quinta-feira, 7 de maio de 2015

Kevin Powell - Violência Urbana & Manifestações em Baltimore.

Ubiracy de Souza Braga*

Os negros não não estão aqui para ser detidos e morrer como vem acontecendo até agora. Korey Johnson


A cidade de Baltimore foi fundada em 30 de julho de 1729, e ficou reconhecida com o nome do seu fundador, Lord Baltimore. A cidade começou a crescer nos finais do século XIX como um depósito dos açúcares vindos do processo civilizatório das colônias das Caraíbas. No porto de Baltimore encontra-se o Forte McHenry, que foi atacado pelas tropas inglesas durante a guerra de 1812, e que inspirou Francis Scott Key a escrever um poema que mais tarde viria a se tornar o Hino nacional dos Estados Unidos da América. Baltimore veio a tornar-se uma cidade independente em 1851, separando-se assim do condado de Baltimore. A cidade foi batizada em homenagem a Lorde Baltimore, da Casa Irlandesa dos Lordes, proprietário-fundador da Colônia de Maryland. O próprio Baltimore assumiu este título a partir de uma localidade situada na paróquia de Bornacoola, nos condados de Leitrim e Longford, na Irlanda. Baltimore é uma forma anglicizada do irlandês Baile an Tí Mhóir, que significa “Cidade da Casa Grande”, e não deve ser confundido com Baltimore, no condado de Cork, cujo nome irlandês é Dún na Séad. A cidade é servida pelo Aeroporto Internacional Baltimore-Washington, o maior aeroporto do estado do Maryland. Baltimore também é a 19ª cidade mais violenta do mundo e a 3ª mais violenta dos Estados Unidos da América, apresentando uma taxa de homicídios de 37,7 por 100 mil habitantes, sendo que no ano de 2013 foram contabilizados 234 homicídios.

O chefe da polícia de Baltimore, no leste dos Estados Unidos, foi demitido do cargo, devido à alta dos homicídios e após as manifestações registradas em abril devido à morte polêmica de um jovem negro, enquanto estava sob custódia da polícia. Anthony Batts foi substituído interinamente, com efeito imediato, por seu adjunto, Kevin Davis, anunciou a prefeita da cidade, Stephanie Rawlings-Blake. – “Não é uma decisão fácil de tomar”, disse a prefeita à imprensa, mas nas últimas semanas, “continuaram morrendo pessoas nas nossas ruas”. Desde o começo de 2015, foram registrados 155 assassinatos e 300 tiroteios. No mesmo período do ano passado, houve 105 homicídios e 163 tiroteios. Anthony Batts foi nomeado para o cargo em Baltimore em setembro de 2012. Seu objetivo era modernizar a polícia municipal, que vem sendo considerada estatisticamente a oitava polícia mais importante dos Estados Unidos. Anteriormente, foi chefe da polícia das cidades californianas de Long Beach e Oakland. Em Baltimore, estado de Maryland e com uma população de 622.000 pessoas, Batts foi muito criticado por sua gestão diante das manifestações que se seguiram após a morte do jovem negro, Freddie Gray de 25 anos, depois de ser detido pela polícia.  

Dois dos produtos mais interessantes e influentes da cultura popular norte-americana dos últimos anos têm como cenário Baltimore, a série The Wire e o podcast Serial, da rádio pública NPR, que relata a investigação de um crime que ocorreu nessa cidade do Estado de Maryland em 1999 e que manteve apreensivos milhões de espectadores no ano passado. Não é um acaso. Do mesmo modo que a perigosa Nova York dos anos setenta e oitenta pairou sobre a ficção norte-americana como um símbolo e um sintoma do que ocorria no país - Um Dia de Cão, de Sidney Lumet, e Caminhos Perigosos, de Martin Scorcese, são os exemplos mais conhecidos -, Baltimore, cenário de violentos enfrentamentos depois de um episódio de brutalidade policial, ocupa agora esse lugar. Por meio de personagens que se transformaram em ícones, como o policial Jimmy McNulty e seu colega de patrulha Bunk, o tenente Daniels, o ladrão de traficantes Omar ou o barão local da droga que decide aplicar técnicas modernas de marketing no seu negócio, Stringer Bell, The Wire, que a HBO, um canal de televisão por assinatura norte-americano, de propriedade da Warner Media, transmitiu entre 2002 e 2008, significou enorme salto à frente no mundo das séries. Além de ser uma estupenda história de gângsteres, é um retrato cruel da cidade que não funcionava. Seu autor, David Simon, é um jornalista que conhecia muito bem os submundos da cidade, retratada em seu livro Homicide: A Year on the Killing Streets, que também representou uma extraordinária série. The Wire é sua irmã mais velha.  

