Noam Chomsky – Linguagem, Discurso & Política Global.
Ubiracy
de Souza Braga*
“Não se pode controlar o próprio povo pela força, mas se pode distraí-lo com consumismo”.
Noam Chomsky
Em 1979, Paul Robinson escreveu no New York Times Book
Review que “pelo poder, alcance, inovação e influência de [representação] de suas
idéias, Noam Chomsky é indiscutivelmente o mais importante intelectual vivo,
hoje”. Contudo, Robinson continua o artigo dizendo que os trabalhos de Chomsky
sobre Política são “terrivelmente simplistas”. Chomsky observa que “se não
fosse por esta segunda afirmação, eu era capaz de pensar que estava fazendo
algo errado… é verdade que o imperador está nu, mas o imperador não gosta que
digam isto a ele, e os cachorrinhos-de-colo do imperador como o The New York Times não vai gostar da
experiência se você o fizer”. A revista Rolling
Stone escreveu que Chomsky “está no nível de Thoreau e Emerson no campo da
literatura da rebelião”. A Village Voice comentou favoravelmente que “com que
perspicácia (Chomsky) não fica enrolando e realmente diz alguma coisa!”. Uma
resenha no The Nation tinha a
seguinte observação: - “Não ler (Chomsky)… é cortejar a genuína ignorância”. Vale
lembrar que “Avram” é outra forma de “Abraão”. E “Noam” é uma palavra hebraica
que significa “desprazeroso”, “sem prazer”. E ainda “Chomsky” é o nome eslavo
“Хомский”. Na vida tem como amigos Edward Said, Eqbal Ahmad, Stephen
Jay Gould, Alexander Cockburn, Salvador Luria, Robert Fisk, Morris Halle, Norman
Finkelstein, Howard Zinn e outros.
Avram Noam Chomsky é linguista, filósofo, cientista
cognitivo, comentarista e ativista político norte-americano, reverenciado em
âmbito acadêmico como “o pai da linguística moderna”, também é uma das mais
renomadas figuras no campo da filosofia analítica. É Emérito em Linguística no
Instituto de Tecnologia de Massachusetts - MIT, e teve seu nome associado à
criação da gramática ge(ne)rativa
transformacional. É autor de trabalhos fundamentais sobre as propriedades
matemáticas das linguagens formais, tendo seu nome associado à chamada “hierarquia
de Chomsky”. Seus trabalhos de pesquisa combinando uma abordagem matemática da
linguagem com uma crítica do behaviorismo, nos quais a linguagem é
conceitualizada como uma propriedade inata do cérebro/mente humanos, contribui
para a formação da psicologia cognitiva, no domínio das ciências humanas. Além
da pesquisa e ensino da linguística, Chomsky é também conhecido pelas suas
posições políticas de esquerda e pela sua crítica da política externa dos
Estados Unidos. Na esfera da política descreve-se como um “socialista
libertário”. Identifica-se com aquilo que é compreendido como
“anarcossindicalismo”, havendo também quem o associe ao “anarcocomunismo” ou ao
“comunismo de conselhos”.
Noam Chomsky tem refutado fortemente o desconstrucionismo e
as críticas do pós-modernismo à Ciência: - “Tenho passado muito tempo da minha
vida a trabalhar em questões como estas, a utilizar os únicos métodos que
conheço e que são condenados aqui como “ciência”, “racionalidade”, “lógica” e
assim por diante”. Portanto, leio esses artigos com certa esperança de que eles
me ajudassem a “transcender” estas limitações, ou talvez me sugerissem um
caminho inteiramente diferente. Temo ter me desapontado. Reconheço que isso
pode se dever às minhas próprias limitações. Muito frequentemente meus olhos se
esgazeiam quando leio discursos polissilábicos de autores do pós-estruturalismo
e do pós-modernismo. Penso que tais textos são, em grande parte, feitos de
truísmos ou de erros, mas isso é apenas um pequeno pedaço dessa coisa toda.
