domingo, 31 de maio de 2015

Lélia Gonzalez – Feminismo Negro & Subversão da Identidade.

Ubiracy de Souza Braga*

    “Lélia exerceu um papel fundamental na criação e ampliação do movimento negro contemporâneo”. Luiza Barros 

    

Lélia Gonzalez nasceu “de Almeida”, em Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, em 1º de fevereiro de 1935.  Tinha 59 anos quando faleceu, em 10 de julho de 1994, no bairro de Santa Teresa (foto), na cidade do Rio de Janeiro. Quando Lélia era criança, sua família instalou-se no Rio de Janeiro, na favela do Pinto, no bairro do Leblon, ao lado do Clube de Regatas do Flamengo, onde jogava (e depois foi técnico) seu irmão, Jaime de Almeida (nascido em 1920), por quem nutria enorme admiração e nos passos de quem seguiu torcendo pelo Flamengo e gostando muito de futebol.  Logo depois, a família mudou-se para o subúrbio, para uma casa em Ricardo de Albuquerque onde correm os trilhos da Estação Ferroviária Central do Brasil. Pela localização da residência, se percebe que Lélia de Almeida viajou muito pelas margens no trem suburbano da Central do Brasil, junto com o “povão” (como dizia), principalmente quando estudou no Colégio Estadual Orsina da Fonseca, ao lado do terminal ferroviário da Central do Brasil, no centro da cidade e no Imperial Colégio Pedro II na Av. Marechal Floriano, no centro da cidade do Rio de Janeiro, também próximo a extinta Rede Ferroviária Federal Central do Brasil, hoje, Rede Ferroviária Federal S. A .  
 O Colégio Pedro II representa uma tradicional instituição de ensino público federal, localizada no estado do Rio de Janeiro, no Brasil. Faz parte da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, vinculada a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (Brasil). É o terceiro mais antigo colégio em atividade no país, depois do Ginásio Pernambucano e do Atheneu Norte-rio-grandense. A escola foi criada em homenagem ao seu patrono, o imperador do Brasil, D. Pedro II. Fundado durante a regência do Marquês de Olinda, Pedro de Araújo Lima, integrava um projeto civilizatório mais amplo do Império do Brasil, do qual faziam parte a fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Arquivo Público do Império, seus contemporâneos. No plano da educação, autores entendem que o colégio pretendia formar uma elite ao destacar a transformação do Seminário de São Joaquim em Colégio de Pedro II baseada na ideia da Reforma da Constituição em 1834.
 de construir um modelo a ser seguido, já que as províncias não estavam dando conta de, por si mesmas, estabelecer seu sistema de ensino local. Outro grupo de autores, como a historiadora e docente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo Circe Bittencourt, têm estabelecido visões que dialogam com ambas as perspectivas. A formação histórica e sociológica do Colégio explica bastante do plano civilizatório Imperial: uma educação que priorizava uma boa formação, mas que abrangia uma parte pequena da sociedade, que era suficiente ao projeto do Império, na medida que preenchesse os quadros básicos do sistema burocrático e ideológico às lideranças do país, com um currículo que servia a estes interesses, não estando tão preocupada com a formação de uma massa ampla de operários minimamente capacitados, como ocorreria em momentos posteriores no Brasil e já ocorria em alguns lugares da Europa.    
         Filha de um ferroviário negro e de uma empregada doméstica indígena, Lélia Gonzalez nasceu em Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, em 1º de fevereiro de 1935. Autora de artigos, ensaios e livros sobre a temática racial, a antropóloga e militante do movimento negro nos anos 1970, Lélia foi também um expoente no combate ao preconceito social e racial contra a mulher. Sua obra acadêmica e seu trabalho como militante contribuíram para impulsionar não apenas o debate sobre a problemática racial no Brasil, mas também os seus desdobramentos a partir, basicamente, de dois temas correlatos: “a ideologia do branqueamento” e seus efeitos e o da “dupla exposição da mulher negra, discriminada pelo racismo e pelo sexismo”. Lélia fez parte do grupo de fundadores do “Movimento Negro Unificado” - MNU, principal canal de ressurgimento e rememoração da luta pela igualdade racial, nos anos 1970. Sua “vontade de potência” se realiza na tríade: a) na luta contra o racismo e a discriminação racial, b) como também uma militante da causa feminina, c) particularmente da mulher negra. Sua importância para o movimento negro tem sido comparada à de Ângela Davis, ícone do movimento norte-americano.
          Angela Davis nasceu no estado do Alabama, considerado um dos mais racistas do sul dos Estados Unidos e desde cedo conviveu com humilhações de cunho racial em sua cidade. Leitora voraz quando criança, aos 14 anos participou de um intercâmbio colegial que oferecia bolsas de estudo para estudantes negros sulistas em escolas integradas do norte do país, o que a levou a estudar no Greenwich Village, em Nova Iorque, onde travou conhecimento com o ensino do comunismo e socialismo teórico de tradição marxista, sendo recrutada para uma organização comunista de jovens estudantes. Na década de 1960, Angela tornou-se militante do partido e participante ativa dos movimentos negros e feministas que sacudiam a sociedade norte-americana, primeiro como afiliada da SNCC de Stokely Carmichael e depois de movimentos e organizações políticas como o Black Power e os Panteras Negras. Angela lecionou durante 17 anos no Departamento de História da Consciência na prestigiada Universidade da Califórnia-Santa Cruz. Recebeu o título de professora Emérita da Universidade da Califórnia e se aposentou do trabalho acadêmico de ensino e pesquisa em 2008. Após sua aposentadoria continuou sua rotina de palestras e cursos em diversas universidades e centros culturais por todo o mundo. Em 2019 passou a integrar o National Women`s Hall of Fame dos Estados Unidos da América. 
            

