domingo, 15 de novembro de 2015

História & Política: O que Representa o Suicídio de Walter Benjamin?

                                                                                     Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga

                                   Deus é quem nutre todos os homens, e o Estado é quem os reduz à fome”. Walter Benjamin

Bibliothèque Nationale de France, 1937. Foto Gisèle Freund.

Walter Benedix Schönflies Benjamin foi um ensaísta, crítico literário, tradutor, filósofo e sociólogo alemão de origem judaica. Associado à Escola de Frankfurt e à Teoria Crítica, foi fortemente inspirado tanto por autores marxistas, como Georg Lukács e Bertolt Brecht, como pelo místico judaico Gerschom Scholem. Conhecedor profundo da língua e cultura francesas traduziu para o idioma alemão importantes obras como: “Quadros Parisienses”, de Charles Baudelaire e “Em Busca do Tempo Perdido”, de Marcel Proust. Seu trabalho combina ideias aparentemente antagônicas do idealismo alemão, do materialismo dialético e do misticismo judaico, um contributo original para a teoria estética. Seus ensaios mais conhecidos são: “A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica” (1936), “Teses Sobre o Conceito de História” (1940) e a monumental e inacabada: “Paris, a Capital do século XIX”, ou, “Passagens”. A própria diversidade laboral de títulos dados às edições “Das Passagen-Werk”; “Parigi, Capital del XIX Secolo”; “Livre des Passajes”; “The Arcades Project” – “reflete de maneira eloquente o fato de Benjamin não ter escolhido um título definitivo”.
Nascido em Berlim e filho de um rico antiquário de origem judaica, Walter Benjamin tinha uma verdadeira paixão colecionadora, entre outras coisas, por livros infantis e citações. Citações em meu trabalho, “são como salteadores no caminho, que irrompem armados e roubam ao passante a convicção”, escreveu em “Rua de Mão Única”, obra em que seu pensamento adquire forma surrealista, mas pragmática de montagem de textos. Era o seu método de exposição. Alguns de seus principais textos foram “construídos” à base de citações sobre citações. Um mosaico filosófico, no qual os dados sensíveis aparentam-se às “iluminações profanas” para elucidar transformações do conceito de experiência que vão se sucedendo numa forma de observação que reage sobre o conjunto, vislumbrando sua “dialética trágica”, in statu nascendi desde as lendas da Grécia Antiga, envolvendo personagens como o rei Agamêmnon, chefe grego na campanha contra Tróia, e seus filhos Orestes e Electra. O adultério da rainha Clitemnestra, a vingança matricida de Orestes e a possibilidade de uma justiça humana. Tudo isso é representado de forma poética pelo pai da tragédia, Ésquilo, mas se esboroam na dinâmica das mediações complexas de Wolfgang Goethe ao Max Weber da afinidade eletiva como leitor de Friedrich Nietzsche, como Martin Heidegger o fora.
 
 

