segunda-feira, 25 de maio de 2015

Mo Yan: Vencedor do Prêmio Nobel de Liteartura.

Ubiracy de Souza Braga*

Eu falo quando quero”. Mo Yan
                               
            
                                                  
Guan Moye, em chinês: 管謨業, como em chinês simplificado: 谟业, e ainda em pinyin: Guǎn Móyè, nascido em 17 de fevereiro de 1955, é um escritor chinês, mais conhecido pelo pseudônimo de “Mo Yan”, em chinês: 莫言, em pinyin: Mò Yán, que significa: “Não fale”, objeto de nossa reflexão no campo da literatura crítica chinesa. É descrito como “um dos mais famosos, banidos e largamente pirateados escritores chineses”. Foi laureado com o Nobel de Literatura em 2012, e “com realismo alucinatório funde contos populares, história e contemporaneidade”. Nasceu na província de Shandong, numa família de granjeiros. Deixou a escola durante a Revolução Cultural para trabalhar numa fábrica de petróleo. Com 20 anos alistou-se no Exército Popular de Libertação, onde desempenhou um cargo de segurança e foi “instrutor político” de propaganda e nessa época começou a escrever.Em 1981, publicou o seu primeiro romance que tinha escrito enquanto soldado. Em 1984, obteve um posto na Escola de Arte e Literatura do Exército, o que lhe permitiu dedicar tempo livre para escrever. Com “Red Sorghum” (1987), edita um grande sucesso mundial que foi adaptado ao cinema pelo cineasta Zhang Yimou.
Metodologicamente os chineses tem um termo próprio para designar o estudo textual, chamado de “Wen Xue”: ideograma que significa tanto “texto”, quanto “palavra”, talvez a interpretação mais próximo de “escrito”. Tratar-se de método que envolve dois pontos fundamentais para a sua construção, constituindo a análise de forma e de sentido. Esta tensão, tão característica do pensamento chinês (cf. Leutner, 2002; Rice, 2010) - a oposição complementar, do qual nada escapa - faz com que, inequivocamente, uma idéia de “estilo” se forme na adequação entre forma e sentido. A prosa se torna o veículo apropriado para os textos históricos, por exemplo, “tal como a poesia tende a ser um meio de expressão íntima e individual”. Estes canones nascem para serem desafiados.  Resultam em dois textos fundamentais para a crítica literária - o Wenfu (“Ensaio sobre a escrita”) e o Wenxin Diaolong (“O Coração da escrita e o cinzel do dragão”).
            A língua chinesa representa uma “família de línguas que pertence ao ramo sino-tibetano”. Aproximadamente a quinta parte dos habitantes da Terra fala alguma forma de chinês como língua materna, tornando-a “a mais falada no planeta, embora não seja a mais difundida”. É uma língua tonal, isolante e, basicamente, monossilábica, tendendo ao monossilabismo principalmente na variante escrita, enquanto as variantes faladas (mandarim) costumam fazer amplo uso de palavras dissilábicas e polissilábicas. As raízes lexicais são, no entanto, todas monossilábicas. A transliteração dos caracteres chineses para as línguas que usam o alfabeto latino pode ser feita pelo sistema Wade-Giles, criado por dois missionários estadunidenses. Após a Revolução comunista chinesa, em 1949 (cf. Apter, 1994) uma comissão de filólogos criou um novo sistema conhecido como pinyin. No sistema Wade-Giles escreve-se “Mao Tsé Tung”, enquanto que em pinyin grafa-se “Máo Zédōng”. Para indicar os tons utilizam-se acentos sobre as vogais ou ainda números, ao final de cada sílaba. A língua chinesa tem grande variedade de dialetos com tamanha a diferença a ponto de muitos serem incompreensíveis entre si. Mantém a unidade “por causa da origem genética comum e pelo fato de a escrita ser comum a todos eles, transcrevendo conceitos ao invés de sons”.
            De acordo com as lendas originárias do povo chinês, as populações que ocupavam a porção norte do rio Amarelo se unificaram. Com o passar do tempo, tivemos a formação de uma nação expansionista liderada por dois bravos imperadores conhecidos como “Amarelo” e “Impetuoso”. Sob o seu comando, forças militares foram organizadas politicamente com o intuito de se conquistar a parcela sul dos domínios próximos ao rio Amarelo. Sob essa nova configuração histórica, os chineses formaram uma sociedade patriarcal tendo como “modo de produção asiático”  pelo desenvolvimento autossustentável agrícola. O desenvolvimento material dessa época é reconhecido nas técnicas de fabricação da seda, no invento de instrumentos que facilitavam a agricultura e o domínio de metais que aprimoraram os armamentos empregados pelos exércitos tendo o homem diante da guerra.        
               


