“Foi atado nu a um poste, desviou a vista do crucifixo que lhe apresentavam queimado vivo”. Luigi Firpo
Giordano
Bruno foi um frade, filósofo e escritor da ordem dos dominicanos. Viveu entre
1548 e 1600, quando foi condenado pela Santa Inquisição. Conheça alguns
aspectos curiosos sobre sua vida, obra e ideias. Giordano Bruno foi um monge
italiano da Ordem Dominicana, na qual ingressou aos 15 anos de idade. Também
conhecida como Ordem dos Pregadores, a Ordem dos Dominicanos foi fundada na
França por São Domingos de Gusmão. Chamava-se Felippo Bruno, mas mudou o nome
para Giordano na ocasião em que recebeu o hábito de frei dominicano. Giordano
foi um grande estudioso da filosofia aristotélica, criada pelo filósofo grego
Aristóteles, e escolástica, fundada por Tomás de Aquino (por sinal, estudou no
mesmo convento em que Aquino viveu). Formou-se em teologia, mas abandonou o
hábito pouco tempo depois. Chegou a adotar o Calvinismo, no qual permaneceu
durante pouco tempo. Costumava negar qualquer tipo de imagem religiosa que não
fosse o crucifixo. Adotou ideias consideradas excêntricas pela Igreja Católica,
entre elas a de que os homens não possuíam capacidade para entender o conceito
de Deus, que a tudo abrangia e estava em todo lugar. Deus seria uma espécie de
inteligência cósmica que sustentava a vida, não um velho barbudo centrado num
trono celestial e preocupado com picuinhas da vida humana.
Acreditava que todos os seres possuíam uma alma que não se perde após a morte, mas transforma-se. Defendeu com convicção a ideia de que a verdade deve prevalecer sobre as crenças. Dizia também que “a verdade não é modificada pelas opiniões do vulgo, nem pela confirmação da maioria”. Ao contrário de outros estudiosos da época, Bruno abraçou o heliocentrismo defendido pelo astrônomo Nicolau Copérnico. Mais do que isso, ele acreditava ser o universo infinito e salpicado de estrelas com sistemas solares próprios. Giordano Bruno percorreu quase toda a Europa dando aulas e divulgando suas teorias. Passou por cidades como Praga, Frankfurt, Toulouse, Paris, Gênova e Londres, onde viveu sob proteção do embaixador francês. Foi durante a passagem pela Alemanha, onde lecionou em diversas cidades, que escreveu sua principal obra: Sobre a Associação de Imagens, os Signos e as Ideias. O julgamento de Bruno durou sete anos, durante os quais ele permaneceu no cárcere do Santo Ofício. Negou qualquer interesse particular em questões teológicas, mas em momento algum abandonou sua filosofia. Esse foi o maior obstáculo para Bruno: a Inquisição queria que ele abdicasse completamente de todas as suas ideias. Ao ouvir a sentença, Bruno teria dito aos juízes: - “Vocês pronunciam esta sentença contra mim com um medo maior do que eu sinto ao recebê-la”. Na morte pela Inquisição a vítima não morre queimada. Morre antes pela falta de oxigênio em torno de si, que as chamas consomem.
Morre por queimar os pulmões pelo pouco ar, incandescente, à sua volta. Morre, sobretudo por asfixia, antes mesmo de ter seu corpo cremado. Giordano foi morto com um pedaço de pau amarrado na sua boa para evitar que falasse, para evitar que os insultasse antes de morrer. Morreu calado, mas suas idéias sobre o Universo Infinito, sobre os sistemas solares mais do que nunca vem sendo provadas, admitidas e comprovadas, pois a verdade é filha do tempo e não da autoridade. Talvez ele recordasse naquele instante derradeiro às palavras que certa vez escrevera num momento de profunda melancolia: “Vejam”, prognosticou ele, “o que acontece a este cidadão servidor do mundo que tem como o seu pai o Sol e a sua mãe a Terra, vejam como o mundo que ele ama acima de tudo o condena, o persegue e o fará desaparecer”. Assassinado aos 52 anos tornou-se mártir mas não apenas do livre-pensamento pós-renascentista. Ele enfrentou como homme de lettres a radicalização propugnada pela contrarreforma da Igreja Católica. São muitas as influências apontadas que Giordano Bruno teria sofrido durante o período de sua formação. É especialmente atraído pelas novas correntes de pensamento, entre as quais as obras de Platão e Hermes Trismegistus, ambos muito difundidos na Itália ao início do Renascimento.
