Ubiracy
de Souza Braga*
“Eliminar de uma vez por todas o sentido das
palavras, eis o objetivo do terror!”. Jean François Lyotard
Em
seu discurso etnográfico, Hannah Arendt situa-se analiticamente distante da
linguagem do jornalismo empresarial dominante e recorrente, - em geral tosco e
sem imaginação sociológica-, porque bem documentado com as referências
históricas e axiológicas que bem entendido, esclarece que nada caracteriza
melhor a política de poder da era imperialista do que “a transformação de
objetivos de interesse nacional localizados, limitados”. São, portanto,
“previsíveis, em busca ilimitada de poder que ameaça devastar e varrer o mundo
inteiro sem qualquer finalidade, sem alvo nacional e territorialmente
delimitado e, portanto, sem nenhuma direção previsível”. Foi a primeira
intelectual contemporânea a entender que o termo “imperialismo” não se limitava
apenas ao expansionismo dos grandes grupos econômicos, tal como compreenderam
J. A. Hobson, Rosa Luxemburgo, ou mesmo o revolucionário Lenin, entre outros.
As
origens do fascismo alemão remontam a 1919, quando um grupelho de sete homens
se reuniu numa cervejaria de Munique e fundou o Partido Nacional-Socialista dos
Trabalhadores alemães (cf. Jünger, 2000; 2004). O nome do partido não tardou a
ser abreviado na fala popular para “nazi”. Em pouco tempo, o mais obscuro dos
sete surgia como chefe. Chamava-se ele Adolf Hitler e tinha nascido em 1889,
sendo filho de um pequeno funcionário aduaneiro da Áustria (cf. Nicholls, 2000).
O começo de sua vida foi infeliz e desajustado. Rebelde e indisciplinado desde
a infância parece ter sido sempre oprimidos por um sentimento de frustração. Na
escola, perdia tempo desenhando retratos e por fim resolveu ser pintor. Com
esse objetivo em vista dirigiu-se em 1909 para Viena, esperando ingressar na
Academia. Reprovado no exame durante quatro anos arrastou sua existência
obscura como vendedor ocasional e pintor de pequenos esboços e aquarelas que
mal conseguia vender a lojas de arte. Enquanto “isso ia alimentando alguns
preconceitos políticos de índole violenta (cf. Burns, 1967: 883).
Mark
Herman, nascido em 1954 em Bridlington, na Inglaterra, é diretor e roteirista
inglês. Obteve seu reconhecimento internacional
por ter dirigido o filme: “O Menino do Pijama Listrado”. Mark entrou para a
indústria cinematográfica no tempo certo. Ele desenhava quadrinhos antes de
começar a estudar cinema aos 27 anos, na Universidade de Leeds. Inicialmente, estudava
animação, mas no final começou a ter interesse e estudar direção
cinematográfica. Herman também compôs algumas músicas para o álbum “The
Christians” (1987), da banda do mesmo nome, já que ele foi o colega de um
membro da banda, Henry Priestman, na Universidade de Leeds. Durante a sua
carreira, teve vários trabalhos elogiados pela crítica, como “Brassed Off”, de
1996, e “Little Voice”, de 1998, porém seu maior trabalho ocorre com o filme: “The
Boy in the Striped Pyjamas (2008). Ganhou o prêmio de melhor diretor por
“British Independent Film Award” e o prêmio “Chicago International Film
Festival” com esse filme.
A
ideologia fascista pode ancorar-se em três características humanas: o medo, o
fanatismo e a intolerância. É um fenômeno político e discursivo (propaganda)
deste século e cuja formulação definitiva talvez não possa se dar como concluída.
Ela tem-se estabelecido pela fórmula autoritária: “Crer e não pensar”;
“trabalhar e não refletir”; “obedecer e não discutir”. Surgiu em torno de 1890
na Europa ocidental como “eclipse da razão”, segundo Max Horkheimer. Georg
Lukács, no “livro Destruição da Razão”, ou, Hannah Arendt, em “Eichmann em
Jerusalém - Um Relato Sobre a Banalidade do Mal” fizeram como filósofos, uma
análise histórico-crítica esclarecedora a respeito. Temos aí o conceito de “autoridade irracional”, que
poderia ser caracterizado como “o poder sobre o povo, logrado sobre a base do
terror, onde a crítica está proibida, e onde existe uma absoluta desigualdade entre
os membros da comunidade” (cf. Braga, 2004).
