terça-feira, 26 de maio de 2015

O Vazio na Política: Criação do Shopping dos Deputados (DF)?

Ubiracy de Souza Braga*
                       
Performance Cegos ocorrida no Shopping Midway Mall em dezembro de 2013.

Apresentada nas imediações (e dentro) do Shopping Midway Mall, a performance “Cegos” refletiu de forma crítica e contundente o padrão de comportamento da sociedade e a cegueira que o consumo provoca nas pessoas, cuja intenção foi provocar reflexões. A intervenção artístico-urbana criada por Marcos Bulhões e Marcelo Denny, ambos professores do curso de teatro na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP),  levou um ‘exército’ de 40 pessoas, homens e mulheres bem vestidos, devidamente vendadas e munidas com suas sacolas de compras.  Durante mais de duas horas, esses ‘cegos’ passearam tranquilamente entre pedestres, carros e clientes do centro comercial, sempre perseguidos por um batalhão de fotógrafos e curiosos: “Valha-me!”, disseram uns; “que coisa macabra” disse outro; “isso deve ser uma ação de marketing”, arriscou um terceiro. 
        A invenção do “shopping centers” ou centro comercial refere-se a uma estrutura física que contém estabelecimentos comerciais como lojas, lanchonetes, restaurantes, salas de cinema, playground e estacionamento, caracterizado pelo seu “fechamento” em relação à cidade. É um espaço planejado sob uma administração centralizada. Composto de lojas destinadas à exploração comercial e à prestação de serviços, sujeitas a normas contratuais padronizadas, para manter o equilíbrio da oferta e da funcionalidade, procurando assegurar convivência social integrada. Os locatários pagam um valor em conformidade com um percentual do faturamento em torno de 5% a 9% ou um valor mínimo básico estabelecido no contrato - o que for maior. O centro comercial, na maior parte das vezes, cobra por muitos serviços, como por exemplo, o estacionamento.
Em primeiro lugar, a lei nº 8.245/91 - Lei do Inquilinato prevê o contrato do espaço em shopping centers como de locação, submetendo-o ao regime do inquilinato, locação esta não residencial e sim comercial. Dentro desse liame é conveniente lembrar que os contratos podem ser classificados quanto à tipicidade, podendo ser atípicos ou típicos. Em vista disso, depreende-se que “os contratos típicos são aqueles a que a Lei confere denominação própria e se sujeita a regras que ela determina”. Já os contratos atípicos são aqueles que “a lei não disciplina de forma expressa, carecem de disciplina particular não podendo a regulamentação dos interesses dos contratantes contrariar a lei, a ordem pública, os bons costumes e os princípios gerais do direito”. Contudo são lícitos, em conformidade com o principio da autonomia das vontades sobre vontades.  
         Com o crescimento urbano a partir da década de 1980 a construção de shopping center`s aumentaram suas participações econômicas nas atividades varejistas, passando a disputar os consumidores, construindo novas unidades e com isso contribuiu para a expansão de novos formatos arquitetônicos de shopping center`s. Quanto a sua origem, pode-se afirmar que surgiram nos Estados Unidos na década de 1950 em função das estratégias do comércio a fim de atrair o crescente número de consumidores que se expandia para os subúrbios das grandes cidades. Os fatores resultantes do crescimento urbano, tais como a necessidade de segurança, maior conforto e as condições climáticas incentivaram o crescimento desse importante segmento. A Associação Brasileira de Shoppings Center`s – Abrasce-, contabilizou em 2010 quatrocentos e doze (412) unidades já construídas, com cerca de 73.800 lojas no seu interior e oferecendo 732 mil empregos. A Região Sudeste concentra 56% das unidades, principalmente São Paulo.
Tal convergência de entendimento surge uma vez que há doutrinadores que defendem a tipicidade do presente contrato – considerando-o simplesmente como de locação – mesmo, muitas vezes admitindo cláusulas atípicas em seu teor. De outra parte, há diversos interesses que sustentam a atipicidade do contrato, tendo em vista as peculiaridades que o instrumento possui, advindas, principalmente, dos aspectos específicos e complexos que o centro comercial detém, mediante a relação comercial entre público e privado. Além disso, parceria público-privada é o contrato pelo qual o parceiro privado assume o compromisso de disponibilizar à administração pública ou à comunidade uma certa utilidade mensurável mediante a operação e manutenção de uma obra pública por ele previamente projetada, financiada e construída como bem público.
Em contrapartida há uma remuneração periódica paga pelo Estado e vinculada ao seu desempenho no período de referência. Alguns exemplos de obras realizadas por PPPs são: a) vagas prisionais, b) leitos hospitalares, c) elétrica, d) autoestrada e assim por diante. Os últimos anos têm sido demarcados por um crescente aumento da colaboração entre setor público e o privado para o desenvolvimento e operação de infraestruturas para um leque alargado de atividades econômicas. Assim os acordos das “parcerias público-privadas” (PPP) são guiados por limitações dos fundos públicos para cobrir os investimentos necessários. Mas também os esforços para aumentar a qualidade e a eficiência dos serviços públicos entendidos como puzzle nos serviços públicos brasileiros da era Vargas aos dias atuais permeadas por escândalos na administração.            

