“Lélia exerceu um papel fundamental na criação e ampliação do movimento negro contemporâneo”. Luiza Barros
Lélia Gonzalez nasceu “de Almeida”, em Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, em 1º de fevereiro de 1935. Tinha
59 anos quando faleceu, em 10 de julho de 1994, no bairro de Santa Teresa
(foto), na cidade do Rio de Janeiro. Quando Lélia era criança, sua família
instalou-se no Rio de Janeiro, na favela do Pinto, no bairro do Leblon, ao lado
do Clube de Regatas do Flamengo, onde jogava (e depois foi técnico) seu irmão,
Jaime de Almeida (nascido em 1920), por quem nutria enorme admiração e nos
passos de quem seguiu torcendo pelo Flamengo e gostando muito de futebol. Logo depois, a família mudou-se para o
subúrbio, para uma casa em Ricardo de Albuquerque onde correm os trilhos da
Estação Ferroviária Central do Brasil. Pela localização da residência,
se percebe que Lélia de Almeida viajou muito pelas margens no trem suburbano da Central do Brasil, junto
com o “povão” (como dizia), principalmente quando estudou no Colégio Estadual
Orsina da Fonseca, ao lado do terminal ferroviário da Central do Brasil, no centro da
cidade e no Imperial Colégio Pedro II na Av. Marechal Floriano, no centro da cidade do Rio de Janeiro, também
próximo a extinta Rede Ferroviária Federal Central do Brasil, hoje, Rede
Ferroviária Federal S. A .
O
Colégio Pedro II representa uma tradicional instituição de ensino público
federal, localizada no estado do Rio de Janeiro, no Brasil. Faz parte da Rede
Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, vinculada a
Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação
(Brasil). É o terceiro mais antigo colégio em atividade no país, depois do
Ginásio Pernambucano e do Atheneu Norte-rio-grandense. A escola foi criada em
homenagem ao seu patrono, o imperador do Brasil, D. Pedro II. Fundado durante a
regência do Marquês de Olinda, Pedro de Araújo Lima, integrava um projeto civilizatório
mais amplo do Império do Brasil, do qual faziam parte a fundação do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro e o Arquivo Público do Império, seus
contemporâneos. No plano da educação, autores entendem que o colégio pretendia
formar uma elite ao destacar a transformação do Seminário de São
Joaquim em Colégio de Pedro II baseada na ideia da Reforma da
Constituição em 1834.
de construir um modelo a ser seguido, já que
as províncias não estavam dando conta de, por si mesmas, estabelecer seu
sistema de ensino local. Outro grupo de autores, como a historiadora e docente
da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo Circe Bittencourt, têm
estabelecido visões que dialogam com ambas as perspectivas. A formação
histórica e sociológica do Colégio explica bastante do plano civilizatório
Imperial: uma educação que priorizava uma boa formação, mas que abrangia uma
parte pequena da sociedade, que era suficiente ao projeto do Império, na medida
que preenchesse os quadros básicos do sistema burocrático e ideológico às
lideranças do país, com um currículo que servia a estes interesses, não estando
tão preocupada com a formação de uma massa ampla de operários minimamente
capacitados, como ocorreria em momentos posteriores no Brasil e já ocorria em
alguns lugares da Europa.
Filha
de um ferroviário negro e de uma empregada doméstica indígena, Lélia Gonzalez
nasceu em Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, em 1º de fevereiro de 1935.
Autora de artigos, ensaios e livros sobre a temática racial, a antropóloga e
militante do movimento negro nos anos 1970, Lélia foi também um expoente no
combate ao preconceito social e racial contra a mulher. Sua obra acadêmica e
seu trabalho como militante contribuíram para impulsionar não apenas o debate
sobre a problemática racial no Brasil, mas também os seus desdobramentos a
partir, basicamente, de dois temas correlatos: “a ideologia do branqueamento” e
seus efeitos e o da “dupla exposição da mulher negra, discriminada pelo racismo
e pelo sexismo”. Lélia fez parte do grupo de fundadores do “Movimento Negro
Unificado” - MNU, principal canal de ressurgimento e rememoração da luta pela
igualdade racial, nos anos 1970. Sua “vontade de potência” se
realiza na tríade: a) na luta contra o racismo e a discriminação racial, b)
como também uma militante da causa feminina, c) particularmente da mulher
negra. Sua importância para o movimento negro tem sido comparada à
de Ângela Davis, ícone do movimento norte-americano.
Angela Davis nasceu no estado do Alabama, considerado um dos mais racistas do sul dos Estados Unidos e desde cedo conviveu com humilhações de cunho racial em sua cidade. Leitora voraz quando criança, aos 14 anos participou de um intercâmbio colegial que oferecia bolsas de estudo para estudantes negros sulistas em escolas integradas do norte do país, o que a levou a estudar no Greenwich Village, em Nova Iorque, onde travou conhecimento com o ensino do comunismo e socialismo teórico de tradição marxista, sendo recrutada para uma organização comunista de jovens estudantes. Na década de 1960, Angela tornou-se militante do partido e participante ativa dos movimentos negros e feministas que sacudiam a sociedade norte-americana, primeiro como afiliada da SNCC de Stokely Carmichael e depois de movimentos e organizações políticas como o Black Power e os Panteras Negras. Angela lecionou durante 17 anos no Departamento de História da Consciência na prestigiada Universidade da Califórnia-Santa Cruz. Recebeu o título de professora Emérita da Universidade da Califórnia e se aposentou do trabalho acadêmico de ensino e pesquisa em 2008. Após sua aposentadoria continuou sua rotina de palestras e cursos em diversas universidades e centros culturais por todo o mundo. Em 2019 passou a integrar o National Women`s Hall of Fame dos Estados Unidos da América.
Vale
lembrar que Ângela Yvonne Davis, nascida em Birmingham, 26 de janeiro de 1944
foi professora e filósofa socialista estado-unidense que alcançou notoriedade
mundial na década de 1970 como integrante do Partido Comunista dos Estados
Unidos. Através do grupo “Panteras Negras”, por sua militância pelos direitos
das mulheres e contra a discriminação social e racial nos Estados Unidos. E,
particularmente, por ser personagem de um dos mais polêmicos e famosos
julgamentos criminais da recente história norte-americana. Ângela nasceu no
estado do Alabama, um dos mais racistas do sul dos Estados Unidos e desde cedo
conviveu com humilhações de cunho racial em sua cidade. Leitora voraz quando
criança, aos 14 anos participou de um intercâmbio colegial que oferecia bolsas
de estudo para estudantes negros sulistas em escolas integradas do norte do
país. Sendo selecionada com bolsa de estudos que a levou a estudar no Greenwich
Village, em Nova Iorque, onde travou conhecimento com o comunismo e o
socialismo teórico, sendo recrutada para uma organização comunista de jovens
estudantes. Na década de 1960, Ângela tornou-se militante do partido e
participante ativa dos movimentos negros e feministas que sacudiam a sociedade norte-americana,
primeiro, como filiada da SNCC de Stokely Carmichael e depois de movimentos e
organizações políticas como o Black Power e Panteras Negras, mas que não
trataremos agora.
Gus Hall foi organizador político americano que era
secretário-geral do Partido Comunista dos Estados Unidos da América (1959–2000)
e quatro vezes candidato à presidência dos Estados Unidos
(1972,1976,1980,1984). Os pais de Hall eram membros dos militantes Trabalhadores
Industriais do Mundo e, em 1927, ele foi recrutado por seu pai para
ingressar no CPUSA. De 1931 a 1933, ele estudou no Instituto VI Lenin, depois rebatizado
de Instituto Marx-Engels-Lenin) em Moscou, e depois de retornar aos Estados
Unidos, ele se envolveu em atividades de organização sindical, ocasionalmente
sendo preso. Ele se tornou um membro oficial do partido em tempo integral em
1937. Após servir na marinha durante a 2ª Guerra Mundial, ingressou no conselho
executivo nacional do CPUSA. Em 1949, ele foi um dos 11 líderes partidários
condenados por conspirar para derrubar o governo dos Estados Unidos pela força
e foi condenado a cinco anos de prisão. Livre sob fiança durante uma apelação,
Hall e três outros fugiram para o México quando o recurso foi rejeitado em
1951. Eles foram recapturados, entretanto, e a sentença de Hall foi estendida;
ele foi encarcerado até 1957. Eleito para a posição de liderança do CPUSA em
1959, Hall concorreu à presidência dos Estados Unidos como candidato do partido
em quatro anteriores e obteve seu melhor resultado em 1976, quando obteve quase
60.000 votos. Ele viagens anuais a Moscou até a queda do regime comunista e foi
premiado com a maior medalha civil da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, uma Ordem de Lênin. Embora a adesão
do CPUSA à sua fé no comunismo de estilo soviético o mantivesse separado da chamada
Nova Equerda que emergia no cenário político mundial e seu número de membros
diminuísse constantemente, Hall permaneceu secretário-geral do partido até sua
morte.
