sábado, 7 de novembro de 2015

Noam Chomsky – Linguagem, Discurso & Política Global.

                                                                                                                                 Ubiracy de Souza Braga*

Não se pode controlar o próprio povo pela força, mas se pode distraí-lo com consumismo”. Noam Chomsky


Em 1979, Paul Robinson escreveu no New York Times Book Review que “pelo poder, alcance, inovação e influência de [representação] de suas idéias, Noam Chomsky é indiscutivelmente o mais importante intelectual vivo, hoje”. Contudo, Robinson continua o artigo dizendo que os trabalhos de Chomsky sobre Política são “terrivelmente simplistas”. Chomsky observa que “se não fosse por esta segunda afirmação, eu era capaz de pensar que estava fazendo algo errado… é verdade que o imperador está nu, mas o imperador não gosta que digam isto a ele, e os cachorrinhos-de-colo do imperador como o The New York Times não vai gostar da experiência se você o fizer”. A revista Rolling Stone escreveu que Chomsky “está no nível de Thoreau e Emerson no campo da literatura da rebelião”. A Village Voice comentou favoravelmente que “com que perspicácia (Chomsky) não fica enrolando e realmente diz alguma coisa!”. Uma resenha no The Nation tinha a seguinte observação: - “Não ler (Chomsky)… é cortejar a genuína ignorância”. Vale lembrar que “Avram” é outra forma de “Abraão”. E “Noam” é uma palavra hebraica que significa “desprazeroso”, “sem prazer”. E ainda “Chomsky” é o nome eslavo “Хомский”. Na vida tem como amigos Edward Said, Eqbal Ahmad, Stephen Jay Gould, Alexander Cockburn, Salvador Luria, Robert Fisk, Morris Halle, Norman Finkelstein, Howard Zinn e outros.         
Avram Noam Chomsky é linguista, filósofo, cientista cognitivo, comentarista e ativista político norte-americano, reverenciado em âmbito acadêmico como “o pai da linguística moderna”, também é uma das mais renomadas figuras no campo da filosofia analítica. É Emérito em Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts - MIT, e teve seu nome associado à criação da gramática ge(ne)rativa transformacional. É autor de trabalhos fundamentais sobre as propriedades matemáticas das linguagens formais, tendo seu nome associado à chamada “hierarquia de Chomsky”. Seus trabalhos de pesquisa combinando uma abordagem matemática da linguagem com uma crítica do behaviorismo, nos quais a linguagem é conceitualizada como uma propriedade inata do cérebro/mente humanos, contribui para a formação da psicologia cognitiva, no domínio das ciências humanas. Além da pesquisa e ensino da linguística, Chomsky é também conhecido pelas suas posições políticas de esquerda e pela sua crítica da política externa dos Estados Unidos. Na esfera da política descreve-se como um “socialista libertário”. Identifica-se com aquilo que é compreendido como “anarcossindicalismo”, havendo também quem o associe ao “anarcocomunismo” ou ao “comunismo de conselhos”.