Analogamente
vale lembrar a história que conta “Valkyrie” é tão incrível e fantástica como o
thaumázein, assim como o páthos, têm a ver com “um bom ânimo ou
boa disposição (...) que levou certos indivíduos a deixar ocupações do
cotidiano para se dedicar a algo extraordinário, a produção do saber: uma
atividade incomum, em geral pouco lucrativa, e que sequer os tornava moralmente
melhores que os outros” (cf. Spineli, 2006), pois, neste caso tinha que acabar
sendo um grande filme, explicou o ator Tom Cruise em entrevista à Agência Efe,
sobre um projeto no qual o público viu finalmente o ator com o uniforme do
exército nazista e encarnando Claus von Stauffenberg, “um coronel alemão que
tentou assassinar Adolf Hitler”. Durante a entrevista, Cruise se mostrou entusiasmado
com o resultado do filme e disse que é “muito importante que se saiba que
pessoas como Stauffenberg e a resistência civil alemã contra Hitler existiram”.
Deste ponto de vista admite: - “Essa história é a que me levou a participar do
filme”, disse Cruise sobre o longa-metragem que, após muitas mudanças na data
de estreia, permitiu “conhecer de uma vez por todas um projeto muito falado e
com o qual o ator pretende relançar sua carreira em Hollywood”.
O
filme tem todos os ingredientes que a priori agradam Hollywood, já que se
ambienta na Segunda Guerra Mundial e mostra como houve quem se opusesse aos
horrores do nazismo dentro da Alemanha, como ocorreu em longas premiados como
“O pianista”, de Roman Polanski, e “A lista de Schindler”, de Steven Spielberg.
A polêmica, no entanto, acompanhou o filme desde seu início, já que a princípio
as autoridades alemãs se negaram a deixar o longa-metragem ser gravado no
memorial de Benderblock, em Berlim, por Cruise pertencer à Igreja da
Cientologia, que sofre forte resistência na Alemanha. Além disso, a imprensa
alemã se esforçou em dizer que o ambiente na gravação era tudo menos plácido,
um extremo que foi negado por aqueles que trabalharam na produção, que conta
com nomes conhecidos como Kenneth Branagh, Terence Stamp e Bill Nighy. - “Trabalhar
com Tom foi maravilhoso. Ele faz com que o trabalho pareça simples, porque
passa muita energia positiva. É um tipo divertido que se concentra quando é
preciso, mas que sabe rir contigo também”, disse à Efe Branagh, que interpreta
outro dos cérebros da operação contra Hitler, o general Henning von Tresckow
(cf. Braga, 2012).
No
inicio da 2ª guerra mundial (1940-1945) a Alemanha encontrava-se em conflito
político-ideológico com os judeus radicados na Alemanha. No filme: “O menino de
pijama listrado” uma família alemã que morava em Berlim teve que se mudar para
uma casa perto do “campo de concentração”, onde o Ralf pai de Bruno trabalhava
como militar. Seu filho Bruno fez amizade com um judeu chamado Shmel (Samuel) onde aprendeu o
significado da amizade. Bruno apesar de ter prejudicado Samuel ele o perdoou. Sem
preconceito social, Bruno prometeu a Samuel que o ajudaria na procura seu pai, sumido,
aparentemente depois de ter ido fazer um trabalho e não havia voltado. Em
verdade havia sido confinado num campo de concentração nazista.
Justamente graças ao seu pensamento independente, a
“teoria do totalitarismo”, ou seja, a conhecida expressão: “Theorie der totalen
Herrschaft”, de seus trabalhos sobre filosofia existencial e sua reivindicação
da discussão política livre, Hannah Arendt tem um papel central nos debates contemporâneos.
Como fontes metodológicas em torno de suas indagações Arendt utiliza, além de
documentos filosóficos, no sentido que Hans-Georg Gadamer nos adverte políticos
e históricos, biografias e obras literárias. Esses textos são interpretados de
forma literal e confrontados com o pensamento de Hannah Arendt. Seu sistema de
análise - parcialmente influenciado pela hermenêutica filosófica de Martin Heidegger,
a converte em uma pensadora original situada em diferentes campos de
conhecimento e especialidades metodológicas acadêmicas. Seu devenir pessoal e
seu pensamento demonstram um importante grau de coincidência, mas também de
autonomia relativa das instâncias ou níveis de análise da realidade social e
independência de raciocínio.
No filme em questão, no dia em que Bruno iria se mudar
para morar com sua tia resolveu fugir para ajudar Samuel a procurar seu pai,
vestindo-se como as outras crianças, cavou um buraco passando para dentro do
campo de concentração. Lá dentro junto com Samuel foi à sua cabana a procura do
pai, porém antes que conseguissem sair do campo de concentração foi levado
junto com os judeus para a câmera de gás. Quando sua família sentiu sua ausência,
fora a sua procura e encontrara suas roupas jogadas em frente ao campo de
concentração, quando seu pai entrou em busca de Bruno. Viram que havia uma
cabana vazia e lembraram-se que aquele seria o dia em que os judeus seriam
colocados na câmera de gás. Logo descobriram que seu filho estava junto com os
judeus com seus pijamas jogados ao chão e havia sido morto envenenado pelo gás
letal.
