Ubiracy de Souza Braga*
“Fotografia é verdade. Cinema é verdade vinte quatro vezes por segundo”. Jean-Luc Godard
Jean-Luc
Godard nascido em Paris, em 3 de dezembro de 1930 é um cineasta franco-suíço
reconhecido por um cinema vanguardista e polêmico. Tomou como temas e assumiu
como forma, de maneira ágil, original e quase sempre provocadora, os dilemas e
perplexidades do século XX. Entre elas o desprezo, objeto de nossa reflexão
estética e política. Além disso, é também um dos principais nomes da “Nouvelle
Vague”. Godard foi um militante anarquista de centrismo. A partir de 1952
colaborou na revista “Cahiers du Cinéma” e, depois de vários curtas-metragens,
fez em 1959 seu primeiro longa-metragem, “À bout de souffle”, em que adotou
inovações narrativas. Filmou com a “câmera na mão”, rompendo uma regra até
então inviolável. Filme dos primeiros da “Nouvelle Vague” e movimento que se
propunha renovar a cinematografia francesa. Revalorizava à direção,
reabilitando o filme dito de autor. Jean-Luc Godard, antes de cineasta, era
crítico da renomada “Cahiers du Cinéma”. A “Nouvelle vague” representou um
movimento artístico do cinema francês que se insere no movimento contestatário
próprio dos anos sessenta.
No entanto, a expressão foi
lançada por Françoise Giroud, em 1958, na revista L’Express ao fazer referência
a novos cineastas franceses. Sem grande apoio financeiro, seus primeiros filmes
conotados com esta imagem e expressão eram caracterizados pela juventude dos
seus autores, unidos por uma ideia e por uma vontade comum de transgredir “as
regras normalmente e moralmente aceitas para o cinema comercial”. Os cineastas
mais relevantes desse movimento são: Jean-Luc Godard, François Truffaut, Alain
Resnais, Jacques Rivette, Claude Chabrol, Eric Rohmer e Agnès Varda, sendo que
grande parte trabalhava com crítica de cinema na revista Cahiers du cinéma. São
muitos os autores que a partir desse momento são rotulados com a “Nouvelle
Vague”. Apesar de muitos, depois, terem seguido caminhos acadêmicos, como Roger
Vadim que rapidamente passou de “autor de cinema” para diretor de filmes mais
comerciais, ao revés das normas estabelecidas pelo estilo cinematográfico. Do
mesmo é acusado Claude Chabrol, autor de obras importantes tais como: “Um Vinho
Difícil”; “Entre Primos”, para ficarmos nestes exemplos. Qual
a novidade da transposição do mito de Maria para o cinema nas lentes de
Jean-Luc Godard? Parece que a resposta vem a partir da seguinte reflexão filosófica: - “Como explicar esta normalização pela indiferença?
Não, decerto, pelo aspecto datado do filme. Bem pelo contrário: ver ou rever:
“Eu Vos Saúdo, Maria é deparar com um fulgurante exercício de cinema que
aposta na abordagem sistemática do factor humano, na travessia dos seus enigmas
materiais e da sua sedução espiritual. O que (não) está a acontecer decorre
antes do triunfo de uma cultura do efémero e do gratuito em que,
desgraçadamente, se perdeu a disponibilidade para pensar a relação [estabelecida no social] dos seres
humanos com o sagrado”
(cf. Lopes, 2007).