Juventude barrada na entrada de Shopping em Natal-RN.

A presidente Dilma Rousseff disse nesta quarta-feira que a confusão entre o que é público e privado no Brasil vem de muito tempo e tem “a mesma idade da escravidão”. Em discurso durante o 3º Festival da Juventude Rural, em Brasília, Dilma também voltou a se manifestar contra a redução da maioridade penal, atualmente em discussão no Congresso Nacional. – “Essa confusão entre o que é privado e o que é público veio lá de trás nesse país. Tem a mesma idade que a escravidão”, disse a presidente. – “A confusão entre o que é bem individual e o que é bem público decorre de uma coisa chamada patrimonialismo que era típico da oligarquia rural brasileira, que achava que o Brasil como nação era só dela porque parte da população era escrava e não tinha direito nenhum”. A presidente Dilma Rousseff já havia reiterado recentemente, em meio ao aparente escândalo de corrupção na Petrobras, que “as irregularidades existem no Brasil há muito tempo e que não começaram no seu governo ou nas gestões do PT”.
No Congresso nacional os embates duraram mais de três horas, houve gritaria em uníssono de partidos da base e da oposição, o presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) precisou fazer um recuo estratégico, mas ao final os deputados autorizaram o Legislativo a realizar Parcerias Público-Privadas (PPPs). Foram 273 votos favoráveis à liberação que vai permitir à Cunha cumprir sua principal promessa de campanha à presidência Câmara: “a construção de um novo prédio estimado em R$ 1 bilhão”. Outros 183 parlamentares foram contrários ao novo prédio, que vem sendo chamada de “projeto shopping centers” por incluir lojas e escritórios de empresas privadas no mesmo ambiente do Legislativo. A obra será realizada por meio de PPP, o que até agora era proibido ao Poder Legislativo. O tema foi um dos muitos temas estranhos incluídos na Medida Provisória 668 e que são chamados no jargão do Congresso de “jabutis”.
Segundo a Lei 11.079/2004, as parcerias público-privadas são aplicáveis às modalidades de contratos de concessão de serviços públicos que não tenham autossustentação, seja porque o fluxo de caixa é insuficiente e deve ser complementado por recursos de um parceiro público como concessão patrocinada, seja porque é um serviço prestado ao Estado e não tem outra fonte de receita que não aquela representada pelo pagamento pelo ente público representado pela concessão administrativa. Uma rodovia ou uma linha de metrô como a MG 050 e linha amarela da cidade de São Paulo, podem ser um exemplo da primeira, e um presídio, pode ser exemplo da segunda. A Parceria Público-Privada (PPP) é um contrato de prestação de obras ou serviços não inferior a R$ 20 milhões, com duração mínima de 5 anos e no máximo de 35 anos, firmado entre empresa privada e o governo federal, estadual ou municipal.  
O famigerado Eduardo Cunha quer garantir o controle sobre o processo que envolve a construção do novo prédio. - “Ele afastou o diretor da Casa porque ele que deu aquela declaração de forma antecipada. O diretor fez uma colocação como se aquilo (a construção de um shopping por meio de PPP) fosse uma decisão final, e não é. Aquilo é uma das possibilidades”, disse o líder do PSC, André Moura (SE). Procurado pela reportagem, Matta confirmou o afastamento do cargo, mas disse que ainda não havia sido comunicado oficialmente até o começo da noite de ontem. Servidor de carreira da Câmara, Matta conversou com jornalistas sobre o tema, inclusive com o Correio, mas não forneceu detalhes sobre a proposta de parceria público-privada.                                          