É Walter Benjamin quem percebe que a maioria das “passagens de Paris” surge nos anos após 1822 como condição para seu aparecimento a conjuntura favorável do comércio têxtil. Os “magasins de nouveautés”, os primeiros estabelecimentos a manter grandes estoques de mercadorias, precursores das lojas de departamentos. As passagens são o centro das mercadorias de luxo. Durante muito tempo permanecerá uma atração para os forasteiros. A segunda condição para o surgimento das passagens advém dos primórdios das construções de ferro. O Império percebeu nesta técnica uma contribuição para renovar a arquitetura no espírito da Grécia antiga. O Império é o estilo do terrorismo revolucionário, para o qual o Estado é um fim em si. Apesar disso, o conceito de engenheiro, que tem suas origens nas guerras da revolução, começa a se impor e tem início as rivalidades entre o construtor e o decorador, entre a École Polvtechinique e a École des Beaux-Arts.
Os panoramas que, segundo Benjamin, anunciam uma revolução nas relações da arte com a técnica são ao mesmo tempo expressão de um novo sentimento de vida. Nos panoramas, a cidade amplia-se, transformando-se em paisagem, como ela o fará mais tarde e de maneira mais sutil para o flâneur. Daguerre é um discípulo de Prévost, o pintor de panoramas, cujo estabelecimento situa-se na “Passagem des Panoramas”. Em 1839, o panorama de Daguerre é destruído por um incêndio quando ele anuncia a invenção do daguerrreótipo. Arago apresenta a fotografia num discurso da Câmara. Prenuncia seu lugar na história da técnica. Prevê suas aplicações científicas. Os artistas, ao contrário, começam a debater seu valor artístico. A fotografia comparativamente provoca a ruína da grande corporação dos pintores miniaturistas. A razão técnica para tanto reside no longo tempo enquanto valor de exposição que exige a máxima concentração por parte do retratado.
        O significado desta torna-se tanto maior quanto mais questionável se considera o caráter subjetivo da informação pictórica e gráfica diante da nova realidade de reprodutibilidade técnica e social. Por ocasião da exposição universal de 1867, em Paris, Victor Hugo lança um manifesto “Aos Povos da Europa”. Os interesses deles foram defendidos antes e de modo menos equívoco pelas delegações organizadas de trabalhadores franceses, cuja primeira participou da Exposição Universal de Londres, em 1851, e a segunda, já era descrita com cerca de 750 representantes, da exposição de 1862. Esta última foi importante, pois contribuiu indiretamente para a fundação da importante Associação Internacional de Trabalhadores, organizada de forma revolucionária Marx, indicando pistas, no que é entendido como a fantasmagoria da cultura capitalista alcançando seu desdobramento mais brilhante na exposição universal de 1867. O Império está no auge de seu poder. Paris afirma-se como a capital do século XIX, mas sobretudo a capital do luxo e da moda. Offenbach prescreve o ritmo da vida parisiense. A opereta é a irônica utopia de um domínio duradouro do capital.
A sede da Gestapo em Berlim, Prinz-Albrecht-Strasse 8. Enquanto isso na Alemanha, com a ascensão do carrasco nazista A. Hitler, na década de 1930, a situação para os judeus foi se tornando insustentável. Walter Benjamin então se refugia em Paris, terra do romancista Marcel Proust de quem fez a primeira tradução alemã e de seu “Dieu”, por assim dizer, o poeta Charles Baudelaire. Inspirado por Baudelaire e pelas galerias da “Cidade-Luz” que o filósofo – cuja pretensão era tornar-se o principal crítico da literatura europeia – resolveu conceber sua mais ambiciosa obra, Das Passagen-Werk. Como todo grande pensador, de Hegel aos nossos dias, seu texto não seria concluído e somente editado muitas décadas depois de sua morte o que antiteticamente não é um problema de quem escreve, mas das condições e possibilidades de sua edição em tempos difíceis. Mormente daquele que o edita, como aparente produtor, como uma única exceção desde tempos imemoriais dos manuscritos: “Biblia Sacra Latina ex Bíblia Sacra Vulgatae”. É nessa estadia parisiense que tenta emigrar para a Palestina, para onde já se encaminharia seu amigo, o historiador da mística judaica Gershon Sholem.             
Na adolescência Benjamin, perfilhando ideais socialistas, participou do Movimento da Juventude Livre Alemã, colaborando na revista do movimento. Nesta época nota-se uma nítida influência de Nietzsche em suas leituras. Em 1915, conhece Gershom Gerhard Scholem de quem se torna muito próximo, quer pelo gosto comum pela arte, quer pela religião judaica que estudavam. Em 1919 defende tese de doutorado, “A Crítica de Arte no Romantismo Alemão”, que foi aprovada e recomendada para publicação. Em 1925, Benjamin constatou que a porta da vida acadêmica estava fechada para si, tendo a sua Tese de Livre-Docência Origem do Drama Barroco Alemão sido rejeitada pelo Departamento de Estética da Universidade de Frankfurt. Nos últimos anos da década de 1920 o filósofo judeu interessa-se pelo marxismo, e juntamente com o seu companheiro de então, Theodor Adorno, aproxima-se da filosofia de Georg Lukács. Por esta altura e nos anos seguintes acabam publicando resenhas e traduções que lhe trariam reconhecimento como crítico literário, entre elas as séries sobre Charles Baudelaire. Refugiou-se na Itália, de 1934 a 1935. Neste momento cresciam as tensões entre Benjamin e o Instituto para Pesquisas Sociais, associado ao que é reconhecida como Escola de Frankfurt, da qual Benjamin foi mais um inspirador.
Em 1940, ano da sua morte, Benjamin escreve a sua última obra, considerada por alguns, de forma exagerada como o mais importante texto revolucionário desde Marx; por outros, de forma pessimista como um retrocesso no pensamento benjaminiano: “as Teses Sobre o Conceito de História”. Historicamente há dois tipos de causas extra-sociais às quais se pode atribuir a priori uma influência sobre a taxa de suicídios: as disposições orgânico-psíquicas e a natureza do meio físico. Poderia ocorrer que, na constituição individual ou pelo menos, na constituição de uma classe importante de indivíduos, houvesse uma propensão, de intensidade variável conforme os países, que arrastasse diretamente o homem ao suicídio; por outro lado, o clima, a temperatura, etc., poderiam pela maneira como agem sobre o organismo, ter diretamente os mesmos efeitos. As hipóteses, em todo caso, sustentadas por Émile Durkheim (2013: 19 e ss.) e validadas para os dias atuais é que grande número de mortes voluntárias não entram em nenhuma dessas categorias da realidade; mas a orientação é que maioria delas tem motivos que não deixam de ter fundamento na realidade.