O diretor de cinema Jean-Luc
Godard, cada vez menos conhecido pelos consumidores brasileiros, é um acontecimento
literário e musical na França. Nas livrarias, foi lançada a transcrição dos
textos e diálogos de “Eloge de l`Amour”, sem Paris. Nas discotecas, chegou o CD
que reúne as trilhas do compositor Antoine Duhamel para os filmes: “Pierrot Le
Fou” (1965) e “Weekend” (1967). As trilhas são o que melhor produziu Duhamel,
descontada sua música para “Domicílio Conjugal” (1970), de François Truffaut. O
compositor foi testemunha privilegiada do desvio que Godard fez, entre
“Pierrot” e “Weekend”, de um cinema lírico, de conotação anarco-individualista,
ao filme-ensaio de militância política. São coisas distintas para quem abraça a
questão da indiferença e do desprezo na modernidade tal como o italiano Antônio
Gramsci fizera na década de 1930. As composições expressam tal movimento. A
dramaticidade da trilha de “Pierrot” dá lugar em “Weekend” a uma construção
grave e tensa, que atinge a versão de Duhamel da Internacional Comunista, o
hino do operariado marxista, composto por Eugene Poittier, na época da
Comuna de Paris de 1871.
Jean-Luc Godard e Anna Karina se casam em 1961, durante as filmagens de
“Une Femme est Une Femme”, uma comédia musical que Colin MacCabe (2004) classifica
como “o mais alegre dos filmes de Godard”, ou, talvez, seu único filme alegre
de fato. Depois do sucesso de “Acossado”, “O Pequeno Soldado” foi censurado e “Uma
Mulher é Uma Mulher” foi um fracasso comercial. Então veio “Vivre sa Vie”, de
1962, a tragédia de uma prostituta. Se o sinal de “Uma Mulher é Uma Mulher” é
alegria e nascimento, o de “Viver a Vida”, é tristeza e morte. E ao que parece
foi o destino de Anna Karina, a gravidez que havia chegado durante o filme
anterior acabou num aborto espontâneo que a deixou infértil. Triste destino de
uma mulher filha de pai ausente e que nunca foi amada pela mãe. Anna Karina
participará ainda de “Band à Part” (1964), “Alphaville” (1965), “Pierrot le Fou”
(1965) “Made in USA” (1966). Seis anos depois do encontro de amor da carente Hanne Karin Bayer com um Godard ciumento e obcecado pelo
cinema o casamento acaba. Esta fase da obra de Godard passou à história como
“os anos Karina”.
Metodologicamente, o primeiro plano após o título ser exibido, demonstra justamente uma personagem que ainda não conhecemos, praticando uma ação que ainda iremos ver no futuro. A execução deste plano é o que interessa naquele momento, vindo acompanhada de uma narração em “off”, relacionando os créditos do filme. São passadas, deste modo, todas as informações técnicas relevantes: a) para que o público saiba quem realizou, b) o que será visto, c) quem são os responsáveis pelas imagens que ainda virão. No final do plano, d) a câmera que filmava a personagem volta seu olhar para a outra câmera, que filmava esta ação, a que funciona como olhar do público. Neste ponto somos nós os observados. Não mais os pressupostos a observar. A quebra determina que o filme, se trata, acima de tudo, de ser um filme. Esta a grande originalidade do “fazer cinema” de Jean-Luc Godard.
Metodologicamente, o primeiro plano após o título ser exibido, demonstra justamente uma personagem que ainda não conhecemos, praticando uma ação que ainda iremos ver no futuro. A execução deste plano é o que interessa naquele momento, vindo acompanhada de uma narração em “off”, relacionando os créditos do filme. São passadas, deste modo, todas as informações técnicas relevantes: a) para que o público saiba quem realizou, b) o que será visto, c) quem são os responsáveis pelas imagens que ainda virão. No final do plano, d) a câmera que filmava a personagem volta seu olhar para a outra câmera, que filmava esta ação, a que funciona como olhar do público. Neste ponto somos nós os observados. Não mais os pressupostos a observar. A quebra determina que o filme, se trata, acima de tudo, de ser um filme. Esta a grande originalidade do “fazer cinema” de Jean-Luc Godard.
