sábado, 23 de maio de 2015

Eduardo Cunha - Política, Homofobia & Megalomania Evangélica.

Ubiracy de Souza Braga*
                                                                  

   Tudo o que se pensa ou é afeto ou aversão”. Robert Musil.


 
 
                Em primeiro lugar, megalomania representa um “transtorno psicológico” definido por delírios e fantasias de poder, relevância ou omnipotência. A megalomania é caracterizada por uma exagerada autoestima das pessoas nas suas crenças e/ou poderes. Antigamente, era a designação para transtorno de personalidade narcisista, porém, a partir de 1968, foi considerado como um transtorno não clínico, “pelo que não está presente no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais ou no CID”. Citando Bertrand Russell, podemos facilmente distinguir a megalomania do narcisismo: - “O megalomaníaco difere do narcisista pelo fato de que pretende ser poderoso ao invés de charmoso; temido ao invés de amado, lembrando-nos Nicolau Maquiavel. A este tipo de pessoas pertencem muitos lunáticos, mas também grandes homens da História”.
            O mundo da política está recheado de megalomaníacos, ou seja, pessoas que tem mania de grandeza, de poder e de superioridade sobre os outros, tendo assim obsessão de realizar atos grandiosos. É aquele que se acha no âmbito do imaginário individual (os sonhos) e coletivo (os mitos, os ritos, os símbolos) o maior ou o melhor e mais capacitado de todos os congressistas no âmbito da política. Essa espécie de prática política é responsável por provocar inúmeros conflitos sangrentos ao longo da história social e política. O megalomaníaco é um sujeito com características bem peculiares. Gosta de aparecer bastante na mídia, adora amedrontar as pessoas e os opositores. Pratica o chamado “terrorismo psicológico”, vive cercado de bajuladores, esquizofrênicos e de pseudojusticeiros, aonde seu lado mais dócil é a prática da política do “pão e circo”. O megalomaníaco alterna muito o seu estado psicológico, com forte tendência a desenvolver o reconhecido “transtorno bipolar”. Neste sentido ele segue da passividade a uma fúria praticamente descontrolada em poucos segundos.
Em segundo lugar, do ponto de vista político, “Frente Parlamentar Evangélica”, ou simplesmente “bancada evangélica”, é um termo aplicado a uma frente parlamentar do Congresso Nacional do Brasil composta por políticos evangélicos de partidos políticos distintos. Diferentemente dos evangélicos, que compõem a maioria da bancada, os parlamentares católicos não participam da frente parlamentar. Ultraconservadora, ela se articula contra temas como igualdade racial e de gênero, direito ao aborto, eutanásia e casamento entre pessoas do mesmo sexo, além de também se opor à criminalização da discriminação contra homossexuais e de castigos físicos impostos por pais aos filhos. O grupo também tenta derrubar resoluções do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que impedem que psicólogos tratem a dita “homossexualidade” como uma doença, apesar da decisão do CFP estar de acordo com a resolução de 1990 da Organização Mundial da Saúde (OMS), que retirou a homossexualidade da lista de distúrbios mentais depois que diversas outras organizações psiquiátricas respeitadas. Em 2013, foram considerados líderes da bancada os parlamentares João Campos (PSDB-GO), Anthony Garotinho (PR–RJ), Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Lincoln Portela (PR-MG) e o senador Magno Malta (PR-ES). 
Portanto, se fosse um “partido”, teria a terceira bancada de deputados do Congresso Nacional Brasileiro, sendo superada apenas pelas bancadas de Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e do Partido dos Trabalhadores (PT). Eduardo Cunha, do PMDB do Rio de Janeiro, é reconhecido como um fenômeno político. Ironicamente chamado de “alpinista do Congresso” por colegas congressistas impressionados com sua desenvoltura, em apenas seis anos ele conseguiu vaga cativa na “ala dos caciques peemedebistas”, com direito a tudo o que a política do toma-lá-dá-cá costuma proporcionar. De nomeações de apadrinhados para manusear verbas na máquina pública federal ao controle de comissões que ditam o ritmo do Congresso.


