Ubiracy
de Souza Braga*
“I do a musical note worth a
thousand”. B. B. King
BB King & Tom Noll. In: “Art That
Rocks” Gallery Show Metropolitan Community College.
A etnologia representa
o estudo dos fatos sociais em documentos levantados pela descrição e
interpretação etnográfica no âmbito da antropologia cultural e social, buscando
uma dada compreensão analítica e comparativa das culturas. A etnografia é um dos mais importantes
recursos contra o racismo contemporâneo e a hegemonia cultural, na medida em
que estabelece os meios de interpretação para realizar uma crítica ao
etnocentrismo. Estudos etnográficos têm recuperado os conhecimentos e técnicas
dos povos ágrafos como formas de (etno) conhecimento nas diversas áreas: biologia
(“etnobiologia”); farmacologia e botânica (plantas medicinais); engenharia (de
barcos, pontes, casas etc.), psicologia, medicina, etc. Nesse último campo há
uma integração entre técnica (“tecne”) e saber (“episteme”) que vem sendo
denominada por antropologia médica ou estudos dos sistemas etnomédicos e xamanismo.
O termo “ethnologia” foi empregado conceitualmente em
seu sentido moderno por Adam Franz Kollár em sua obra: “Historiae
ivrisqve pvblici Regni Vngariae amoenitates”, publicada Viena em 1783,
designada como “a ciência das nações e povos, ou, o estudo dos eruditos no qual
investigam nas origens, línguas, costumes e instituições das várias nações, e
finalmente, na pátria e antigas sedes para poder julgar melhor as nações e
povos de seus próprios tempos”. Pode-se dizer que o estudo da etnologia
acompanhou a expansão do mundo europeu para o oriente, África, Austrália,
Américas e Oceania. No início, confundia-se com o estudo racial e dos
conquistados. A divisão humana nas raças que conhecemos foi uma invenção dos
europeus que estudavam a desigualdade das raças para justificar seus objetivos
colonizadores. As gramáticas, dicionários e catecismos indígenas, as cartas e
relatos de viajantes são fontes empíricas de estudos etnográficos, históricos e
linguísticos.
Eric Clapton e BB King.
Os cantos religiosos (“spirtuals”) têm sua origem na
África, onde a tradição é passada de pai para filho, no qual se deu a ferramenta
para o nascimento do blues pelos negros norte-americanos, descendentes de
escravos africanos, nos final do século XIX. Com os escravos levados como
mercadoria para a América do Norte no início do século XIX, a música africana
se moldou no ambiente frio e doloroso da vida nas plantações de algodão (cf.
Braga, 2013). Porém o conceito de “blues” só se tornou conhecido após o término
da Guerra Civil quando sua essência passou a ser como um meio de descrever o
estado de espírito da população afro-americana, afrodescendente. Era um modo
mais pessoal e melancólico de expressar seus sofrimentos, angústias e
tristezas. A cena, que acabou por tornar-se típica nas plantações do delta do
Mississippi, era a legião de negros, trabalhando de forma desgastante, sobre o
embalo dos cantos, os “blues”.
Riley Ben King, mais conhecido como B. B. King nasceu
em Itta Bena, Mississippi, em 16 de setembro de 1925 e faleceu em Las Vegas, em
14 de maio de 2015. Foi um extraordinário
guitarrista de blues, compositor e cantor estado-unidense. O “B. B.” em seu
nome significa “Blues Boy”, seu pseudônimo como moderador na rádio W. Foi
considerado ao lado de Eric Clapton e Jimi Hendrix os melhores guitarristas do
mundo pela revista norte-americana Rolling Stone. Ao longo da sua carreira,
B.B. King foi distinguido com 15 prêmios Grammy, tendo sido o criador de um
estilo musical único e que faria dele um dos músicos mais respeitados e
influentes de blues, em todo o mundo, tendo ganhado o epíteto fantástico de
“Rei dos Blues”. Era apreciado por seus solos, nos quais, ao contrário de muitos
guitarristas, preferia usar poucas notas. Certa vez, B.B. King teria dito: “posso
fazer uma nota valer por mil”.
