Na esfera da vida social a luta política é uma das questões que sempre marcaram a dialética entre capital e trabalho. Mas a esfera social onde a ideologia manifesta mais explicitamente seu poder de enviesamento é, com certeza, o campo da atividade intelectual. O sujeito da ação política é alguém que quer conhecer o quadro em que age; que quer poder avaliar o que pode e o que não pode fazer. Mas, ao mesmo tempo, é um sujeito que depende, em altíssimo grau, de motivações particulares, sua e dos outros para agir. A política é levada, assim, a lidar com duas referências contrapostas, legitimando-se através da universalidade dos princípios e viabilizando-se por meio das motivações particulares. Mas vale lembrar que os caminhos trilhados na política (ou na universidade quando amparada nos conselhos de ética) evitam a opção por uma dessas linhas extremadas: o doutrinarismo, o oportunismo crasso, o cinismo ostensivo ou a completa e absurda indiferença. São frequentes as combinações de elementos de tais direções, porém combinados em graus e dimensões diversas. E é nessa combinação hábil que se enraíza a ideologia política. Sua atividade interpretativa também pode ser criativa, de modo que ao interpretar um caso, determinado ator social aplicaria e criaria um direito novo legislando.
Em vídeo de 2013, compartilha algumas experiências para falar sobre a importância da solidariedade, de aprender a viver sem medo e da virtude de saber ganhar e perder. – “Para levantarse, debe conocer su caída”. Portanto, se antropologicamente nos encontrarmos mediante a crise global de identidade e particularmente de credibilidade política rememoramos a análise comparativa de Léon Poliakov quando afirma: - “os judeus são franceses que, ao invés de não irem mais à igreja, não vão mais à sinagoga”, tradição de Hagadah que designa crenças no passado que deixaram de organizar práticas. As convicções políticas hoje seguem o mesmo caminho. Alguém seria socialista por que foi. Sem ir às manifestações, sem reunião, sem palavra e sem contribuição financeira, em suma, sem pagar. Mas reverencial que identificatória, a pertença só se marcaria por aquilo que se chama “uma voz”. Este aparente resto de palavra marca na memória individual (o sonho) e coletivas (os mitos, os ritos, os símbolos) o voto obrigatório em países presidencialistas de quatro em quatro anos. Uma técnica bastante simples mantem o teatro de operações desse crédito.
Ocorre também uma análise crítica à teologia moderna e sua pretensão de universalidade do espírito. Consideram esta teologia eurocêntrica e desconectada da realidade dos países ditos periféricos. Historicamente Teologia da Libertação é uma corrente teológica cristã nascida na América Latina, depois do Concílio Vaticano II e da Conferência de Medellín (1968). Parte da consideração que o Evangelho exige a opção preferencial pelos pobres e que a teologia, para concretizar essa opção, deve usar também as ciências humanas e sociais. É considerada como um movimento social “supradenominacional, apartidário e inclusivista de teologia política, que engloba várias correntes de pensamento que interpretam os ensinamentos de Jesus Cristo em termos de uma libertação de injustas condições econômicas, políticas ou sociais”. Ela foi descrita, pelos seus proponentes como reinterpretação analítica e antropológica da fé cristã, em vista dos problemas sociais, mas, seus oponentes a descrevem como uma vertente do marxismo, relativismo e materialismo cristianizado. A Teologia da Libertação dialeticamente está diretamente relacionada ao movimento societário ecumênico, de retorno à união e comunhão de todas as religiões cristãs.
Embora tenha se iniciado como um movimento social especulativo dentro da Igreja Católica, na América Latina nos anos 1950-60, o termo foi cunhado pelo padre peruano Gustavo Gutiérrez em 1971, sendo que mais de 40 anos depois se reconciliou com o Vaticano. Escreveu um dos livros mais carismáticos e famosos de status do movimento social, A Teologia da Libertação. Outros expoentes são Leonardo Boff (Brasil), Jon Sobrino (El Salvador), e Juan Luís Segundo (Uruguai). O poder se acha amarrado à sua visibilidade. Mas a vontade de “fazer crer”, de que vive a instituição, fornecia nos dois casos um fiador a uma busca de amor e/ou de identidade. Importa então interrogar-se sobre os avatares do crer em nossas sociedades e sobre as práticas originadas a partir desses deslocamentos. Durante séculos, supunha-se que fossem indefinidas as reservas de crença. Aos poucos a crença se poluiu, como o ar e a água. Percebe-se ao mesmo tempo não se saber o que ela representa. O que ela é. Tantas polêmicas e reflexões sociológicas e políticas sobre os conteúdos ideológicos em torno do voto. Os enquadramentos e quadriculamento institucionais não foram acompanhados de uma elucidação acerca da natureza do ato de crer. Os poderes antigos geriam habilmente a autoridade, hoje são os sistemas administrativos, sem autoridade que dispõem de força em seus aparelhos de Estado através do insistente voto e menos de autoridade legislativa.