           O relativo sucesso de Eduardo Cunha chama a atenção por um detalhe: seu currículo, manchado por suspeitas de corrupção desde sua atuação no governo Fernando Collor e no da família Anthony Garotinho, no Rio de Janeiro, não atrapalha suas pretensões. Ele é um personagem cuja história serve à perfeição para ilustrar a crise de imagem que atinge o Congresso. - “Esse cidadão é fruto do Congresso medíocre que está aí, dominado pelo baixo clero, em que a maioria dos parlamentares só pensa em defender seus próprios interesses”, diz o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília. O próprio Eduardo Cunha não é tão crítico em relação ao Congresso. - “Já vi o Congresso mais débil do que está hoje. E se o Congresso está ruim, é porque a sociedade está ruim”, diz ele.
O Congresso nacional pode estar em baixa, mas o poder de Eduardo Cunha está em alta. Recentemente, ele foi um dos artífices da eleição do presidente do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, Michel Temer (SP), para a presidência da Câmara. Cunha lidera e manobra uma bancada particular de, pelo menos, 20 integrantes, que inclui deputados de partidos menores, como o nanico PSC. - “Não tenho deputados leais a mim. Faço parte de uma bancada, a do PMDB do Rio de Janeiro, e decidimos tudo juntos”. Após ajudar na vitória de conciliação política de Temer, Eduardo Cunha obteve uma compensação relativamente generosa. Conseguiu indicar um de seus apaniguados, o deputado Bernardo Ariston (PMDB-RJ), para a presidência da Comissão de Minas e Energia da Câmara, encarregada de analisar projetos técnicos relacionados à exploração de petróleo e ao setor elétrico. Fora uma conquista importante, numa área cara a seus interesses.
Lembramos que, de acordo com o psicanalista Jurandir Freire Costa no ensaio: “A Inocência e o Vício: Estudos sobre o Homoerotismo” (1992):  
O termo homossexualismo nos vemos implicados no constructo histórico-político-econômico-libidinal burguês do século XIX, o qual caracteriza a humanidade como dividida em hetero e homossexuais, correlativa à normal/patológico, que transforma as vivências da experiência sexual desses sujeitos em desvio de personalidade. Remete à construção histórica a figura imaginária do homossexual como uma modalidade do humano (ou desumano) com perfil psicológico único. Falar de homossexualidade é falar de uma personagem imaginária que teve historicamente a função de ser antinorma do ideal de masculinidade burguês” (cf. Costa,1992). 
            As teses do filósofo Michel Foucault e do cineasta Píer Paolo Pasolini sobre a constituição do dispositivo discursivo da sexualidade encontram-se referenciadas em uma dupla crítica – histórica e metodológica – à hipótese repressiva da sexualidade. Esse, o nó górdio entre Michel Foucault na filosofia e Píer Paolo Pasolini na arte cinematográfica em que pretendemos uma aproximação conceitual. Pasolini era um artista solitário. Antes de ficar famoso como cineasta tinha sido professor, poeta e novelista. Entre seus livros mais conhecidos estão: “Meninos da Vida”, “Uma Vida Violenta” e “Petróleo” (livro). De porte atlético e estatura média, Pasolini usava óculos com lentes muito grossas. Em 26 de janeiro de 1947 escreveu uma declaração polêmica, mas atual, para a primeira página do jornal Libertà: - “Em nossa opinião, pensamos que, atualmente, só o comunismo é capaz de fornecer uma nova cultura”. Após a sua adesão ao PCI – Partido Comunista Italiano, participou de várias manifestações e, em maio de 1949, participou do Congresso da Paz em Paris.
Em um caso e outro se quisermos insistir neste aspecto analítico, vejamos. Surgem dois modos possíveis de interpretação do uso do verbo “saber”. Na primeira, “saber” está ligado à crença, saber implica crer. Em sentido amplo, crer também significa “ter por verdadeiro”. Assim, crer significa, por exemplo, ter algo por existente ou ter um enunciado por verdadeiro. Em outras palavras, crer significa aceitar a verdade e a realidade sem que seja necessário apresentar provas. Em última instância é possível afirmar, que crer implica “dar por acordado que o mundo existe”. Há, portanto, uma dimensão prática que liga o saber (Michel Foucault) ao mundo manifestado no “crer” (Píer Paolo Pasolini). Esta dimensão social parece apontar para o segundo modo de interpretação do uso do verbo “saber”. Desta vez, ele pode ser associado a “poder” (Foucault). Dizer que “se sabe” é o mesmo que dizer que “se pode” (Pasolini). Aqui reside o ponto central da interpretação analítica que compreende o saber como habilidade e disposição, pois uma credibilidade do discurso é em primeiro lugar aquilo que faz os crentes se moverem. Ela produz praticantes. Fazer crer é fazer. Mas por curiosa circularidade a capacidade de fazer se mover – de escrever e maquinar os corpos – é precisamente o que faz crer. Ela ganha fiabilidade ao dizer – “Este texto vos é ditado pela própria Realidade” (cf. Certeau, 2013: 219).
Eduardo Cosentino da Cunha nasceu no Rio de Janeiro em 20 de setembro de 1958. É economista, radialista e político brasileiro da “bancada evangélica” com filiação à igreja neopentecostal Sara Nossa Terra e seguidor do bispo Robson Rodovalho. É deputado federal pelo PMDB-RJ e presidente da Câmara dos Deputados desde 1º de fevereiro de 2015. Filiado ao nanico PRN - Partido da Reconstrução Nacional, foi presidente da Telerj durante o Governo Fernando Collor.  Já pelo Partido Progressista Brasileiro, dirigiu a Cehab no governo do evangélico Anthony Garotinho. Candidatou-se pela 1ª vez a um cargo eletivo em 1998, sendo eleito suplente de deputado estadual do Rio de Janeiro e assumindo uma vaga na Alerj – Assembleia do Estado do Rio de Janeiro (2001). Elegeu-se deputado federal em 2002, pelo PPB. Reelegeu-se em 2006 e 2010, pelo PMDB. Como radialista em 7 rádios FM nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Piauí e Paraná - violando o artigo 54 da Constituição Federal, respondeu a três processos no Supremo Tribunal Federal – inquéritos.
Os judeus, disse uma vez Léon Poliakov, são franceses que, ao invés de não irem mais à igreja, não vão mais à sinagoga. Na tradução humorística de Hagadah, essa piada designava crenças no passado que deixaram de organizar práticas. As convicções políticas parecem, hoje, seguir o mesmo caminho. Alguém seria socialista por que foi, sem ir às manifestações, sem reunião, sem palavra e sem contribuição financeira, em suma , sem pagar. Mas reverencial que identificatória, a pertença só se marcaria por aquilo que se chama uma voz. Este resto de palavra, como o voto de quatro em quatro anos. Uma técnica bastante simples manteria o teatro de operações desse crédito.
Basta que as sondagens abordem outro ponto que não aquilo que liga diretamente os adeptos ao partido, mas aquilo que não os engaja alhures, não a energia das convicções, mas a sua inércia. Os resultados da operação contam então com restos da adesão. Fazem cálculos até mesmo com o desgaste de toda convicção. Pois esses restos, esses cacos, como insinua Leonardo Boff, indicam ao mesmo tempo o refluxo daquilo em que os interrogados creram na ausência de uma credibilidade mais forte que os leva para outro lugar. Ora, a capacidade de crer parece estar em recessão em todo o campo político. A tática é a arte do fraco. O poder se acha amarrado à sua visibilidade.