O mais importante, contudo, são três grandes poemas latinos: Sobre o Tríplice Mínimo e a Tríplice Medida, A Mônada, o Número e a Figura e Sobre o Imenso e Inumerável ou Sobre o Universo e os Mundos. Em junho de 1590, Giordano Bruno deixa Helmstadt e dirige-se para Frankfurt-am-Main, onde permanece até a primavera do ano seguinte. Nessa cidade recebe insistentes convites para retornar à Itália, por parte de um veneziano, chamado João Mocenigo, que deseja conhecer os segredos da mnemotécnica. Pelo desejo de rever a terra natal e de reintegrar-se no seio da Igreja, Bruno acaba por atender à solicitação. Em agosto de 1591, em Pádua, onde reencontra um fiel discípulo, Bessler, a quem dita duas obras: Sobre as Forças Atrativas em Geral e Sobre os Selos de Hermes e de Ptolomeu. Em seguida, muda-se para Veneza, hospeda-se na casa de Mocenigo e começa a ensinar-lhe um tema auspicioso para seu tempo: a arte de memorizar. O aluno, contudo, decepciona-se, limitado, esperava conseguir do mestre algum conhecimento secreto que lhe permitisse alcançar a sabedoria definitiva.
Giordano Bruno não percebeu o estado de espírito conspiratório do aluno. E neste caso, iria pagar muito caro pela desatenção. Em maio de 1592, quando faz preparativos de viagem para Frankfurt, a fim de publicar As Sete Artes Liberais e Inventivas, é preso por Mocenigo na água-furtada de sua própria casa. O aluno exige uma declaração em que afirmasse ter-lhe transmitido “apenas os segredos da mnemotécnica”. Não conseguindo seu intento, Mocenigo, covarde, como todo delator, entrega Bruno ao tribunal do Santo Ofício, juntamente com manuscritos não publicados. Entre estes, encontravam-se duas obras, hoje perdidas: Sobre os Atributos de Deus e Pequeno Livro de Conjurações. Iniciado o processo inquisitório, em 3 de julho de 1592, Bruno com sabedoria diante de um tribunal, que poderia leva-lo à morte. Amava a sabedoria e acreditava que ela libertaria o homem dos dogmas, das crendices e das superstições cujas mediações complexas habitavam as instituições. Tornou-se um estudioso da Filosofia Grega, da Cabala Judaica, do Hermetismo Religioso, além da influência de Raimundo Lúlio (1473-1543) e Nicolau de Cusa (1401-1464).
Das obras que se conservaram temos em 1582: De umbris idearum (As sombras das Idéias); Cantus Circaeus (O canto da feiticeira Circe); De architecthura et commento artis Lulli (Arquitetura e Comentário da Arte Combinatória de Raimundo Lúlio); em 1583 publica: Ars reminiscendi (A Arte de Recordar); Triginti sigillorum explicatio (A explicação dos Trinta Selos); Sigillus sigillorum (Selo dos Selos); em 1584 publica os seguintes diálogos: Cena de la ceneri (Ceia das Cinzas); De la causa principio e uno (Da Causa, Princípio e Um); De l’ Infinito, Universo e Mondi (Do Infinito, do Universo e dos Mundos); Spaccio della bestia trionfante (O Despacho da besta triunfante); em 1585: Cabala do cavalo Pégaso; O asno cilênico e Degli eroici furori (Dos heróicos furores); em 1586: Dialogi duo de Mordentis propre divina adinventione (exaltação da obra de seu compatriota Fabrício Mordente sobre algumas descobertas matemáticas). Em junho de 1586, seu discípulo João Henequin apresenta algumas de suas teorias sobre os peripatéticos, como uma forma de desafiar os doutores da Universidade de Paris, intituladas Centum et viginti articuli de natura et mundo adversus peripateticos (Cento e vinte teses sobre a natureza e o mundo, contra os peripatéticos). A partir desses desafios, Bruno é alvo de muitas ameaças que o compelem a sair da França e peregrinar pela Alemanha. Em agosto de 1586, consegue uma cátedra na Universidade de Wittenberg, podendo, em 1588, reeditar os mesmos diálogos contra os peripatéticos, sob o título de Acrostimus camoeracensis.