Os episódios “Three Days”, da cidade de Baltimore (EUA) em chamas, lembram a historicidade e atualidade do filme: “12 Anos de Escravidão” (“12 Years a Slave”) do diretor inglês Steve McQueen. O filme tem como escopo a saga de Northup, um drama universal, no sentido shakespeariano, em sua relação de poder e dominação, e atemporal, mas, contraditória e complementarmente dinâmicos na sociedade norte-americana contemporânea hierarquizando “tipos sociais”: a) como a luta pelos direitos civis dos negros nos EUA e, b) a eleição à presidência de Barack Obama, quanto em: c) àqueles aspectos que permanecem diacrônicos como o racismo. Com força da narrativa e o apuro visual que exibiu em seus dois longas-metragens anteriores, “Fome” (2008) e “Shame” (2011), McQueen, artista plástico por formação, fez “12 Anos de Escravidão” ser reconhecido por historiadores sociais e ativistas como aquele que mais fielmente reproduz o cenário de degradação moral, desumanização e violência física imposta pelo sistema escravagista norte-americano. Solomon Northup foi protagonista de uma saga “absurdamente trágica” em seu minucioso relato na autobiografia (1853) visto na obra de ficção. Na dialética relação entre senhor “versus” escravo, temos a representação de um advogado opositor da escravatura negra (Brad Pitt), mas que sendo branco abolicionista, curiosamente luta pela liberdade desse homem (cf. Tocqueville, 2000; Bailyn, 2003).             
Quando nos referimos à expressão Black or White, queremos resgatar o contexto social e político em que se insere o movimento social Black Power. Isto é, enquanto movimento de luta pela cidadania entre pessoas negras em todo o mundo, especialmente nos Estados Unidos. Mais proeminente no final década 1960-1970, o movimento social enfatizou orgulho racial e da criação e de ter muito orgulho de ser negro de instituições culturais e políticos negros para cultivar e promover interesses coletivos, valores antecipadamente, e segura autonomia política para os negros. O conhecimento do uso da expressão “Black Power” veio de um livro de Richard Wright de 1954, intitulado: Black Power. O primeiro uso da expressão em um sentido político refere-se à Robert F. Williams, presidente da Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP) é uma das mais antigas e mais influentes instituições a favor dos direitos civis de uma minoria nos Estados Unidos da América, mas também escritor e Editor da década de 1950 e 1960. Mas a expressão “Black Power” foi criada por Stokely Carmichael, militante radical do movimento negro nos Estados Unidos, que afirmou após sua 27ª detenção em 1966: “Estamos gritando liberdade há seis anos. O que vamos começar a dizer agora é poder negro”. Inúmeros jovens assimilaram a expressão Black Power. E não apenas a um estilo de cabelo, mais do que isso celebrado por Jimi Hendrix, com a música: Hey Joe, onde afirma: - “Ei Joe, onde você está indo com essa arma na mão?”, disseminando o sentido da punição com a expressão. 
                       