            Vale lembrar que Ângela Yvonne Davis, nascida em Birmingham, 26 de janeiro de 1944 foi professora e filósofa socialista estado-unidense que alcançou notoriedade mundial na década de 1970 como integrante do Partido Comunista dos Estados Unidos. Através do grupo “Panteras Negras”, por sua militância pelos direitos das mulheres e contra a discriminação social e racial nos Estados Unidos. E, particularmente, por ser personagem de um dos mais polêmicos e famosos julgamentos criminais da recente história norte-americana. Ângela nasceu no estado do Alabama, um dos mais racistas do sul dos Estados Unidos e desde cedo conviveu com humilhações de cunho racial em sua cidade. Leitora voraz quando criança, aos 14 anos participou de um intercâmbio colegial que oferecia bolsas de estudo para estudantes negros sulistas em escolas integradas do norte do país. Sendo selecionada com bolsa de estudos que a levou a estudar no Greenwich Village, em Nova Iorque, onde travou conhecimento com o comunismo e o socialismo teórico, sendo recrutada para uma organização comunista de jovens estudantes. Na década de 1960, Ângela tornou-se militante do partido e participante ativa dos movimentos negros e feministas que sacudiam a sociedade norte-americana, primeiro, como filiada da SNCC de Stokely Carmichael e depois de movimentos e organizações políticas como o Black Power e Panteras Negras, mas que não trataremos agora.
         Gus Hall foi organizador político americano que era secretário-geral do Partido Comunista dos Estados Unidos da América (1959–2000) e quatro vezes candidato à presidência dos Estados Unidos (1972,1976,1980,1984). Os pais de Hall eram membros dos militantes Trabalhadores Industriais do Mundo e, em 1927, ele foi recrutado por seu pai para ingressar no CPUSA. De 1931 a 1933, ele estudou no Instituto VI Lenin, depois rebatizado de Instituto Marx-Engels-Lenin) em Moscou, e depois de retornar aos Estados Unidos, ele se envolveu em atividades de organização sindical, ocasionalmente sendo preso. Ele se tornou um membro oficial do partido em tempo integral em 1937. Após servir na marinha durante a 2ª Guerra Mundial, ingressou no conselho executivo nacional do CPUSA. Em 1949, ele foi um dos 11 líderes partidários condenados por conspirar para derrubar o governo dos Estados Unidos pela força e foi condenado a cinco anos de prisão. Livre sob fiança durante uma apelação, Hall e três outros fugiram para o México quando o recurso foi rejeitado em 1951. Eles foram recapturados, entretanto, e a sentença de Hall foi estendida; ele foi encarcerado até 1957. Eleito para a posição de liderança do CPUSA em 1959, Hall concorreu à presidência dos Estados Unidos como candidato do partido em quatro anteriores e obteve seu melhor resultado em 1976, quando obteve quase 60.000 votos. Ele viagens anuais a Moscou até a queda do regime comunista e foi premiado com a maior medalha civil da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, uma Ordem de Lênin. Embora a adesão do CPUSA à sua fé no comunismo de estilo soviético o mantivesse separado da chamada Nova Equerda que emergia no cenário político mundial e seu número de membros diminuísse constantemente, Hall permaneceu secretário-geral do partido até sua morte.
O feminismo negro começa a ganhar visibilidade mundial (Barreto, 2005; Damasco, 2009) a partir da segunda “onda do feminismo”, entre 1960 e 1980, por conta da fundação da National Black Feminist, nos Estados Unidos, em 1973. Surge no final do conflito armado segundo os vietnamitas, intitulado: “Guerra Americana”,  ocorrido no Sudeste Asiático entre 1955 e 30 de abril de 1975. Notadamente, porque feministas negras passaram a pesquisar e escrever sobre o tema, criando uma literatura própria intitulada “feminista negra” universal. Porém, historicamente, mulheres negras já desafiavam o sujeito mulher determinado pelo feminismo num mundo masculino ainda ressentido pelas formas de opressão e dominação em mulheres. Duas questões pontuais me fazem refletir sobre a cisão das mulheres negras com o movimento feminista: a) Por deterem o domínio racial e contarem com maior número de lideranças consolidadas, as feministas em geral resistem às questões das mulheres negras, em particular; b) Supondo que passam pelos mesmos problemas e desejam  quase as mesmas coisas, o feminismo não atenta para as especificidades de cada grupo feminino e acaba atuando sob omissão. Muitas vezes deliberada sobre as necessidades das mulheres negras, sem que seja feita uma análise histórica e crítica do racismo brasileiro, levando em conta os aspectos culturais regional, nacional e global.    
Maria José Motta de Oliveira, nome de batismo da artista, nascida em Campos dos Goytacazes (RJ), em 27 de junho de 1944, mãe de cinco filhas e de um filho - adotados - e avó de quatro netos, tornou-se conhecida nacionalmente a partir de meados da década de 1970, quando conquistou brasileiros e estrangeiros, com “Xica da Silva”, personagem vivido por ela no filme homônimo de Cacá Diegues, que se transformou em seu talismã. A cantora e atriz Zezé Motta, com quase 50 anos de carreira, convive com o status de estrela no universo das artes no país. Militante do movimento negro, ela ainda vê barreiras a serem vencidas no exercício da profissão. - “Já avançamos, mas ainda temos muita luta pela frente. Precisamos de mais autores, produtores e diretores negros atuando. Eles existem e não são aproveitados. Felizmente, percebo hoje uma preocupação na distribuição dos papéis, em não deixar o negro fora das produções”. Campos dos Goytacazes nasceu com o tamanho de toda região Norte e Noroeste Fluminense, exceto São João da Barra. O município, historicamente, fazia divisa com Nova Friburgo, Cantagalo, Cabo Frio e com o estado de Minas Gerais, mas, com a emancipação da cidade de Itaperuna, perdeu metade de seu território. A partir da década de 1980, Campos perdeu cinco de seus antigos distritos, que, atualmente, formam os municípios de Talva e Cardoso Moreira.

As condições sociais e políticas das mulheres negras no Brasil contraria a tendência mundial baseada em dados estatísticos de que as mulheres vivem mais que os homens. A expectativa de vida para as afrodescentes é de 66 anos, está alguns meses abaixo da média nacional que é de 66,8 anos. A precária situação da saúde sexual e reprodutiva das mulheres negras está diretamente relacionada à desigualdade social de acesso ao serviço de saúde. Em razão da predisposição biológica para algumas doenças, como hipertensão e diabetes causando com mais frequência a morte materna entre as mulheres negras. As doenças étnicas mais frequentes nas mulheres afrodescendentes são descritas da seguinte forma: miomas uterinos, Hipertensão Arterial, Diabetes Mellitus Tipo II, Câncer no colo do útero além do traço falciforme, inclusive HIV-AIDS, o que dispensa-nos de comentários clínicos etc.  Atriz Zezé Motta (foto) criou centro para cadastrar atores negros no mercado de trabalho no Brasil.
A luta histórica das feministas negras representa uma batalha no campo das ideias, mas, sobretudo enredada em uma práxis contínua para nivelar seu lugar de análise ao lugar das atividades práticas de mulheres brancas no âmbito da sociedade. Este aspecto ideológico levanta: a) a importante reflexão sobre a representação feminina na mídia e/ou indústria cultural, b) seu espaço de participação social no mercado de trabalho brasileiro, além do eixo desenvolvimentista Rio-São Paulo; c) o lugar de “primazia” como assédio moral e vítima da violência sexual, d) o protagonismo da maternidade, entre outros temas conjunturais, inclusive de formação no âmbito das universidades e escolas técnicas. Há tanto um conjunto de práticas e saberes sociais por que as mulheres brancas precisam lutar. É bastante preocupante o fato de que as mulheres negras nem sequer conquistaram igualdade social e política. Sem perder de vista comparativamente com outros indivíduos do seu próprio grupamento étnico e de classes sociais, inclusivamente à particularidade da questão social de gênero no Brasil.

A atualidade do perspectivismo de Simone de Beauvoir tem sido admitida por Daniele Reis (2005). A cor é fator relevante quando analisamos os casos de agressão e assassinato por parte de companheiros e ex-companheiras. As negras são mais de 60% das vítimas de “feminicídio”, exatamente porque não contam com assistência adequada e estão mais vulneráveis aos abusos das próprias autoridades. Já no aspecto da sexualidade, das mulheres brancas é esperado o comportamento moderado e sensualidade com limitações, porém, as mulheres chamadas de “mulatas” são amplamente “exotificadas” e tratadas como objetos disponíveis para a exploração. O argumento de quem enxerga as mulheres negras para investidas sexuais é de que elas são mais provocantes, que seus corpos suportam atos mais intensos ou até mesmo que não podem negar os estilos de assédio moral e sexual.
A cultura do estupro é vigente desde o período histórico de colonização do Brasil, quando mulheres negras foram estupradas por homens brancos e usadas em políticas oficiais de miscigenação, com o fim de branquear a população. A mentalidade daquela época se mantém forte na contemporaneidade e é por isso que são tão naturalizados aspectos culturais como a escolha anual da “Globeleza”, nome dado à cobertura do carnaval feita pela Rede Globo. É também o nome dado à mulata que samba nas vinhetas da emissora, pelo qual consagrou a carreira da dançarina Valéria Valenssa, que durante 14 anos foi a Mulata Globeleza, dançando apenas com o corpo completamente pintado nas vinhetas da emissora designadas para o carnaval carioca. Realizou shows de dança no exterior, com apresentações em países como Portugal e Áustria, entre outros. Erika Moura, assumiu o posto no ano de 2015. A posição de mulata que expõe seu corpo é tão relacionada exclusivamente à mulher negra, que nem sequer se estende o concurso sexista para mulheres de outras etnias ou raças. Enquanto as mulheres brancas são vítimas de violência sexual, é preciso, comparativamente, salientar as formas distintas: as brancas são violentadas exclusivamente por seu gênero, as negras sob a trágica forma de dupla penetração: sexual e vítimas do preconceito racial.
Um bom exemplo histórico refere-se à chamada Marcha das Vadias, um movimento social que surgiu a partir de um protesto realizado no dia 3 de abril de 2011 em Toronto, no Canadá, e desde então se internacionalizou, sendo realizado em diversas partes do mundo, no âmbito do hemisfério ocidental e que atualmente tem sido realizada em quase todos os estados brasileiros. Há diversos grupos do “Feminismo Negro” que não participam dos protestos. Mas criticam o uso de palavras expressas como “vadia” e “puta”, afirmando que as mesmas não podem ser “ressignificadas” pelas negras, para usarmos o voguismo antropológico, pois o estigma que carregam é muito forte e o mais urgente é romper representações hipersexualizadas. Partindo desse pressuposto, o melhor seria lutar para ser reconhecida no plano de atividades como uma intelectual, capaz de conquistas diversas e ocupação em papéis ilimitados. Não obstante, esse posicionamento não é unânime; diversas mulheres negras participam das marchas e ocupam posições políticas adentre as equipes de organização em torno das lutas sociais.