Há dois lados na divisão internacional do trabalho: um em que alguns países especializam-se em ganhar, e outro em que se especializaram em perder. Nossa comarca do mundo, que hoje chamamos de América Latina, foi precoce: especializou-se em perder desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se abalançaram pelo mar e fincaram os dentes em sua garganta. Passaram os séculos, e a América Latina aperfeiçoou suas funções, mas a região continua trabalhando como um serviçal. Continua existindo a serviço de necessidades alheias, como fonte e reserva de petróleo e ferro, cobre e carne, frutas e café, matérias-primas e alimentos, destinados aos países ricos que ganham, consumindo-os, muito mais do que a América Latina ganha produzindo-os. É esta análise política da América Latina, na interpretação de Eduardo Galeano que se intitula a região das “venas abiertas” e que dá nome ao seu célebre livro. Em Brasília, mais de 40 anos após o lançamento da sua mais famosa obra, durante a 2ª Bienal do Livro e da Leitura, Eduardo Galeano admitiu ter mudado de ideia sobre o que escrevera. Disse ele: - “Veias Abertas pretendia ser um livro de economia política, mas eu não tinha o treinamento e o preparo necessário”. Ele acrescentou que com sabedoria no plano das ideias que “eu não seria capaz de reler esse livro; cairia dormindo. Para mim, essa prosa da esquerda tradicional é extremamente árida, e meu físico já não a tolera”.
Historicamente desde o chamado “descobrimento” até nossos dias, tudo se transformou em capital europeu ou, norte-americano. Tudo: a terra, seus frutos e suas profundezas, ricas em minerais, os homens e sua capacidade de trabalho e de consumo, os recursos naturais e os recursos humanos. O modo de produção e a estrutura de classes de cada lugar têm sido sucessivamente determinados, de fora para dentro, por sua incorporação à engrenagem universal do capitalismo. E a cadeia das dependências sucessivas torna-se quase infinita, tendo muito mais de dois elos, e por certo também incluindo, dentro da América Latina, a opressão dos países pequenos por seus vizinhos maiores e, dentro das fronteiras de cada país, a exploração humana que as grandes cidades e os portos exercem sobre suas fontes internas de víveres e mão-de-obra. A América Latina é um complexo cultural das Américas a qual é distribuída irregularmente pelos hemisférios norte e sul, porque a maioria de suas terras é estendida ao sul da Linha do Equador. Há predomínio do espanhol como língua dos países da América Latina, com a invasão e conquista das ilhas do Caribe em 1492, se estendeu rapidamente através da América com os colonos procedentes de Andaluzia e Extremadura, mas também de outras partes da Espanha, que se estabeleceram nos séculos XVI- XVII constituindo-se ao redor de 200.000 pessoas nesses primeiros séculos. No mundo contemporâneo é falado por mais de 370 milhões de latino-americanos, mas também o português, francês e, em certas regiões ao norte do continente, inglês e neerlandês.GALEANO, Eduardo, Las Venas Abiertas de América Latina. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 1971; Idem, Violencia y Enajenación. Ciudad de México: Editorial Nuestro Tiempo, 1971; Idem, Memoria del Fuego. Ciudad de México: Siglo XXI Editores, 1982; Idem, Los Hijos de los Días. México: Siglo XXI Editores, 2011; PADRÓS, Enrique Siqueira, Como El Uruguay no Hay... Terror de Estado e Segurança Nacional. Uruguai (1968 – 1985): Do Pachecato à Ditadura Civil Militar. Tese de Doutorado em História. Programa de Pós Graduação em História. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005; SILVA, Lindinei Rocha, Figurações do Intelectual Latino-americano em Las Venas Abiertas de América Latina, de Eduardo Galeano. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2011; ARAUJO, André Francisco Berenger de, Eduardo Galeano: Devolver à História o Alento, A Liberdade e a Palavra. Dissertação de Mestrado em História. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2013; ROMERO, Joyce Conceição Gimenes, O Perigo das Águas: Aspectos do Feminino Terrível em Gustavo Adolfo Bécquer, Octavio Paz e Eduardo Galeano. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara: Universidade Estadual Paulista, 2014; MIRANDA, Heloisa Helena Ribeiro de, Estoy Pero no Soy: A Construção da Outridade na Poética de Eduardo Galeano. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. Instituto da Linguagem. Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso, 2014; LAFIN, Gabrielle Carvalho, Abraçando a Escola do Mundo ao Avesso: Aproximações entre a Literatura de Eduardo Galeano e a Aula de Espanhol como Língua Estrangeira no Brasil. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2015; KOVACIC, Fabián, Galeano. Apuntes para una biografía. Buenos Aires: Editorial Vergara, 2015; SCHELOTTO, Magdalena, “La Dictadura Cívico-militar Uruguaya (1973-1985): La Construcción de la Noción de Víctima y la Figura del Exiliado en el Uruguay postdictatorial”. In: Nuevo Mundo Mundos Nuevos. Questions du temps présent, mis en ligne le 10 mars 2015; MAZZIO, Sandro Aparecido, As Múltiplas Narrativas na Constituição de uma Identidade Latino-americana. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Instituto de Psicologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015; entre outros.


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