            Vale lembrar a historicidade e atualidade do filme: “12 Anos de Escravidão” (“12 Years a Slave”) do diretor inglês Steve McQueen que tem como escopo a saga de Northup, um drama universal, na sua relação de poder e dominação, e atemporal, nos seus aspectos dinâmicos na sociedade contemporânea: a) como a luta pelos direitos civis dos negros nos EUA e, b) a eleição à presidência de Barack Obama, quanto em: c) àqueles aspectos que permanecem diacrônicos como o racismo. Com o vigor narrativo e o apuro visual que exibiu em seus dois longas-metragens anteriores, “Fome” (2008) e “Shame” (2011), McQueen, artista plástico por formação, fez “12 Anos de Escravidão” ser reconhecido por historiadores sociais e ativistas como aquele que mais fielmente reproduz o cenário de degradação moral, desumanização e violência física impostas pelo sistema escravagista norte-americano. Solomon Northup foi protagonista de uma saga “absurdamente trágica” em seu minucioso relato na autobiografia (1853) visto na extraordinária obra de ficção. Na dialética relação entre senhor “versus” escravo, temos a representação de um advogado opositor da escravatura negra (o ator Brad Pitt), mas que sendo branco abolicionista,  curiosamente luta pela liberdade desse homem.
            A história social da escravidão ou escravatura nos Estados Unidos inicia-se no século XVII, quando um conjunto de práticas escravistas e saberes sociais similares aos utilizados pelos espanhóis e portugueses em colônias na América Latina, e termina em 1863, com a Proclamação de Emancipação de Abraham Lincoln, realizada durante a Guerra Civil Americana. Na origem da guerra tem-se, grosso modo, a escravidão e dois modelos econômicos opostos. O norte em expansão econômica “graças” à industrialização, à proteção ao mercado interno e à mão-de-obra livre e assalariada, e o sul numa economia baseada na plantação e no escravismo. As diferenças entre os estados norte-americanos do norte e do sul, ao contrário da crítica analítica - através da dicotomização -,realizada apressadamente ao nível ideológico por alguns estudiosos, não são tão acentuadas, como precisa Lewis C. Gray em sua análise (1933).
            O caráter capitalista da “plantation” escravista do sul, análogo aos estados do norte, era em certa medida uma contradição no sentido marxista interna ao sistema econômico. Entretanto, uma economia escravista, comparativamente ao caso da agricultura cafeeira no Brasil, tende a inibir o desenvolvimento econômico da sociedade capitalista, como anteviu Max Weber em seu livro: “The Theory of Social and Economic Organization”. Além disso, o retorno dos lucros de volta à produção-consumo, presente no norte industrializado, não ocorria da mesma forma nos estados do sul, que tinha uma acentuada tendência a um consumo intenso. Assim, norte e sul diferem-se na medida em que o primeiro possui um progresso econômico qualitativo com o retorno dos lucros à produção, e o sul, por sua vez, ao dirigir seus lucros em escravos e terras, possui um progresso econômico quantitativo, levando em consideração a aparente baixa produtividade da mão-de-obra escrava.