Noam Chomsky tem refutado fortemente o desconstrucionismo e as críticas do pós-modernismo à Ciência: - “Tenho passado muito tempo da minha vida a trabalhar em questões como estas, a utilizar os únicos métodos que conheço e que são condenados aqui como “ciência”, “racionalidade”, “lógica” e assim por diante”. Portanto, leio esses artigos com certa esperança de que eles me ajudassem a “transcender” estas limitações, ou talvez me sugerissem um caminho inteiramente diferente. Temo ter me desapontado. Reconheço que isso pode se dever às minhas próprias limitações. Muito frequentemente meus olhos se esgazeiam quando leio discursos polissilábicos de autores do pós-estruturalismo e do pós-modernismo. Penso que tais textos são, em grande parte, feitos de truísmos ou de erros, mas isso é apenas um pequeno pedaço dessa coisa toda.             
É verdade que há muitas outras coisas que eu não entendo: artigos nas edições atuais dos periódicos de Matemática e de Física, por exemplo. Em contraste, ninguém parece ser capaz de me explicar que o último artigo “pós-isto-e-pós-aquilo” não seja (em sua maior parte) outra coisa que não truísmos, erros ou balbucios, de maneira que eu não sei o que fazer para prosseguir com eles. Chomsky nota que as críticas à “ciência masculina branca” são muito semelhantes aos ataques antissemitas e politicamente motivados contra a “Física judaica” usada pelos nazistas para minimizar a pesquisa feita pelos cientistas judeus durante o movimento Deutsche Physics: - “O mesmo é verdade para o problema de o trabalho ser feito em sala de aula, no escritório, ou em qualquer outro lugar. Eu duvido que os estudantes não-masculinos, não-brancos, amigos e colegas com quem que trabalho não ficassem deveras impressionados com a doutrina de que seu pensamento e sua compreensão das coisas seria diferente da “ciência masculina branca” por causa de sua “cultura ou gênero ou raça”.
Aliás, afirma Chomsky, devo dizer que meus próprios textos políticos costumam ser denunciados, tanto pela esquerda quanto pela direita, por serem não teóricos - e isso está absolutamente certo. Mas são exatamente tão teóricos quanto os de qualquer outra pessoa, eu só não os chamo de “teóricos”, eu os chamo de “triviais” - que é o que eles são, de fato. Isto é, não é que algumas dessas pessoas cujo material é considerado “teoria profunda” e assim não tenham coisas muito interessantes a dizer. É frequente terem coisas muito interessantes a dizer. Mas não é nada que não se pudesse dizer no nível de um aluno do ensino médio e nem nada que um aluno do ensino médio não pudesse perceber, se tivesse tempo, apoio e um pouquinho de preparo. – “Então, marxismo, freudianismo: qualquer uma destas coisas é, eu acho, um culto irracional. Elas são teologia, portanto são o que for que vocês acharem de teologia; eu não acho que seja grande coisa. Para ele “essa é exatamente a analogia certa: noções como marxismo e freudianismo pertencem à história da religião organizada”.

