Vida de Michel Foucault – Nem Ironia, Nem Absurdíssimo.
Ubiracy
de Souza Braga*
“As luzes que descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas”.
Michel Foucault
O
Cardeal de São Paulo, Dom Odilo Scherer, e os bispos de sua Arquidiocese,
anunciaram recentemente que não autorizam a criação, prevista há quatro anos
(2011), da Cátedra “Michel Foucault e a filosofia do presente” na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Por ocasião do 7° Colóquio
Internacional Michel Foucault, que reuniu na PUC-SP dezenas de especialistas na
obra do pensador e centenas de interessados, foi assinada uma carta de apoio a
essa iniciativa. A lista dos signatários incluía de forma extraordinária desde
membros do Collège International de Philosophie (Paris) aos membros da
Universidad San Martin na Argentina, da Universidad de los Andes na Venezuela e
da Universidad de Valparaiso no Chile. A iniciativa também obteve repercussão
através da solidariedade do Consulado Geral da França em São Paulo. Primeira
universidade do mundo, fora da França, a abrigar uma coletânea de áudios do
filósofo Michel Foucault, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP) pode ter de devolver o material. O Conselho Superior da Fundação São
Paulo, mantenedora da universidade, recusou a criação de uma Cátedra do
pensador. Os professores responsáveis pelo projeto foram informados sobre a
decisão na semana passada. Em reunião, o Conselho Universitário (Consun)
informou que vai encaminhar um pedido de reconsideração ao Conselho Superior,
órgão deliberativo máximo formado pela reitora Ana Cintra, bispos da
Arquidiocese de São Paulo e o cardeal dom Odilo Scherer. A cátedra é uma instância acadêmica destinada a fomentar o debate em torno
de algum pensador, ou teórico, e para a preservação e atualização de seu
trabalho.
Em
24 de novembro de 2007, foi elevado ao cardinalato pelo Papa Bento XVI, no
Consistório de 2007, na Basílica de São Pedro, recebendo o título de Cardeal-presbítero
de Santo André no Quirinal, sendo um dos mais jovens membros do Colégio
Cardinalício. Em 9 de maio de 2009, foi nomeado membro do Conselho de Cardeais
para o Estudo dos Problemas Organizativos e Econômicos da Santa Sé, até 24 de
fevereiro de 2014, quando o Papa Francisco emitiu a constituição apostólica em
forma de motu proprio Fidelis dispensator et prudens. Foi eleito
como membro delegado pela CNBB para participar como Padre Sinodal da 13ª
Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos realizado no Vaticano de 7 a 28
de outubro de 2012. Em novembro de 2012, como Grão-Chanceler da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), nomeou a terceira colocada na
lista tríplice Anna Cintra. Embora o cargo de grão-chanceler lhe garanta o
direito de optar por qualquer um dos três nomes, a escolha causou o
descontentamento de alguns professores e alunos que esperavam a nomeação do
primeiro nome da lista, como sói acontecer. O fato que também agravou foi o
tempo para a nomeação, pois esperou por quase dois meses para nomear as
vésperas do recesso acadêmico (férias) o que não teria sido bem visto pela
comunidade acadêmica. Em 15 de fevereiro de 2013, o Vaticano confirmou a
escolha do cardeal e oficializou Anna Cintra no cargo de reitora.