Ela nunca ocorre, no modo da economia individualista. Ela é submetida a formas e fórmulas estritas, ao respeito aos interesses familiares, a convenções precisas sobre a natureza e o montante do pagamento. Todo o seu desenrolar tem um caráter eminentemente social. Mas a organização dos casamentos que vem à luz com a compra das mulheres representa um imenso progresso diante das condições mais grosseiras do rapto nupcial, ou diante dessas relações sexuais de todo primárias, que não conheciam, sem dúvida, a promiscuidade absoluta, mas ignoravam, muito provavelmente também, a firme referência normativa que a compra socialmente regulada proporciona. Segundo a interpretação sociológica de Georg Simmel (1988), “traduz claramente o papel social desse modo de casamento eminentemente pouco individual”. Como sabemos a evolução da humanidade sempre atravessa estágios em que: a) opressão da individualidade é o ponto de passagem obrigatório de seu livre desabrochar superior, em que a pura exterioridade das condições de vida se torna a escola da interioridade, b) em que a violência da modelagem produz uma acumulação de energia, destinada, em seguida, a gerar toda a especificidade pessoal. Do alto desse ideal é que, c) a individualidade plenamente desenvolvida, tais períodos parecerão, é claro, grosseiros e indignos.

Mas, para dizer a verdade, atenta Georg Simmel que, além de semear os germes positivos do progresso vindouro, já é em si uma manifestação do espírito exercendo uma dominação organizadora sobre a matéria-prima das impressões flutuantes, uma aplicação das personalidades especificamente humanas, procurando nelas próprias fixar suas normas de vida - do modo mais brutal, exterior ou, mesmo, estúpido que seja -, em vez de recebê-las das simples forças da natureza. A horda “não protege mais a moça e rompe suas relações com ela, porque nenhuma contrapartida foi obtida por sua pessoa”.  Desnecessário dizer que o desvio às normas sociais ou normas morais dominantes de uma sociedade implica “coragem e determinação”. Contudo é frequentemente um processo social para garantir as mudanças políticas que mais tarde vêm a ser consideradas como sendo de interesse geral. Uma sociedade tolerante em relação ao comportamento desviante não sofrerá necessariamente uma ruptura social. O conceito de desvio aplica-se às condutas individuais ou coletivas que transgride as normas de uma dada sociedade, ou de um grupo. Refere-se à ausência ou falha de conformidade face às normas ou obrigações sociais. Um comportamento só pode ser qualificado de desviante por referência à sociedade em que surge. Pode, também, ser visto “como um atentado à ordem social”.

Pode, também, ser concebido como o signo de “incapacidade dos grupos e das sociedades em matéria de socialização”. Enfim, é um arquétipo de conformidade por relação a um grupo que não se identifica com o padrão normativo dominante da sociedade global. Em primeiro lugar, o livro Le Suicide. Étude de Sociologie (cf. Durkheim, 1967) representou um dos pilares no campo da sociologia. Escrito pelo sociólogo francês Émile Durkheim e publicado em 1897, trata-se um “estudo de caso” de um suicídio, publicação única em sua época, que trouxe o exemplo de como uma monografia sociológica deveria ser escrita. Inúmeros estudos contemporâneos sobre o suicídio têm como escopo características individuais. Durkheim estudou as conexões entre os indivíduos e a sociedade. Procurou demonstrar com propriedade o quanto um ato individual é o resultado do meio social que o cerca, que, além disso, teria uma prova da utilidade da sociologia.