Projeto de ampliação da câmara dos deputados: anexo 5. Administrativamente difere ainda da lei de concessão comum pela forma de remuneração do parceiro privado. No setor federal, o Comitê Gestor da PPP (CGP) é quem ordena, autoriza e estabelece critérios para selecionar projetos da PPP. Integram o CGP, os representantes dos ministérios do Planejamento, Fazenda e Casa Civil. Assim, o Ministério do Planejamento passa a coordenar as Parecerias Público-Privada. O pagamento ao sócio privado é feito quando as obras e serviços firmados pelo contrato estiverem prontos. À medida que o serviço é prestado, haverá avaliação periódica, geralmente mensal, do desempenho do prestador de serviço, comparativamente aos padrões de desempenho estabelecidos em contrato. Na concessão comum, o pagamento é realizado com base nas tarifas cobradas dos usuários dos serviços concedidos.
  Nas PPPs, o agente privado é remunerado exclusivamente pelo governo ou numa combinação de tarifas cobradas dos usuários dos serviços mais recursos públicos. De acordo com a lei da PPP de n° 11.079/2004, as parcerias podem ser de dois tipos: a) “Concessão Patrocinada”: As tarifas cobradas dos usuários da concessão não são suficientes para pagar os investimentos feitos pelo parceiro privado. Assim, o poder público complementa a remuneração da empresa “por meio de contribuições regulares”, isto é, o pagamento do valor mais imposto e encargos; b) “Concessão Administrativa”: A “brecha” ocorre quando não é possível ou conveniente cobrar do usuário pelo serviço de interesse público prestado pelo parceiro privado. Por isso, justifica-se porque “a remuneração da empresa é integralmente feita por pelo poder público”.
A Câmara dos Deputados terá um “shopping center”. Essa foi a principal “bandeira” de Eduardo Cunha (PMDB) em sua candidatura para presidente da Casa e, na noite de quarta-feira (20/05/2015), por meio de uma manobra, a proposta foi votada e aprovada. Enquanto avaliam medidas de ajuste e que apertam os gastos públicos, os deputados aliados de Cunha não se ressentem em deixar passar um projeto de ampliação da estrutura do Congresso que, além do centro comercial, prevê a reforma e construção de novos gabinetes. O orçamento é de R$ 1 bilhão, comparativamente 1/30 da Harvard University que detém o maior orçamento de qualquer outra instituição acadêmica do mundo, em cerca de 30 bilhões de dólares em setembro de 2012. Para conseguir aprovar o projeto, o presidente da Casa e os deputados de seu partido incluíram a possibilidade da construção da obra dentro de outra Medida Provisória que trata da tributação sobre produtos importados. Assim, a Câmara pode recorrer a uma PPP para realizar o projeto. Deputados do PT, PSDB e PSOL votaram contra. - “Uma megalomania típica de quem se acha dono do Parlamento brasileiro, e que legisla de costas para o povo e de mãos dadas com os financiadores privados de campanha, que agora serão sócios na construção do Shopping Centers em plena Câmara dos Deputados. É o fim da picada! O povo deve repudiar este abuso”, afirmou o deputado federal Ivan Valente (PSOL).
Valquíria Padilha professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade sa Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto, observa que o shopping passa a ser objeto de estudo da sociologia já quando se transforma no lugar mais visitado de uma cidade, ou, quando uma “criança de rua” é barrada na porta pelos seguranças. Para narrar à história social dos shoppings centers, a pesquisadora remonta historicamente ao século 19, quando nasceram as lojas de departamento na Europa ocidental e começaram a desenvolver a “cultura do consumo”. Com essa nova forma de comércio, que passa da compra e venda de bens de extrema necessidade para a compra e venda de bem supérfluos para o consumo, cria-se um ambiente de imagens e símbolos que se associam aos bens para torná-los atraentes e levar as pessoas a acreditarem que eles são necessários. Começa, então, a haver uma grande mudança na concepção das pessoas sobre o que é e o que não é necessário para ser feliz. O shopping colabora para o declínio do espaço público quando ele redesenha as formas de controle nas cidades.