Mas a vontade de “fazer crer”, de que vive a instituição, fornecia nos dois casos um fiador a uma busca de amor e/ou de identidade. Importa então interrogar-se sobre os avatares do crer em nossas sociedades e sobre as práticas originadas a partir desses deslocamentos. Durante séculos, supunha-se que fossem indefinidas as reservas de crença. Aos poucos a crença se poluiu, como o ar e a água. Percebe-se ao mesmo tempo não se saber o que ela é. Tantas polêmicas e reflexões sobre os conteúdos ideológicos em torno do voto e os enquadramentos para lhe fornecer não foram acompanhadas de uma elucidação acerca da natureza do ato de crer. Os poderes antigos geriam habilmente a autoridade. Hoje os sistemas administrativos, sem autoridade, dispõem de força em seus “aparelhos” e menos de autoridade legislativa.
Assumidamente evangélico Eduardo Cunha é considerado um dos parlamentares mais conservadores do país.  No Congresso Nacional desde 2003, tem se notabilizado como defensor de valores tradicionais, por exemplo, posicionando-se contra a união estável homoafetiva descriminalização do aborto e da maconha. Em 2010, o deputado apresentou um projeto “para criminalizar o preconceito contra os heterossexuais”. Ele é o autor do projeto para a instituição do “Dia do Orgulho Heterossexual” no Brasil. Ele é também “o autor de um projeto que quer punir com prisão de até 10 anos os médicos que auxiliarem mulheres a fazer aborto”. Militante evangélico e frequentador assíduo de cultos, Cunha é detentor de centenas de domínios de cunho religioso na internet, dos quais 154 com a palavra “Jesus”. O deputado do PMDB é contrário a regulação econômica dos meios de comunicação. É conhecida a sua posição em relação ao Marco Civil da Internet, “defendendo o controle de fluxo de dados dos usuários por parte das empresas de telecomunicações e, assim, ferindo o princípio da neutralidade da rede”.          
Enfim, no Congresso brasileiro, pautas como a descriminalização do aborto, a legalização das drogas, a luta por aumento na demarcação de terras indígenas ou a união homoafetiva aparentemente não têm vez. E a situação política tende a continuar igual ou pior na próxima legislatura que, para o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, se desenha para ser a mais conservadora desde a época da ditadura. Por outro lado, cresce o número de parlamentares ligados à polícia, que passa para 55, um aumento de 30%. A “bancada da bala” defende mudanças como a redução da maioridade penal. E a Frente Parlamentar da Agropecuária, que busca um recrudescimento dos direitos indígenas previstos na Constituição também aumentará de 191 a 257 representantes. De fato, nomes como Jair Bolsonaro e Marco Feliciano, que tiveram destaque na imprensa por declarações homofóbicas, tiveram muito mais votos do que nas eleições passadas. Eduardo Cunha, um dos principais nomes na luta contra qualquer progresso em relação ao aborto, também teve mais apoio dos eleitores.
Enfim, Luiz Carlos Heinze, deputado federal do Rio Grande do Sul pelo Partido Progressista (PP), virou assunto no começo deste ano após a divulgação de um vídeo em que ele aparece dizendo que “quilombolas, índios, gays, lésbicas e tudo que não presta”. A declaração foi feita durante uma audiência pública da Comissão de Agricultura sobre a demarcação de terras indígenas. Ele é coordenador da “Frente Parlamentar da Agropecuária” e foi eleito pela ONG Survival International o “racista do ano”. O deputado é autor de um projeto de Lei que propõe sustar o decreto 1.775, que dispõe sobre a demarcação de terras indígenas. No texto, ele diz que o objetivo é acabarem com os “super poderes da FUNAI”. A justificativa: - “a FUNAI vem identificando as alegadas áreas indígenas por meio de procedimentos de natureza inquisitorial, o que leva ao desrespeito frequente do direito de terceiros, especialmente do direito de propriedade, gerando um ambiente de insegurança jurídica.” Nessas eleições, Luiz Carlos Heinze foi o deputado federal que obteve o maior número de votos do Rio Grande do Sul, escolhido por 162.462 eleitores, um pouco a menos, entretanto, que na última eleição quando obteve 180.403 votos de seus seguidores.            