            Na modernidade da qual falamos, a perda de parâmetros define sem dúvida o mundo moderno em sua facticidade e não pode ser revertida por qualquer espécie de retorno aos bons tempos, nem pela promulgação arbitrária de novos parâmetros e valores só e, por conseguinte, uma catástrofe no mundo moral, de acordo com Jürgen Habermas se se supõe que as pessoas são efetivamente incapazes de julgar as coisas per se, que sua faculdade de julgar é inadequada para formar juízos originais. E que, além disso, o máximo que podemos exigir delas é a correta aplicação de regras conhecidas e derivadas de parâmetros já estabelecidos. Portanto, a abstração das relações humanas sob o capitalismo, que é constantemente enfatizada por Marx, com argúcia, e é claro depois dele, foi originalmente uma descoberta dos observadores do campo conservador. O conservadorismo ou conservantismo é um termo usado para descrever posições político-filosóficas, alinhadas com o tradicionalismo e a transformação gradual, que em geral se contrapõem a mudanças abruptas, cuja expressão máxima é o conceito de revolução social, seja em Marx, de determinado marco econômico e político-institucional ou no sistema de crenças, usos e costumes de uma dada sociedade.
            Stokely Carmichael nasceu no dia 29 de junho de 1941 em Trinidad Tobago, em Porto de Espanha, filho de Adophus – um carpinteiro e Mabel, “dona de casa” que para nós não significa “a invisibilidade do trabalho da mulher, que está profundamente ligada à desqualificação do trabalho doméstico e à inferioridade feminina” (cf. Melo e Castilho, 2009). Os dois deixaram o país para emigrarem para os Estados Unidos, colocando o filho aos cuidados da avó materna. Com 11 anos foi morar com a família no bairro Harlem, em Nova Iorque. Depois se mudam para Morris Park, de vizinhança de maioria branca e italiana. Lá é marginalizado por vizinhas com jargões como: “agressivo e selvagem”, mas na verdade se defendia dos ataques dos filhos delas. Cursa o colegial numa High School do Bronx, onde passa o tempo lendo Charles Darwin e Karl Marx, reclamando da leitura fútil oferecida aos alunos. Contudo, passa a conviver com jovens brancos de classe média de formação liberal. Percebe que apesar da boa vontade expressada por eles, existem barreiras de relacionamento sociocultural por ser um negro. Seus jovens amigos apenas teorizam sobre sua situação étnica nos EUA, sem, no entanto, compreendê-la realmente. Stokely dizia que “eles eram liberais intelectualmente, mas culturalmente preconceituosos”. Com 19 anos começa a estudar na Universidade de Howard, após ser rejeitada em varias instituições de ensino racistas. Evento organizado por líderes religiosos em Baltimore  (2015). Foto: Andrew Burton/Getty Images/AFP. O governo do estado de Maryland, Larry Hogan, EUA, decretou estado de emergência e a prefeita da cidade de Baltimore, Stephanie Rawlings-Blake, impôs um toque de recolher entre 22horas às 5horas por uma semana (05/05/2015).