Historicamente constituíram-se duas tradições na literatura da china: a literária e a popular ou coloquial. A última remonta a mais de mil anos antes da era cristã e permanece até nossos dias. No princípio consistia em poesia, mais tarde em teatro e romance, e depois foi incorporando obras históricas, relatos populares e contos. Os intelectuais da “classe oficial” que ditavam os gostos literários, não a creditavam digna de estudos por a considerarem “inferior”, sendo que, até o século XX, este tipo de literatura não obteve o reconhecimento da classe intelectual. Seu estilo literário brilhante e refinado marca os princípios da tradição literária ortodoxa, que começou há 2.000 anos. Os primeiros trabalhos em prosa formam, junto com o Shijing, os cinco livros clássicos: I Ching (“Anais do Chin”), livro de adivinhacões; o Shujing (“Livro dos documentos”), um conjunto de antigos documentos de Estado; o Liji (“Memória sobre os ritos”), coleção de códigos governamentais e rituais, e o Chunqiu (“Anais da primavera”), a história do estado de Lu desde 722 até 481 a. C.
Resumidamente, no século XIV, a “narrativa popular” chinesa foi tornando-se cada vez mais importante. Vejamos. Dois dos primeiros romances desta época, Sanguozhi Yanyi (“Histórias romanceadas dos reinos”) e Shuihuzhuan (“À beira d`água”), podem ser considerados “a épica em prosa do povo chinês”. Cao Xueqin escreveu o romance realista Hongloumeng (“Sonho do quarto vermelha”). No século XVII, apareceram numerosas coleções de breves histórias. A mais popular é Jinguqiguan (“Contos maravilhosos do passado e do presente”), composto de 40 histórias. No século XX, influenciados pela literatura ocidental, os escritores chineses, guiados por Hu Shi, começaram “uma revolução literária conhecida como o Renascimento chinês”. Intencionavam utilizar a linguagem coloquial com fins literários. Com ensaios e histórias mordazes atacavam a sociedade tradicional, e escritores como Lu Xun (pseudônimo de Zhou Shuren) ajudaram ao avanço da revolução socialista. Durante os anos da Revolução Cultural (1966-1978) os artistas e escritores se adaptaram as necessidades do povo e a influência burguesa ocidental foi atacada duramente. Desde então tem se permitido uma maior liberdade de expressão, tolerando-se o renovado interesse pelas idéias e as formas ocidentais (cf. apter, 1994).
Hu became a ´national scholar` through funds appropriated from the Boxer Rebellion Indemnity Scholarship Program. On 16 August 1910, he was sent to study agriculture at Cornell University in the United States. In 1912 he changed his major to philosophy and literature. After receiving his undergraduate degree, he went to Columbia University to study philosophy. At Columbia he was greatly influenced by his professor, John Dewey, and Hu became Dewey's translator and a lifelong advocate of pragmatic evolutionary change, helping Dewey in his 1919-1921 lectures series in China. He returned to lecture in Peking University. During his tenure there, he received support from Chen Duxiu, editor of the influential journal New Youth, quickly gaining much attention and influence. Hu soon became one of the leading and influential intellectuals during the May Fourth Movement and later the New Culture Movement (…). He quit New Youth in the 1920s and published several political newspapers and journals with his friends. His most important contribution was the promotion of vernacular Chinese in literature to replace Classical Chinese, which ideally made it easier for the ordinary person to read. The significance of this for Chinese culture was great - as John Fairbank put it, ´the tyranny of the classics had been broken`”.
Logo depois, Luji começa a descrever os passos de uma meditação necessária a visualização do objeto de escrita. O autor deve “invocar uma forma”, em seguida, “deixar-se levar por ela”, e após, “tentar apreendê-la em palavras”. Esta é a busca do sentido; em outro trecho deste pequeníssimo texto, Luji passa, entao, a descrever as “Formas dos textos”, elaborando uma lista sucinta que evoca suas características gerais, tais como “A Lírica (shi) nasce da emocão pura, é um tecido sutil trançado na mais finas das telas; o ensaio descritivo (fu), fiel aos objetos, deve ser a sua mais verdadeira encarnação; nas inscrições monumentais (pei), o discurso deve ser a cobertura dos fatos, etc. No fim, Luji tece comentários sobre o que deveria ser a função de “Wenxue”. A literatura tem por função: a) comunicar a verdade, b) expandir os horizontes até o infinito e, c) servir como uma ponte para cruzar mil anos. Cria os modelos a serem seguidos para posteridade; se inspira nos antigos para rememorar a verdade.
O chinês escrito, é distinto, onde cada signo (cf. Ginzburg, 1992) tem um sentido, sem indicação precisa do som, tinha sem dúvida começado a separar-se da língua falada nos primeiros séculos da nossa era. Esse “chinês antigo”, como é hoje chamado na República Popular da China, era igualmente representado através da língua utilizada por todos os vizinhos civilizados da China, ou seja, organizados sob a forma de Estado como na organização social da Coréia, Japão e Vietnam. É verdade que manchus, mongóis e tibetanos utilizavam um alfabeto de origem indiana, analogamente derivado, como o ocidental, daquele inventado por homens na Fenícia. Desde o século XVII, a escrita filiforme do mongol e do manchu figurava sobre cada uma das moedas que chineses utilizavam no seu cotidiano, em  sua memória do dia-a-dia. O imperador Kangxi reinado entre 1662-1722, nas considerações iniciais do dicionário chinês - cuja publicação ele tinha ordenado que a compusesse em 1715-, admitia que “jamais uma escritura fonética poderia aclimatar-se à China”. A palavra, “wen”, cujo sentido literário básico é “desenho”, tem também a conotação de escritura e civilização.
Filho de agricultores Mo Yan nasceu na província de Shandong, região onde situa várias narrativas de suas “histórias de vida”. Deixou de estudar pouco depois dos 10 anos, durante a chamada Revolução Cultural chinesa, optando por trabalhar numa fábrica de óleo. Aos 20 anos entrou para o Exército de Libertação Popular e em seguida começou a escrever. Mo Yan abandonou os estudos muito jovem devido à turbulência causada pela Revolução Cultural e trabalhou numa quinta antes de, em 1973, se empregar como operário fabril. Alistou-se no “Exército de Libertação do Povo Chinês” (ELPC) três anos depois, iniciou-se na publicação em 1981 e m 1984-86, estudou literatura na Academia das Artes do ELPC. Depois de ter abandonado as Forças Armadas, Mo Yan trabalhou como Editor de jornal, embora escrevendo livros, como: “Tanxiangxing” (“A Tortura do Sândalo”, em livre tradução), de 2001, e “Wa” (“Rã”, em livre tradução), de 2009.
  Vencedor do mais importante prêmio literário chinês, o Mao Dun, Mo Yan é também vice-presidente da Associação de Escritores da China. Entre a sua obra, onde se incluem dezenas de contos, destacam-se romances tais como: “The Garlic Ballads”, “The Republic of Wine”, ou o supracitado “Peito Grande, Ancas Largas”. Segundo a fonte de pesquisa tecnocrática Wikipedia, o seu penúltimo livro: “Life And Death Are Wearing Me Out”, foi escrito “em apenas 43 dias, inscrevendo os mais de 500 mil caracteres do manuscrito original em papel chinês tradicional e usando apenas tinta e pincel”. O último, “Frog”, incide sobre os abortos forçados que resultam da política de controle da natalidade, conhecida como: “um casal, um filho”. William Faulkner, Gabriel Garcia Marquez, Oe Kenzaburo e Rabelais são os autores preferidos de leitura de Mo Yan, para Howard Goldblatt, um dos mais reconhecidos tradutores de literatura chinesa, dentre os quais três títulos distinguido pela Academia Sueca.
In awarding the 2012 Nobel Prize in Literature to Mo Yan, the Swedish Academy has recognized one of China’s best-known writers, and also fulfilled one of the Chinese government’s most enduring pursuits: a politically tolerable Nobel laureate. The citation says: Through a mixture of fantasy and reality, historical and social perspectives, Mo Yan has created a world reminiscent in its complexity of those in the writings of William Faulkner and Gabriel García Márquez, at the same time finding a departure point in old Chinese literature and in oral tradition”.