Michel Foucault é reconhecido internacionalmente por descrever uma analítica do poder em relação às instituições sociais, entre elas a Igreja Católica. Do latim cathedra que, por sua vez, tem origem num vocábulo grego que significa “assento” ou “cadeira”, a cátedra é a disciplina ou a cadeira, metaforicamente, que ensina um catedrático - professor que tenha preenchido determinados requisitos para partilhar conhecimentos e que tenha alcançado o posto mais alto na docência. O termo também é usado para fazer referência à função e ao exercício do catedrático. Essa Cátedra, que leva o nome de Michel Foucault, não é dedicada à leitura de seus escritos – que hoje já é parte da cultura clássica. Ela está voltada, sob o impulso não exclusivo de seus trabalhos, como o diz seu título, para uma livre análise, informação e debate sobre questões de filosofia e de vida civil contemporânea. A recusa de tal Cátedra, aberta à complexidade e diversidade de estudos e pesquisas na atualidade, contradiz a deontologia universitária assim como seu fundamento filosófico. A Universidade seria sua primeira vítima. Assim teríamos ironicamente, no caso da Pontifícia Universidade Católica – PUC-SP, a 2ª morte de Michel Foucault. O filósofo deixou inscrito uma das mais belas profecias sobre o “cuidado de si”. Uma ética política sobre a história da sexualidade, incluída a morte. O filósofo Michel Foucault deixou inscrita uma das mais belas profecias sobre o “cuidado de si”. Uma ética política sobre a história da sexualidade, incluída a morte. Este aspecto, não por acaso, passa a ser um elemento novo decorrente da analítica do poder proposta através da análise discursiva.
A problemática da governamentalidade fora retomada no “resumo dos cursos
do College de France” (1970-1984): “gostaria de me insinuar sub-repticiamente
no discurso que devo pronunciar hoje, e nos que deverei pronunciar aqui, talvez
durante dez anos”. Veio a falecer em 25 de junho de 1984, “quando seu estado de
saúde não mais lhe permitia prepará-los”. Salvo engano, nenhum sistema de pensamento
obteve repercussão tão ampla e evidente, do ponto de vista da mudança de
simbólica, a partir de temas como: a crítica da razão governamental, a
analítica do poder, sobre as relações “espaço-tempo” e “poder-saber”, “estética
da existência” e “experimento moral”, e mesmo entre o “império do olhar” e a
“arte de ver”. É impossível esquecer a tese foucaultiana segundo a qual “a visibilidade é
uma armadilha” que “canceriza” a vista através do poder disciplinar.
O estudo dedicado ao “cuidado de si” teve como
referência Alcibíades, retratado pelo pintor Pedro Américo em 1865. Nele, as
questões dizem respeito ao “cuidado de si” com a política, com a pedagogia e
com o conhecimento de si. Sócrates recomendava a Alcibíades que aproveitasse a
sua juventude para ocupar-se de si mesmo, pois, “com 50 anos, seria tarde
demais”. Mas isso, numa relação que diz respeito talvez ao enamoramento, na
acepção de Francesco Alberoni e que não pode “ocupar-se de si” sem a ajuda do
outro. O exercício da morte, como evocado na Antiguidade por Sêneca, consiste em
viver a duração da vida como se fosse tão curta quanto um dia e viver
cada dia como se a vida inteira coubesse nele; todas as manhãs, deve-se estar
na infância da vida, mas deve-se viver toda a duração do dia como se a noite
fosse o momento da morte. Na hora de dormir, afirma na Carta 12, com um sorriso: “eu vivi”.Mas há uma advertência, importantíssima na existência humana: “é preciso tempo para isso”. E
é um dos grandes problemas dessa cultura de si, fixar, no decorrer do dia ou da
vida, a parte que convém consagrar-lhe. Recorre-se a muitas fórmulas diversas.
Podem-se reservar, à noite ou de manhã, alguns momentos de recolhimento para o
exame daquilo que se fez para a memorização de certos princípios úteis, para o
exame do dia transcorrido; o exame matinal e vesperal dos pitagóricos se
encontra, sem dúvida com conteúdos diferentes, nos estoicos; Sêneca, Epicteto,
Marco Aurélio, fazem referência a esses momentos revigorados na plenitude da
vida que se deve consagrar a voltar-se para si mesmo. Pedro Américo: “Sócrates afastando Alcebíades do vício”, 1865.