O feminismo negro começa a ganhar visibilidade
mundial (Barreto, 2005; Damasco, 2009) a partir da segunda “onda do feminismo”, entre 1960 e 1980, por conta
da fundação da National Black Feminist, nos Estados Unidos, em 1973. Surge no final do
conflito armado segundo os vietnamitas, intitulado: “Guerra Americana”, ocorrido no Sudeste Asiático entre 1955 e 30
de abril de 1975. Notadamente, porque feministas negras passaram a pesquisar e escrever
sobre o tema, criando uma literatura própria intitulada “feminista negra” universal. Porém,
historicamente, mulheres negras já desafiavam o sujeito mulher determinado pelo
feminismo num mundo masculino ainda ressentido pelas formas de opressão e
dominação em mulheres. Duas questões pontuais me fazem refletir sobre a cisão
das mulheres negras com o movimento feminista: a) Por deterem o domínio racial
e contarem com maior número de lideranças consolidadas, as feministas em geral
resistem às questões das mulheres negras, em particular; b) Supondo que passam
pelos mesmos problemas e desejam quase as
mesmas coisas, o feminismo não atenta para as especificidades de cada grupo
feminino e acaba atuando sob omissão. Muitas vezes deliberada sobre as necessidades
das mulheres negras, sem que seja feita uma análise histórica e crítica do
racismo brasileiro, levando em conta os aspectos culturais regional, nacional e
global.
Maria José Motta de Oliveira, nome de batismo da
artista, nascida em Campos dos Goytacazes (RJ), em 27 de junho de 1944, mãe de
cinco filhas e de um filho - adotados - e avó de quatro netos, tornou-se
conhecida nacionalmente a partir de meados da década de 1970, quando conquistou
brasileiros e estrangeiros, com “Xica da Silva”, personagem vivido por ela no
filme homônimo de Cacá Diegues, que se transformou em seu talismã. A cantora e
atriz Zezé Motta, com quase 50 anos de carreira, convive com o status de
estrela no universo das artes no país. Militante do movimento negro, ela ainda
vê barreiras a serem vencidas no exercício da profissão. - “Já avançamos, mas
ainda temos muita luta pela frente. Precisamos de mais autores, produtores e
diretores negros atuando. Eles existem e não são aproveitados. Felizmente,
percebo hoje uma preocupação na distribuição dos papéis, em não deixar o negro
fora das produções”. Campos dos Goytacazes nasceu com o tamanho de toda região Norte e
Noroeste Fluminense, exceto São João da Barra. O município, historicamente,
fazia divisa com Nova Friburgo, Cantagalo, Cabo Frio e com o estado de Minas
Gerais, mas, com a emancipação da cidade de Itaperuna, perdeu metade de seu
território. A partir da década de 1980, Campos perdeu cinco de seus antigos
distritos, que, atualmente, formam os municípios de Talva e Cardoso Moreira.
As condições sociais e políticas das mulheres negras no Brasil
contraria a tendência mundial baseada em dados estatísticos de que as mulheres vivem mais que os homens. A
expectativa de vida para as afrodescentes é de 66 anos, está alguns meses abaixo
da média nacional que é de 66,8 anos. A precária situação da saúde sexual e
reprodutiva das mulheres negras está diretamente relacionada à desigualdade social
de acesso ao serviço de saúde. Em razão da predisposição biológica para algumas
doenças, como hipertensão e diabetes causando com mais frequência a morte
materna entre as mulheres negras. As doenças étnicas mais frequentes nas
mulheres afrodescendentes são descritas da seguinte forma: miomas uterinos, Hipertensão Arterial, Diabetes Mellitus
Tipo II, Câncer no colo do útero além do traço falciforme, inclusive HIV-AIDS,
o que dispensa-nos de comentários clínicos etc. Atriz Zezé Motta (foto) criou centro para cadastrar atores negros no mercado de trabalho no Brasil.
A luta histórica das feministas negras representa uma
batalha no campo das ideias, mas, sobretudo enredada em uma práxis contínua
para nivelar seu lugar de análise ao lugar das atividades práticas de mulheres
brancas no âmbito da sociedade. Este aspecto ideológico levanta: a) a
importante reflexão sobre a representação
feminina na mídia e/ou indústria cultural, b) seu espaço de participação social
no mercado de trabalho brasileiro, além do eixo desenvolvimentista Rio-São
Paulo; c) o lugar de “primazia” como assédio moral e vítima da violência
sexual, d) o protagonismo da maternidade, entre outros temas conjunturais,
inclusive de formação no âmbito das universidades e escolas técnicas. Há tanto um
conjunto de práticas e saberes sociais por que as mulheres brancas precisam
lutar. É bastante preocupante o fato de que as mulheres negras nem sequer
conquistaram igualdade social e política. Sem perder de vista comparativamente
com outros indivíduos do seu próprio grupamento étnico e de classes sociais,
inclusivamente à particularidade da questão social de gênero no Brasil.
A atualidade do perspectivismo de Simone de Beauvoir
tem sido admitida por Daniele Reis (2005). A cor é fator relevante quando
analisamos os casos de agressão e assassinato por parte de companheiros e
ex-companheiras. As negras são mais de 60% das vítimas de “feminicídio”,
exatamente porque não contam com assistência adequada e estão mais vulneráveis
aos abusos das próprias autoridades. Já no aspecto da sexualidade, das mulheres
brancas é esperado o comportamento moderado e sensualidade com limitações,
porém, as mulheres chamadas de “mulatas” são amplamente “exotificadas” e
tratadas como objetos disponíveis para a exploração. O argumento de quem
enxerga as mulheres negras para investidas sexuais é de
que elas são mais provocantes, que seus corpos suportam atos mais intensos ou
até mesmo que não podem negar os estilos de assédio moral e sexual.
A cultura do estupro é vigente desde o período
histórico de colonização do Brasil, quando mulheres negras foram estupradas por
homens brancos e usadas em políticas oficiais de miscigenação, com o fim de
branquear a população. A mentalidade daquela época se mantém forte na
contemporaneidade e é por isso que são tão naturalizados aspectos culturais
como a escolha anual da “Globeleza”, nome dado à cobertura do carnaval feita pela Rede Globo. É também o nome dado à mulata que samba nas vinhetas da emissora, pelo qual consagrou a carreira da dançarina Valéria Valenssa, que durante 14 anos foi a Mulata Globeleza, dançando apenas com o corpo completamente pintado nas vinhetas da emissora designadas para o carnaval carioca. Realizou shows de dança no exterior, com apresentações em países como Portugal e Áustria, entre outros.Erika Moura, assumiu o posto no ano de 2015. A posição de mulata
que expõe seu corpo é tão relacionada exclusivamente à mulher negra, que nem
sequer se estende o concurso sexista para mulheres de outras etnias ou raças. Enquanto
as mulheres brancas são vítimas de violência sexual, é preciso, comparativamente, salientar as
formas distintas: as brancas são violentadas exclusivamente por seu gênero, as
negras sob a trágica forma de dupla penetração: sexual e vítimas do preconceito racial.
Um bom exemplo histórico refere-se à chamada MarchadasVadias, um movimento social que surgiu a partir de um protesto realizado no dia 3 de abril de 2011 em Toronto, no Canadá, e desde então se internacionalizou, sendo realizado em diversas partes do mundo, no âmbito do hemisfério ocidental e que atualmente tem sido realizada
em quase todos os estados brasileiros. Há diversos grupos do “Feminismo
Negro” que não participam dos protestos. Mas criticam o uso de palavras expressas como
“vadia” e “puta”, afirmando que as mesmas não podem ser “ressignificadas” pelas
negras, para usarmos o voguismo antropológico, pois o estigma que carregam é
muito forte e o mais urgente é romper representações hipersexualizadas.
Partindo desse pressuposto, o melhor seria lutar para ser reconhecida no plano de atividades como uma intelectual,
capaz de conquistas diversas e ocupação em papéis ilimitados. Não obstante,
esse posicionamento não é unânime; diversas mulheres negras participam das
marchas e ocupam posições políticas adentre as equipes de organização em torno das lutas sociais.
Ainda que as relações em torno do gênero seja usado como
sinônimo de sexo, nas ciências sociais e na psicologia tradicionalmente, refere-se às diferenças
sociais, reconhecidas nas ciências biológicas como papel de gênero.
Historicamente, o feminismo posicionou os papéis de gênero como construídos
socialmente, independente de qualquer base ideal típica biológica. Pessoas cuja identidade
de gênero difere do gênero designado de acordo com os genitais são normalmente
identificadas como “transexuais” ou “transgêneras”. Muitas sociedades possuem
apenas dois papéis de gênero - masculino ou feminino - e estes correspondem ao
sexo biológico. Entretanto, algumas sociedades explicitamente incorporam
pessoas que adotam o papel de gênero oposto ao sexo biológico, como por
exemplo, em algumas sociedades indígenas norte-americanas, mas que não ocorrem apenas nelas. Enfim, outras sociedades incluem papéis bem
desenvolvidos que são explicitamente considerados distintos dos arquétipos
masculinos e femininos tradicionalmente. Na linguagem da sociologia de gênero há a inclusão de
um “terceiro-gênero”, um tanto distinto do sexo biológico, tendo em vista as
condições e possibilidades, nesta direção, abranger algumas vezes a base para
os papéis de gênero incluem a intersexualidade ou incorpora eunucos. A
sociologia contemporânea refere-se aos papéis de gênero masculino e feminino
como masculinidades e Feminilidades, respectivamente no plural ao invés do
singular, enfatizando a diversidade tanto dentro das culturas como entre as mesmas.