Neste livro, o sociólogo francês Émile Durkheim desenvolveu o conceito de anomia, explorando as diferentes taxas de suicídio comparativamente entre religiosos protestantes e católicos, apresentando resultados estatísticos convincentes que comprovam o forte controle social entre os católicos resulta em menores índices de suicídio.  Os indivíduos têm certo nível de integração com os seus grupos, o que o sociólogo Émile Durkheim chama de “integração social”. Níveis anormalmente baixos ou altos de integração social poderiam resultar num aumento das taxas de suicídio: a) níveis baixos porque baixa integração social resulta numa sociedade desorganizada, levando os indivíduos a se voltar para o suicídio como uma última alternativa; b) níveis altos porque as pessoas preferem destruir a si próprias a viver sob o grande exercício de controle da sociedade, o que resultou no caso de “suicídio egoísta” de Ariel Castro. O trabalho de Durkheim influenciou os proponentes das teorias sociais funcionalistas do controle social, e é frequentemente mencionado como um estudo pioneiro tornando-se sociológico clássico no pensamento ocidental.

Não se pode, portanto, sem fazer mau uso das palavras, considerar todo suicida um louco. Mas de todos os suicídios o que pode parecer mais difícil de discernir do que se observam nos homens são os de “espírito melancólico”; pois, com muita frequência, o homem normal que se mata também se encontra num estado de abatimento e de depressão, exatamente como o alienado. Mas sempre há entre eles a diferença essencial de que o estado do primeiro e o ato resultante dele não deixam de ter causa objetiva, ao passo que, no segundo, não têm nenhuma relação com as circunstâncias exteriores. Para Durkheim, nas situações de degredo, como ocorre nas prisões e nos regimentos há um estado coletivo que inclina os soldados e os detentos ao suicídio diretamente quanto o pode fazer a mais violenta das neuroses. O exemplo é a causa ocasional que faz manifestar-se o impulso. Mas observa o filósofo que não é aquele que o cria, e, se o impulso de fato não existisse, o exemplo seria inofensivo. Uma observação pode servir de corolário a essa conclusão. 
Segundo a versão oficial, Walter Benjamin cometeu o suicídio em Port Bou, na fronteira da França com a Espanha, em 26 de setembro de 1940. Foi vítima, do que nos traz à mente a afirmação de Mark Twain, para quem “coincidência é a única explicação que o otário encontra para a coincidência”. Com medo da captura pelas tropas franquistas e alemãs que naquela altura, haviam confiscado seu apartamento parisiense, depois de saber que a passagem para a Espanha estava fechada, Benjamin tomou uma grande quantidade de morfina durante a noite. Apavorados com o suicídio do filósofo, no dia seguinte os oficiais da fronteira permitiram que os demais integrantes da caravana de refugiados seguissem em direção a Portugal. Afinal, a proibição de passar pela fronteira para a Espanha tinha validade apenas para o dia anterior. Justamente o dia em que o filósofo escolhera para sair da França e tentar a sorte em alguma paragem menos conturbada com a trágica guerra europeia com o emprego intolerável e massificado da força bruta da política.
No entanto, a tese publicada em 2001 por Stephen Schwartz no semanário político conservador The Weekly Standard, baseado em Washington, há setenta e cinco anos, na noite de 26 de setembro de 1940, Walter Benjamin (1892-1940), um dos maiores e mais sensíveis pensadores marxistas do século 20, foi assassinado a mando do ditador russo Joseph Stálin. A causa mortis não foi o suicídio por envenenamento com morfina como consta na versão oficial. A morte do filósofo esteve sempre envolta em mistério, mas só meio século depois o motivo de sua morte voltou a causar polêmica no meio jornalístico e da literatura acadêmica. O corpo do ensaísta da primeira geração da extraordinária Escola de Frankfurt foi encontrado por Henny Gurland. Uma das quatro mulheres que o acompanhavam na viagem que possivelmente terminaria como refúgio da violência nazista, nos Estados Unidos da América. Mas de acordo com a análise de Stephen Schwartz, estudioso da relação política entre comunismo e a intelectuais nos anos 1930, parte dessa história não tem consistência.  