   Ainda que as relações em torno do gênero seja usado como sinônimo de sexo, nas ciências sociais e na psicologia tradicionalmente, refere-se às diferenças sociais, reconhecidas nas ciências biológicas como papel de gênero. Historicamente, o feminismo posicionou os papéis de gênero como construídos socialmente, independente de qualquer base ideal típica biológica. Pessoas cuja identidade de gênero difere do gênero designado de acordo com os genitais são normalmente identificadas como “transexuais” ou “transgêneras”. Muitas sociedades possuem apenas dois papéis de gênero - masculino ou feminino - e estes correspondem ao sexo biológico. Entretanto, algumas sociedades explicitamente incorporam pessoas que adotam o papel de gênero oposto ao sexo biológico, como por exemplo, em algumas sociedades indígenas norte-americanas, mas que não ocorrem apenas nelas. Enfim, outras sociedades incluem papéis bem desenvolvidos que são explicitamente considerados distintos dos arquétipos masculinos e femininos tradicionalmente. Na linguagem da sociologia de gênero há a inclusão de um “terceiro-gênero”, um tanto distinto do sexo biológico, tendo em vista as condições e possibilidades, nesta direção, abranger algumas vezes a base para os papéis de gênero incluem a intersexualidade ou incorpora eunucos.
       A sociologia contemporânea refere-se aos papéis de gênero masculino e feminino como masculinidades e Feminilidades, respectivamente no plural ao invés do singular, enfatizando a diversidade tanto dentro das culturas como entre as mesmas. A revista People elegeu a atriz negra Lupita Nyong’o, atriz mexicana e queniana como a mulher mais linda do mundo. Mas o público não recebeu bem a notícia e os comentários de que ela não “poderia” ser a mulher mais linda do mundo. A maior revelação da indústria cinematográfica nos últimos anos é Lupita Nyong’o, atriz criada no Quênia, com pós-graduação na Yale School of Drama, que surpreendeu o público com seu desempenho em “12 Anos de Escravidão”. Seu papel como Patsey, a escrava que resiste a atos indizíveis de brutalidade, não só lhe rendeu o Oscar como um BAFTA (British Academy of Film and Television Arts) de coadjuvante. Lupita agora foi eleita a mulher mais bonita do mundo pela revista People em sua edição especial, que sai todo ano. É a primeira negra a ostentar esse título. Já tinha sido escolhido o rosto da marca de cosméticos Lancôme. - “Ao vir para os EUA, foi a primeira vez em que tive de me considerar negra e aprender o que significava a minha raça”. As pessoas são naturalmente atraídas por seu espírito e sua beleza impressionante. Sua naturalidade é uma lufada de ar fresco em um mundo repleto de celebridades intragáveis. Nyong’o venceu mil concorrentes que fizeram testes para interpretar Patsey. Temos assim, a designação sociológica “subversão da identidade”.              
 A cor, analogamente como a noite, last but not least, reenvia-nos, assim, sempre para uma espécie de “feminilidade substancial”. Mais uma vez, tradição romântica ou alquímica e análise sociológica convergem para evidenciar uma estrutura arquetípica, e encontra-se com a imemorial visão da tradição religiosa.  No clássico estudo do antropólogo francês Gilbert Durand, Les Structures Anthropologiques de L`Imaginaire (1992) o autor rememora o eufemismo que as cores noturnas constituem em relação às trevas parece que a melodia o constitui em relação ao ruído. Do mesmo modo que a cor é uma espécie de noite dissolvida e a tinta uma substância em solução, pode-se dizer comparativamente que a melodia, que a suavidade musical tão cara aos românticos é a duplicação eufemizante de duração existencial. A música melodiosa desempenha o mesmo papel enstático que ocorre durante a noite. A ocasião é semelhante àquela já descrita no Jataka 314, em que nesta história o Mestre, enquanto morava em Jetavana, contou a respeito de um rei de Kosala.
             Desta vez, contudo, quando o rei disse: - “Senhor, o que estes sons significam para mim?” o Mestre respondeu: - “Grande rei, não tenha medo: nenhum perigo te ameaça devido a estes sons: tais terríveis sons indistintos não foram escutados por você apenas: reis antigos também escutaram sons semelhantes e pretendia seguir o conselho de brahmins e oferecer em sacrifício quatro animais de cada espécie, mas após escutar o quê os sábios tinham a dizer, eles libertaram os animais reunidos para o sacrifício e proclamaram pelo tambor o fim de toda execução e morte”. E com o pedido do rei, ele contou um conto antigo. E o mínimo que podemos fazer é citar, depois de Béguin, a tradução desta bela passagem das Phantasien uber die Kunst, de Ludwig Tieck, berlinense que fez parte do movimento do romantismo do final do século XVIII e início do século XX. A música opera o milagre de tocar em nós o núcleo mais secreto, o ponto de enraizamento de todas as recordações e de fazer dele por um instante o centro do mundo feérico, comparável a sementes enfeitiçadas, os sons ganham raízes em nós com uma rapidez mágica. E num abrir e fechar de olhos, sentimos o murmúrio de um bosque semeado de flores maravilhosas. Bibliografia geral consultada.   

GONZALEZ, Lélia, “O Papel da Mulher na Sociedade Brasileira”. In: Spring Symposium The Political Economy of the Black World. Los Angeles: Center for Afro-American Studies, 1979; Idem, “A Categoria Político-Cultural de Amefricanidade”. In: Revista Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro: n° 92/93 janeiro- junho, 1988; DEL PRIORE, Mary (Org.), História das Mulheres no Brasil. 2 edição. São Paulo: Editora Contexto,1997; OLIVEIRA, Rosália Lemos de, Feminismo Negro em Construção: A Organização do Movimento de Mulheres Negras no Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Departamento de Psicologia. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1997; BARRETO, Raquel de Andrade, Enegrecendo o Feminismo ou Feminizando a Raça: Narrativas de Libertação em Ângela Davis e Lélia González. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura. Departamento de História. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2005; VIANA, Elizabeth do Espírito Santo, Relações Raciais, Gênero e Movimentos Sociais: O Pensamento de Lélia Gonzalez (1970-1990). Dissertação de Mestrado em História Comparada. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006; HIRATA, Helena (Org.), Dicionário Critico do Feminismo. 1ª edição. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, 2009; DAMASCO, Mariana Santos, Feminismo Negro: Raça, Identidade e Saúde Reprodutiva no Brasil (1975-1996). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós- Graduação em História das Ciências e da Saúde. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz, 2009; PEREIRA, Amilcar Araújo, O Mundo Negro: A Constituição do Movimento Negro Contemporâneo no Brasil (1970-1995). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2010; CARDOSO, Cláudia Pons, Outras Falas: Feminismos na Perspectiva de Mulheres Negras Brasileiras. Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2012; CARDOSO, Edson Lopes, Memória do Movimento Negro - Um Testemunho sobre a Formação do Homem Ativista contra o Racismo. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2014; MIGUEL, Luis Felipe e BIROLI, Flávia, Feminismo e Política: Uma Introdução.  1ª edição.  São Paulo: Boitempo Editorial, 2014; RIBEIRO, Maria Florencia Guarche, A Revolução em Rojava: Jin, Jiyan, Azadi (Mulheres, Vida, Liberdade). Monografia de Conclusão de Curso de Bacharelado em Relações Internacionais. Santana do Livramento: Universidade Federal do Pampa, 2015;  entre outros.
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Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).   

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Michael Oakeshott – Juizo & Conservadorismo Lúcido do Século XX.