Mo Yan – objeto destas breves notas de leitura -, é um dos mais celebrados escritores em seu país, embora não isento de polêmica, mal interpetada pela imprensa ocidental,  Mo Yan faz habitar a sua obra de um “humanismo compassivo”. Habitualmente centrado na ruralidade da localidade em que nasceu a 5 de março de 1955, Gaomi, na província de Shandong. O escritor, que lançou o seu primeiro romance intitulado: “Falling Rain On a Spring Night”, em 1981, mereceu a mais nobre distinção do mundo ocidental da literatura por ser, segundo comunicado pelo comité do Nobel de Literatura, um Autor, como vimos: “cujo realismo alucinatório funde contos tradicionais, História e contemporaneidade”. A adaptação ao cinema de Milho Vermelho (Red Sorghum), em 1987, por Zhang Yimou e com a notável Gong Li, filme determinante da chamada “Quinta Geração” que marcou uma nova era no cinema chinês, cimentou o seu estatuto na China e chamou a atenção do mundo globalizado. Em 1985, Gong li ingressou no Instituto Central de Teatro da China onde fez um curso de interpretação cinematográfica. Em 1987, no segundo ano do curso, participou no filme Red Sorghum, dirigido por Zhang Yimou. O filme ganhou o Urso de Ouro no 38° Festival de Berlim, em 1988. Gong li tem presença na maior parte dos filmes dirigidos por Zhang Yimou desde 1995.
        Há algo concreto, discrerto n`O Milho Vermelho que é profundamente encantador. Uma disposição para imagens e sons inebriantes que, se em tantos casos parece ter sido mal-sucedida, aqui funciona com o esplendor da perfeição. Como nos seus filmes seguintes, Yimou viria a ser reconhecido internacionalmente pela “perfeição visual”, e tal como inferimos noutro lugar, fez os seus primeiros trabalhos como diretor de fotografia. Nos anos 1980, porém, quando o país decidiu desviar parte de sua energia colossal da vigilância ideológica, para o enriquecimento brutal das formas “capitalísiticas”, abriu-se uma brecha, fora do sentido empregado pela complexidade de Edgar Morin. Fato inédito desde a Revolução de 1949, os leitores mais engenhosos conseguiram travar contato – clandestino e tão claro como se furta - com obras tão diversas quanto as de Franz Kafka, John Updike e Gabriel García Márquez e que por razões óbvias, o “realismo fantástico”, ou pareceu aos chineses um estilo particularmente destro. Veio um período “modernista”, em que todos brincaram com a forma, lembrando o amarelo de Tomie Ohtake, no caso brasileiro. Enfim, os escritores chineses voltaram a encontrar seu próprio estilo e sua própria voz. Hoje, formam um conjunto de “peso” na cena literária mundial.
Em alguns casos, trazem a ela uma voz magnífica, como demonstram “Viver”, de Yu Hua (tradução de Márcia Schmaltz; Companhia das Letras; 216 páginas), e “Refugo de Guerra”, de Ha Jin (tradução de Luiz Antônio de Araújo; Companhia das Letras; 464 páginas), parte de uma leva de obras chinesas que acaba de chegar ao aconchego de nossas belas livrarias. Em outros casos, a voz é incisiva, como a de Ting-Xing Ye, de “Meu Nome É Número 4” (tradução de Alexandre Martins; Casa da Palavra; 224 páginas) - ou elegante, prá não dizer exuberante, como a de Diane Wei Liang em “O Olho de Jade” (tradução de Marcelo Mendes; Record; 304 páginas), um mistério em que a busca por um artefato antigo conduz, claro, a segredos lacrados, selados de medo do  regime. Isso é o que “99 em cada 100 autores chineses têm em comum do ponto de vista do imaginário individual e coletivo (os mitos, os ritos, os símbolos): todos escrevem sobre a Revolução. Até quando não estão escrevendo sobre a Revolução. Se Marx estivesse vivo bradaria: “Acabou a revolução, viva a revolução”!
Bibliografia geral consultada.