A primeira grande oportunidade da sua carreira surgiu
em 1948, quando atuou no programa de rádio de Sonny Boy Williamson, na estação
KWEM, de Memphis. Sucederam-se atuações fixas no “Grill” da Sixteenth Avenue e
mais tarde um anúncio publicitário de 10 minutos na estação radiofônica WDIA,
com uma equipe e direção exclusivamente negra. “King’s Sport”, patrocinado por
um tônico, tornou-se então tão popular que aumentou o tempo da transmissão e se
transformou no “Sepia Swing Club”. King precisou de um nome artístico para a
rádio. Ele foi apelidado de “Beale Blues Boy”, como referência à música “Beale
Street Blues”, foi abreviado para “Blues Boy King” e eventualmente para B. B.
King. Por mera coincidência, o nome de King já incluía a simples inicial “B”,
que não correspondia a qualquer outra abreviatura.
Pouco depois do seu êxito musical em “Three O`Clock
Blues”, em 1951, B. B. King começou a fazer turnês nacionais quase que sem
parar, atingindo uma média de 275 concertos/ano. Só em 1956 B. B. King e a sua
banda fizeram 342 concertos. Dos pequenos cafés, teatros de gueto, salões de
dança, clubes de jazz e de rock, grandes hotéis e recintos para concertos
sinfônicos aos mais prestigiados nacionais e internacionais, B. B. King
depressa se tornou o mais conceituado músico de Blues dos últimos 40 anos,
desenvolvendo um dos mais prontamente identificáveis estilos musicais de
guitarra, a nível mundial, tornando-se seu estilo inspirador para numerosos guitarristas de rock, tais como:
Mike Bloomfield, Albert Collins, Buddy Guy, Freddie King, Jimi Hendrix, Otis
Rush, Johnny Winter, Albert King, Eric Clapton, George Harrison e Jeff Beck
foram apenas alguns dos que seguiram a sua técnica. Em 1969, B. B. King foi
escolhido como marca (“design”) para a abertura de 18 concertos da banda mais
velha e original do mundo, a Rolling Stones. Em 1970 fez turnê extraordinária pelo
continente negro, em particular por nações como a Uganda, Nigéria e Libéria,
com o patrocínio político governamental dos Estados Unidos da América.
B.B. King completou 10 mil shows em clube de Nova
York. Foto: AP Photo/Richard Drew, File (2006).
Começou a participar da maioria dos festivais de Jazz
por todo o mundo, incluindo o Newport Jazz Festival e o Kool Jazz Festival New
York, e sua presença tornou-se regular no circuito por universidades e
colégios. Em 1989 fez uma turnê de três meses pela Austrália, Nova Zelândia,
Japão, França, Alemanha Ocidental, Países Baixos e Irlanda, como convidado
especial dos U2, participando igualmente no álbum “Rattle and Hum”, deste
grupo, com o tema “When Love Comes to Town”. Em 26 de julho de 1996,
aproveitando ter um concerto agendado para Stuttgart, Alemanha, deslocou-se
propositalmente de avião até à base aérea de Tuzla, para atuar perante tropas
da Suécia, Rússia, Bélgica e E.U.A., estacionadas na Bósnia “num esforço conjunto
de manutenção da paz”. No dia seguinte, voou para a base aérea de Kapsjak, para
nova atuação junto de tropas norte-americanas. B. B. King confessa: - “Foi
emocionante atuar para estes homens e mulheres. Apreciamo-los e queremos que
eles saibam que têm o nosso total apoio na sua árdua tarefa de manutenção da
paz”.
B. B. King concluiu essa jornada em 1996, com uma
turnê pela América Latina, com concertos no México, Brasil, Chile, Argentina,
Uruguai e, pela primeira vez, no Peru e Paraguai. O “Rei dos Blues” totalizou
mais de 90 países onde atuou. Ao longo dos anos tem sido agraciado com diversos
prêmios “Grammy Awards”: melhor desempenho vocal masculino de Rhythm & Blues,
em 1970, com “The Thrill is Gone”, melhor gravação étnica e/ou tradicional, em 1981,
com “There Must Be a Better World Somewhere”, melhor gravação de Blues
tradicionais, em 1983, com “Blues`N Jazz” e em 1985, com o apaixonante “My
Guitar Sings the Blues”. Em 1970, Indianopola Missisipi Seeds concede-lhe o
“Grammy” de melhor capa de álbum. A Gibson Guitar Co., nomeou-o magistralmente
como “Embaixador das guitarras Gibson no Mundo”.