                                                                                      Ubiracy de Souza Braga   

Il a exercé une influence notable dans la montée du thatchérisme au Royaume-Uni”. Guy Sorman
                                    
             
Michael Joseph Oakeshott é reconhecido socialmente como o escritor e filósofo mais desconcertante e original significativamente desde o pragmatismo de Ludwig Wittgenstein. Os sábios eram pensadores de fora do ambiente filosófico acadêmico cuja obra Wittgenstein lera ainda bem moço, como Karl Kraus, o “feroz crítico” da cultura e da linguagem do final do Império Habsburgo que lhe causou forte impressão, por sua insistência na integridade pessoal. A obra de Kraus inseria-se no contexto da chamada “crise da linguagem”, quando a preocupação geral era a autenticidade da expressão simbólica na arte e na vida pública. Outra expressão dessa crise foi a crítica da linguagem de Mauthner, autor que perseguiu uma meta kantiana, a derrota da especulação metafísica, substituindo a “crítica da razão” por uma “crítica da linguagem”, sendo sua obra mais tributária de David Hume e de Ernest Mach. Seu método era psicologista e historicista: a crítica da linguagem faz parte da psicologia social. O conteúdo de sentido da crítica era empirista – a linguagem fundamenta-se nas sensações. Seu resultado foi cético – a razão idêntica à linguagem. Mas esta última não serve para penetrar no âmago da realidade. Wittgenstein, acertadamente, opõe sua própria “crítica [lógica] da linguagem” à de Fritz Mauthner, quem primeiro identificou a filosofia com a crítica da linguagem. Oakeshott é um filósofo britânico, falecido em 1990, e que durante as décadas de 1950 e 1960 exerceu a cátedra de Ciência Política na prestigiosa London School of Economics (LSE), tendo sido o sucessor inglês de Harold Laski (1893-1950). Autor de trabalhos que versam sobre os mais diversos aspectos do conhecimento, e em particular o conservadorismo, é geralmente “enquadrado” como um dos mais proeminentes pensadores conservadores do século XX. Em sua vida acadêmica, publicou relativamente pouco. 
Além de alguns artigos e pequenos ensaios, constam essencialmente quatro livros: “Experience and its modes” (1933), “On human conduct” (1975), “On History” (1983) e “Rationalism in politics and other essas” (1962), sem dúvida a principal obra de divulgação de seu pensamento, conjunturalmente não poderia ser taxada de outra forma, como de caráter pessimista, tradicionalista, burkeano, uma ideologia política que defende a manutenção das instituições tradicionais no contexto da cultura, da política e da civilização refletindo o pensamento conservador. O conservadorismo é uma influente corrente de pensamento político burguês contemporâneo surgida na Inglaterra, no final do século XVIII, através da atividade política do conservador Whig Edmund Burke, como uma reação à Revolução Francesa, cujas utopias sociais resultaram imediatamente em instabilidade política e crise social na França. O pensamento conservador expandiu-se pelo mundo principalmente após o período do Terror jacobino, que, durante o auge da Revolução, causou a morte de 35 mil a 40 mil pessoas. O termo conservador denota a adesão a princípios e valores atemporais, que devem ser conservados a despeito de toda mudança histórica, quando mais não seja porque somente neles e por eles a história adquire uma forma inteligível (cf. Henkel; Lembcke, 2013). Por exemplo, a noção de uma ordem divina do cosmos ou a de uma natureza humana universal e permanente.  
O conservadorismo é um freio às ambições prometeicas do movimento revolucionário e, mais genericamente, sem exceção dos governantes. O conservadorismo britânico deriva largamente de Edmund Burke e principalmente da sua obra “Reflexões sobre a Revolução na França” (1790), onde este defende que as constituições não devem ser o produto da razão abstrata (como as francesas), mas sim de uma lenta evolução histórica (como a constituição inglesa), considerando a sociedade como sendo não apenas um contrato entre os vivos, “mas entre os vivos, os mortos e os que estão por nascer”. Contra a Liberdade proclamada pela Revolução como um absoluto, Burke faz a defesa das liberdades, das prerrogativas particulares e tradicionais dos diversos grupos sociais e locais, que se equilibravam mutuamente na ordem pré-revolucionária. Ao contrário de Burke, outros parlamentares whigs, como Charles James Fox, tomaram o partido da Revolução Francesa, acabando as ideias das Reflexões por serem mais aceites entre os Tories. Durante o século XIX, o conservadorismo britânico, inspirado por pensadores conspícuos como Samuel Coleridge, Thomas Carlyle, Henry Maine, etc. desenvolve-se como o partido político de representação da aristocracia tradicional, em volta de temas como a desconfiança em face da democracia, a defesa da Câmara dos Lordes e uma certa nostalgia pela Inglaterra pré-industrial.
                    

            Um juízo de valor representa um juízo sobre a correção ou incorreção de algo, ou da utilidade de algo, baseado num ponto de vista pessoal ou subjetivo. Como generalização, um juízo de valor pode referir-se a um julgamento baseado num conjunto particular de valores ou num sistema de valores determinado. Um significado conexo de juízo de valor é o juízo de um recurso de avaliação baseado nas informações limitadas disponíveis, uma avaliação efetuada porque uma decisão deve ser tomada independentemente de estar em função da utilidade, da estética, da moral, ou de qualquer outro critério valorativo. A expressão juízo de valor pode ser usada num sentido positivo; significando que um julgamento deve ser feito levando em conta um sistema de valores, ou, num sentido depreciativo, significando um julgamento realizado de um ponto de vista pessoal, em vez da proposição de um pensamento racional, objetivo. Neste sentido positivo, a recomendação socialmente ao se fazer um juízo de valor, é que se considere cuidadosamente para evitar arbitrariedades e impetuosidade, e buscar consonância com as convicções mais profundas que se tenha sobre a realidade. Em seu sentido depreciativo, a expressão juízo de valor implica uma conclusão que é isolada, parcial e não objetiva — contrastando com julgamentos baseados em deliberação, equilíbrio e racionalidade.

Um juízo de valor também pode referir-se a uma tentativa de julgamento baseada numa avaliação estudada das informações disponíveis, tomadas como sendo incompletas e em evolução; por exemplo, um juízo de valor sobre lançar ou não um ataque militar ou como proceder numa emergência médica. Neste caso, a qualidade do julgamento sofre porque a informação disponível é incompleta como resultado da urgência, em vez de ser resultante de limitações culturais ou pessoais. Mais comumente, a expressão juízo de valor refere-se a uma opinião individual. De fato, a opinião de um indivíduo é formada até certo ponto por seu sistema de crenças e a cultura à qual ele pertença. Assim, uma extensão natural da expressão juízo de valor é incluir declarações que parecem ser de mão única em um determinado sistema de valores, mas que podem ser vistas de forma diferente em outro. Conceitualmente, esta extensão da definição relaciona-se tanto ao axioma antropológico de “relativismo cultural”, isto é, que o sentido cultural deriva do contexto quanto à expressão “relativismo moral”, isto é, que as proposições de moral e ética não são verdades universais, mas brotam do contexto cultural.

No sentido pejorativo, um juízo de valor formado dentro de um sistema social de valores específico pode ser “paroquial” e estar sujeito a questionamentos junto a audiências mais amplas. Entretanto, um julgamento pessoal é uma expressão descrevendo uma decisão tomada entre alternativas que não são claramente certas ou erradas, e que assim deve ser tomada numa base pessoal. Valor neutro é um adjetivo conexo que sugere independência de um sistema de valores. Por exemplo, a classificação de um objeto depende do contexto: ele é uma ferramenta ou uma arma, um artefato ou um antecedente? O objeto em si pode ser considerado aparentemente de valor neutro, não sendo nem bom nem mau, nem útil nem inútil, nem significativo nem trivial, até que seja colocado em algum contexto inscrito nos níveis de análise social, tanto quanto econômico ou político. Para uma discussão sobre o valor “neutro” da tecnologia, estranhamente, um item também pode ter um valor que pode ser neutro na medida em que sua utilidade se uso social, ou importância são evidentes, independentemente do contexto social; por exemplo, oxigênio.

Alguns autores argumentam hic et nunc que a objetividade verdadeira do conhecimento é impossível, e que mesmo as mais rigorosas análises racionais se fundamentam no conjunto dos valores aceitos no curso da análise. Consequentemente, todas as conclusões são necessariamente juízos de valor e logo, talvez suspeitas. De fato, por todas as conclusões numa única categoria nada faz para distinguir entre elas e é, portanto, um descritor inútil exceto como um dispositivo retórico pensado para desacreditar uma posição através dum apelo a autoridade. Como exemplo de um ponto de vista mais sutil, "verdades" científicas são consideradas objetivas, mas são mantidas empiricamente, com a compreensão de que evidências mais cuidadosas e/ou experiências mais amplas possam mudar os fatos. Além disso, uma opinião científica, no sentido de uma conclusão baseada num sistema de valores, é um juízo de valor baseado em avaliação rigorosa e amplo consenso. Com este exemplo em mente, caracterizar uma opinião como um juízo de valor é vago sem a descrição do contexto que a cerca. Todavia, como notado no primeiro segmento deste artigo, no uso comum, a expressão juízo de valor possui um significado mais simples, com o contexto simplesmente implicado, não especificado.