A revista People elegeu a atriz negra
Lupita Nyong’o, atriz mexicana e queniana como a mulher mais linda do mundo.
Mas o público não recebeu bem a notícia e os comentários de que ela não “poderia”
ser a mulher mais linda do mundo. A
maior revelação da indústria cinematográfica nos últimos anos é Lupita Nyong’o,
atriz criada no Quênia, com pós-graduação na Yale School of Drama, que
surpreendeu o público com seu desempenho em “12 Anos de Escravidão”. Seu papel
como Patsey, a escrava que resiste a atos indizíveis de brutalidade, não só lhe
rendeu o Oscar como um BAFTA (British Academy of Film andTelevision Arts) de coadjuvante. Lupita agora foi eleita a mulher
mais bonita do mundo pela revista People em sua edição especial, que sai todo
ano. É a primeira negra a ostentar esse título. Já tinha sido escolhido o rosto
da marca de cosméticos Lancôme. - “Ao vir para os EUA, foi a primeira vez em
que tive de me considerar negra e aprender o que significava a minha raça”. As pessoas são naturalmente atraídas por seu espírito e sua beleza
impressionante. Sua naturalidade é uma lufada de ar fresco em um mundo repleto
de celebridades intragáveis. Nyong’o venceu mil concorrentes que fizeram
testes para interpretar Patsey. Temos assim, a designação sociológica “subversão da identidade”.
A cor, analogamente como a noite, last but not least,
reenvia-nos, assim, sempre para uma espécie de “feminilidade substancial”. Mais
uma vez, tradição romântica ou alquímica e análise sociológica convergem para
evidenciar uma estrutura arquetípica, e encontra-se com a imemorial visão da tradição
religiosa. No clássico estudo do
antropólogo francês Gilbert Durand, Les StructuresAnthropologiques de
L`Imaginaire (1992) o autor rememora o eufemismo que as cores noturnas constituem
em relação às trevas parece que a melodia o constitui em relação ao ruído. Do
mesmo modo que a cor é uma espécie de noite dissolvida e a tinta uma substância
em solução, pode-se dizer comparativamente que a melodia, que a suavidade musical
tão cara aos românticos é a duplicação eufemizante de duração existencial. A
música melodiosa desempenha o mesmo papel enstático
que ocorre durante a noite. A ocasião é semelhante àquela já descrita no Jataka 314, em que nesta história o Mestre, enquanto morava em Jetavana, contou a respeito de um rei de Kosala. Desta vez, contudo, quando o rei disse: - “Senhor, o
que estes sons significam para mim?” o Mestre respondeu: - “Grande rei, não
tenha medo: nenhum perigo te ameaça devido a estes sons: tais terríveis sons
indistintos não foram escutados por você apenas: reis antigos também escutaram
sons semelhantes e pretendia seguir o conselho de brahmins e oferecer em
sacrifício quatro animais de cada espécie, mas após escutar o quê os sábios
tinham a dizer, eles libertaram os animais reunidos para o sacrifício e
proclamaram pelo tambor o fim de toda execução e morte”. E com o pedido do rei,
ele contou um conto antigo. E o mínimo que podemos fazer é citar, depois de Béguin, a tradução desta bela passagem das Phantasien uber die Kunst, de Ludwig Tieck, berlinense que fez parte do movimento do romantismo do final do século XVIII e início do século XX. A música opera o milagre de tocar em nós o núcleo mais secreto, o ponto de enraizamento de todas as recordações e de fazer dele por um instante o centro do mundo feérico, comparável a sementes enfeitiçadas, os sons ganham raízes em nós com uma rapidez mágica. E num abrir e fechar de olhos, sentimos o murmúrio de um bosque semeado de flores maravilhosas. Bibliografia geral consultada.
GONZALEZ, Lélia,
“O Papel da Mulher na Sociedade Brasileira”. In: SpringSymposiumThePoliticalEconomy of the Black World. Los Angeles: Center
for Afro-American Studies, 1979; Idem, “A Categoria Político-Cultural de
Amefricanidade”. In: RevistaTempoBrasileiro. Rio de Janeiro: n° 92/93 janeiro- junho, 1988; DEL PRIORE, Mary (Org.), História das Mulheres no Brasil. 2 edição. São Paulo: Editora Contexto,1997; OLIVEIRA,
Rosália Lemos de, Feminismo Negro em
Construção: A Organização do Movimento de Mulheres Negras no Rio de Janeiro. Dissertação
de Mestrado. Departamento de Psicologia. Rio de Janeiro: Universidade Federal
do Rio de Janeiro, 1997;BARRETO, Raquel de Andrade, Enegrecendo o Feminismo ou Feminizando a Raça: Narrativas de Libertação
em Ângela Davis e Lélia González. Dissertação de Mestrado. Programa de
Pós-Graduação em História Social da Cultura. Departamento de História. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2005; VIANA, Elizabeth do
Espírito Santo, Relações Raciais, Gênero
e Movimentos Sociais: O Pensamento de Lélia Gonzalez (1970-1990). Dissertação
de Mestrado em História Comparada. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006; HIRATA, Helena
(Org.), Dicionário Critico do Feminismo. 1ª edição. São Paulo: Editora
da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, 2009; DAMASCO, Mariana
Santos, Feminismo Negro: Raça, Identidade e Saúde Reprodutiva no Brasil
(1975-1996). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós- Graduação em
História das Ciências e da Saúde. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz. Casa
de Oswaldo Cruz, 2009; PEREIRA, Amilcar Araújo, “O Mundo Negro”: A Constituição do Movimento Negro Contemporâneo no Brasil (1970-1995). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2010; CARDOSO, Cláudia Pons, Outras Falas: Feminismos na Perspectiva de
Mulheres Negras Brasileiras. Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia e
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Felipe e BIROLI, Flávia, Feminismo e Política: Uma Introdução.1ª edição.São Paulo: Boitempo Editorial, 2014; RIBEIRO, Maria Florencia Guarche, A Revolução em Rojava: Jin, Jiyan, Azadi (Mulheres, Vida, Liberdade). Monografia de Conclusão de Curso de Bacharelado em Relações Internacionais. Santana do Livramento: Universidade Federal do Pampa, 2015; entre outros.
_______________
* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).
“As luzes que descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas”.
Michel Foucault
O
Cardeal de São Paulo, Dom Odilo Scherer, e os bispos de sua Arquidiocese,
anunciaram recentemente que não autorizam a criação, prevista há quatro anos
(2011), da Cátedra “Michel Foucault e a filosofia do presente” na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Por ocasião do 7° Colóquio
Internacional Michel Foucault, que reuniu na PUC-SP dezenas de especialistas na
obra do pensador e centenas de interessados, foi assinada uma carta de apoio a
essa iniciativa. A lista dos signatários incluía de forma extraordinária desde
membros do Collège International de Philosophie (Paris) aos membros da
Universidad San Martin na Argentina, da Universidad de los Andes na Venezuela e
da Universidad de Valparaiso no Chile. A iniciativa também obteve repercussão
através da solidariedade do Consulado Geral da França em São Paulo. Primeira
universidade do mundo, fora da França, a abrigar uma coletânea de áudios do
filósofo Michel Foucault, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP) pode ter de devolver o material. O Conselho Superior da Fundação São
Paulo, mantenedora da universidade, recusou a criação de uma Cátedra do
pensador. Os professores responsáveis pelo projeto foram informados sobre a
decisão na semana passada. Em reunião, o Conselho Universitário (Consun)
informou que vai encaminhar um pedido de reconsideração ao Conselho Superior,
órgão deliberativo máximo formado pela reitora Ana Cintra, bispos da
Arquidiocese de São Paulo e o cardeal dom Odilo Scherer. A cátedra é uma instância acadêmica destinada a fomentar o debate em torno
de algum pensador, ou teórico, e para a preservação e atualização de seu
trabalho.