Pode-se também interromper de tempos em tempos as
próprias atividades ordinárias e fazer um desses retiros que Musonius, dentre
outros, recomendava vivamente: eles permitem ficar face a face consigo mesmo,
recolher o próprio passado, colocar diante de si o conjunto da vida
transcorrida, familiarizar-se, através da leitura, com os preceitos e os
exemplos nos quais se quer inspirar e encontrar, graças a uma vida examinada,
os princípios essenciais de uma conduta racional. É possível ainda, no meio ou
no fim da própria carreira, livrar-se de suas diversas atividades e,
aproveitando esse declínio da idade onde os desejos ficam aparentemente
apaziguados, consagrar-se inteiramente, como Sêneca, no trabalho filosófico ou,
como Spurrima, na calma de uma existência agradável, “à posse de si próprio” no
espaço e tempo sociais habituais. Esse tempo não é vazio: ele é povoado por exercícios,
por tarefas práticas, atividades diversas que são ocupadas pelas reflexões de
nosso dia a dia. Ocupar-se de si não é uma sinecura. Existem os cuidados com o
corpo, os regimes de saúde, os exercícios físicos sem excesso, a satisfação,
tão medida quanto possível, as necessidades.
Existem as meditações, as
leituras, as anotações que se toma sobre livros ou conversações ouvidas, e que
mais tarde serão relidas, a rememoração das verdades que já se sabe, mas de que
convém apropriar-se ainda melhor. Marco Aurélio fornece, assim, um exemplo de
“anacorese em si próprio”: trata-se de um longo trabalho de reativação dos
princípios gerais e de argumentos racionais que persuadem a não deixar-se
irritar com os outros nem com os acidentes, nem tampouco com as coisas. Tem-se aí um dos pontos mais importantes dessa
atividade consagrada a si mesmo. Ela não constitui simplesmente um mero exercício da solidão; mas
sim uma verdadeira prática sociológica. E isso, em vários e amplos sentidos. Mas toda essa
aplicação a si não possuía como único suporte social a existência das escolas,
do ensino e dos profissionais da direção da alma; ela encontrava, facilmente,
seu apoio em todo o feixe de relações habituais de parentesco, de amizade ou de
obrigação. Quando, no exercício do cuidado de si, faz-se apelo a outro, o qual
se advinha que possui aptidão para dirigir e para aconselhar, faz-se uso de um
direito; e é um dever que se realiza quando se proporciona ajuda a outro ou
quando se recebe com gratidão as lições que ele pode dar na duração da vida. Acontece também do jogo entre os cuidados de si e a
ajuda do outro inserir-se em relações sociais preexistentes às quais ele dá uma
nova coloração e um sentido de calor expresso em intensidade maior. O cuidado de si – ou os cuidados que se tem
com o cuidado que os outros devem ter consigo mesmos – aparece então como uma
intensificação mais do que necessária das relações sociais. É sobretudo neste sentido que Sêneca dedica um consolo à sua mãe. Justamente no
momento em que ele próprio está no exílio, para ajudá-la a suportar essa
infelicidade atual e, talvez, mais tarde, infortúnios maiores sobre a solidão. O “cuidado de si”
aparece, portanto, intrinsecamente ligado a uma espécie de “serviço da alma”
que comporta a possibilidade de um jogo de trocas com o outro e de um sistema
de obrigações recíprocas. Neste aspecto Michel Foucault abriu caminho para o
eterno. Dom Odilo: hostilidade por parte de manifestantes. Foto: “Por uma PUC Católica” (2015).
Portanto é a partir
dela que, se tomarmos como analogia a reflexão realizada por Michel Foucault
para identificar as condições e possibilidades nas “formações discursivas”
entre arqueologia e história das ideias, pode-se agora inverter o procedimento.