No entanto, sob a liderança de Benjamin Disraeli moderniza-se, adotando os princípios democráticos e passando a ter como escopo político a defesa do Império como grande bandeira, contra a desconfiança dos liberais perante a expansão colonial. Disraeli, que concedeu o direito de voto aos operários urbanos, tentou dar um carácter social ao conservadorismo e torná-lo numa aliança entre a aristocracia e as chamadas classes populares. Nas primeiras décadas do século XX, os conservadores têm como referência esses princípios - defesa da unidade do Império, oposição à autonomia irlandesa que levou muitos liberais unionistas, como Joseph Chamberlain, a se juntarem ao Partido Conservador, uma politica comercial protecionista favorecendo o comércio com as colônias, etc., a que se junta uma posição antissocialista, à medida que o Partido Trabalhista e o movimento sindical vão ganhando força no âmbito da política global.
Para os conservadores, as melhores instituições sociais e politicas não são aquelas que são inventadas pela razão humana, como fora defendido pelo chamado racionalismo político, mas sim as que resultam de um lento processo de crescimento e evolução ao longo do tempo, empiricamente como a não escrita constituição inglesa face às Constituições promulgadas pelos revolucionários franceses. Não acreditando na ideia de “bondade natural do Homem”, os conservadores consideram que são os constrangimentos introduzidos pelos hábitos e tradições que permitem o funcionamento das sociedades, pelo que qualquer regime duradouro e estável só poderá funcionar se assente nas tradições sociais. Assim, para os conservadores não faz sentido elaborar projetos universais do ponto de vista de uma sociedade ideal - não só tal sociedade será inatingível devido ao que acreditem ser a imperfeição intrínseca da natureza humana. Mas, devido a diferentes povos terem diferentes histórias, sociais, políticas e de costumes referendando suas tradições, o modelo social mais adequado a um povo não será o mais apropriado a outro - criticando de seu ponto de vista político conservador os revolucionários franceses.
Após sua morte, em 1990, surge no cenário acadêmico norte-americano e britânico uma série de importantes trabalhos acadêmicos buscando resgatar o pensamento de Michael Oakeshott. Um fato considerável é a organização e publicação de inúmeros manuscritos, ensaios e anotações de aulas proferidas na London School of Economics and Political Science, ou simplesmente London School of Economics - LSE. Nesse sentido, o presente trabalho tem como objeto a análise de uma dessas obras póstumas, o livro: “The Politics of Faith and The Politics of Scepticism”. Elaborado após a 2ª guerra mundial e completada provavelmente em 1952, a obra delineia uma diferenciação entre dois modos ou estilos da atividade de governar: a política de fé e a política de ceticismo.  Neste sentido, apolítica não conhece nada acerca de necessidades genuínas. Não há nada no mundo da política que não provenha da atividade humana, embora haja muita coisa que não seja consequência do desígnio humano. Por isso, ao estudar as atividades políticas do governo, Oakeshott considera que as ações sociais concretizadas tornam-se distintas em análise comparada, tendo em vista que não é porque a intenção é diferente, mas porque elas pertencem a outro contexto no qual tem-se estas atividades.