SHIH, Chih-Yu, SHI, Zhiyu, Collective Democracy: Political and Legal Reform in China. Chinese University Press, 1991; GINZBURG, Carlo, Miti, Emblemi, Spie. Morfologia e Storia. Torno: Edinaudi Editore, 1992; APTER, David Ernest; SAICH, Tony, Revolutionary Discourse in Mao`s Republic. Harvard University Press, 1994; GERNET, Jacques, A History of Chinese Civilization. Cambridge University Press, 1996; WHITING, Marvin, Imperial Chinese Military History. Hong Kong: Editor Universe, 2002; LEUTNER, Mechthild, The Chinese Revolution in the 1920s: Between Triumph and Disaster. Londres: Routledge, 2002; City University of HK Press, “China: Five Thousand Years of History and Civilization”, 2007; Artigo: “Escritores Chineses Comemoram Nobel de Mo Yan e Relebram outros Ganhadores Renegados pelo Governo Comunista”. In: http://www.estadao.com.br/2012/1011; Artigo: “Nobel da Literatura Atribuído ao Chinês Mo Yan”. In: http://pt.euronews.com/2012/10/11/; QING, Jiang, “From Mind Confucianism to Political Confucianism”. Disponível em: RUIPING, Fan, (ed.) The Renaissance of Confucianism in Contemporary China. Hong Kong: City University of Hong Kong, 2011; pp. 17-32; “The Unknown Rebel”. In: http://www.time.com/time/magazine/article/; THÉODORE, Madeleine, “Max Weber: Confucionisme et Taoisme v. sous l `Empereur: un Corps de Lettrés”. Disponível em: https://www.pauljorion.com/blog/2017/04/18; entre outros.
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza:  Universidade Estadual do Ceará (UECE).

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