No outono de 1585 encontra-se novamente na França e publica Árvore dos Filósofos, perdida, dois diálogos exaltando pretensas descobertas de seu compatriota Fabrício Mordente e dois livros sobre Aristóteles. Um deles expõe e comenta a Física aristotélica, opondo-se conceitualmente a ela. Sua oposição às doutrinas do filósofo grego é reafirmada, ainda com mais vigor, nas Cento e Vinte Teses Antiperipatéticas sobre a Natureza e o Mundo. Com isso irrita novamente os doutores da Sorbonne e é obrigado a deixar outra vez a França, procurando refúgio na Alemanha. A Universidade de Wittenberg o acolhe em nome da liberdade de pensamento e Bruno ganha condições para publicar outros escritos sobre Lúlio e contra os aristotélicos. Agora favorável, contudo, começa a mudar com a preponderância progressiva dos calvinistas, que já tinham criado problemas para ele em Genebra. Dirige-se então a Praga, onde permanece por pouco tempo e, em 1588, muda-se para Helmstadt, onde fica durante um ano e meio, produzindo fecundamente. Ao contrário das obras redigidas na Inglaterra, em italiano, em Helmstadt escreve em latim sobre uma grande diversidade de assuntos em torno de imagens, signos e ideias, além de mnemotécnica, magia e metafísica.
Giordano Bruno, porém, não percebeu o estado de espírito conspiratório do ex-aluno. E neste caso, iria pagar caro pela desatenção. Em maio de 1592, quando faz preparativos de viagem para Frankfurt, a fim de publicar As Sete Artes Liberais e Inventivas , é preso por Mocenigo na água-furtada de sua própria casa. O aluno exige uma declaração em que afirmasse ter-lhe transmitido “apenas os segredos da mnemotécnica”. Não conseguindo seu intento, João Mocenigo, “covarde, como todo delator, entrega Bruno ao tribunal do Santo Ofício, juntamente com manuscritos não publicados”. Entre estes, encontravam-se duas obras, infelizmente posteriormente perdidas: Sobre os Atributos de Deus e Pequeno Livro de Conjurações. Iniciado o processo, em 3 de julho de 1592, Bruno com sabedoria diante de um tribunal, que poderia leva-lo à morte, abjura, “declarando estar arrependido de todos os erros que porventura tivesse cometido e pronto para reorientar toda sua vida”. Nesse ponto nevrálgico, o processo poderia ter-se encerrado com a absolvição, mas o papa não o permitiu e fez com que o processo passasse ao tribunal do Santo Ofício em Roma. Em janeiro de 1593, Bruno é entregue às autoridades romanas e encarcerado durante sete anos, ao fim dos quais é condenado à morte na fogueira, juntamente com suas obras consideradas heréticas. No dia 17 de fevereiro de 1600, Giordano Bruno é executado friamente no Campos das Flores. Giordano Bruno interpretado por Gian Maria Volonté, 1973. O que negaria mais tarde, ao ser julgado mais uma vez sendo agora em Veneza.
