial e do campesinato
pobre e miserável. “Humberto D.” é um relato etnográfico da história de vida de
um aposentado tentando manter um pouco de dignidade à sua vida e de seu único
amigo, o cachorro , numa miserável pensão do governo.
Bibliografia geral
consultada.
GRAMSCI, Antônio, Il Risorgimento.
Torino: Editore Einaudi, 1954; Idem, Sobre
el Fascismo. Madrid: Editore Era, 1980; MILZA, Pierre, De Versailles a Berlin. 1919-1945. 4ª
edição. Paris: Masson Editeur, 1980; CASTELLO, Giulio Cesare, Il
Cinema Neorealístico. Torino: ERI, 1960; FERNANDEZ, Dominique, Il Romanzo Italiano e la Crisi della Coscienza Moderna. Milano:
Lerici Editori, 1960; ASOR ROSA, Scrittori e Popolo - Il Populismo nella
Letteratura Italiana Contemporânea. Roma: Edizione Savelli, 1976; FABRIS, Mariarosaria, O Neo-Realismo Cinematográfico Italiano. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996; COUTINHO, Carlos Nelson, “Socialismo e Democrazia in Gramsci”. In: Critica
Marxista. Roma, volume n° 5-6, pp. 37-47, 1997; AMARGO, Mauricio Hermini, La Ciociara: Romance, cinema e relação com
o espaço. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Literatura
Italiana. Departamento de Letras Modernas. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, 2005; TONETTO, Maria Cristina, Cultura e Imagem: O Cinema Neo-Realista no Mercosul - 1935 a 1962. Dissertação de Mestrado. Program de Pós-Graduação em Integração Latino-Americana. Centro de Ciências Sociais e Humanas. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2006; BONDANELLA,
Peter, Italian Cinema. From
Neorealism to the Present.
New York/London: Editor Um, 2008; DI BIAGI, Flaminio, Il Cinema a Roma. Guida
alla Storia e ai Luoghi del Cinema nella Capitale.
Roma: Palombi Editore, 2010; ALTMAN, Max, “Hoje na História: 1974 - Morre o
diretor Vittorio De Sicca, Precursor do Neorrealismo Italiano”. In: http://operamundi.uol.com.br/13/11/2011; SANCHEZ, Renata Latuf de Oliveira, “A Cenografia e o Espaço-tempo no Neorrealismo como Indicador da Sociedade Italiana no Pós-Guerra: Uma Breve Análise a partir de Roma, Cidade Aberta e Ladrões de Bicicleta”. In: Urbana - Dossiê História Urbana, vol. 7, n° 1, jan./jun. (2015); entre outros.
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*Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará.
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