Em
24 de novembro de 2007, foi elevado ao cardinalato pelo Papa Bento XVI, no
Consistório de 2007, na Basílica de São Pedro, recebendo o título de Cardeal-presbítero
de Santo André no Quirinal, sendo um dos mais jovens membros do Colégio
Cardinalício. Em 9 de maio de 2009, foi nomeado membro do Conselho de Cardeais
para o Estudo dos Problemas Organizativos e Econômicos da Santa Sé, até 24 de
fevereiro de 2014, quando o Papa Francisco emitiu a constituição apostólica em
forma de motu proprio Fidelis dispensator et prudens. Foi eleito
como membro delegado pela CNBB para participar como Padre Sinodal da 13ª
Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos realizado no Vaticano de 7 a 28
de outubro de 2012. Em novembro de 2012, como Grão-Chanceler da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), nomeou a terceira colocada na
lista tríplice Anna Cintra. Embora o cargo de grão-chanceler lhe garanta o
direito de optar por qualquer um dos três nomes, a escolha causou o
descontentamento de alguns professores e alunos que esperavam a nomeação do
primeiro nome da lista, como sói acontecer. O fato que também agravou foi o
tempo para a nomeação, pois esperou por quase dois meses para nomear as
vésperas do recesso acadêmico (férias) o que não teria sido bem visto pela
comunidade acadêmica. Em 15 de fevereiro de 2013, o Vaticano confirmou a
escolha do cardeal e oficializou Anna Cintra no cargo de reitora.
Michel Foucault é reconhecido internacionalmente por descrever uma analítica do poder em relação às instituições sociais, entre elas a Igreja Católica. Do latim cathedra que, por sua vez, tem origem num vocábulo grego que significa “assento” ou “cadeira”, a cátedra é a disciplina ou a cadeira, metaforicamente, que ensina um catedrático - professor que tenha preenchido determinados requisitos para partilhar conhecimentos e que tenha alcançado o posto mais alto na docência. O termo também é usado para fazer referência à função e ao exercício do catedrático. Essa Cátedra, que leva o nome de Michel Foucault, não é dedicada à leitura de seus escritos – que hoje já é parte da cultura clássica. Ela está voltada, sob o impulso não exclusivo de seus trabalhos, como o diz seu título, para uma livre análise, informação e debate sobre questões de filosofia e de vida civil contemporânea. A recusa de tal Cátedra, aberta à complexidade e diversidade de estudos e pesquisas na atualidade, contradiz a deontologia universitária assim como seu fundamento filosófico. A Universidade seria sua primeira vítima. Assim teríamos ironicamente, no caso da Pontifícia Universidade Católica – PUC-SP, a 2ª morte de Michel Foucault. O filósofo deixou inscrito uma das mais belas profecias sobre o “cuidado de si”. Uma ética política sobre a história da sexualidade, incluída a morte. O filósofo Michel Foucault deixou inscrita uma das mais belas profecias sobre o “cuidado de si”. Uma ética política sobre a história da sexualidade, incluída a morte. Este aspecto, não por acaso, passa a ser um elemento novo decorrente da analítica do poder proposta através da análise discursiva.
A problemática da governamentalidade fora retomada no “resumo dos cursos
do College de France” (1970-1984): “gostaria de me insinuar sub-repticiamente
no discurso que devo pronunciar hoje, e nos que deverei pronunciar aqui, talvez
durante dez anos”. Veio a falecer em 25 de junho de 1984, “quando seu estado de
saúde não mais lhe permitia prepará-los”. Salvo engano, nenhum sistema de pensamento
obteve repercussão tão ampla e evidente, do ponto de vista da mudança de
simbólica, a partir de temas como: a crítica da razão governamental, a
analítica do poder, sobre as relações “espaço-tempo” e “poder-saber”, “estética
da existência” e “experimento moral”, e mesmo entre o “império do olhar” e a
“arte de ver”. É impossível esquecer a tese foucaultiana segundo a qual “a visibilidade é
uma armadilha” que “canceriza” a vista através do poder disciplinar.
O estudo dedicado ao “cuidado de si” teve como
referência Alcibíades, retratado pelo pintor Pedro Américo em 1865. Nele, as
questões dizem respeito ao “cuidado de si” com a política, com a pedagogia e
com o conhecimento de si. Sócrates recomendava a Alcibíades que aproveitasse a
sua juventude para ocupar-se de si mesmo, pois, “com 50 anos, seria tarde
demais”. Mas isso, numa relação que diz respeito talvez ao enamoramento, na
acepção de Francesco Alberoni e que não pode “ocupar-se de si” sem a ajuda do
outro. O exercício da morte, como evocado na Antiguidade por Sêneca, consiste em
viver a duração da vida como se fosse tão curta quanto um dia e viver
cada dia como se a vida inteira coubesse nele; todas as manhãs, deve-se estar
na infância da vida, mas deve-se viver toda a duração do dia como se a noite
fosse o momento da morte. Na hora de dormir, afirma na Carta 12, com um sorriso: “eu vivi”.Mas há uma advertência, importantíssima na existência humana: “é preciso tempo para isso”. E
é um dos grandes problemas dessa cultura de si, fixar, no decorrer do dia ou da
vida, a parte que convém consagrar-lhe. Recorre-se a muitas fórmulas diversas.
Podem-se reservar, à noite ou de manhã, alguns momentos de recolhimento para o
exame daquilo que se fez para a memorização de certos princípios úteis, para o
exame do dia transcorrido; o exame matinal e vesperal dos pitagóricos se
encontra, sem dúvida com conteúdos diferentes, nos estoicos; Sêneca, Epicteto,
Marco Aurélio, fazem referência a esses momentos revigorados na plenitude da
vida que se deve consagrar a voltar-se para si mesmo. Pedro Américo: “Sócrates afastando Alcebíades do vício”, 1865.
Pode-se também interromper de tempos em tempos as
próprias atividades ordinárias e fazer um desses retiros que Musonius, dentre
outros, recomendava vivamente: eles permitem ficar face a face consigo mesmo,
recolher o próprio passado, colocar diante de si o conjunto da vida
transcorrida, familiarizar-se, através da leitura, com os preceitos e os
exemplos nos quais se quer inspirar e encontrar, graças a uma vida examinada,
os princípios essenciais de uma conduta racional. É possível ainda, no meio ou
no fim da própria carreira, livrar-se de suas diversas atividades e,
aproveitando esse declínio da idade onde os desejos ficam aparentemente
apaziguados, consagrar-se inteiramente, como Sêneca, no trabalho filosófico ou,
como Spurrima, na calma de uma existência agradável, “à posse de si próprio” no
espaço e tempo sociais habituais. Esse tempo não é vazio: ele é povoado por exercícios,
por tarefas práticas, atividades diversas que são ocupadas pelas reflexões de
nosso dia a dia. Ocupar-se de si não é uma sinecura. Existem os cuidados com o
corpo, os regimes de saúde, os exercícios físicos sem excesso, a satisfação,
tão medida quanto possível, as necessidades.
Existem as meditações, as
leituras, as anotações que se toma sobre livros ou conversações ouvidas, e que
mais tarde serão relidas, a rememoração das verdades que já se sabe, mas de que
convém apropriar-se ainda melhor. Marco Aurélio fornece, assim, um exemplo de
“anacorese em si próprio”: trata-se de um longo trabalho de reativação dos
princípios gerais e de argumentos racionais que persuadem a não deixar-se
irritar com os outros nem com os acidentes, nem tampouco com as coisas. Tem-se aí um dos pontos mais importantes dessa
atividade consagrada a si mesmo. Ela não constitui simplesmente um mero exercício da solidão; mas
sim uma verdadeira prática sociológica. E isso, em vários e amplos sentidos. Mas toda essa
aplicação a si não possuía como único suporte social a existência das escolas,
do ensino e dos profissionais da direção da alma; ela encontrava, facilmente,
seu apoio em todo o feixe de relações habituais de parentesco, de amizade ou de
obrigação. Quando, no exercício do cuidado de si, faz-se apelo a outro, o qual
se advinha que possui aptidão para dirigir e para aconselhar, faz-se uso de um
direito; e é um dever que se realiza quando se proporciona ajuda a outro ou
quando se recebe com gratidão as lições que ele pode dar na duração da vida. Acontece também do jogo entre os cuidados de si e a
ajuda do outro inserir-se em relações sociais preexistentes às quais ele dá uma
nova coloração e um sentido de calor expresso em intensidade maior. O cuidado de si – ou os cuidados que se tem
com o cuidado que os outros devem ter consigo mesmos – aparece então como uma
intensificação mais do que necessária das relações sociais. É sobretudo neste sentido que Sêneca dedica um consolo à sua mãe. Justamente no
momento em que ele próprio está no exílio, para ajudá-la a suportar essa
infelicidade atual e, talvez, mais tarde, infortúnios maiores sobre a solidão. O “cuidado de si”
aparece, portanto, intrinsecamente ligado a uma espécie de “serviço da alma”
que comporta a possibilidade de um jogo de trocas com o outro e de um sistema
de obrigações recíprocas. Neste aspecto Michel Foucault abriu caminho para o
eterno. Dom Odilo: hostilidade por parte de manifestantes. Foto: “Por uma PUC Católica” (2015).
Portanto é a partir
dela que, se tomarmos como analogia a reflexão realizada por Michel Foucault
para identificar as condições e possibilidades nas “formações discursivas”
entre arqueologia e história das ideias, pode-se agora inverter o procedimento.