Chomsky considera o terrorismo de Estado como um problema mais relevante do que o terrorismo praticado por grupos políticos dissidentes. Ele distingue claramente entre o ato de matar civis e o ato de atacar pessoal militar e suas instalações. Ele afirma: “assassinato de civis inocentes é terrorismo, não guerra contra o terrorismo”. Chomsky tem sido um crítico coerente e contundente do governo norte-americano. Em seu livro “9-11”, uma série de entrevistas sobre os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, ele afirma, como já tinha afirmado antes, que o governo dos Estados Unidos é o estado terrorista líder, nos tempos modernos. Historicamente tem criticado o governo do seu país pelo seu envolvimento na Guerra do Vietnã e no mais amplo conflito da Indochina, assim como pela interferência em países da América Central e da América do Sul e pelo apoio militar a Israel, Arábia Saudita e Turquia. Focaliza sua crítica mais intensa nos regimes amigos do governo dos Estados Unidos enquanto critica seus inimigos oficiais - como a antiga União Soviética e Vietnã do Norte somente de passagem. Ele explica este comportamento com o seguinte princípio: “é mais importante avaliar ações que você tem mais possibilidade de influenciar”. Sua crítica política da antiga União Soviética e da República Popular da China tem tido algum efeito nesses países, pois ambos os governos censuraram seu trabalho, com o banimento da publicação de seus livros.
          Outra parte importante do trabalho político de Chomsky refere-se à análise dos meios de comunicação de massa, especialmente dos meios norte-americanos, de suas estruturas, de suas restrições e do seu papel no apoio aos interesses das grandes empresas e do governo americano. Diferentemente dos sistemas políticos totalitários, nos quais a força física pode ser facilmente usada para coagir a população como um todo, as sociedades aparentemente mais democráticas como os Estados Unidos precisam se valer de meios de controle bem menos violentos. Em uma frase frequentemente citada, Chomsky afirma que “a propaganda representa para a democracia aquilo que o cassetete (isto é, a polícia política) significa para o estado totalitário”.  Em “A Manipulação do Público”, livro escrito com Edward S. Herman, os autores exploram e apresentam o seu modelo da propaganda dos meios de comunicação com numerosos estudos de caso extremamente detalhados para demonstrar seu funcionamento.
Um viés social pode ser definido como inclinação ou tendência de uma pessoa ou de um grupo de pessoas que impede julgamentos e políticas imparciais e justas para a sociedade entendida como um sistema social integral, isto é, visto em seu todo e não apenas pela visada de uma pessoa ou do grupo de pessoas. A teoria de Herman e Chomsky explica a existência de um viés sistêmico dos meios de comunicação em termos de causas econômicas e estruturais e não como fruto de uma eventual conspiração criada por algumas pessoas ou grupos de pessoas contra a sociedade. Em resumo, o modelo mostra que esse viés deriva da existência de cinco filtros que todas as notícias precisam ultrapassar antes de serem publicadas e que, combinados, distorcem sistematicamente a cobertura das notícias pelos meios de comunicação. Chomsky tem repetidamente enfatizado sua teoria de que a maior parte da política externa dos Estados Unidos é baseada na representação da ideia do “perigo do bom exemplo”. E, portanto, por um país autônomo que conseguisse se desenvolver com sucesso, independentemente do capitalismo e da influência dos Estados Unidos e desta maneira apresentasse um modelo para outros países nos quais este país tem fortes interesses econômicos.
Enfim, na entrevista concedida a Abby Martin, com tradução de Inês Castilho, publicada sob o título: “Chomsky: nos EUA, eleição sem alternativas” (2015), o filósofo e linguista Noam Chomsky mostra que a curiosidade em torno das eleições norte-americanas segue válida – mas as questões deveriam ser outras. A velha democracia de Lincoln esvaziou-se. Nenhuma das questões que afetam o futuro da sociedade dos EUA estará em pauta no debate. Um sistema político fossilizado, e sequestrado pelas grandes corporações que financiam as campanhas eleitorais, encarrega-se de evitar que cheguem aos eleitores o que realmente importa. Estabelecer uma tributação mais justa, criar um sistema público de Saúde – nada disso será debatido no próximo ano, porque não interessa ao poder econômico, e o oligopólio de mídia é um “cão de guarda” eficiente. Na entrevista, Chomsky revela como as chances de uma discussão cidadã profunda são substituídas pela mobilização do medo, inclusive o que move parte da população que “teme ir a uma lanchonete desarmada”. De fato, o que está em jogo no “Discurso de Gettysburg”, famoso discurso do presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln é que tem como escopo a cerimônia de dedicação do Cemitério Nacional de Gettysburg, na tarde do dia 19 de Novembro de 1863, quatro meses depois da vitória na batalha de Gettysburg, decisiva para o resultado da Guerra de Secessão. Em 269 palavras, em dois minutos, Lincoln invocou os princípios da igualdade da Declaração de Independência e definiu o final da Guerra Civil como um novo nascimento da Liberdade que iria trazer a igualdade entre todos os cidadãos, criando uma nação unificada em que os poderes dos estados não se sobrepusessem ao “Governo do Povo, Pelo Povo, para o Povo”.