Metodologicamente
o nazismo é frequentemente considerado por historiadores, sociólogos e
analistas políticos como uma “derivação” do fascismo. Mesmo incorporando
elementos comuns tanto da direita política, quanto da esquerda política (cf. Laclau,
1978; 2007), o nazismo é considerado de fato como ideologia de extrema direita,
formando um dos vários grupos históricos que utilizaram o termo “nacional-socialismo”
para egocentricamente “descreverem a si mesmo” e, na década de
1920, tornarem-se o maior grupo da Alemanha. O ideal do Partido Nacional
Socialista dos Trabalhadores Alemães (Partido Nazista) são expressos no seu
“Programa de 25 Pontos”. Entre os elementos-chave para interpretação histórica,
teórica e ideológica do nazismo, há o antiparlamentarismo, o pangermanismo, o
racismo, o coletivismo, a eugenia, o antissemitismo/antijudaísmo, o
anticomunismo, o totalitarismo e a oposição assimétrica ao liberalismo
econômico e político, situando-se entre a clássica dicotomia “esquerda” versus
“direita”; na direção filosófica e política de uma nova síntese dinâmica entre,
os valores da tradição, honra, senso de dever, disciplina, abnegação, coragem e
ascetismo, e, ainda, a constelação de perspectivas ideológicas, referidas à
dualidade estrutural cujo sentido de gravidade “se estabelece a partir da
rejeição radical do liberalismo e do capitalismo” (cf. Bobbio, 1992; 1999;
2004; 2005; 2012).
Quando o terror e a inocência dão as mãos, salta aos
olhos a narrativa do filme: “The Boy in the Striped Pyjamas” que usa e abusa da
inocência infantil para chocar o público, que absorve os absurdos do nazismo, equidistantes
da interpretação de Albert Camus como analisaram noutro lugar. Dirigido por
Mark Herman, o filme é surpreendente e baseado no livro homônimo de John Boyne,
onde o terror e a inocência dão-se as mãos e compõem uma ciranda cujo efeito social
específico para o espectador representa um misto de encanto e nojo. Isso fica
explícito logo nos primeiros minutos de exibição quando as crianças, absortas
em suas brincadeiras, correm pelas ruas. Estrategicamente espalhados pelo
cineasta nas cenas estão elementos como soldados, cães, bandeiras com suásticas.
Já nos primeiros minutos nos deparamos com a contextualização do período
histórico e político-ideológico. A inocência é reforçada pela sonoplastia que
evoca relaxamento. O que virá, no entanto, é o significado do terror;
implícito, e ipso facto intenso
representando a expressão da dor física e mental.
Vale lembrar que a “suástica” ou “cruz gamada”
representa um símbolo místico encontrado em muitas culturas em tempos históricos
diferentes, desde os índios Hopi aos Astecas, dos Celtas aos Budistas, dos
Gregos aos Hindus, ou neste caso. Alguns autores acreditam que a suástica tem
um valor especial por ser encontrada em muitas culturas sem contatos umas com
as outras. Os símbolos a que chamamos suástica possuem detalhes gráficos
bastante distintos. Vários desenhos de suásticas usam figuras com três linhas.
A nazista, para o que nos interessa, tem os braços, apontando para o sentido
horário, ou seja, indo para a direita
– carregando de significado e sentido político sua simbologia e roda a figura
de modo a um dos braços estarem no topo. Outras chamadas suásticas não têm
braços e consistem de cruzes com linhas curvas. Os símbolos Islâmicos e
Malteses parecem mais hélices do que propriamente suásticas.
Ao ser promovido dentro do regime de Adolf Hitler, um
comandante (David Thewlis) muda-se com a família para o interior. O impacto da
mudança é maior para o filho Bruno (Asa Butterfield), que se vê diante de uma
casa imensa, lembrando-nos o filme: “Il Giardino dei Finzi-Contini” (1970), mas
sem amigos. Um dia, ele encontra um menino numa estranha fazenda habitada por
pessoas vestindo curiosos “pijamas listrados”. Uma cerca os separa. Ou quase.
Bruno e Shmuel (Jack Scanlon), o amigo ameniza a separação física da cerca de
arame farpado, típica dos “Aussiedlung”, com diálogos que os aproximam, mas eles
que são de mundos estranhos e tão opostos assimetricamente como complementares.