É verdade que há muitas outras coisas que eu não
entendo: artigos nas edições atuais dos periódicos de Matemática e de Física,
por exemplo. Em contraste, ninguém parece ser capaz de me explicar que o último
artigo “pós-isto-e-pós-aquilo” não seja (em sua maior parte) outra coisa que
não truísmos, erros ou balbucios, de maneira que eu não sei o que fazer para
prosseguir com eles. Chomsky nota que as críticas à “ciência masculina branca”
são muito semelhantes aos ataques antissemitas e politicamente motivados contra
a “Física judaica” usada pelos nazistas para minimizar a pesquisa feita pelos
cientistas judeus durante o movimento Deutsche
Physics: - “O mesmo é verdade para o problema de o trabalho ser feito em
sala de aula, no escritório, ou em qualquer outro lugar. Eu duvido que os
estudantes não-masculinos, não-brancos, amigos e colegas com quem que trabalho
não ficassem deveras impressionados com a doutrina de que seu pensamento e sua
compreensão das coisas seria diferente da “ciência masculina branca” por causa
de sua “cultura ou gênero ou raça”.
Aliás, afirma Chomsky, devo dizer que meus próprios
textos políticos costumam ser denunciados, tanto pela esquerda quanto pela
direita, por serem não teóricos - e isso está absolutamente certo. Mas são
exatamente tão teóricos quanto os de qualquer outra pessoa, eu só não os chamo
de “teóricos”, eu os chamo de “triviais” - que é o que eles são, de fato. Isto
é, não é que algumas dessas pessoas cujo material é considerado “teoria
profunda” e assim não tenham coisas muito interessantes a dizer. É
frequente terem coisas muito interessantes a dizer. Mas não é nada que não se
pudesse dizer no nível de um aluno do ensino médio e nem nada que um aluno do ensino
médio não pudesse perceber, se tivesse tempo, apoio e um pouquinho de preparo.
– “Então, marxismo, freudianismo: qualquer uma destas coisas é, eu acho, um
culto irracional. Elas são teologia, portanto são o que for que vocês acharem
de teologia; eu não acho que seja grande coisa. Para ele “essa é
exatamente a analogia certa: noções como marxismo e freudianismo pertencem à história
da religião organizada”.
Chomsky considera o terrorismo de Estado como um
problema mais relevante do que o terrorismo praticado por grupos políticos
dissidentes. Ele distingue claramente entre o ato de matar civis e o ato de
atacar pessoal militar e suas instalações. Ele afirma: “assassinato de civis
inocentes é terrorismo, não guerra contra o terrorismo”. Chomsky tem sido um
crítico coerente e contundente do governo norte-americano. Em seu livro “9-11”,
uma série de entrevistas sobre os ataques terroristas de 11 de setembro de
2001, ele afirma, como já tinha afirmado antes, que o governo dos Estados Unidos
é o estado terrorista líder, nos tempos modernos. Historicamente tem criticado
o governo do seu país pelo seu envolvimento na Guerra do Vietnã e no mais amplo
conflito da Indochina, assim como pela interferência em países da América
Central e da América do Sul e pelo apoio militar a Israel, Arábia Saudita e
Turquia. Focaliza sua crítica mais intensa nos regimes amigos do governo dos
Estados Unidos enquanto critica seus inimigos oficiais - como a antiga União
Soviética e Vietnã do Norte somente de passagem. Ele explica este comportamento
com o seguinte princípio: “é mais importante avaliar ações que você tem mais
possibilidade de influenciar”. Sua crítica política da antiga União Soviética e
da República Popular da China tem tido algum efeito nesses países, pois ambos
os governos censuraram seu trabalho, com o banimento da publicação de seus
livros. Outra parte importante do trabalho político de Chomsky
refere-se à análise dos meios de comunicação de massa, especialmente dos meios
norte-americanos, de suas estruturas, de suas restrições e do seu papel no
apoio aos interesses das grandes empresas e do governo americano. Diferentemente
dos sistemas políticos totalitários, nos quais a força física pode ser
facilmente usada para coagir a população como um todo, as sociedades aparentemente
mais democráticas como os Estados Unidos precisam se valer de meios de controle
bem menos violentos. Em uma frase frequentemente citada, Chomsky afirma que “a
propaganda representa para a democracia aquilo que o cassetete (isto é, a
polícia política) significa para o estado totalitário”. Em “A Manipulação do Público”, livro escrito
com Edward S. Herman, os autores exploram e apresentam o seu modelo da
propaganda dos meios de comunicação com numerosos estudos de caso extremamente
detalhados para demonstrar seu funcionamento.