Bibliografia geral consultada. 
FROMM, Erich, El Miedo a la Libertad. 3ª edición. Buenos Aires: Paidós, 1957; MERCADANTE, Paulo, A Consciência Conservadora no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1965; PASOLINI, Píer Paolo, Gramsci`s Asche. Gedichte. Italienisch/Deutsche. Verlag, München, 1980;  FOUCAULT, Michel, El Orden del Discurso. Barcelona: Ediciones Tusquets, 1973; Idem, História da Sexualidade. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1977; Idem, Vigiar e Punir. Nascimento da Prisão. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1987; Idem, Hermeneutica del Sujeto. Madrid: Ediciones de la Piqueta, 1987b; ABRANCHES, Sérgio, Presidencialismo de Coalização. O Dilema Institucional Brasileiro. In: Dados - Revista Brasileira de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro, Volume 1, 1988; BRAGA, Ubiracy de Souza, “A Política, a Mídia e o Brasil”. In: http://www.espacoacademico.com.br/016/2002; COSTA, Jurandir Freire, Ordem Medica e Norma Familiar. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editor Graal, 1983; Idem, A Inocência e o Vicio - Estudos sobre Homoerotismo. 3ª edição. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1992; Idem, O Vestígio e a Aura - Corpo e Consumismo na Moral do Espetáculo. 1ª edição. Rio de Janeiro: Editora Garamond, 2004; Artigo: “Líderes da Bancada Evangélica se Articulam para Apresentar Novo Projeto da Cura Gay”. In: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/07/; Artigo: “Bancada evangélica seria 3.º partido da Câmara”. In: http://www.gazetadopovo.com.br/20/04/2013; Artigo: “Os Gays não são Semideuses. A Maioria é Fruto do Consumo de Drogas”. In: http://brasil.elpais.com/brasil/2014/02/14/;  AGUIAR, Osmar de Oliveira, As Regras Informais e o Processo Decisório na Câmara dos Deputados. Dissertação de Mestrado Profissional em Poder Legislativo. Brasília: Câmara dos Deputados, 2015;  entre outros.
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP).  Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).  

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