           Após confrontos entre manifestantes e policiais que deixaram sete policiais feridos, lojas saqueadas e prédios incendiados, Larry Hogan, governador do estado de Maryland, Nordeste dos Estados Unidos, decretou estado de emergência e ativou a Guarda Nacional para controlar a crescente onda de violência em meio a protestos por causa da morte do jovem negro Freddie Gray, na cidade de Baltimore, morto há uma semana após ferimentos na coluna cervical, provocados por um policial. O objetivo é conter uma onda de violentos protestos, saques e incêndios deflagrados pelo enterro de mais um negro assassinado por um policial branco nos Estados Unidos.  Ao declarar “emergência”, o governador convocou a Guarda Nacional. Em entrevista transmitida ao vivo pela televisão americana CNN, ambos disseram ter feito tudo o que estava ao seu alcance e afirmaram que a situação estava sob o controle. Os incêndios em mais de 100 carros e lojas da cidade desmentiam em imagens ao vivo.
 “Sou do gueto. Nos primeiros 13 anos da minha vida, cresci nas piores favelas de Jersey City, New Jersey, minha cidade natal. Se você atingiu a maioridade em uma das áreas urbanas mais pobres do país, como eu, sabe que somos pessoas decentes e do bem: apesar de não ter dinheiro nem recursos, quase nenhum serviço, escolas dilapidadas, senhorios que só apareciam para cobrar o aluguel, confusão e loucura por toda parte, policiais abusivos, políticos corruptos e pastores desonestos - ainda assim demos um jeito. Trabalhamos duro, fizemos festa, demos risada, fizemos churrasco, bebemos e agradecemos a Deus. E fomos segregados, duramente, por uma estrutura de poder local que não queria que o gueto fosse ouvido ou visto nem trouxesse seus problemas a público, para que o mundo todo enxergasse. Na verdade, meu mundo inteiro era o quarteirão onde eu morava, e talvez mais umas cinco ou seis quadras a norte sul leste e oeste” (cf. Powell, 2015).
            A cidade foi batizada em homenagem lorde Baltimore, da Casa Irlandesa dos Lordes, proprietário-fundador da Colônia de Maryland. O próprio Baltimore assumiu este título a partir de uma localidade situada na paróquia de Bornacoola, nos condados de Leitrim e Longford, na Irlanda. Baltimore é uma forma anglicizada do irlandês Baile “an Tí Mhóir”, que significa “Cidade da Casa Grande”, e não deve ser confundido com Baltimore, no condado de Cork, cujo nome irlandês é Dún na Séad. A cidade é servida pelo Aeroporto Internacional Baltimore-Washington, o maior aeroporto do estado do Maryland. Baltimore também é a 36ª cidade mais violenta do mundo e a 3ª mais violenta dos Estados Unidos, apresentando uma taxa de homicídios de 37,7 por 100 mil habitantes, sendo que no ano de 2013 foram contabilizados 234 homicídios. A cidade de Baltimore é ilustrada no famoso seriado “Futurama” da Fox, que compõe a série Hannibal da NBC e analogamente na serie “The Wire”, da HBO, uma das mais bem avaliadas pela critica televisiva nos últimos anos.
Quando Barack Obama prestou juramento como 44º presidente, em 2009, muitos pensaram que King fora profético.  Quando um policial de Ferguson, Missouri, matou com seis tiros um jovem negro de 18 anos, no dia 9, o discurso de Washington parece ainda estar sendo pronunciado. – Obama mencionou diretamente a questão racial em discurso oficial pela primeira vez ao final do seu primeiro mandato, após o assassinato do jovem negro Trayvon Martin, em 2012. Na ocasião, declarou que o garoto de 16 anos morto de forma estúpida e gratuita poderia ter sido ele – diz Gabriel Pessin Adam, professor de Relações Internacionais da Unisinos e da ESPM. O drama social e psicológico catalisado em Ferguson pode ser entendido à luz do mais importante documento escrito nos Estados Unidos. A Quarta Emenda afirma que “o direito do povo à segurança em suas pessoas, casas, documentos e efeitos, contra buscas e restrições imotivadas, não deve ser violado”.  Estatísticas indicam que 80% das pessoas abordadas pela polícia de Nova York são negras ou latinas. Em 2012, homens negros estavam seis vezes mais propensos estatisticamente a ser presos do que brancos – entre latinos, a proporção era de 2,5 vezes mais do que brancos, segundo o Departamento de Justiça.
Baltimore, de 660 mil habitantes, é uma cidade histórica onde 25% da população vivem na miséria e na desesperança, a um passo do crime e da violência. O problema lá é a miséria, não é o racismo, alega o repórter Michael Fletcher, do Washington Post, que residiu 31 anos na cidade. A prefeita é negra, assim como o presidente da Câmara Municipal, o chefe de polícia, o promotor público e muitos outros líderes da cidade são negros. É mais um de muitos casos de negros mortos por policiais brancos. Em agosto de 2014, Michael Brown foi morto em Ferguson, no estado do Missouri. Quando a Justiça decidiu não processar o policial responsável pelo crime, Darren Wilson houve evidentemente, uma onda de violência na cidade. Em dezembro do ano passado, Eric Garner, um vendedor de cigarros avulsos foi sufocado até a morte pela força bruta da polícia de Nova York, apesar de reclamar que não estava conseguindo respirar com o sufocamento. Em 4 de abril de 2015, Walter Scott foi perseguido por causa de um “farolete queimado” na Carolina do Norte.