Pode-se descer no sentido da corrente e, uma vez percorrido o domínio das
formações discursivas e dos enunciados, uma vez esboçada sua teoria geral,
correr para os domínios possíveis de sua aplicação. Recorrer sobre a utilidade
dessa análise que ele batizou de “arqueologia” recoloca o problema da escansão
do discurso segundo grandes unidades que não eram as das obras, dos autores,
dos livros ou dos temas. Sua singularidade refere-se ao fato social de que em
sua épistème “já existem muitos métodos capazes de descrever e analisar a
linguagem, para que não seja presunção querer acrescentar-lhes outro”. Ele já
havia mantido “sob suspeita”, expressão que Michel Foucault utiliza repetidas
vezes hic et nunc, unidades de discurso como no que se refere ao
livro ou a obra porque desconfiava que não fosse tão imediatas e evidentes
quanto pareciam ser no âmbito da pesquisa hermenêutica e propriamente
filosófica.
Portanto, será razoável opor-lhes unidades
estabelecidas à custa de tal esforço, depois de tantas hesitações e segundo
princípios tão obscuros que foram necessárias centenas de páginas para elucidá-los?
E o que todos esses instrumentos acabam por delimitar, esses famosos
“discursos” cuja identidade eles demarcam, coincide com as figuras chamadas
“psiquiatria” ou “economia política” ou “história natural” de que ele tinha
empiricamente partido, e que serviu de pretexto para remanejar esse estranho
arsenal. Forçosamente, ele precisa agora medir a eficácia descritiva das noções
que tentou definir. Precisa saber se a máquina funciona e o que ela pode
produzir. O que pode, então, oferecer essa “arqueologia”, que outras descrições
não seriam capazes de dar? Qual é a recompensa de tão árdua empresa, indagava o
bravo filósofo. Hoje, em vista dos acontecimentos inusitados a di-visão entre ironia e absurdismo. Poder-se-á
dizer em sua complementariedade que a originalidade da filosofia de Michel Foucault
reside justamente na forma como desfaz a oposição entre história e analítica,
entre argumentação descritiva e argumentação propositiva, porque justamente o
seu desígnio é fazer uma genealogia. Ou seja, um estudo da proveniência que identifica
o lugar em que se deu um conflito e
uma ruptura que ainda exerce efeitos sociais específicos
no nosso presente.
Se adotarmos a segunda alternativa, então poderíamos
sustentar que, a par da ética da virtude, das regras e do utilitarismo,
Foucault teria reafirmado uma proposta ética que se encontrava esquecida,
embora estivesse presente em autores estudados na atualidade como Søren
Kierkegaard, Friedrich Nietzsche e Martin Heidegger, e que se encontrava também
presente, embora de uma forma difusa e irrefletida, em inúmeras práticas, como
as terapias, as artes e a militância política enquanto práticas. O argumento
mais forte a favor de uma leitura programática do cuidado de si refere-se à
dificuldade com que, desde o século XIX, as sociedades ocidentais se deparam no
desejo de reconstituir uma ética e estética do eu. Com efeito, as noções que no
passado atestavam essas práticas, apesar de nos serem familiares, perderam o
sentido e tornaram-se por isso, esvaziadas de sentido e negativas. É o caso das
expressões “retornar a si” e “liberar-se”. Ora, apesar dessas expressões serem
ambíguas, regressamos sem cessar ao tema da soberania do eu ou precisamente de
uma ética do eu, que chamou atenção da sociedade norte-americana, em particular San Francisco.
Enfim, em filosofia, metodologicamente “Absurdo” se
refere ao conflito entre a tendência humana de buscar significado inerente à
vida. Ou a inabilidade humana para encontrar algum significado. Nesse contexto
“absurdo” não significa, “logicamente impossível”, mas sim “humanamente
impossível”. O universo e a mente humana não causam separadamente o Absurdo.
Mas é o Absurdo que surge pela natureza contraditória de ambos existindo
simultaneamente. Esta filosofia está relacionada ao existencialismo de
Jean-Paul Sartre e ao niilismo de Friedrich
Nietzsche, ainda que não deva ser confundido com estes. “Absurdismo”, portanto,
como conceito tem suas raízes no século XIX com o filósofo dinamarquês Søren
Kierkegaard. Já como sistema de crença nasceu do movimento existencialista
quando o filósofo e escritor francês Albert Camus rompe essa linha filosófica e
publica seu manuscrito “O mito de Sísifo”. As consequências da 2ª guerra mundial
proporcionaram um ambiente social propício para as visões “absurdistas”,
especialmente na devastada França de Michel Foucault, como as obras de Emil
Cioran, para ficarmos neste exemplo.
O absurdo no ensaio: “Le Mythe de Sisyphe” é
considerado um ponto de partida. Trata-se de uma sensibilidade, não de uma
filosofia do absurdo. Albert Camus diz isso em parte do prólogo: – “aqui se
encontrará unicamente a descrição, o estado puro de uma doença do espírito.
Nenhuma metafísica, nenhuma crença foi misturada a isso por enquanto”. Sem
lugar a dúvidas, “O mito de Sísifo” é a obra capital do absurdo. Assim como fez
Jean-Paul Sartre, ao publicar em 1943 o ensaio “O ser e o nada”, onde tenta
exibir a tese da novela “A Náusea” (1938), Camus publica o ensaio em que tenta
resolver os problemas propostos em sua narração d`“O Estranho”, ambos de 1942
(cf. Camus, 1945). Um dos aspectos relacionados por estudiosos a este ensaio de
Camus refere-se ao tema conspícuo do suicídio. Vale lembrar que foi analisado magistralmente por Émile Durkheim
(1897), mas também para Camus, especialmente em sua primeira parte: “Um raciocínio
absurdo”.
A resposta que Albert Camus tenta mediar diante deste profundo problema,
refere-se a um trabalho de pensamento sobre o sentimento do absurdo, sua gênese, e portanto, seu
conteúdo de sentido. Desenvolve o conceito do tempo, como inimigo, para entender a
ilogicidade do mundo. Se fosse acadêmico entenderia as formas pelas quais os burocratas da cultura gozam postergando as descobertas que povoam o tempo de meditação sobre com desperdício tolo da negação. Nele temos o resgate do espectro da morte, não mais ersatz que ronda as revoluções ocidentais dos anos 1848, mas inevitavelmente como uma certeza do absurdismo. De
acordo com a sua análise o “absurdismo”, tem como representação por toda a história de vida dos humanos o fato em torno do qual tentamos encontrar
sentido para nossas próprias vidas. Isto é correto, mas tradicionalmente, essa busca
resulta em uma das duas conclusões: ou que a vida não tem sentido, ou que a
vida contém nela um propósito definido por uma força maior – uma crença em
Deus, ou a aderência a alguma religião ou outro conceito abstrato. Camus
percebe que preencher a lacuna com alguma crença ou sentido inventado é um mero
“ato de ilusão”; isto é, evitar ou contornar ao invés de reconhecer e abraçar o
Absurdo.
Lembra-nos Camus, que “a ilusão é uma falha
fundamental na religião”, no existencialismo em geral, no existencialismo ateísta, que entretanto, não
inclui “ilusão” e em várias outras escolas do pensamento filosófico. Se o indivíduo escapa
ao Absurdo, então ele não poderá confrontá-lo. Mesmo com uma força espiritual
para dar significado, outra questão surge: Qual o propósito de Deus? Ora, Søren
Kierkegaard acreditava que não há propósito em sua filosofia de um Deus
compreensível aos humanos. Fazendo da crença em Deus “um absurdo por si mesma”,
um fim em si mesmo. Camus, enfim, sugere que acreditar em Deus é “negar um dos
termos da contradição”, entre a humanidade e o universo, portanto, não absurdo,
mas é o que ele chama de “suicídio filosófico”. Albert Camus, como analogamente também
Kierkegaard, ainda assim, sugere que enquanto o absurdo não leva à crença em
Deus, também não leva à Sua negação. É neste sentido exato que o jornalista político Camus adverte-nos,
portanto, com razão: – “Eu não disse exclui Deus,
o que equivale à Sua afirmação”.
A
liberdade não pode ser alcançada além do que a absurdidade da existência
permite; entretanto, o mais perto de que alguém pode chegar de ser
absolutamente livre é pela aceitação do Absurdo. Camus introduziu a ideia da
“aceitação sem resignação” como um meio de lidar com o reconhecimento do
absurdo, questionando se um homem pode ou não “viver sem apelo”, enquanto definindo
uma “revolta consciente” contra a evasão da absurdidade do mundo. Em um mundo
destituído de significado superior ou justiça após a morte, o ser humano se
torna tão absolutamente livre quanto é humanamente possível. É através dessa
liberdade expressa em seu conteúdo de sentido que o homem pode atuar, através do apelo a alguma força sobrenatural,
ou, como um herói do absurdo, através da revolta contra tal esperança. Não por acaso em determinada conjuntura política Michel Foucault chega admitir: - “É inútil revoltar-se”! A
rejeição da esperança, no “absurdismo”, demonstra a recusa de acreditar em
qualquer coisa além do que essa vida absurda pode prover.