Este estilo influenciou toda a cinematografia mundial ocidental. Mesmo
nos Estados Unidos, os realizadores da chamada Nova Hollywood, como tornou-se representada na expressão de Robert
Altman, Francis Ford Coppola, Brian de Palma, Martin Scorsese, George Lucas que renderam homenagem à vaga que começou a frutificar com o Bonnie and Clyde de Arthur Penn, prolongando-se esta influência do final dos anos 1960 até aos
anos 1970. Muitos dos cineastas, que iniciaram este novo estilo, reuniam-se em
cineclubes para discutir as obras norte-americanas. Assim teriam base para a
forma antagônica e complexa que iriam aplicar em seus trabalhos. Os cineastas
da “Nouvelle Vague” eram conhecidos como os “novos turcos”. Geraram também a
ruptura com o cinema totalmente de estúdio, que era o que imperava na França da
década de 1940. Incorporaram estilos e posturas da “Pop Art” ao teatro épico,
textos de Balzac, Manet e Marx. Havia entre seus membros cinematográficos e artísticos, um questionamento novo, um erotismo
pungente e até um romantismo tragicômico.
Neste aspecto, vale lembrar a
representação de Marie (Myriem Roussel) que é estudante que joga basquete e trabalha no posto de gasolina do pai, enquanto
Joseph (Thierry Rode) trabalha como taxista. Ao saber da gravidez de Maria, ele
a acusa de traição. Gabriel (Philippe Lacoste) tenta convencê-lo a aceitar os
planos divinos. Paralelamente, um professor de ciências que estuda a origem da
vida se envolve com uma aluna, com quem mantem intensas discussões
filosóficas. Duas histórias paralelas são organizadas no filme para mostrar a
difícil convivência entre “corpo e espírito”: A primeira é a de Maria (Myriem
Roussel) uma menina estudante, que trabalha no posto de gasolina do seu pai, e
de José (Thierry Rode) é um jovem que trabalha de taxista. Ao saber da gravidez
de sua namorada, José a acusa de traição e quer se separar. Mas o anjo Gabriel
tenta convencer o rapaz a aceitar a gravidez e enfrentar os planos divinos
junto com Maria. A segunda história é de um professor de ciências que estuda
a origem da vida e que tem um caso com uma aluna. Através de duas
histórias paralelas e distintas, o diretor nos oferece uma versão para a
concepção da Virgem.
Há uma diversidade significativa nas crenças
e práticas devocionais marianas entre as grandes tradições cristãs que o Papa
Francisco ainda não contemporizou. A Igreja Católica tem uma série de dogmas
marianos, como a Imaculada Conceição de Maria e Assunção de Maria. A devoção
cristã a Maria demonstra claros sinais no início do século II e antecede o
surgimento de um sistema específico litúrgico mariano no século V, após o
Primeiro Concílio de Éfeso em 431. O próprio conselho foi realizado em uma
igreja que havia sido dedicada a Maria cerca de cem anos antes. No Egito, a
veneração a Maria tinha começado no século III e o termo Theotokos foi usado por Orígenes, o pai da Igreja de Alexandria. A
mais antiga oração mariana que se conhece, ou seja, o “sub tuum praesidium” é
do início do 2° século e seu texto foi redescoberto em 1917 em um papiro no
Egito. Após o Édito de Milão em 313, imagens artísticas de Maria começaram a
aparecer em maior número em grandes igrejas estavam sendo dedicadas a ela: Basílica
de Santa Maria Maior, em Roma. Durante a
Idade Média lendas surgiram sobre Maria, seus pais e avós. A devoção a Maria tem variado entre as tradições cristãs: enquanto os
protestantes dão pouca atenção aos hinos e orações marianas, os ortodoxos
veneram a mãe de Jesus e a consideram “mais ilustre do que os Querubins e mais
gloriosa que os Serafins”.