No pensamento deste autor existem sempre dois ingredientes fundamentais no conhecimento que são o informar e o julgar, portanto, o legado que os professores ensinam é sempre composto por uma síntese destes dois fatores. Informação e julgamento são dois modos de comunicação e não constituem partes separadas pertencentes a processos diferentes. De acordo com Oakeshott, estes dois ingredientes do processo de compreensão e apropriação do conhecimento “emergem da dialética ensinar e aprender”. Há faculdades que dependem da informação e faculdades que dependem do julgamento. A informação é impessoal, baseada em fatos e pode ser encontrada em manuais e dicionários e enciclopédias; constitui-se como “peça informativa” ou como “conjunto de fatos”. Poderíamos resumir dizendo que a informação é o “o quê” e o julgamento ou juízo é o “como ou o porquê”. A principal diferença entre o julgamento e a informação adquirida reside neste fato: “o juízo é uma informação de outro tipo e nunca pode ser itemizada”. Assim, todo o ensino e, consequentemente, toda a aprendizagem têm estas duas componentes essenciais, a componente da informação designada como instrução e a componente do juízo designada como partilha.
Na busca por compreender esse contexto político é que surge o livro: The Politics of Faith and the Politics of Scepticism (1996). O argumento principal da obra é que os governos europeus, desde o século XV, convivem com diferentes modos ou estilos de política, os quais ele denominou (I) “políticas de fé” (“politics of Faith”) e (II) “políticas de ceticismo” (“politics of scepticism”). Tais formas são expressões que resultam de dois polos extremos nos quais é empreendida a atividade de governar. Enquanto extremos, são construções ideais. Dificilmente encontradas em sua forma pura, aproximando-se da idealidade típica do constructo weberiano, constituem-se mais em tendências do que em “teorias” ou doutrinas propriamente ditas. A política de fé é o modo de representação de um estilo de governar caracterizado pela incessante busca pela perfeição da humanidade. Conforme Oakeshott há um grande otimismo cósmico que, derivado não da observação, mas da inferência da perfeição do seu criador, atribui uma indiscutível perfeição do universo. Essa ideia de “perfeição” (ou “salvação”) consiste na busca de uma visão compreensiva de bem seja religiosa, econômica, filosófica, moral, etc. a ser alcançada pela vivência no mundo social e político. 
Porém não como uma tipologia do caráter humano, mas no sentido que empregou historicamente o florentino Maquiavel, como uma condição mundana das circunstâncias humanas. De modo mais simples, “perfeição” é mudança para melhor, pode significar tanto o caminho específico a ser aprimorado quanto a direção geral pela qual deve a atividade humana deve ser guiada, assim pouco importando o caminho. Foi porque Maquiavel percebeu que qualquer conselho positivo para lidar com problemas políticos era suscetível de ser contrariado por uma alusão pessimista à fortuna, que ele resolveu dedicar a esse tema o penúltimo capítulo de “Il Principe”, livro escrito por Nicolau Maquiavel em 10 de dezembro de 1513, cuja 1ª edição foi publicada postumamente, em 1532. Ele próprio aceitou que a “Fortuna” era o árbitro de metade das ações dos homens, mas sublinhou que isso não deveria levar ao derrotismo. Em duas memoráveis imagens, comparou a fortuna a um rio cujas águas caudalosas podem ser inofensivamente desviadas por diques e canais de drenagem precavidos, e a uma mulher que, sendo mulher, pode ser domada pelo ardor e a violência: “sou de parecer de que é melhor ser ousado do que prudente, pois a fortuna (oportunidade) é mulher e, para conservá-la submissa, é necessário (…) contrariá-la. Vê-se, que prefere, não raramente, deixar-se vender pelos ousados do que pelos que agem friamente. Por isso é sempre amiga dos jovens, visto terem eles menos respeito e mais ferocidade e subjugarem-na com mais audácia” (cf. Maquiavel, 2004).
O agente responsável para assegurar a perfeição é o Estado.  Se utópico ou se visa a aprimorar a sociedade em apenas em um determinado rumo, tal estilo sustenta que somente o poder humano pode atingi-lo; destarte, não apenas busca, mas supervaloriza este poder, deixando a cargo do governo uma competência quase ilimitada para conduzir a sociedade. Consequentemente, o estilo requer uma dupla confiança: a convicção de que o poder necessário é disponível ou pode ser gerado e uma convicção que, mesmo que não se saiba exatamente o que constitui a perfeição, ao menos se sabe o caminho a ser percorrido. Parece claro que o papel do Estado, não é neutro e assume uma visão substantiva, em vista da reprodução da esfera política da atividade humana. Assim, torna-se o instrumento para alcançar a verdade, concebida a partir de uma visão particular do conservador, exige dos cidadãos não apenas a obediência ou a submissão, mas principalmente entusiasmo e engajamento para a concretização desta finalidade. - “Os inimigos do regime serão identificados não como meros dissidentes a serem inibidos, mas como descrentes a serem convertidos. Mera obediência não é suficiente; deve ser acompanhada pelo fervor. Na verdade, se o sujeito não é entusiasta com o governo, não há nenhum objeto legítimo de devoção; se ele é devotado à “perfeição”, ele deve ser devotado ao governo”. Daí a analogia do conceito descrito na obra: “On Human Conduct”, a política de fé encara ideologicamente a sociedade contemporânea como uma associação empreendedora (“enterprise association”).
Neste modo de associação, os agentes estão interligados a partir de um propósito comum substantivo, reconhecido como uma condição exequível pelos homens. Esse engajamento tem por escopo direcionar a conduta humana a partir de ações que estejam meticulosamente relacionadas para administrar e maximizar o propósito desejado. As eventuais regras emitidas são meramente instrumentais e, por si só, não definem e nem identificam a associação. Destaca algumas conclusões para a política de fé. Em primeiro lugar, ela não é uma invenção que surgiu nos últimos séculos contra um período de negligência ou indiferença governamental. Tampouco foi um fruto da revolução industrial ou da democracia liberal. Deve ser compreendida num contexto histórico de legitimação e idealização do governo como operador racional da atividade humana.
Em segundo lugar, não é identificada com nenhum movimento, partido ou causa no mundo moderno. Há representantes desse estilo de política em todo campo, todo partido, cada momento e entre advogados de toda causa. Em terceiro lugar, a política de fé não é, e nunca foi, o único estilo de política que surgiu na história moderna. Essa impressão é causada especialmente pelo sucesso deste estilo especialmente a partir do século XVII. Finalmente, a política de fé é subentendida como política da imortalidade. Dá atenção excessiva ao futuro e se esquece do passado. Ao conduzir a conduta humana para um determinado fim, transmite a idéia de que a própria história possui um sentido. Em seu livro de memórias: “Neoconservatism: The Autobiography of an Idea”, Irving Kristol afirma que decidiu não publicar o ensaio: “On Being Conservative” na revista The Public Interest justamente pelo caráter irremediavelmente secular do texto, o que estaria em desacordo com o elemento religioso presente na sociedade norte-americana.
Enfim, no seu ensaio: “Rationalism in Politics” (1991) o autor volta ao assunto dizendo-nos que há dois tipos de conhecimento: o conhecimento técnico e o conhecimento prático. O conhecimento técnico pode ser formulado através de regras e aprendido nos livros (informação). O conhecimento prático só pode ser aprendido com um mestre porque não pode ser formulado em regras e constitui-se, muitas vezes, como matéria de opinião (julgamento). O conhecimento prático só pode ser adquirido através da mestria porque é impreciso. Um dos problemas centrais da modernidade consiste no fato de “haver uma soberania da razão, uma soberania da técnica, porque o racionalismo e os racionalistas aspiram à certeza, apesar de esta aspiração não ser mais do que uma ilusão”. Tendem a rejeitar a imprecisão e tudo deve passar-se como está descrito nos livros. A mestria passa a ser olhada com desconfiança devido à sua imprecisão. O racionalista argumenta Oakeshott, “always stands”, quer dizer, é sempre a favor de alguma coisa ou contra alguma coisa. As circunstâncias sociais do mundo moderno fazem do racionalista um ser eminentemente contencioso: - “Ele é o inimigo da autoridade, do preconceito, do simplesmente tradicional, costumeiro ou habitual”.
Mas como toda a atividade humana tende a ser reduzida a problemas de ordem sociológica, concluiríamos admitindo duas ideias que nos parecem fundamentais para haver um compromisso educativo na interpretação oakeshottiana. Há também uma tentativa de promoção da cultura científica de modo a que os seres humanos se identifiquem a si próprios na sua relação com as coisas e o seu império sobre as coisas. Mas a pedra angular é a ideia de “integração social” que radica no preconceito de que “tudo é social e de que tudo deve ter uma função social”, portanto, a educação seria algo de social. Homogeneizando as diferenças e não tornando através das semelhanças algo de distinto, meritório etc. Esta primazia do “social” torna a educação como um investimento social relacionado com o bem-estar de uma sociedade e as Universidades, segundo Oakeshott transformaram-se “numa indústria de serviços cuja finalidade é a de contribuir para o bem-estar da nação”. Os governos calculam a produtividade das universidades através de análises de custos e benefícios. As últimas décadas mostram-nos que os governos querem transformá-las em “instrumentos de socialização” e submetê-las a propósitos extrínsecos ligados a considerações sociais. Pensam que sabem, mas não sabem o que eles fazem!
Bibliografia geral consultada.                                                                                              
SCHUMPETER, Joseph, Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961; BACHRACH, Peter, Crítica de la Teoria Elitista de la Democracia. Buenos Aires: Ediciones Amorrotu, 1973; PAREKH, Bhikhu, “The Political Philosophy of Michael Oakeshott”. In: British Journal of Political Science, volume 9, n° 4, pp. 481-506, out. 1979; SORMAN, Guy, La Révolution Conservatrice Américaine. Paris: Editions Fayard, 1983; Idem, L`Amérique dans les Têtes, Fascinations et Aversions. Paris: Editeur Hachette Littérature, 1986; OAKESHOTT, Michael, On Human Conduct. Oxford: Oxford University Press, 1975; Idem, The Voice of Liberal Learning. Indianapolis: Liberty Fundation, 1989; Idem, Rationalism in Politics and other essays. 2ª ed. Indianapolis: Liberty Fundation, 1991; Idem, The Politics of Faith and the Politics of Scepticism. New Haven: Yale University Press, 1996; Maquiavel, Nicolau, O Príncipe. 3ª edição. Trad. Maria Júlia Goldwasser. São Paulo: Martins Fontes, 2004; MARCHIORI NETO, Daniel Lena, Os Fundamentos da Civilidade no Pensamento Conservador de Michael Oakeshott. Programa de Pós-Graduação em Direito. Tese de Doutorado. Centro de Ciências Jurídicas. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2012; MARCHIORI NETO, Daniel Lena, Os Fundamentos da Civilidade no Pensamento Conservador de Michael Oakeshott. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduaçao em Direito. Centro de Ciências Jurídicas. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2012; HENKEL, Michael; LEMBCKE, Oliver (eds.), Praxis und Politik - Michael Oakeshott im Dialog. Tübingen (Mohr Siebeck), 2013; RIBEIRO, Gustavo Cezar, Modos de Soberania e a Questão Contemporânea do Poder. Rio de Janeiro: IESP/UERJ; Université de Paris 1; 2014; CARDOSO, Felipe Gava, Notas sobre o Conservadorismo Político de Michael Oakeshott (1901-1990). In: Teoria & Pesquisa. Revista de Ciência Política. Vol. 24, n° 1, pp. 12-28, jan./jun. 2015; entre outros.  
______________

* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Robert Musil - Modernidade & Antevisão do Homem sem Qualidades.


                                                                                                                         Ubiracy de Souza Braga*

Não há nenhum pensamento importante que a burrice não saiba usar”. Robert Musil
                                                                      
                   