Pode-se descer no sentido da corrente e, uma vez percorrido o domínio das
formações discursivas e dos enunciados, uma vez esboçada sua teoria geral,
correr para os domínios possíveis de sua aplicação. Recorrer sobre a utilidade
dessa análise que ele batizou de “arqueologia” recoloca o problema da escansão
do discurso segundo grandes unidades que não eram as das obras, dos autores,
dos livros ou dos temas. Sua singularidade refere-se ao fato social de que em
sua épistème “já existem muitos métodos capazes de descrever e analisar a
linguagem, para que não seja presunção querer acrescentar-lhes outro”. Ele já
havia mantido “sob suspeita”, expressão que Michel Foucault utiliza repetidas
vezes hic et nunc, unidades de discurso como no que se refere ao
livro ou a obra porque desconfiava que não fosse tão imediatas e evidentes
quanto pareciam ser no âmbito da pesquisa hermenêutica e propriamente
filosófica.
Portanto, será razoável opor-lhes unidades
estabelecidas à custa de tal esforço, depois de tantas hesitações e segundo
princípios tão obscuros que foram necessárias centenas de páginas para elucidá-los?
E o que todos esses instrumentos acabam por delimitar, esses famosos
“discursos” cuja identidade eles demarcam, coincide com as figuras chamadas
“psiquiatria” ou “economia política” ou “história natural” de que ele tinha
empiricamente partido, e que serviu de pretexto para remanejar esse estranho
arsenal. Forçosamente, ele precisa agora medir a eficácia descritiva das noções
que tentou definir. Precisa saber se a máquina funciona e o que ela pode
produzir. O que pode, então, oferecer essa “arqueologia”, que outras descrições
não seriam capazes de dar? Qual é a recompensa de tão árdua empresa, indagava o
bravo filósofo. Hoje, em vista dos acontecimentos inusitados a di-visão entre ironia e absurdismo. Poder-se-á
dizer em sua complementariedade que a originalidade da filosofia de Michel Foucault
reside justamente na forma como desfaz a oposição entre história e analítica,
entre argumentação descritiva e argumentação propositiva, porque justamente o
seu desígnio é fazer uma genealogia. Ou seja, um estudo da proveniência que identifica
o lugar em que se deu um conflito e
uma ruptura que ainda exerce efeitos sociais específicos
no nosso presente.
Se adotarmos a segunda alternativa, então poderíamos
sustentar que, a par da ética da virtude, das regras e do utilitarismo,
Foucault teria reafirmado uma proposta ética que se encontrava esquecida,
embora estivesse presente em autores estudados na atualidade como Søren
Kierkegaard, Friedrich Nietzsche e Martin Heidegger, e que se encontrava também
presente, embora de uma forma difusa e irrefletida, em inúmeras práticas, como
as terapias, as artes e a militância política enquanto práticas. O argumento
mais forte a favor de uma leitura programática do cuidado de si refere-se à
dificuldade com que, desde o século XIX, as sociedades ocidentais se deparam no
desejo de reconstituir uma ética e estética do eu. Com efeito, as noções que no
passado atestavam essas práticas, apesar de nos serem familiares, perderam o
sentido e tornaram-se por isso, esvaziadas de sentido e negativas. É o caso das
expressões “retornar a si” e “liberar-se”. Ora, apesar dessas expressões serem
ambíguas, regressamos sem cessar ao tema da soberania do eu ou precisamente de
uma ética do eu, que chamou atenção da sociedade norte-americana, em particular San Francisco.
Enfim, em filosofia, metodologicamente “Absurdo” se
refere ao conflito entre a tendência humana de buscar significado inerente à
vida. Ou a inabilidade humana para encontrar algum significado. Nesse contexto
“absurdo” não significa, “logicamente impossível”, mas sim “humanamente
impossível”. O universo e a mente humana não causam separadamente o Absurdo.