No cinema de Jean-Luc Godard, a captação
da imagem é significada como algo de cunho sublime, como se essa ação
possibilitasse mesmo a vida eterna de um momento. Essa eternidade imagética é
ainda mais importante que a “eternidade ideológica”. Ipso facto a constante mudança de perspectiva e expectativa diante
de um filme (ou do cinema) como um todo é necessária para que a sobrevivência
da arte seja real (cf. Correia, 2010). O personagem do executivo, interpretado
por Jack Palance, pode ser a representação da frieza do dinheiro (Marx) diante
da latência artística do verdadeiro ser criador, representado por Fritz Lang
e pela defesa da integridade da obra de Homero. Porém, mesmo
que a mensagem final ainda corrobore com uma ideia superior utópica ou ideológica
para lembramos de Mannheim, em termos de plenitude da idealização, Godard deixa
claro eventualmente saber que a existência do cinema só é possível por conta
dos diversos fatores funcionais capazes de gerar a beleza. Em determinado
momento, perto do fim do filme, a personagem da tradutora diz que “quando se
faz filmes, os sonhos não são suficientes”. Faz-se necessário deixar de habitar
o mundo de Homero para que a realidade seja aplicada e assim Ítaca é impossível,
ainda que imaginada.
Ficha técnica:
Gênero: Drama.
Gênero: Drama.
Direção: Jean-Luc Godard.
Roteiro:
Jean-Luc Godard.
Elenco: Johan Leysen, Juliette Binoche, Malachi Jara Kohan,
Manon Anderson, Myriem Roussel, Philippe Lacoste, Thierry Rode.
Fotografia:
Jacques Frimann, Jean-Bernard Menoud.
Duração: 105 minutos
Ano: 1985. País: França
/ Reino Unido / Suíça.
Bibliografia geral consultada.
CLAGHORN, Charles Eugene, Biographical Dictionary of American Music: Estados Unidos: Parker Publishing Company, 1973; QUILLIOT, Roland, “La Fascination Moderne de l`impersonnel”.
In: Penser le Sujet Aujourd`hui. E. Guibert-Sledziewski, Jean-Louis
Vieillard-Baron (Orgs.) Paris: Centre Culturel Cérisy-la sale, 1988, pp. 201-307; MACHADO, Tigo Mata, Godard Polifônico: Genealogias do Cinema Moderno. Dissertação de Mestrado em Multimeios. Instituto de Artes. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2001; MAcCABE, Colin, Godard. A Portrait of the Artist at 70. London: Ed. Bloomsbury Publishing, 2004; SCHOPENHAUER, Arthur, Sobre a Visão e as Cores. São Paulo: Editora Nova Alexandria,
2005; CARRIÈRE, Jean-Claude, A Linguagem Secreta do Cinema. 1ª edição. Rio de Janeiro: Editora Nova
Fronteira, 2006; DELEUZE, Gilles, A Imagem-tempo. São Paulo: Editora Brasiliense, 2007; COUTINHO,
Mario Alves, Escrever com a Câmera. Cinema e Literatura na Obra de Jean-Luc Godard. Faculdade de Letras. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2007; Idem, Escrever com a Câmera: A
Literatura cinematográfica de Jean-Luc Godard. São Paulo: Editora
Crisálida, 2010; MARIA, João Paulo Miranda, A Influência do Grupo Dziga Vertov no Cinema de Jean-Luc Godard. Dissertação de Mestrado. Instituto de Artes. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2010; MARIE, Michel, A Nouvelle Vague e Godard. Trad. Eloisa Ribeiro e Juliana Araújo. Campinas: Papirus Editora, 2011; METZ, Christian, A Significação no Cinema. São Paulo: Editora Perspectiva, 2012; MARTIN, Marcel, A Linguagem Cinematográfica. São Paulo: Editora Brasiliense, 2013; RIBEIRO, Rodrigo Rizzaro, O Cinema de Godard, a Indústria Cultural e a Crítica da Subjetividade Capitalista. Dissertação de Mestrado. Programa de Mestrado em Comunicação. São paulo; Faculdade Cásper Líbero, 2015; ALMEIDA, Gabriela Machado Ramos de, Ensaio, Montagem e Arqueologia Crítica das Imagens: Um Olhar à Série História (s) do Cinema de Jean-Luc Godard. Tese Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2015; entre outros.
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