Robert von Musil nasceu na Áustria em 6 de novembro de 1880. Com a anexação da Áustria pela Alemanha nazista, em 1938, Musil mudou-se para a Suíça - inicialmente Zurique, depois Genebra, cidade onde morreu em 15 de abril de 1942. Estudou engenharia e filosofia, obtendo em 1908 o doutorado. Foi um escritor austríaco, um dos mais importantes romancistas modernos. Ao lado de Franz Kafka, Marcel Proust e James Joyce forma o grupo dos grandes prosadores do século XX. Da sua obra destaca-se o monumental: “Der Mann ohne Eigenschaftens” (1952), em português: “O Homem sem Qualidade” (1998). Trata-se deum “anti-romance”, ou um “não romance”, que é acima de tudo uma grande reflexão sobre a época de Musil. Sua estreia como romancista ocorreu em 1906 com o romance etnobiográfico: “Die Verwirrungen des Zöglings Törless” (1906), (tradução de “O Jovem Törless”, baseado na vida colégio militar.  Esta obra constitui uma impressionante previsão, com quase trinta anos de antecedência, do sadismo nazista e de seus motivos psicológicos, segundo Eric Fromm no livro: “The Anatomy of Human Destructiveness” (1973).   
Morreu pobre - “quase esquecido e dependendo da ajuda de amigos” - em Genebra, na Suíça, em plena II Guerra Mundial (1940-1945). Aos dez anos Robert Musil ingressou para a Escola Militar em Eisenstadt, destinado à carreira de oficial. Estudou durante mais de cinco anos em instituições do exército até chegar à Academia Militar de Viena, em 1897. Um ano depois, Musil decidiu largar a carreira de oficial e passou a estudar Engenharia em Brünn, obtendo o diploma da graduação em 1901. Depois de uma temporada em Stuttgart, cursou Filosofia e Psicologia experimental na Universidade de Berlim, doutorando-se em 1908, com tese sobre o pensamento de Ernst Mach (1838-1916), físico e filósofo austríaco. Os estudos de Ernest Mach sobre o fenômeno da descontinuidade e da dissociação, assim como suas teses a respeito do “eu condenado” (“unrettbares Ich”), seriam decisivos no processo de formação de diversos escritores vienenses, entre eles Arthur Schnitzler e o próprio Musil. No plano da crítica metafísica, a falta de qualidades, inserida na tradição da filosofia moderna, isto é, do empirismo e do neopositivismo, assim como na teoria do conhecimento de Ernst Mach, é voltada contra o essencialismo da ontologia substancialista visando sua destruição.    
 De 1914 a 1918, participou ativamente da I grande Guerra na condição de oficial de Infantaria do exército austríaco. Ao final dos combates chegou a capitão, condecorado com a principal ordem de guerra do moribundo império (Ritterkreuz des Franz-Josephs-Ordens). Só a partir de 1923, e já morando em Berlim, é que Musil passaria a viver exclusivamente de sua condição de escritor. A ascensão do nazismo, em 1933, obrigou-o a se mudar para Viena e, mais tarde - depois de se sentir numa ratoeira, conforme ele mesmo chegou a escrever em seu diário -, para Genebra, aonde veio a falecer em 15 de abril de 1942. A publicação da primeira obra de Musil, “O jovem Törless” (“Die Verwirrungen des Zöglings Törless”, 1906) - só foi levado a cabo através do incentivo do berlinense Alfred Kerr. O sucesso posterior, e também a aprovação da crítica, foi imediato. No romance, Musil detém-se - com admirável agudeza psicológica - na consciência de um estudante de internato, às voltas com situações que anteveem de maneira genial e visionária o sadismo e a opressão do autoritarismo em seu tempo.    
       

O sadismo surge quando a afeição é substituída pela crueldade, neurose encarada como luta entre a autopreservação e a libido (cf. Pontalis, 1970), onde o ego venceu, dando vazão à voz da libido expressa na tensão da sexualidade. Para Wilhelm Reich, o orgasmo é, primeiramente, a expressão de um abandono de si, sem inibição, em direção ao parceiro. A libido do corpo inteiro flui através dos genitais. O orgasmo pode não ser considerado completamente satisfatório se for sentido apenas nos genitais; movimentos convulsivos de toda a musculatura e uma leve perda de consciência são atributos normais e indicação de que o orgasmo como um todo teve participação. Além disso, o incesto precisa ser explícito? Não poderia haver o êxtase de um elo místico entre eles, mesmo de forma toda e plenamente espiritual? Pelo que entendemos acredita-se contrariamente que: “mas não, era espiritual e físico; o fogo que irrompera como centelha inicial continuava ardendo debaixo das cinzas. Talvez se devesse dizer: a alma de Ágata procurava outra maneira de arder livremente”.
                Em verdade, “O homem sem qualidades” é um fragmento gigantesco, de modo que se pode falar de uma falta de qualidades formais. O primeiro volume do romance saiu em 1931; tudo indica que Musil, depois de sua volta de Berlim, onde havia conhecido seu primeiro editor Ernst Rowohlt, trabalhou, desde 1921, como escritor livre na sua obra-prima, exercendo, concomitantemente, as atividades de crítico de teatro e ensaísta. Dificuldades financeiras motivaram a fundação de uma Sociedade Musil, possibilitando-lhe uma estadia em Berlim brevemente entre os anos 1931 a 1933 e a conclusão da primeira parte do segundo volume. A dissolução da Sociedade-Musil pelos nazistas fez com que o autor voltasse a Viena e que se fundasse a Sociedade Musil Vienense. Afirma-se que a continuação do volume II, de as obra máxima enviada à Editora em 1938, tenha sido confiscada pelo governo alemão; de qualquer maneira, ela acabou na lista dos “escritos nocivos e indesejáveis”. O início dessa parte confiscada tinha como subtítulo “Rumo ao Império Milenar. Os criminosos”, sem que houvesse um segundo sentido político. Vale lembrar que Robert Musil, nascido em 1880, faleceu no dia 15 de abril de 1942 no exílio suíço e o trabalho  criativo no seu “opus Magnum”.
Este romance-ensaio mostra a decadência dos valores vigentes até o início do século XX. Em sua narrativa a ação de O homem sem qualidades transcorre na Áustria imperial, dissimulada sob o nome de Kakânia. O romance constitui um vigoroso painel da existência burguesa no início do século XX e antecipa de certa forma, as crises que a Europa viveria apenas na segunda metade daquele mesmo século. A obra é - em suma - “o retrato ficcional apurado de um mundo em decadência”. Elaborado com fortes doses de sátira e humor, O homem sem qualidades é uma bola de neve de ações paralelas, que rola pela montanha do século abaixo, abarcando tempo e espaço, para ao fim engendrar um romance inteiriço, ainda que multiabrangente, pluritemática e panorâmico. Ulrich – “o homem sem qualidades” - faz três grandes tentativas de se tornar um homem importante: a) na condição de oficial, b) no papel de engenheiro, conforme a carreira do próprio Robert Musil e, finalmente, c) como matemático, exatamente as três profissões dominantes – e mais características - do século XX. Afirma Musil:
se quisermos passar sem problemas por portas abertas, é bom não esquecer que elas têm ombreiras sólidas; este princípio, segundo o qual o velho professor sempre tinha vivido, mais não é do que uma exigência do sentido de realidade. Ora, se existe um sentido de realidade – e ninguém duvidará de que ele tem direitos à existência -, então também tem de haver qualquer coisa a que possamos chamar o sentido de possibilidade. Aquele que o possui, não diz, por exemplo: isto ou aquilo aconteceu, vai acontecer, tem de acontecer aqui, mas inventará; isto ou aquilo poderia, deveria ter acontecido aqui (...). Esses homens do possível vivem, como se costuma dizer, numa trama mais subtil, numa teia de névoa, fantasia, sonhos e conjuntivos; se uma criança mostra tendências destas, acaba-se firmemente com elas, e disse-lhes que tais pessoas são visionários, sonhadores, fracos, gente que tudo julga saber melhor e em tudo põe defeito. Quando se quer elogiar estes loucos, chamasse-lhes também idealistas, mas é claro que com isso só se alude à sua natureza, débil, incapaz de compreender a realidade, ou que a evita por melancolia, uma natureza na qual a falta do sentido de realidade é um verdadeiro defeito”.
Os três ofícios são essencialmente masculinos e revelam o semblante de uma época regida pelo militarismo, pela técnica e pelo cálculo que, juntos, acabaram desmascarando o imenso potencial autodestrutivo da humanidade. O relato acerca da busca “desencantada” de Ulrich lembra a velha busca – ainda sagrada – do Santo Graal. A compreensão da realidade característica da obra e do pensamento de Musil é rematadamente satírica. A índole “ensaística” do autor arranca máscaras e sua ficção trabalha na confluência dos gêneros. Musil é um escritor “contemplativo”, de “postura clássica”, situado à janela do mundo e atento a seus movimentos. Tanto que, em várias situações de suas obras, seus personagens aparecem à janela. Ao utilizar vários elementos do ensaio, e inclusive ensaios inteiros no corpo da ficção, além de fazer uso livre do discurso pretensamente científico - ainda carregado de poesia – na compleição do romance, Musil dá vida à hibridez de sua narrativa. A frieza de interpretação da linguagem, as formalidades da postura do narrador são apenas superficiais. Se à primeira vista o olhar do narrador é marcado pelo intelectualismo – frio e impessoal como no âmbito do positivismo –, logo se descobre que isso é apenas um meio “apolíneo” contra o perigo dionisíaco do mundo, para lembramos de  Fredrich Nietzsche, e que a indiferença gelada da superfície apenas mascara a paixão ardente do interior, como é expresso brilhantemente na sociologia de Max Weber.
Todos os personagens de O homem sem qualidades apenas são importantes na medida em que se relacionam com Ulrich, na medida em que são, inclusive, superfícies nas quais ele mesmo se espelha. Todos eles não deixam de configurar, de certo modo, possibilidades e aptidões do próprio Ulrich. Mesmo o assassino de prostitutas Moosbrugger, o símbolo central do descalabro em que se encontra o mundo, é um espelho no qual Ulrich se vê refletido, já que os delírios do homicida não deixam de ser variações extremas das experiências de Ulrich em relação àquela que chama de “outra condição” (“anderer Zustand”), de sua busca incansável da liberdade do disparate e da vivência original, paradisíaca. Na segunda parte do romance, aliás, Ulrich passa a vivenciar cada vez mais situações de enlevo quase sobrenatural, em que já não logra mais distinguir os limites espaciais e temporais do mundo que o envolve. Mais tarde Ulrich inclusive tenta a “outra condição” junto com Agathe, sua irmã, a “duplicação assombreada de si mesmo na natureza oposta”. O amor mítico-incestuoso entre os dois constitui uma das mais belas e dolorosas histórias de amor da literatura universal.
Adotando uma atitude fundamentalmente irônica diante da sociedade, e decidida a lutar contra a estultice do século - contra “a imensa raça das cabeças medíocres e estúpidas” -, Musil muitas vezes foi compreendido como utopista, ou até místico, por alguns críticos, decididos a “dinamitar” o vigor de sua obra. O autor que foi tão corrosivo ao representar o mundo em sua realidade distorcida e deformada na figura mítica de uma Kakânia caquética é transformado assim num sujeito extravagante e pouco afeito à realidade. Um leão sem garras nem dentes! Já em 1972, Helmut Arntzen - crítico da obra de Musil - dizia que “os críticos pareciam fazer gosto em apresentar o autor na condição de animal exótico, místico e de movimentos graciosos”. Dessa forma, o escritor combativo e heroico – conforme expressa Robert Musil se compreendia – era transfigurado num metafísico dócil, no “Homme de Lettres” que sempre renegou, num autor distanciado, provido de alguns requintes na linguagem e de outros tantos talentos psicológicos na análise da alma humana. A postura contemplativa de Musil foi entendida como uma “utopia do ensaísmo” pregada por Ulrich - seu personagem - como uma visão utópica do mundo. 
        Na verdade, Musil fez apenas lutar pela recuperação da atividade de mensurar melhor, quantitativa e qualitativamente, os sentimentos e o “volume espiritual” das relações humanas; sem a ingenuidade do romantismo, mas sem a secura do realismo bruto. De quebra, deu nova fisionomia ao sujeito, nova potência ao “eu”, tornando-o estética e radicalmente consciente, ainda que o fizesse perambular no âmbito daquilo que outro crítico - Wolfgang Lange - chamou de “loucura calculada” ou “suspensão calculada da razão”. A intuição poética de Musil, enriquecida por seu aguçado espírito científico, proporcionou ao autor a capacidade de traçar um vasto panorama ficcional de sua terra e da Europa do século XX. Postado “à janela do mundo”, Musil examina, em última instância, o valor da inteligência objetiva do homem diante das chamadas “casualidades mundanas”. O Esclarecimento exprime o movimento real da sociedade burguesa como um todo sob o aspecto da encarnação de sua Ideia em pessoas e instituições, assim também a verdade não significa meramente a consciência relacional, mas, do mesmo modo, a figura que esta assume na realidade efetiva. 
         O medo que o bom filho da civilização moderna tem de afastar-se dos fatos – fatos esses que, no entanto, já estão pré-moldados como clichês na própria percepção pelas usanças dominantes na ciência, nos negócios e na política – é exatamente o mesmo medo do desvio social. Essas usanças também definem o conceito de clareza na linguagem e no pensamento a que a arte, a literatura e a filosofia devem se conformar. Ao tachar de compilação obscura e, de preferência, de alienígena o pensamento que se aplica negativamente aos fatos, bem como às formas de pensar dominantes, e ao colocar assim um tabu sobre ele, esse conceito mantém o espírito sob o domínio da mais profunda cegueira. É característico de uma situação sem saída que até mesmo o mais honesto dos reformadores, ao usar uma linguagem desgastada para recomendar a inovação, adota também o aparelho categorial inculcado e a má filosofia que se esconde por trás dele, e assim reforça o poder da ordem existente que ele gostaria de romper. A “falsa clareza”, a ilusão em relação à realidade em si é apenas uma outra expressão do mito. Este na história da humanidade sempre foi obscuro e iluminante ao mesmo tempo. Suas credenciais tem sido desde sempre a familiaridade e o fato de dispensar o trabalho característico do conceito. A aporia com que defrontamos cotidianamente revela-se assim como o primeiro objeto a investigar: a autodestruição do esclarecimento. 