Sua importância é comprovada pela sua recorrência na cultura americana. Além de estar gravado no Memorial de Lincoln em Washington, DC, o discurso é estudado em muitas escolas e é frequentemente mencionado pelos media e em obras de cultura popular. Para Noam Chomsky os democratas também se deslocaram para a direita. Os democratas “mainstream” são mais ou menos o que se costumava chamar de republicanos moderados. Alguém como o ex-presidente Eisenhower seria considerado bem à esquerda. Ele deixou bem claro, por exemplo, que qualquer um que questionasse os programas keynesianos do New Deal não fazia parte da vida política norte-americana. Hoje, o único candidato à esquerda é Bernie Sanders, mas seu programa assemelha-se ao de Eisenhower. Quanto a um candidato anti-guerra, é preciso perguntar o que isso significa. Por exemplo, Obama é considerado um presidente anti-guerra. Ele descreveu a guerra do Iraque como um erro estratégico, uma tolice. Mas isso é uma postura semelhante à dos generais russos no Afeganistão nos anos 1980, que criticaram a invasão como uma bobagem estratégica – “vocês estão cometendo um erro” –, não uma crítica à política de guerra. À parte a analogia com o programa do ex-presidente Eisenhower, o jornalista faz a seguinte pergunta a Chomsky finalizando a entrevista: - “Uma grande quantidade de energia é empregada em ações que visam eleger pessoas consideradas capazes de encontrar soluções para os problemas que enfrentamos. Em que acha que devemos focar nossa energia?”. – A resposta é imediata: - Na campanha de Bernie Sanders. É impressionante, ele está se saindo bem, fazendo coisas boas e corajosas e organizando um monte de gente. Essa campanha deveria ser voltada para sustentar um movimento popular que usasse a eleições como uma espécie de incentivo, para em seguida ir adiante. A única coisa que vai trazer uma mudança significativa são movimentos populares contínuos e dedicados, que não prestem atenção ao ciclo eleitoral – é uma extravagância que ocorre a cada quatro anos e é preciso se envolver, então tudo bem, eles se envolvem. Mas então seguimos adiante. Se isso for feito, conseguiremos fazer mudanças.
Bibliografia geral consultada.

CHOMSKY, Noam, HERMAN, Edward; FAYE, Jean Pierre, Bains de Sang Constructifs: Dans les Faits et la Propaganda. Paris: Editions Seghers/Laffont, 1975; BARROS, José Manoel de Aguiar, Terrorismo: Uma Palavra em Movimento. Dissertação de Mestrado. Programa de Estudo Pós-Graduados em Ciências Sociais. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1989; CHOMSKY, Noam, USA: Mito, Realidade, Acracia. Barcelona: Editorial Ariel, 1978; Idem, “Consentimento sem Consentimento: A Teoria e a Prática da Democracia”. In: Estud. Av. vol.11 n° 29 São Paulo jan./abr. 1997; Idem, “A Nova Guerra contra o Terror”. In: Estud. Av. vol.16 n° 44 São Paulo jan./abr. 2002; Idem, Contendo a Democracia. Rio de Janeiro: Editor Record, 2002; Idem, O Império Americano. Rio de Janeiro: Editor Campus, 2004; Idem, Poder e Terrorismo. Rio de Janeiro: Editor Record, 2005; Idem, O Governo no Futuro. Rio de Janeiro: Editora Record, 2007; BATISTA, Ronaldo de Oliveira, A Recepção à Gramática Gerativa no Brasil (1967-1983): Um Estudo Historiográfico. Tese de Doutorado. Programa de Semiótica e Linguística Geral. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Linguística. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007; CHOMSKY, Noam e HERMAN, Edward, La Fabrication du Consentement: De la Propagande Médiatique en Démocratie. Paris: Éditions Contre-Feux, 2008; REIS, Leonardo Borges, Linguagem e Política no Pensamento de Avram Noam Chomsky. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia e Ciências. Marília: Universidade Estadual Paulista, 2010; MONTEAGUDO, Ricardo, “Injustiça e Poder segundo Noam Chomsky”. In: PoliÉtica - Revista de Ética e Filosofia Política, vol. 1, n° 1 (2013); CHOMSKY, Noam, Mídia: Propaganda Política e Manipulação. 1ª edição. São Paulo: Martins Fones; WMF Editor, 2013; CHOMSKY, Noam e BASSAMIAN, David, Sistemas de Poder. Conversas sobre as Revoltas Democráticas Globais e os Novos Desafios do Império Americano. 1ª edição. Rio de Janeiro: Editora Apicuri, 2013; VELOSO, João, “Noam Chomsky, o Homem Feliz”. In: https://repositorio-aberto.up.pt/1/08/2015; entre outros.  

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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE). 

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