Doravante, a recusa do herói do absurdo à esperança se
torna sua habilidade de viver o presente com paixão. A esperança, tanto em
Michel Foucault como Albert Camus enfatiza, não tem, entretanto nada a ver com
desespero, significando que os dois termos não é, e, portanto, não têm ou representam
o significado linguístico de significados antônimos. O indivíduo pode viver rejeitando
completamente a esperança, e, de fato, só pode fazê-lo sem esperança. A
esperança é vista pelo “absurdista” como outro método fraudulento de evadir o
Absurdo, e não tendo esperança, o indivíduo estará motivado a viver cada
momento ao máximo. O “absurdista” não é guiado por moralidade alguma, mas ao
invés disso, pela sua própria integridade soberana. O “absurdista” é, de fato,
amoral, porém não necessariamente imoral. Moralidade implica um firme senso
definitivo de certo e errado. Enquanto que a integridade implica honestidade
consigo mesmo e, consistência nas motivações subjacentes das ações e decisões
do indivíduo. Michel Foucault alcançou em vida o senso definitivo de
verdade. A moralidade íntegra, sem culpa, motivada pelas decisões que a
soberania individual carrega. A consciência plena em seu ersatz individual e
coletivo.
Bibliografia geral consultada.
PAIM, Antônio, Liberdade Acadêmica e Opção Totalitária – Um Debate Memorável. Rio de Janeiro: Editora Artenova, 1979; FOUCAULT, Michel, Arqueologia do Saber. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1971; Idem, El Orden delDiscurso. Barcelona: Ediciones Tusquets, 1973; Idem, Hermeneutica del Sujeto. Madrid: Ediciones de la Piqueta, 1987; RODRIGUES, Mavi, Michel Foucault sem Espelhos: Um Pensador Proto Pós-Moderno. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. Escola de Serviço Social. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006; BACH, Augusto, Michel Foucault e a História Arqueológica.
Tese de Doutorado em Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Filosofia.
São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2006; RIBEIRO, Carlos Eduardo, Foucault: Uma Arqueologia Política dos Saberes. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Departamento de Filosofia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009;BENEVIDES, Pablo
Severiano, O Dispositivo da Verdade: Uma
Análise a partir do Pensamento de Michel Foucault. Tese de Doutorado. Programa
de Pós-Graduação em Educação Brasileira. Fortaleza: Universidade Federal do
Ceará, 2013; FERREIRA, Adelino Alcides Abrunhosa, Cuidado de Si e Metanoia em Michel Foucault. Tese de Doutoramento em Filosofia Moral e Política. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2015; MOURA BERGAMO, Thelma
Maria de, Michel Foucault e os Mestres do
Dizer Verdadeiro. Tese Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Faculdade
de Educação. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2015; entre outros.
______________
* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).
“Il a exercé une
influence notable dans la montée du thatchérisme au Royaume-Uni”. Guy Sorman
Michael Joseph Oakeshott é reconhecido socialmente como o escritor
e filósofo mais desconcertante e original significativamente desde o pragmatismo de Ludwig Wittgenstein. Os sábios eram pensadores de fora do ambiente filosófico acadêmico cuja obra Wittgenstein lera ainda bem moço, como Karl Kraus, o “feroz crítico” da cultura e da linguagem do final do Império Habsburgo que lhe causou forte impressão, por sua insistência na integridade pessoal. A obra de Kraus inseria-se no contexto da chamada “crise da linguagem”, quando a preocupação geral era a autenticidade da expressão simbólica na arte e na vida pública. Outra expressão dessa crise foi a crítica da linguagem de Mauthner, autor que perseguiu uma meta kantiana, a derrota da especulação metafísica, substituindo a “crítica da razão” por uma “crítica da linguagem”, sendo sua obra mais tributária de David Hume e de Ernest Mach. Seu método era psicologista e historicista: a crítica da linguagem faz parte da psicologia social. O conteúdo de sentido da crítica era empirista – a linguagem fundamenta-se nas sensações. Seu resultado foi cético – a razão idêntica à linguagem. Mas esta última não serve para penetrar no âmago da realidade. Wittgenstein, acertadamente, opõe sua própria “crítica [lógica] da linguagem” à de Fritz Mauthner, quem primeiro identificou a filosofia com a crítica da linguagem. Oakeshott é um filósofo britânico, falecido em 1990, e que durante as décadas de 1950 e
1960 exerceu a cátedra de Ciência Política na prestigiosa London School of
Economics (LSE), tendo sido o sucessor inglês de Harold Laski (1893-1950). Autor de trabalhos que
versam sobre os mais diversos aspectos do conhecimento, e em particular o
conservadorismo, é geralmente “enquadrado” como um dos mais proeminentes
pensadores conservadores do século XX. Em sua vida acadêmica, publicou
relativamente pouco.
Além de alguns artigos e pequenos ensaios, constam
essencialmente quatro livros: “Experience and its modes” (1933), “On human
conduct” (1975), “On History” (1983) e “Rationalism in politics and other essas”
(1962), sem dúvida a principal obra de divulgação de seu pensamento, conjunturalmente
não poderia ser taxada de outra forma, como de caráter pessimista, tradicionalista,
burkeano, uma ideologia política que defende a manutenção das instituições tradicionais no contexto da cultura, da política e da civilização refletindo o pensamento conservador. O conservadorismo é uma influente corrente de pensamento
político burguês contemporâneo surgida na Inglaterra, no final do século XVIII, através da atividade
política do conservador Whig Edmund Burke, como uma reação à Revolução
Francesa, cujas utopias sociais resultaram imediatamente em instabilidade
política e crise social na França. O pensamento conservador expandiu-se pelo
mundo principalmente após o período do Terror jacobino, que, durante o auge da
Revolução, causou a morte de 35 mil a 40 mil pessoas. O termo conservador
denota a adesão a princípios e valores atemporais, que devem ser conservados a
despeito de toda mudança histórica, quando mais não seja porque somente neles e
por eles a história adquire uma forma inteligível (cf. Henkel; Lembcke, 2013). Por exemplo, a noção de uma
ordem divina do cosmos ou a de uma natureza humana universal e permanente.
O conservadorismo é um freio às ambições prometeicas do movimento revolucionário e, mais genericamente, sem exceção dos governantes. O conservadorismo britânico deriva largamente de
Edmund Burke e principalmente da sua obra “Reflexões sobre a Revolução na França” (1790), onde
este defende que as constituições não devem ser o produto da razão abstrata
(como as francesas), mas sim de uma lenta evolução histórica (como a
constituição inglesa), considerando a sociedade como sendo não apenas um
contrato entre os vivos, “mas entre os vivos, os mortos e os que estão por
nascer”. Contra a Liberdade proclamada pela Revolução como um absoluto, Burke
faz a defesa das liberdades, das prerrogativas particulares e tradicionais dos
diversos grupos sociais e locais, que se equilibravam mutuamente na ordem
pré-revolucionária. Ao contrário de Burke, outros parlamentares whigs, como
Charles James Fox, tomaram o partido da Revolução Francesa, acabando as ideias
das Reflexões por serem mais aceites entre os Tories. Durante o século XIX, o
conservadorismo britânico, inspirado por pensadores conspícuos como Samuel Coleridge,
Thomas Carlyle, Henry Maine, etc. desenvolve-se como o partido político de representação da aristocracia
tradicional, em volta de temas como a desconfiança em face da democracia, a
defesa da Câmara dos Lordes e uma certa nostalgia pela Inglaterra
pré-industrial.
Um
juízo de valor representa um juízo sobre a correção ou incorreção de algo, ou
da utilidade de algo, baseado num ponto de vista pessoal ou subjetivo. Como
generalização, um juízo de valor pode referir-se a um julgamento baseado num
conjunto particular de valores ou num sistema de valores determinado. Um
significado conexo de juízo de valor é o juízo de um recurso de avaliação
baseado nas informações limitadas disponíveis, uma avaliação efetuada porque
uma decisão deve ser tomada independentemente de estar em função da utilidade,
da estética, da moral, ou de qualquer outro critério valorativo. A expressão
juízo de valor pode ser usada num sentido positivo; significando que um
julgamento deve ser feito levando em conta um sistema de valores, ou, num
sentido depreciativo, significando um julgamento realizado de um ponto de vista
pessoal, em vez da proposição de um pensamento racional, objetivo. Neste
sentido positivo, a recomendação socialmente ao se fazer um juízo de valor, é
que se considere cuidadosamente para evitar arbitrariedades e impetuosidade, e
buscar consonância com as convicções mais profundas que se tenha sobre a
realidade. Em seu sentido depreciativo, a expressão juízo de valor implica uma
conclusão que é isolada, parcial e não objetiva — contrastando com julgamentos
baseados em deliberação, equilíbrio e racionalidade.