O racismo institucionalizado das polícias municipais e estaduais dos EUA é um desafio para a nova ministra da Justiça, Loretta Lynch, de origem africana como o presidente Barack Obama e as vítimas desta triste etnohistória. O presidente norte-americano condenou os atos de violência racial, mas afirmou que os EUA enfrentam “uma crise em relação à polícia, especialmente na abordagem aos negros”. Seis policiais foram indiciados pela morte de Freddie Gray em decorrência dos ferimentos que ele sofreu enquanto estava sob a “aparente custódia policial”. A promotora estadual Marilyn J. Mosby ponderou que eles “falharam repetidamente em providenciar atendimento médico a Gray após sua detenção”. Gray se rendeu a Miller, de 26 anos, e Nero, de 29. Miller e Nero algemaram Gray e o colocaram no chão. Gray disse aos oficiais que não conseguia respirar e pediu um inalador, disse Mosby. Os dois oficiais, que entraram para a polícia em 2012, colocaram Gray sentado e encontraram uma faca dobrável em um dos bolsos de suas calças, uma arma que não é ilegal sob as leis de Maryland, disse Mosby. Antes, a polícia disse que eles acharam um canivete.
            Para Kevin Powell, ativista e palestrante, autor do livro: “Barack Obama, Ronald Reagan, and the Ghost of Dr. King: Blogs and Essays”, os negros foram segregados, duramente, por uma estrutura de poder local que não queria que o gueto fosse ouvido ou visto nem trouxesse seus problemas a público, para que o mundo todo enxergasse. Têm o primeiro presidente negro na Casa Branca, mas parece que a temporada de caça aos negros está aberta mais uma vez. Cem anos atrás este ano, a máquina de imagens de Hollywood ganhou um enorme impulso com um filme maldoso e racista chamado “Birth of a Nation”. Ele retratava os negros de forma tão calculista que literalmente deu o tom de como seríamos retratados e tratados por décadas a fio em todas as mídias. Há cem anos, era comum ver fotos de afro-americanos, especialmente homens, linchados, pendurados de árvores, enquanto os bons brancos locais claramente curtiam a diversão de brincar de carrasco.
            Cem anos mais tarde, “Birth of a Nation” foi substituído por um ciclo de 24 horas ainda obcecado com racismo, conflitos raciais, violência racial, mas nenhum tipo de solução ou de medidas práticas, apenas puro sensacionalismo e entretenimento. Cem anos depois, as fotos de linchamentos foram substituídas por celulares capturando imagens de Walter Scott fugindo de um policial, como um personagem lento de videogame, só para tomar um tiro pelas costas - pop! pop! pop! pop! pop! pop! pop! pop! Só que é tudo verdade. Os negros americanos - a autoproclamada maior democracia da Terra - estão sendo assassinados por toda a parte, pela polícia, em plena luz do dia, com testemunhas, às vezes em vídeo. E, com pouquíssimas exceções, nada acontece com os policiais que puxaram o gatilho. Sem indiciamentos. Sem condenações. Sem prisões. E toda vez que isso acontece, nos entregam o mesmo roteiro: pessoa de cor é morta a tiros pela polícia local. Polícia local imediatamente tenta explicar o ocorrido, colocando a culpa, sem investigação, na vítima. Policial ou policiais responsáveis pelos disparos são colocados em “licença administrativa” remunerada. 
Bibliografia geral consultada.
OAKESHOTT, Michael, Rationalism in Politics. London: Methuen, 1962; OLSON, Mancur, The Logic of Collective Action. Cambridge: Harvard University Press, 1971; BANDEIRA, Moniz, Presença dos Estados Unidos no Brasil. Dois séculos de história. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1973; DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Felix, El Antiedipo, Capitalismo y Esquizofrenia. Barcelona, 1973; GENOVESE, Eugene, A Economia Política da Escravidão. Rio de Janeiro: Editora Pallas, 1976; HARDIN, Russel, Collective Action. Baltimore & London. The Hopkins University Press, 1982; FRIEDMAN, Milton, Capitalismo e Liberdade. São Paulo: Abril Cultural, 1984; Idem, Liberdade de Escolher. Rio de Janeiro: Editora Record (s/d.); MILIBAND, Ralph “et al”, El Conservadorismo en Gran-bretaña y Estados Unidos - Retórica y Realidad. Valência: Alfons el Magrianin, 1992; DURAND, Gilbert, As Estruturas Antropológicas do Imaginário. Introdução à Arquetipologia Geral. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1997; TOCQUEVILLE, Alexis de, A Democracia na América. São Paulo: Martins Fontes, 2000; BAILYN, Bernard, As Origens Ideológicas da Revolução Americana. Bauru: EDUSC, 2003; JASMIN, Marcelo, Alexis de Tocqueville: A Historiografia como Ciência da Política. 2ª edição. Belo Horizonte: Editora da Universidade Federal de Minas Gerais; Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro, 2005; ALTERES, Guillermo, “Os Caminhos Perigosos de Baltimore”. In: https://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/28/TURRER, Rodrigo, “Como Obama quer entrar para a história”. In: www.epoca.com.br/13/04/2015;  POWELL, Kevin, “Por que Baltimore está em chamas”. In: http://www.brasilpost.com.br/2015; entre outros.
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ) e Doutor em Comunicação Social junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).

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