A fuga aconteceu e Gurland foi realmente a primeira a encontrar Walter Benjamin morto, única fonte a ter feito declaração sobre o suicídio. A morte presumida teria ocorrido por temor de ser capturado pela Gestapo quando ele tentava fugir dos nazistas rumo aos EUA. A Gestapo foi a “polícia política” da Alemanha nazista, criada em 26 de abril de 1933 por Hermann Göring e reorganizada, em 1936, por Reinhard Heydrich, quando passou sob o controle de Heinrich Himmler em 1934. Henny Gurland era militante de extrema esquerda e teve comportamento suspeito no caso e seu marido, Arkadi, que era um espião soviético. Além disso, há o caso do manuscrito desaparecido. De acordo com relatos ocorridos na época, o filósofo carregava o tempo todo consigo durante a fuga uma pesada mala que conteria os originais de um livro inédito, “o mais importante para mim”, segundo declarou Henny disse ter destruído as duas notas de suicídio que teriam sido escritas por Walter Benjamin e entregues a ela, uma provavelmente sem destinatário e outra que seria para seu amigo, Theodor Adorno. Depois, resumiu-as numa nota escrita em francês por ela.
Contudo, entre as evidências que apresentadas por Schwartz está a autópsia oficial, que determina como causa da morte de Benjamin “hemorragia cerebral” e afirma que não foram encontradas drogas em seu sangue nem em seu aparelho digestivo. Benjamin morreu numa época em que muitos ex-partidários dos soviéticos estavam desiludidos com Moscou por causa do pacto entre Hitler e Stalin. Como resposta, um dos killerati, intelectuais socialistas recrutados como agentes stalinistas para cometer assassinatos, o matou. A principal causa de seu assassinato, para Slavoj Žižek (2008:14), foi que “durante a fuga pelas montanhas da França para a Espanha, Benjamin levava um manuscrito, a obra-prima em que estivera trabalhando na Bibliothèque Nationale de Paris, a elaboração das Teses”. A pesada mala que continha o manuscrito fora confiada a um colega refugiado que a perdeu convenientemente no trem ente Barcelona e Madri. Em suma, Benjamin não vivia num ambiente seguro, foi o que disse o estudioso Stephen Schwartz ao jornal The New York Times, pois ao que parece ele “participava de um submundo povoado por pessoas perigosas”.
O filósofo judeu-alemão declarou sobre este manuscrito como sendo “o mais importante para mim”. O texto nunca foi encontrado. Walter Benjamin não era estranho ao comunismo, apesar de nunca ter pertencido ao partido político. Pelo que se sabe ele esteve em Moscou pelo menos uma vez. Era amigo íntimo do esteta marxista Bertolt Brecht e de Theodor Adorno, ambos apoiadores em graus diferentes do regime de Joseph Stálin. O filósofo passou a atacar Stálin à época do pacto entre a então União das Repúblicas Soviéticas e a Alemanha de Adolf Hitler e a conviver com alguns dos mais famosos ex-simpatizantes ou opositores do russo, como o  Arthur Koestler. Tudo indica que o reacionário Joseph Stalin leu as Teses de Benjamin e, portanto, reconhecia o projeto do novo livro baseado nelas e tinha por objetivo impedir a qualquer custo sua publicação. Embora na prestigiada Walter Benjamin: A Biography o autor Momme Brodersen ressalte que “nenhuma das novas evidências contradiz a teoria do suicídio”. Não devemos perder de vista o fato de que a polícia funcionava “sem tribunal”, decidindo ela mesma ideológica ou politicamente as sanções que deviam ser aplicadas.
Tornou-se célebre primeiramente na Alemanha, e depois em toda a Europa ocupada, pelo terror implacável de seus métodos de extermínio humano. A Gestapo representou o arbítrio e o horror das forças nazistas. Estado de Exceção é uma representação histórica nazista e uma análise lógica e da teoria por trás da sua evolução e consequências, de A. Hitler aos prisioneiros de Guantánamo. Para isso o autor destrincha o pensamento de Carl Schimitt, contemporâneo de Walter Benjamin, com quem polemizou e seus estudos sobre ditaduras, sobre os filósofos e teóricos do direito, assim como as mudanças nas constituições europeias e norte-americana que levaram a instituição do Estado de Exceção como paradigma conjuntural do mundo ocidental. “Combatentes ilegais”, Patriot Act, “Bush como commander in chief dos Estados Unidos”, “toque de recolher”, “zonas de proteção em encontros de organismos internacionais”, “pacotes econômicos”, limites e contradições sociais das democracias, “guerras preventivas” e o executivo legislando por decretos e medidas provisórias, são temas abordados e que se relacionam diretamente com a análise de Giorgio Agamben.