Um
juízo de valor também pode referir-se a uma tentativa de julgamento baseada
numa avaliação estudada das informações disponíveis, tomadas como sendo
incompletas e em evolução; por exemplo, um juízo de valor sobre lançar ou não
um ataque militar ou como proceder numa emergência médica. Neste caso, a
qualidade do julgamento sofre porque a informação disponível é incompleta como
resultado da urgência, em vez de ser resultante de limitações culturais ou
pessoais. Mais comumente, a expressão juízo de valor refere-se a uma opinião
individual. De fato, a opinião de um indivíduo é formada até certo ponto por
seu sistema de crenças e a cultura à qual ele pertença. Assim, uma extensão
natural da expressão juízo de valor é incluir declarações que parecem ser de
mão única em um determinado sistema de valores, mas que podem ser vistas de
forma diferente em outro. Conceitualmente, esta extensão da definição
relaciona-se tanto ao axioma antropológico de “relativismo cultural”, isto é,
que o sentido cultural deriva do contexto quanto à expressão “relativismo moral”,
isto é, que as proposições de moral e ética não são verdades universais, mas
brotam do contexto cultural.
No
sentido pejorativo, um juízo de valor formado dentro de um sistema social de
valores específico pode ser “paroquial” e estar sujeito a questionamentos junto
a audiências mais amplas. Entretanto, um julgamento pessoal é uma expressão
descrevendo uma decisão tomada entre alternativas que não são claramente certas
ou erradas, e que assim deve ser tomada numa base pessoal. Valor neutro é um
adjetivo conexo que sugere independência de um sistema de valores. Por exemplo,
a classificação de um objeto depende do contexto: ele é uma ferramenta ou uma
arma, um artefato ou um antecedente? O objeto em si pode ser considerado aparentemente
de valor neutro, não sendo nem bom nem mau, nem útil nem inútil, nem
significativo nem trivial, até que seja colocado em algum contexto inscrito nos
níveis de análise social, tanto quanto econômico ou político. Para uma
discussão sobre o valor “neutro” da tecnologia, estranhamente, um item também
pode ter um valor que pode ser neutro na medida em que sua utilidade se uso
social, ou importância são evidentes, independentemente do contexto social; por
exemplo, oxigênio.
Alguns
autores argumentam hic et nunc que a objetividade verdadeira do
conhecimento é impossível, e que mesmo as mais rigorosas análises racionais se
fundamentam no conjunto dos valores aceitos no curso da análise.
Consequentemente, todas as conclusões são necessariamente juízos de valor e
logo, talvez suspeitas. De fato, por todas as conclusões numa única categoria
nada faz para distinguir entre elas e é, portanto, um descritor inútil exceto
como um dispositivo retórico pensado para desacreditar uma posição através dum
apelo a autoridade. Como exemplo de um ponto de vista mais sutil,
"verdades" científicas são consideradas objetivas, mas são mantidas
empiricamente, com a compreensão de que evidências mais cuidadosas e/ou
experiências mais amplas possam mudar os fatos. Além disso, uma opinião
científica, no sentido de uma conclusão baseada num sistema de valores, é um
juízo de valor baseado em avaliação rigorosa e amplo consenso. Com este exemplo
em mente, caracterizar uma opinião como um juízo de valor é vago sem a
descrição do contexto que a cerca. Todavia, como notado no primeiro segmento
deste artigo, no uso comum, a expressão juízo de valor possui um significado
mais simples, com o contexto simplesmente implicado, não especificado.
No entanto, sob a liderança de Benjamin Disraeli moderniza-se, adotando os princípios democráticos e passando a ter como escopo político a defesa do Império como grande bandeira, contra a desconfiança dos liberais perante a expansão colonial. Disraeli, que concedeu o direito de voto aos operários urbanos, tentou dar um carácter social ao conservadorismo e torná-lo numa aliança entre a aristocracia e as chamadas classes populares. Nas primeiras décadas do século XX, os conservadores têm como referência esses princípios - defesa da unidade do Império, oposição à autonomia irlandesa que levou muitos liberais unionistas, como Joseph Chamberlain, a se juntarem ao Partido Conservador, uma politica comercial protecionista favorecendo o comércio com as colônias, etc., a que se junta uma posição antissocialista, à medida que o Partido Trabalhista e o movimento sindical vão ganhando força no âmbito da política global.
Para os conservadores, as melhores instituições
sociais e politicas não são aquelas que são inventadas pela razão humana, como fora
defendido pelo chamado racionalismo político, mas sim as que resultam de um
lento processo de crescimento e evolução ao longo do tempo, empiricamente como
a não escrita constituição inglesa face às Constituições promulgadas pelos
revolucionários franceses. Não acreditando na ideia de “bondade natural do
Homem”, os conservadores consideram que são os constrangimentos introduzidos
pelos hábitos e tradições que permitem o funcionamento das sociedades, pelo que
qualquer regime duradouro e estável só poderá funcionar se assente nas
tradições sociais. Assim, para os conservadores não faz sentido elaborar projetos
universais do ponto de vista de uma sociedade ideal - não só tal sociedade será inatingível devido ao
que acreditem ser a imperfeição intrínseca da natureza humana. Mas, devido a
diferentes povos terem diferentes histórias, sociais, políticas e de costumes referendando suas tradições, o modelo social mais
adequado a um povo não será o mais apropriado a outro - criticando de seu ponto de vista político conservador os
revolucionários franceses.
Após sua morte, em 1990, surge no cenário acadêmico norte-americano
e britânico uma série de importantes trabalhos acadêmicos buscando resgatar o
pensamento de Michael Oakeshott. Um fato considerável é a organização e
publicação de inúmeros manuscritos, ensaios e anotações de aulas proferidas na
London School of Economics and Political Science, ou simplesmente London School of Economics- LSE. Nesse sentido, o presente trabalho tem como objeto a análise de uma dessas
obras póstumas, o livro: “The Politics of Faith and The Politics of Scepticism”.
Elaborado após a 2ª guerra mundial e completada provavelmente em 1952, a obra
delineia uma diferenciação entre dois modos ou estilos da atividade de
governar: a política de fé e a política de ceticismo. Neste sentido, apolítica não conhece nada
acerca de necessidades genuínas. Não há nada no mundo da política que não
provenha da atividade humana, embora haja muita coisa que não seja consequência
do desígnio humano. Por isso, ao estudar as atividades políticas do governo, Oakeshott
considera que as ações sociais concretizadas tornam-se distintas em análise comparada, tendo em vista que não é porque a intenção
é diferente, mas porque elas pertencem a outro contexto no qual tem-se estas atividades.
No pensamento deste autor existem sempre dois
ingredientes fundamentais no conhecimento que são o informar e o julgar,
portanto, o legado que os professores ensinam é sempre composto por uma síntese
destes dois fatores. Informação e julgamento são dois modos de comunicação e
não constituem partes separadas pertencentes a processos diferentes. De acordo
com Oakeshott, estes dois ingredientes do processo de compreensão e apropriação do conhecimento “emergem da dialética
ensinar e aprender”. Há faculdades que dependem da informação e faculdades que
dependem do julgamento. A informação é impessoal, baseada em fatos e pode ser
encontrada em manuais e dicionários e enciclopédias; constitui-se como “peça informativa”
ou como “conjunto de fatos”. Poderíamos resumir dizendo que a informação é o “o
quê” e o julgamento ou juízo é o “como ou o porquê”. A principal diferença
entre o julgamento e a informação adquirida reside neste fato: “o
juízo é uma informação de outro tipo e nunca pode ser itemizada”. Assim, todo o
ensino e, consequentemente, toda a aprendizagem têm estas duas componentes essenciais, a
componente da informação designada como instrução e a componente do juízo
designada como partilha.
Na busca por compreender esse contexto político é que
surge o livro: The Politics of Faith and the Politics of Scepticism (1996). O
argumento principal da obra é que os governos europeus, desde o século XV,
convivem com diferentes modos ou estilos de política, os quais ele denominou
(I) “políticas de fé” (“politics of Faith”) e (II) “políticas de ceticismo” (“politics
of scepticism”). Tais formas são expressões que resultam de dois polos extremos
nos quais é empreendida a atividade de governar. Enquanto extremos, são construções
ideais. Dificilmente encontradas em sua forma pura, aproximando-se da
idealidade típica do constructo weberiano, constituem-se mais em tendências
do que em “teorias” ou doutrinas propriamente ditas. A política de fé é o modo de representação de um estilo de governar caracterizado pela
incessante busca pela perfeição da humanidade. Conforme Oakeshott há um grande otimismo cósmico que,
derivado não da observação, mas da inferência da perfeição do seu criador,
atribui uma indiscutível perfeição do universo. Essa ideia de “perfeição” (ou
“salvação”) consiste na busca de uma visão compreensiva de bem seja religiosa,
econômica, filosófica, moral, etc. a ser alcançada pela vivência no mundo social e político.