Um viés social pode ser definido como inclinação ou
tendência de uma pessoa ou de um grupo de pessoas que impede julgamentos e
políticas imparciais e justas para a sociedade entendida como um sistema social
integral, isto é, visto em seu todo e não apenas pela visada de uma pessoa ou
do grupo de pessoas. A teoria de Herman e Chomsky explica a existência de um
viés sistêmico dos meios de comunicação em termos de causas econômicas e
estruturais e não como fruto de uma eventual conspiração criada por algumas
pessoas ou grupos de pessoas contra a sociedade. Em resumo, o modelo mostra que
esse viés deriva da existência de cinco filtros que todas as notícias precisam
ultrapassar antes de serem publicadas e que, combinados, distorcem
sistematicamente a cobertura das notícias pelos meios de comunicação. Chomsky
tem repetidamente enfatizado sua teoria de que a maior parte da política externa
dos Estados Unidos é baseada na representação da ideia do “perigo do bom exemplo”.
E, portanto, por um país autônomo que conseguisse se desenvolver com sucesso,
independentemente do capitalismo e da influência dos Estados Unidos e desta
maneira apresentasse um modelo para outros países nos quais este país tem
fortes interesses econômicos.
Enfim, na entrevista concedida a Abby Martin, com
tradução de Inês Castilho, publicada sob o título: “Chomsky: nos EUA, eleição
sem alternativas” (2015), o filósofo e linguista Noam Chomsky mostra que a
curiosidade em torno das eleições norte-americanas segue válida – mas as
questões deveriam ser outras. A velha democracia de Lincoln esvaziou-se.
Nenhuma das questões que afetam o futuro da sociedade dos EUA estará em pauta
no debate. Um sistema político fossilizado, e sequestrado pelas grandes
corporações que financiam as campanhas eleitorais, encarrega-se de evitar que
cheguem aos eleitores o que realmente importa. Estabelecer uma tributação mais
justa, criar um sistema público de Saúde – nada disso será debatido no próximo
ano, porque não interessa ao poder econômico, e o oligopólio de mídia é um “cão
de guarda” eficiente. Na entrevista, Chomsky revela como as chances de uma
discussão cidadã profunda são substituídas pela mobilização do medo, inclusive
o que move parte da população que “teme ir a uma lanchonete desarmada”. De fato, o que está em jogo no “Discurso de Gettysburg”, famoso discurso do presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln é que tem como escopo a cerimônia de dedicação do Cemitério Nacional de Gettysburg, na tarde do dia 19 de Novembro de 1863, quatro meses depois da vitória na batalha de Gettysburg, decisiva para o resultado da Guerra de Secessão. Em 269 palavras, em dois minutos, Lincoln invocou os princípios da igualdade da Declaração de Independência e definiu o final da Guerra Civil como um novo nascimento da Liberdade que iria trazer a igualdade entre todos os cidadãos, criando uma nação unificada em que os poderes dos estados não se sobrepusessem ao “Governo do Povo, Pelo Povo, para o Povo”.