O papel da Gestapo como polícia política só foi estabelecido quando Hermann Göring (1893-1946) foi designado para suceder Diels como comandante, em 1934. O termo Gestapo vem da abreviação de “Geheime Staatspolizei”, polícia secreta do Estado e levou o governo nazista a expandir sua força repressiva para além da Prússia, para toda a Alemanha. Só não teve sucesso na Baviera, onde Heinrich Himmler, chefe da Schutzstaffel reconhecido pela sigla SS é um termo alemão que significa “esquadrilha de proteção”. Foi um grupo fundado em 1925, que presidia a polícia e usava as forças locais da SS como polícia política. Em abril de 1934, Goering e Himmler concordaram em colocar de lado as diferenças e, principalmente por um ódio combinado às Sturmabteilung, Göring aceitou colocar o comando da Gestapo sob a autoridade das SS. Naquele ponto, a Gestapo foi combinada com a “Sicherheitspolizei” e considerada uma organização parental da SD ou Sicherheitsdienst.
Esta polícia funcionava sem tribunal, como descreveu analiticamente Hannah Arendt decidindo ela mesma as sanções que deviam ser aplicadas. Tornou-se célebre primeiramente na Alemanha, como já comentamos, e depois em toda a Europa ocupada, pelo terror implacável de seus métodos. A sua sede ficava na Rua Prinz-Albrechtstrasse, em Berlim - onde há um museu sobre a sua história. Um dos métodos de atuação de seus membros era disfarçando-se de operários e indo trabalhar nas fábricas. Infiltrados aguçavam os outros operários para uma revolta contra o governo, a polícia secreta passava uma lista onde os operários que estavam a favor assinavam seus nomes. Durante a noite os operários que assinavam a lista recebiam uma visita de policiais fardados e com a representação de um botton de um crânio e uma águia de ferro no quepe. No dia seguinte o operário era substituído por outro que ainda não havia desaparecido, pois ninguém mais o via. O bótom em forma de crânio é a caveira símbolo SS, ou “totenkopf”, inspirada no emblema de guardas prussianos do século XVIII.
A Gestapo também era temida pelo critério macabro de perseguição que fazia com todos aqueles que julgavam suspeitos. Jamais prendia alguém imediatamente; mas estimulava suas supostas atitudes “subversivas”, para pegar não somente um suspeito, mas, se possível, todos aqueles que com ele tivessem ligação política. Um capítulo à parte deve ser reservado aos métodos de prisão, interrogatório e tortura da Gestapo. Todo preso pela polícia secreta nazista podia esperar as formas de suplícios, para arrancar-lhe qualquer informação ou delação que viesse a ser útil. O nº 8 da Prinz Albrecht Straße tornou-se conhecido como um centro de torturas ou “técnicas de interrogatório”, segundo os agentes, relatando-se que pessoas residentes nas adjacências que passavam pelo local ouviam gritos vindos do interior do prédio. Os métodos de interrogatório incluíam repetidos afogamentos em uma banheira de água gelada, analogamente utilizados pelos Estados Unidos, choques elétricos ligando os fios às mãos, pés, orelhas e genitália, esmagamento de testículos, levantamento do prisioneiro pelas mãos amarradas as costas causando a luxação do ombro, prática conhecida durante a Inquisição católica como o pêndulo, e espancamentos com cassetetes de borracha ou chicotes e queimaduras com charutos ou ferro de soldar do tipo maçarico. 