Porém não como
uma tipologia do caráter humano, mas no sentido que empregou historicamente
o florentino Maquiavel, como uma condição mundana das circunstâncias humanas. De modo mais
simples, “perfeição” é mudança para melhor, pode significar tanto o caminho
específico a ser aprimorado quanto a direção geral pela qual deve a atividade
humana deve ser guiada, assim pouco importando o caminho. Foi porque Maquiavel percebeu que qualquer conselho positivo para lidar com problemas políticos era suscetível de ser contrariado por uma alusão pessimista à fortuna, que ele resolveu dedicar a esse tema o penúltimo capítulo de “Il Principe”, livro escrito por Nicolau Maquiavel em 10 de dezembro de 1513, cuja 1ª edição foi publicada postumamente, em 1532. Ele próprio aceitou que a “Fortuna” era o árbitro de metade das ações dos homens, mas sublinhou que isso não deveria levar ao derrotismo. Em duas memoráveis imagens, comparou a fortuna a um rio cujas águas caudalosas podem ser inofensivamente desviadas por diques e canais de drenagem precavidos, e a uma mulher que, sendo mulher, pode ser domada pelo ardor e a violência: “sou de parecer de que é melhor ser ousado do que prudente, pois a fortuna (oportunidade) é mulher e, para conservá-la submissa, é necessário (…) contrariá-la. Vê-se, que prefere, não raramente, deixar-se vender pelos ousados do que pelos que agem friamente. Por isso é sempre amiga dos jovens, visto terem eles menos respeito e mais ferocidade e subjugarem-na com mais audácia” (cf. Maquiavel, 2004).
O agente responsável para assegurar a perfeição é o
Estado. Se utópico ou se visa a
aprimorar a sociedade em apenas em um determinado rumo, tal estilo sustenta que
somente o poder humano pode atingi-lo; destarte, não apenas busca, mas
supervaloriza este poder, deixando a cargo do governo uma competência quase
ilimitada para conduzir a sociedade. Consequentemente, o estilo requer uma
dupla confiança: a convicção de que o poder necessário é disponível ou pode ser
gerado e uma convicção que, mesmo que não se saiba exatamente o que constitui a
perfeição, ao menos se sabe o caminho a ser percorrido. Parece claro que o
papel do Estado, não é neutro e assume uma visão substantiva, em vista da
reprodução da esfera política da atividade humana. Assim, torna-se o instrumento para alcançar a verdade,
concebida a partir de uma visão particular do conservador, exige dos cidadãos
não apenas a obediência ou a submissão, mas principalmente entusiasmo e
engajamento para a concretização desta finalidade. - “Os inimigos do regime
serão identificados não como meros dissidentes a serem inibidos, mas como
descrentes a serem convertidos. Mera obediência não é suficiente; deve ser
acompanhada pelo fervor. Na verdade, se o sujeito não é entusiasta com o
governo, não há nenhum objeto legítimo de devoção; se ele é devotado à
“perfeição”, ele deve ser devotado ao governo”. Daí a analogia do conceito
descrito na obra: “On Human Conduct”, a política de fé encara ideologicamente a
sociedade contemporânea como uma associação empreendedora (“enterprise
association”).
Neste modo de associação, os agentes estão
interligados a partir de um propósito comum substantivo, reconhecido como uma
condição exequível pelos homens. Esse engajamento tem por escopo direcionar a
conduta humana a partir de ações que estejam meticulosamente relacionadas para
administrar e maximizar o propósito desejado. As eventuais regras emitidas são
meramente instrumentais e, por si só, não definem e nem identificam a
associação. Destaca algumas conclusões para a política de fé. Em primeiro
lugar, ela não é uma invenção que surgiu nos últimos séculos contra um período
de negligência ou indiferença governamental. Tampouco foi um fruto da revolução
industrial ou da democracia liberal. Deve ser compreendida num contexto
histórico de legitimação e
idealização do governo como operador racional da atividade humana.
Em segundo lugar, não é identificada com nenhum
movimento, partido ou causa no mundo moderno. Há representantes desse estilo de
política em todo campo, todo partido, cada momento e entre advogados de toda
causa. Em terceiro lugar, a política de fé não é, e nunca foi, o único estilo
de política que surgiu na história moderna. Essa impressão é causada
especialmente pelo sucesso deste estilo especialmente a partir do século XVII. Finalmente,
a política de fé é subentendida como política da imortalidade. Dá atenção
excessiva ao futuro e se esquece do passado. Ao conduzir a conduta humana para
um determinado fim, transmite a idéia de que a própria história possui um
sentido. Em seu livro de memórias: “Neoconservatism: The Autobiography of an
Idea”, Irving Kristol afirma que decidiu não publicar o ensaio: “On Being Conservative”
na revista The Public Interest
justamente pelo caráter irremediavelmente secular do texto, o que estaria em
desacordo com o elemento religioso presente na sociedade norte-americana.
Enfim, no seu ensaio: “Rationalism in Politics” (1991) o
autor volta ao assunto dizendo-nos que há dois tipos de conhecimento: o
conhecimento técnico e o conhecimento prático. O conhecimento técnico pode ser formulado através de
regras e aprendido nos livros (informação). O conhecimento prático só pode ser aprendido com um mestre porque não pode ser
formulado em regras e constitui-se, muitas vezes, como matéria de opinião
(julgamento). O conhecimento prático só pode ser adquirido através da mestria
porque é impreciso. Um dos problemas centrais da modernidade consiste no fato
de “haver uma soberania da razão, uma soberania da técnica, porque o racionalismo
e os racionalistas aspiram à certeza, apesar de esta aspiração não ser mais do
que uma ilusão”. Tendem a rejeitar a imprecisão e tudo deve passar-se como está
descrito nos livros. A mestria passa a ser olhada com desconfiança devido à sua
imprecisão. O racionalista argumenta Oakeshott, “always stands”, quer dizer, é
sempre a favor de alguma coisa ou contra alguma coisa. As circunstâncias sociais
do mundo moderno fazem do racionalista um ser eminentemente contencioso: - “Ele
é o inimigo da autoridade, do preconceito, do simplesmente tradicional,
costumeiro ou habitual”.
Mas como toda a atividade humana tende a ser reduzida
a problemas de ordem sociológica, concluiríamos admitindo duas ideias que nos
parecem fundamentais para haver um compromisso educativo na interpretação
oakeshottiana. Há também uma tentativa de promoção da cultura científica de modo
a que os seres humanos se identifiquem a si próprios na sua relação com as
coisas e o seu império sobre as coisas. Mas a pedra angular é a ideia de
“integração social” que radica no preconceito de que “tudo é social e de que tudo
deve ter uma função social”, portanto, a educação seria algo de social. Homogeneizando as diferenças e
não tornando através das semelhanças algo de distinto, meritório etc. Esta primazia
do “social” torna a educação como um investimento social relacionado com o
bem-estar de uma sociedade e as Universidades, segundo Oakeshott
transformaram-se “numa indústria de serviços cuja finalidade é a de contribuir
para o bem-estar da nação”. Os governos calculam a produtividade das universidades
através de análises de custos e benefícios. As últimas décadas mostram-nos que
os governos querem transformá-las em “instrumentos de socialização” e submetê-las
a propósitos extrínsecos ligados a considerações sociais. Pensam que sabem, mas não sabem o que eles fazem! Bibliografia geral consultada.
SCHUMPETER, Joseph, Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961; BACHRACH, Peter, Crítica de la Teoria Elitista de la Democracia.
Buenos Aires: Ediciones Amorrotu, 1973; PAREKH, Bhikhu, “The Political Philosophy of Michael Oakeshott”. In:
British Journal of Political Science,
volume 9, n° 4, pp. 481-506, out. 1979; SORMAN,
Guy, La Révolution Conservatrice
Américaine. Paris: Editions Fayard, 1983; Idem, L`Amérique dans les
Têtes, Fascinations et Aversions. Paris: Editeur Hachette Littérature, 1986;OAKESHOTT,
Michael, On Human Conduct. Oxford:
Oxford University Press, 1975; Idem, The
Voice of Liberal Learning. Indianapolis: Liberty Fundation, 1989; Idem, Rationalism in Politics and other essays.
2ª ed. Indianapolis: Liberty Fundation, 1991; Idem, The Politics of Faith and the Politics of Scepticism. New Haven:
Yale University Press, 1996;
Maquiavel, Nicolau, O Príncipe. 3ª edição. Trad. Maria Júlia Goldwasser. São Paulo: Martins Fontes, 2004; MARCHIORI NETO, Daniel Lena, Os Fundamentos da Civilidade no Pensamento Conservador de Michael Oakeshott. Programa de Pós-Graduação em Direito. Tese de Doutorado. Centro de Ciências Jurídicas. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2012; MARCHIORI NETO, Daniel Lena, Os Fundamentos da Civilidade no Pensamento Conservador de Michael Oakeshott. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduaçao em Direito. Centro de Ciências Jurídicas. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2012; HENKEL, Michael; LEMBCKE, Oliver (eds.), Praxis und Politik - Michael Oakeshott im Dialog. Tübingen (Mohr Siebeck), 2013; RIBEIRO, Gustavo Cezar, Modos de Soberania e a Questão Contemporânea do Poder. Rio de Janeiro: IESP/UERJ; Université de Paris 1; 2014; CARDOSO, Felipe Gava, “Notas sobre o Conservadorismo Político de Michael Oakeshott (1901-1990)”. In: Teoria & Pesquisa. Revista de Ciência Política. Vol. 24, n° 1, pp. 12-28, jan./jun. 2015; entre outros.
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).