Sua importância é
comprovada pela sua recorrência na cultura americana. Além de estar gravado no
Memorial de Lincoln em Washington, DC, o discurso é estudado em muitas escolas
e é frequentemente mencionado pelos media e em obras de cultura popular. Para Noam Chomsky os democratas também se deslocaram
para a direita. Os democratas “mainstream” são mais ou menos o que se costumava
chamar de republicanos moderados. Alguém como o ex-presidente Eisenhower seria
considerado bem à esquerda. Ele deixou bem claro, por exemplo, que qualquer um
que questionasse os programas keynesianos do New Deal não fazia parte da vida política norte-americana. Hoje, o
único candidato à esquerda é Bernie Sanders, mas seu programa assemelha-se ao
de Eisenhower. Quanto a um candidato anti-guerra, é preciso perguntar o que
isso significa. Por exemplo, Obama é considerado um presidente anti-guerra. Ele
descreveu a guerra do Iraque como um erro estratégico, uma tolice. Mas isso é
uma postura semelhante à dos generais russos no Afeganistão nos anos 1980, que
criticaram a invasão como uma bobagem estratégica – “vocês estão cometendo um
erro” –, não uma crítica à política de guerra. À parte a analogia com o
programa do ex-presidente Eisenhower, o jornalista faz a seguinte pergunta a
Chomsky finalizando a entrevista: - “Uma grande quantidade de energia é
empregada em ações que visam eleger pessoas consideradas capazes de encontrar
soluções para os problemas que enfrentamos. Em que acha que devemos focar nossa
energia?”. – A resposta é imediata: - Na campanha de Bernie Sanders. É
impressionante, ele está se saindo bem, fazendo coisas boas e corajosas e
organizando um monte de gente. Essa campanha deveria ser voltada para sustentar
um movimento popular que usasse a eleições como uma espécie de incentivo, para
em seguida ir adiante. A única coisa que vai trazer uma mudança significativa são
movimentos populares contínuos e dedicados, que não prestem atenção ao ciclo
eleitoral – é uma extravagância que ocorre a cada quatro anos e é preciso se
envolver, então tudo bem, eles se envolvem. Mas então seguimos adiante. Se isso
for feito, conseguiremos fazer mudanças.
Bibliografia geral consultada.
CHOMSKY, Noam, HERMAN, Edward; FAYE, Jean Pierre, Bains
de Sang Constructifs: Dans les Faits et la Propaganda.Paris: Editions
Seghers/Laffont, 1975; BARROS, José Manoel de Aguiar, Terrorismo: Uma
Palavra em Movimento. Dissertação de Mestrado. Programa de Estudo
Pós-Graduados em Ciências Sociais. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, 1989; CHOMSKY, Noam, USA: Mito, Realidade, Acracia.
Barcelona: Editorial Ariel, 1978; Idem, “Consentimento sem Consentimento: A
Teoria e a Prática da Democracia”. In: Estud. Av. vol.11 n° 29 São Paulo
jan./abr. 1997; Idem, “A Nova Guerra contra o Terror”. In: Estud. Av. vol.16
n° 44 São Paulo jan./abr. 2002; Idem, Contendo a Democracia. Rio de
Janeiro: Editor Record, 2002; Idem, O Império Americano. Rio de Janeiro:
Editor Campus, 2004; Idem, Poder e Terrorismo. Rio de Janeiro: Editor
Record, 2005; Idem, O Governo no Futuro. Rio de Janeiro: Editora Record,
2007; BATISTA, Ronaldo de Oliveira, A Recepção à Gramática Gerativa no
Brasil (1967-1983): Um Estudo Historiográfico. Tese de Doutorado. Programa
de Semiótica e Linguística Geral. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas. Departamento de Linguística. São Paulo: Universidade de São Paulo,
2007; CHOMSKY, Noam e HERMAN, Edward, La Fabrication du Consentement: De la
Propagande Médiatique en Démocratie. Paris: Éditions Contre-Feux, 2008;
REIS, Leonardo Borges, Linguagem e Política no Pensamento de Avram Noam
Chomsky. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia e Ciências.
Marília: Universidade Estadual Paulista, 2010; MONTEAGUDO, Ricardo, “Injustiça
e Poder segundo Noam Chomsky”. In: PoliÉtica - Revista de Ética e
Filosofia Política, vol. 1, n° 1 (2013); CHOMSKY, Noam, Mídia:
Propaganda Política e Manipulação. 1ª edição. São Paulo: Martins Fones; WMF
Editor, 2013; CHOMSKY, Noam e BASSAMIAN, David, Sistemas de Poder. Conversas
sobre as Revoltas Democráticas Globais e os Novos Desafios do Império Americano.
1ª edição. Rio de Janeiro: Editora Apicuri, 2013; VELOSO, João, “Noam Chomsky,
o Homem Feliz”. In: https://repositorio-aberto.up.pt/1/08/2015;
entre outros.
_____________
* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).
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