Mas é o Absurdo que surge pela natureza contraditória de ambos existindo
simultaneamente. Esta filosofia está relacionada ao existencialismo de
Jean-Paul Sartre e ao niilismo de Friedrich
Nietzsche, ainda que não deva ser confundido com estes. “Absurdismo”, portanto,
como conceito tem suas raízes no século XIX com o filósofo dinamarquês Søren
Kierkegaard. Já como sistema de crença nasceu do movimento existencialista
quando o filósofo e escritor francês Albert Camus rompe essa linha filosófica e
publica seu manuscrito “O mito de Sísifo”. As consequências da 2ª guerra mundial
proporcionaram um ambiente social propício para as visões “absurdistas”,
especialmente na devastada França de Michel Foucault, como as obras de Emil
Cioran, para ficarmos neste exemplo.
O absurdo no ensaio: “Le Mythe de Sisyphe” é
considerado um ponto de partida. Trata-se de uma sensibilidade, não de uma
filosofia do absurdo. Albert Camus diz isso em parte do prólogo: – “aqui se
encontrará unicamente a descrição, o estado puro de uma doença do espírito.
Nenhuma metafísica, nenhuma crença foi misturada a isso por enquanto”. Sem
lugar a dúvidas, “O mito de Sísifo” é a obra capital do absurdo. Assim como fez
Jean-Paul Sartre, ao publicar em 1943 o ensaio “O ser e o nada”, onde tenta
exibir a tese da novela “A Náusea” (1938), Camus publica o ensaio em que tenta
resolver os problemas propostos em sua narração d`“O Estranho”, ambos de 1942
(cf. Camus, 1945). Um dos aspectos relacionados por estudiosos a este ensaio de
Camus refere-se ao tema conspícuo do suicídio. Vale lembrar que foi analisado magistralmente por Émile Durkheim
(1897), mas também para Camus, especialmente em sua primeira parte: “Um raciocínio
absurdo”.
A resposta que Albert Camus tenta mediar diante deste profundo problema,
refere-se a um trabalho de pensamento sobre o sentimento do absurdo, sua gênese, e portanto, seu
conteúdo de sentido. Desenvolve o conceito do tempo, como inimigo, para entender a
ilogicidade do mundo. Se fosse acadêmico entenderia as formas pelas quais os burocratas da cultura gozam postergando as descobertas que povoam o tempo de meditação sobre com desperdício tolo da negação. Nele temos o resgate do espectro da morte, não mais ersatz que ronda as revoluções ocidentais dos anos 1848, mas inevitavelmente como uma certeza do absurdismo. De
acordo com a sua análise o “absurdismo”, tem como representação por toda a história de vida dos humanos o fato em torno do qual tentamos encontrar
sentido para nossas próprias vidas. Isto é correto, mas tradicionalmente, essa busca
resulta em uma das duas conclusões: ou que a vida não tem sentido, ou que a
vida contém nela um propósito definido por uma força maior – uma crença em
Deus, ou a aderência a alguma religião ou outro conceito abstrato. Camus
percebe que preencher a lacuna com alguma crença ou sentido inventado é um mero
“ato de ilusão”; isto é, evitar ou contornar ao invés de reconhecer e abraçar o
Absurdo.
Lembra-nos Camus, que “a ilusão é uma falha
fundamental na religião”, no existencialismo em geral, no existencialismo ateísta, que entretanto, não
inclui “ilusão” e em várias outras escolas do pensamento filosófico. Se o indivíduo escapa
ao Absurdo, então ele não poderá confrontá-lo. Mesmo com uma força espiritual
para dar significado, outra questão surge: Qual o propósito de Deus? Ora, Søren
Kierkegaard acreditava que não há propósito em sua filosofia de um Deus
compreensível aos humanos. Fazendo da crença em Deus “um absurdo por si mesma”,
um fim em si mesmo. Camus, enfim, sugere que acreditar em Deus é “negar um dos
termos da contradição”, entre a humanidade e o universo, portanto, não absurdo,
mas é o que ele chama de “suicídio filosófico”. Albert Camus, como analogamente também
Kierkegaard, ainda assim, sugere que enquanto o absurdo não leva à crença em
Deus, também não leva à Sua negação. É neste sentido exato que o jornalista político Camus adverte-nos,
portanto, com razão: – “Eu não disse exclui Deus,
o que equivale à Sua afirmação”.