Desnecessário dizer que desde seu primeiro contato com o marxismo, Walter Benjamin entusiasmou-se por uma linha de interpretação do pensamento de Marx que divergia das versões doutrinárias adotadas tanto pelo establishment social-democrático, assim como em geral pela direção do movimento global comunista. O que encontrou no marxismo não foi tanto um sistema conceitual constituído, sólido, e esquemático, mas um admirável conjunto de conceitos que já surgiam com vocação para radicalizar a crítica analítica à sociedade burguesa e impulsionar a revolução contra o capital na expressão gramsciana do termo. Ou seja, representavam um conjunto de conceitos que proporcionavam aos sujeitos sociais, magníficas arma de combate teórico para inserir-se na luta de classes. Ipso facto na perspectiva nova que Marx lhe apresentava via o húngaro Georg Lukács, o que mais agradou a Benjamin foi certamente o fato de ela recusar a postura daqueles que se encastelam no plano da teoria e apontar insistentemente para a fecundidade teórica da prática dita revolucionária.
Essa maneira de entender o marxismo não se manifestou na época unicamente através de Lukács e Benjamin: com características e traços bastante variados, ela apareceu também em alguns momentos de modo tumultuado, no pensamento de Antonio Gramsci, em determinados escritos de Theodor Adorno e no ensaio Teoria Tradicional e Teoria Crítica, de Max Horkheimer, também em textos de Karl Korsch  e Ernest Bloch e na trajetória de Rosa Luxemburgo. Contudo, lembramos que este fôra o “belvedere”, para lembramos de Michael Löwy  que prevaleceu o movimento histórico dos marxistas do começo do século passado. No âmbito da socialdemocracia, o marxismo contrariando a filosofia da práxis, como quis Antônio Gramsci, veio a ser um sistema  a partir de um conjunto articulado de citações de Marx e Engels consideradas essenciais pelo “zelador oficial” do legado teórico e doutrinário, o alemão Karl Kautsky. A montagem interpretativa fazia-se com base numa linha evolucionista de interpretação da história. Enfim, no âmbito do movimento comunista, o marxismo enquanto ideologia passou a ser expresso como: “marxismo-leninismo” de citações essenciais pela direção política vanguardista dos partidos comunistas.
Bibliografia geral consultada. 
GEIST, Johann Friedrich, Le Passage. Un Type Architectural du XIX Siècle. Bruxelle: Pierre Margada Editeur, 1987; BENJAMIN, Walter, L`Opera d`Arte nell`Epoca della Riproducilità Técnica. Turim: Einaudi Editore, 1966; Idem, Origem do Drama Barroco Alemão. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983; Idem, Passagens. Belo Horizonte: Editora Universidade Federal de Minas Gerais; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007; JEFFRIES, Stuart, “Did Stalin’s Killers Liquidate Walter Benjamin?”. In: http://www.theguardian.com/world/2001/jul/08AGABEN, Giorgio, Estado de Exceção. Belo Horizonte: Editora da Universidade Federal de Minas Gerais, 2002; SELIGMANN-SILVA, Marcio, “Catástrofe, Historia e Memoria em Walter Benjamin e Chris Marker: A Escritura da Memoria”. In: Historia Memoria, Literatura. O testemunho na Era das Catástrofes. Organizado por Marcio Seligmann-Silva. Campinas: Editora da Universidade de Campinas, 2003; pp. 391-417; ZIZEK, Slavoj, A Visão em Paralaxe. São Paulo: Boitempo Editorial, 2008; BOTELHO, José Francisco, Benjamin, O Anjo da História”. In: Revista Vida Simples, dezembro de 2010; KONDER, Leandro, “Walter Benjamin”. In: Em Torno de Marx. São Paulo: Editorial Boitempo, 2010; pp. 63-71; DURKHEIM, Émile, O Suicídio. Estudo de Sociologia. 2ª edição. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011; Idem, Il Suicidio. Studi di Sociologia. Biblioteca Univ. Rizzoli, 2014; SILVA, Aline Bezerra da, Caetés, São Bernardo e Angústia: Mundo-prisão. Tese de Doutorado em Letras/Ciência da Literatura. Faculdade de Letras. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014; SOUZA NETO, Manoel Gustavo de, A História em Contrapelo: Ensaio sobre Teoria da História em Walter Benjamin. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História. Faculdade de História. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2015; FREIRE JÚNIOR, Josias José, Natureza, História, Técnica: Experimento Historiográfico em Passagens de Walter Benjamin. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2015; entre outros.

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