Mulher que estava em companhia de duas crianças é barrada pelos seguranças do shopping Iguatemi de Fortaleza (CE), em 02 de dezembro de 2011. Em seu livro, “Shopping Center – a catedral das mercadorias” (2006), Valquíria Padilha analisa se o shopping centers é um espaço público ou privado. Ela considera que no Brasil, como em todos os países onde a desigualdade social e econômica é mais visível, a violência urbana aparece como um complexo fenômeno que acentua a degradação do espaço público e empurra as camadas privilegiadas da população para lugares mais protegidos como o shopping. A cidadania parte do princípio de que na vida em sociedade todos têm direitos. Assim, numa democracia, como pensar que na prática uns tenham mais direitos que outros?  Na avaliação da pesquisadora, a cultura do consumo nasce e se estabelece pautada nos ideais da liberdade individual de escolha, o que gera uma equação complicada do ponto de vista da política e da cidadania, uma vez que a liberdade de escolha é maior, no capitalismo, para quem tem mais dinheiro.
- “Então, quanto mais se acentua a liberdade individual do consumidor, mais a vida pública vai se debilitando, porque os pontos comuns entre as pessoas que compõem a coletividade ficam reduzidos: ricos podem mais do que os pobres. A questão da pobreza e da cidadania está diretamente ligada à questão do consumismo, porque coloca frente a frente a carência com a abundância, a inclusão com a exclusão”.
Paralelamente à multiplicação de empreendimentos, ao contínuo crescimento da comunidade de lojistas, ao incremento substancial da participação dos shoppings no varejo nacional, tudo com o entusiasmado aplauso de milhões de consumidores, alguns percalços brotam aqui e ali. E precisam ser gerenciados. Por exemplo, a incompreensão de que a excelência do setor é fruto da mistura da livre iniciativa com a livre concorrência, tem suscitado ultimamente, proposições manifestamente deletérias ao desenvolvimento do negócio. É o caso de propostas que visam à intervenção legislativa na relação contratual entre empreendedores e lojistas, “sob o falso argumento de que estes últimos seriam dependentes do protecionismo estatal”. É também a situação da gratuidade compulsória de estacionamento, cogitada ao absurdo pretexto de que existiria, para todo consumidor proprietário de automóvel, um “direito” a essa benesse. Diante de situações como essas, tem sido esclarecedora a atuação da Abrasce. Seja prestando esclarecimentos a parlamentares e ao público, por meio da imprensa, quanto à inviabilidade jurídica ou econômica da medida respectiva. Seja exercendo a legítima faculdade de recorrer ao Judiciário, na defesa de seus associados, com ações diretas de inconstitucionalidade, mandados de segurança coletivos e outros meios processuais. 

Bibliografia geral consultada. 
ANDRADE, Luís Antonio de, Considerações sobre o aluguel em shopping centers: aspectos jurídicos. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1984; BUZAID, Alfredo. “Estudo sobre shopping centers”. In: Shopping centers. Questões jurídicas. São Paulo: Editora Saraiva 1991; PINTO, Dinah Sonia Renault, Shopping centers. Uma nova era empresarial. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001; COSTA, João Marcos Alves, Shopping Center - do Projeto ao Champagne - a Arte do Controle Sobre o Planejamento. São Paulo: Editora Jurua, 2010; PADILHA, Valquíria, Shopping Center: a catedral das mercadorias e do lazer reificado. Tese de doutorado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – ICHF/UNICAMP, 2003; Idem, “Desafios da crítica imanente do lazer e do consumo a partir do shopping center”. In: ArtCultura (UFU), vol. 10, pp. 103-119, 2009; Idem,  “Nojo, humilhação e controle: o trabalho de limpeza de shopping centers no Brasil e no Canadá”. In: Caderno CRH. Universidade Federal da Bahia, vol. 27, pp. 329-344, 2014; Artigo: “Performance ‘invade’ shopping e critica consumo”. Disponível em: http://blogurakensilva.blogspot.com.br/2013/12Artigo: “Cunha aprova projeto para construir ‘shopping’ na Câmara no valor de R$ 1 bilhão”. Disponível em: http://www.revistaforum.com.br/blog/2015/05/; Artigo: “Cunha vence, e deputados dão aval a construção de shopping na Câmara”. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/05/AUIP, Marie Araujo, Diálogos em Resistência: Um Estudo da Performance Arte Ativista e as Instituições Culturais. TCC de Especialização em Gestão de Projetos Culturais e Organização de Eventos. Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015;  entre outros.  
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. SãoPaulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).

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