A
liberdade não pode ser alcançada além do que a absurdidade da existência
permite; entretanto, o mais perto de que alguém pode chegar de ser
absolutamente livre é pela aceitação do Absurdo. Camus introduziu a ideia da
“aceitação sem resignação” como um meio de lidar com o reconhecimento do
absurdo, questionando se um homem pode ou não “viver sem apelo”, enquanto definindo
uma “revolta consciente” contra a evasão da absurdidade do mundo. Em um mundo
destituído de significado superior ou justiça após a morte, o ser humano se
torna tão absolutamente livre quanto é humanamente possível. É através dessa
liberdade expressa em seu conteúdo de sentido que o homem pode atuar, através do apelo a alguma força sobrenatural,
ou, como um herói do absurdo, através da revolta contra tal esperança. Não por acaso em determinada conjuntura política Michel Foucault chega admitir: - “É inútil revoltar-se”! A
rejeição da esperança, no “absurdismo”, demonstra a recusa de acreditar em
qualquer coisa além do que essa vida absurda pode prover.
Doravante, a recusa do herói do absurdo à esperança se
torna sua habilidade de viver o presente com paixão. A esperança, tanto em
Michel Foucault como Albert Camus enfatiza, não tem, entretanto nada a ver com
desespero, significando que os dois termos não é, e, portanto, não têm ou representam
o significado linguístico de significados antônimos. O indivíduo pode viver rejeitando
completamente a esperança, e, de fato, só pode fazê-lo sem esperança. A
esperança é vista pelo “absurdista” como outro método fraudulento de evadir o
Absurdo, e não tendo esperança, o indivíduo estará motivado a viver cada
momento ao máximo. O “absurdista” não é guiado por moralidade alguma, mas ao
invés disso, pela sua própria integridade soberana. O “absurdista” é, de fato,
amoral, porém não necessariamente imoral. Moralidade implica um firme senso
definitivo de certo e errado. Enquanto que a integridade implica honestidade
consigo mesmo e, consistência nas motivações subjacentes das ações e decisões
do indivíduo. Michel Foucault alcançou em vida o senso definitivo de
verdade. A moralidade íntegra, sem culpa, motivada pelas decisões que a
soberania individual carrega. A consciência plena em seu ersatz individual e
coletivo.
Bibliografia geral consultada.
PAIM, Antônio, Liberdade Acadêmica e Opção Totalitária – Um Debate Memorável. Rio de Janeiro: Editora Artenova, 1979; FOUCAULT, Michel, Arqueologia do Saber. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1971; Idem, El Orden delDiscurso. Barcelona: Ediciones Tusquets, 1973; Idem, Hermeneutica del Sujeto. Madrid: Ediciones de la Piqueta, 1987; RODRIGUES, Mavi, Michel Foucault sem Espelhos: Um Pensador Proto Pós-Moderno. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. Escola de Serviço Social. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006; BACH, Augusto, Michel Foucault e a História Arqueológica.
Tese de Doutorado em Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Filosofia.
São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2006; RIBEIRO, Carlos Eduardo, Foucault: Uma Arqueologia Política dos Saberes. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Departamento de Filosofia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009;BENEVIDES, Pablo
Severiano, O Dispositivo da Verdade: Uma
Análise a partir do Pensamento de Michel Foucault. Tese de Doutorado. Programa
de Pós-Graduação em Educação Brasileira. Fortaleza: Universidade Federal do
Ceará, 2013; FERREIRA, Adelino Alcides Abrunhosa, Cuidado de Si e Metanoia em Michel Foucault. Tese de Doutoramento em Filosofia Moral e Política. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2015; MOURA BERGAMO, Thelma
Maria de, Michel Foucault e os Mestres do
Dizer Verdadeiro. Tese Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Faculdade
de Educação. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2015; entre outros.
______________
* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).
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