O filme: “O Menino do Pijama Listrado”, guardadas as proporções, é um dos raros
casos em que a adaptação cinematográfica de uma obra literária acaba sendo tão
envolvente quanto o próprio livro. A transposição para a tela pretende ter o
maior grau possível de fidelidade ao trabalho escrito, mas obtém algumas complementações que enriqueceram o relato
etnográfico, como ocorre nos detalhes das cenas finais com processo de
amadurecimento da irmã de Bruno.
No filme: “The Boy in the Striped Pyjamas” o menino
aparentava ter medo e ao mesmo tempo admiração pelo pai, por ser autoritário na
vida familiar e político-militar. A corrupção da consciência,
fenomenologicamente falando, no sentido que emprega Merleau-Ponty (2006: 53 e
ss.) funciona como a “essência da consciência para o mal”, ou, “essência da
percepção para o mal”, posto que: a consciência só começa a serem determinando
um objeto, e mesmo os fantasmas de uma “experiência interna” só é possível por
empréstimo à experiência externa. Portanto, não há vida privada da consciência.
A consciência só tem como obstáculo o caos, que não é nada. Mas em uma
consciência que constitui tudo, ou, antes, que possui eternamente a estrutura
inteligível de todos os seus objetos, assim como na consciência empirista que
não constitui nada, a atenção permanece um poder abstrato, ineficaz, porque ali
ela não tem nada para fazer. Contudo, a amizade pura, livre e desinteressada
dos meninos Bruno e Shmuel mostrou o mundo onde os preconceitos de
diversidades, sejam eles de qualquer categoria, credo, classe social, ou cor,
esmagam a esperança e a vontade de se conviver em paz.
A consciência não está menos intimamente ligada aos
objetos em relação aos quais ela se distrai do que aqueles aos quais ela se
volta. O filme foi baseado no best-seller
homônimo de John Boyne. Diferente do seu processo de criação normal, Boyne
declarou que escreveu a primeira versão do livro em apenas dois dias e meio. O
campo de concentração no qual o pai de Bruno trabalha não é nomeado, mas os
especialistas dizem ser possível reconhecê-lo como o campo de Auschwitz pela presença de quatro crematórios
na composição do cenário. - “Auschwitz
I, o principal campo do complexo de Auschwitz, foi a primeira das unidades a
serem estabelecidas, nas proximidades da cidade polonesa de Oswiecim. Sua
construção teve início em maio de 1940, em um quartel de artilharia usado
anteriormente pelo exército polonês na região de Zasole, subúrbio de Oswiecim.
O campo foi se expandindo continuamente por meio de trabalho escravo. A câmara
improvisada estava localizada no porão da prisão (Bloco 11). Mais tarde, uma
câmara de gás fixa foi construída dentro do crematório”. A propaganda nazista
do campo de concentração que aparece no filme foi baseada em um vídeo originalmente
rodado em 1941, produzido pelos ideólogos nazistas.
Bibliografia geral
consultada:
LACLAU, Ernesto, Política e Ideologia na Teoria Marxista:
Capitalismo, Fascismo e Populismo. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1978; Idem,
La razón populista. Buenos Aires:
Fondo de Cultura Econômica, 2007; BOBBIO, Norberto, Ni con Marx ni contra Marx. 1ª edição.
Espanha: Fondo de Cultura, 1999; Idem, Il
Futuro della Democrazia. 1ª edição. Itália: Einaudi Editore, 2005; FRITZSCHE, Peter, Germans
into Nazis. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1998; EATWELL,
Roger, Fascism, A History. London: Viking/Penguin Ed., 1996; JUNGER, Ernest, A Guerra como Experiência Interior.
Lisboa: Ulisseia, 2004; ARENDT, Hannah, Eichmann em Jerusalém.
São Paulo: Cia das Letras, 1999; Idem, Compreender. Formação, exílio e
totalitarismo. Ensaios 1930-1954. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2008b; Idem, A promessa da política. 2ª edição. Rio de
Janeiro: DIFEL, 2009; HEIDEGGER, Martin, Nietzsche.
Berlim: Gunther Neske Verlag, 1961; Idem, Ensaios
e conferências. 3ª edição. Petrópolis (RJ): Editor Vozes, 2006; Idem, Nietzsche (I). Rio de Janeiro: Editora Forense
Universitária, 2007; NICHOLLS, David,
Adolf Hitler: A Biographical Companion. Chapel Hill, North Carolina; USA:
University of North Carolina Press, 2000;
MERLEAU-PONTY, Maurice, Fenomenologia da
Percepção. 3ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2006; entre outros.
______________
* Sociólogo (UFF), cientista político (UFRJ), doutor em ciências junto à Escola de Comunicações e Artes de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
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