Diversos músicos de blues já foram premiados com o
Grammy Award, que possui uma categoria dedicada exclusivamente ao blues e
outros importantes prêmios da indústria fonográfica. Em 1980 a Blues
Foundation, uma corporação sem fins lucrativos sediada em Memphis, Tennessee
criou o “Blues Hall of Fame” que consiste em uma lista de pessoas que
contribuíram significativamente para o blues no mesmo ano começou também a
distribuição das premiações “Blues Music Awards”. Blues é também o nome do estilo de dança
informal conhecido por “swing dancing”, estilo sem padrões fixos e o principal:
baseados no contato, sensualidade e improvisação.
O gênero possui popularidade no Brasil, algumas
das bandas de rock com maior sucesso no país possuem grande
influência de blues como Legião Urbana, Barão Vermelho e Velhas Virgens. Menos
conhecidos, mas não menos talentosos são as bandas e músicos de blues nacionais
como Blues Etílicos, Celso Blues Boy, Fernando Noronha, Alex Rossi, Nuno
Mindelis, Faiska, Solon Fishbone entre outros. O blues vem ganhando
mais espaço artístico no Brasil, com importantes festivais anuais como o “Mississipi
Delta Blues Festival” em Caxias do Sul no Rio Grande do Sul, o “Festival Jazz
& Blues de Guaramiranga”, no Ceará, o “Rio das Ostras Jazz & Blues
Festival”, no balneário Rio das Ostras no Rio de Janeiro, o “Ibitipoca Blues
Festival”, na cidade de Lima Duarte em Minas Gerais, “MS Blues Festival” em
Campo Grande, Mato Grosso do Sul e “Festival de Blues
Internacional” da cidade universitária de Ribeirão Preto em São Paulo.
Bibliografia
geral consultada.
MACIEL, Luiz
Carlos, “Rhythm And Blues”. In: A
História e a Glória. Rio de Janeiro. Editor Marãcàtú, 1975; HERZHAFT,
Gérard, HARRIS, Paul, HAUSSLER, Jerry, MIKOFSKY, Anton Joseph, Encyclopedia of the Blues. University of
Arkansas Press, 1997; FRANCO, Paul, Michael
Oakeshott. An Introduction. Yale: University of Yale, 2004; WILCKEN,
Patrick, The Poet in the Laboratory. London: Penguin
Books, 2010; MENEZES BASTOS, Rafael José de, “Esboço de uma Teoria da Música:
Para Além de uma Antropologia sem Música e de uma Musicologia sem Homem”. In: Anuário Antropológico 95, 1994; UMOJA, Akinyele, Eye for an Eye: The Role of Armed
Resistance in the Mississippi Freedom Movement, 1955-1980. Ph.D. Dissertation.
Atlanta: Emory University, 1996; SILVA, Roberto Bezerra da, Langston Hughes: Poesia Negra e Engajamento. Dissertação de Mestrado em
Língua Inglesa e Literaturas Inglesa e Norte-Americana. São Paulo: Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1988;
BLAKING, John, Music, Culture & Experience: Selected Papers of John Blaking.
Chicago and London: The University of Chicago Press, 1995; HOBSBAWM, Eric, História Social do Jazz. 5ª edição. Rio de Janeiro:
Editora Paz e Terra, 2007; CARRIJO, Daniel Dória Possolo, Cinema & Blues: Representações Audiovisuais do Gênero no Século
XXI. Dissertação de Mestrado em História. Departamento de Ciências Humanas
e Letras da Universidade Federal do Paraná, 2014; ALVES, Carlos Rubens Garcia, Musicalidade, Cultura e uma Sociologia da produção Artístico-Musical Cearense. Dissertação. Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará, 2015; entre outros.
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
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