Em 1585, Bruno retornou a Paris, seguindo para a rota de Marburgo, Wittenberg, Praga, Helmstedt e Frankfurt, onde publicou vários de seus manuscritos e aquela que é considerada sua principal obra: “Sobre a Associação de Imagens, os Signos e as Ideias”. Em Helmstedt, na Alemanha, Giordano sofre sua terceira excomunhão - agora da Igreja Luterana. Aos cinquenta e dois anos - vestindo uma túnica de condenado, amarrado a uma estaca e com a língua atravessada por um prego e presa a uma estrutura de metal - Giordano Bruno, um dos maiores pensadores da história da Humanidade, agoniza sob as chamas de uma fogueira, na Praça das Flores, no centro de Roma, no dia 17 de fevereiro de 1600. Giordano Bruno é um símbolo vivo de liberdade e de autonomia de pensamento crítico.O filme Giordano Bruno (1973), de Giuliano Montaldo, se inicia justamente nesse de politização de sua imagem. Bruno já é reconhecido em grande parte da Europa e se hospeda na casa de Mocenigo, em Veneza. Os dois se desentendem e Bruno é denunciado aos inquisidores
Nessa conjuntura é realizado o1º julgamento, interrompido pela Santa Inquisição Romana, que exigia a extradição do prisioneiro a Roma. No filme, alguns traços históricos são relevantes e dentre eles, a análise comparativa destaca as diferenças entre a República de Veneza e Roma, centro do poder papal. A autoridade do papa era reconhecida por todos os reinos católicos, mas controlava administrativamente apenas o centro da península itálica como fazem os reitores de universidades contemporâneas. Quando o senado veneziano vota em favor da extradição de Giordano Bruno, fica evidenciada, esta questão da perda da autonomia de Veneza, que no século XVI, já em decadência, a denunciava a ponto de o senado decidir conforme fosse mais conveniente para suas relações políticas com uma clara formação de dependência com a Santa Sé. Nesse ponto, o filme como o calor do fogo, refaz bem o contexto histórico e político e demonstra que Bruno morreu não só por suas ideias reformistas, mas também como valor de troca pelo sacrifício burocrático de Veneza.
FIRPO, Luigi, “Il Processo di Giordano Bruno”. In: Rivista Storica Italiana. Napoli, Vol. LX, 1948, pp. 542-597; Idem, “Il Processo di Giordano Bruno”. In: Rivista Storica Italiana. Napoli, Vol. LXI, 1949, pp. 5-59; SALVESTRINI, Virgilio, Bibliografia di Giordano Bruno. Firenze: Editor Sansoni, 1959; MICHEL, Paul Henry, La Cosmologie de Giordano Bruno. Paris: Herman Editeur, 1962; MONDOLFO, Rodolfo, Figuras e Ideas de la Filosofia del Renacimiento. Barcelona: Icaria Editorial, 1980; GEREMEK, Bronislaw, A Piedade e à Forca. História da Miséria e da Caridade na Europa. Lisboa: Editor Terramar, 1986; YATES, Frances, Giordano Bruno e a Tradição Hermética. São Paulo: Editora Cultrix, 1986; GONÇALVES, Iria, Imagens do Mundo Medieval. Lisboa: Livros Horizonte, 1988; SANTOS, Patrícia Lessa, No Caldeirão dos Bruxos: A Filosofia Herética de Giordano Bruno. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação. Campinas: Universidade de Campinas, 1997; BRUNO, Giordano, “De L`Infinito, Universo e Mondi”. In: Opere Italiane. Torino: Unione Tipografico; Editrice Torinese LIbrarie, 2007; pp. 7-167; BARACAT FILHO, Antônio Abdala, O Infinito Segundo Giordano Bruno. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2009; ATROCH, Tiago José Cavalcanti, A Visão do Cosmo no Tratado da Magia de Giordano Bruno. Dissertação de Mestrado em História. Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2012; PINTO, Anibal, O Infinito: Ideias, Transformações e as Considerações de Giordano Bruno. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência. Departamento de História. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2012; LOPES, Ideusa Celestino, A Cosmologia Bruniana como um Pressuposto para uma Reforma Moral. Tese de Doutorado. Departamento de Filosofia. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2013; Entrevista: Reabilite Giordano Bruno: O Pedido de Frei Betto ao Papa. In: http://www.ihu.unisinos.br/14/04/2014; RIBEIRO, Rodrigo Petrônio, Mesons: Ontologia. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2015; entre outros.
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