      Não alimentamos dúvida nenhuma, afirmavam Adorno e Horkheimer (1985) – e nisso reside nossa petitio principi - de que a liberdade na sociedade é inseparável do pensamento esclarecido. Se o esclarecimento não acolhe dentro de si a reflexão sobre esse elemento regressivo, ele está selando seu próprio destino. Abandonado a seus inimigos e reflexão sobre o elemento destrutivo do progresso, o pensamento cegamente pragmatizado perde seu caráter superador e, por isso, também a sua relação social com a verdade. A disposição enigmática das massas educadas tecnologicamente a deixar dominar-se pelo fascínio de um despotismo, sua afinidade autodestrutiva com a paranoia racista, todo esse absurdo incompreendido manifesta socialmente fraqueza e a dúvida sobre o poder de compreensão do pensamento teórico no âmbito científico. A causa da recaída do esclarecimento não deve ser buscada tanto nas mitologias nacionalistas, pagãs e em outras mitologias modernas especificamente idealizadas em vista dessa recaída, mas no próprio esclarecimento paralisado pelo temor da verdade.

         A naturalização dos homens não é dissociável do progresso social. O aumento da produtividade econômica, que por um lado produz as condições para um mundo mais justo, confere por outro lado ao aparelho técnico e aos grupos sociais que o controlam uma superioridade imensa sobre o resto da população. O indivíduo se vê completamente anulado em face dos poderes econômicos. Ao mesmo tempo, estes elevam o poder a sociedade sobre a natureza a um nível jamais imaginado. Desaparecendo diante do aparelho a que serve, o indivíduo se vê, ao mesmo tempo, melhor do que nunca provido por ele. Numa situação injusta, a impotência e a dirigibilidade da massa aumentam com a quantidade de bens a ela per se destinados. A elevação do padrão de vida das classes subalternas, materialmente considerável e socialmente lastimável, reflete-se da difusão hipócrita do espírito. Sua verdadeira aspiração é a negação da reificação. Mas ele necessariamente se esvai quando se vê concretizando em um bem cultural e distribuído paras fins de consumo. A enxurrada de informações precisas e diversões assépticas desperta e idiotiza as pessoas ao mesmo tempo. O que está em questão não é a cultura como valor. O Esclarecimento deve tomar consciência de si, se os homens não forem traídos. Não se trata da conservação/superação do passado, mas de resgate-esperança na contemporaneidade. O passado se prolonga como sua própria destruição.  

      No trajeto social para a concepção de ciência moderna, os homens renunciaram ao sentido e substituíram o conceito pela fórmula, a causa pela regra e pela probabilidade. A causa representou apenas o último conceito filosófico que serviu de padrão para a crítica científica, porque ela era, por assim dizer, dentre todas as ideias antigas, o único conceito que a ela ainda se apresentava, derradeira secularização do princípio criador. Com as Ideias de Platão, finalmente, também os deuses patriarcais do Olimpo foram capturados pelo logos filosófico. O esclarecimento, porém, reconheceu as antigas potências no legado platônico e aristotélico da metafísica e instaurou um processo contra a pretensão de verdade dos universais, acusando-a de superstição. Na autoridade dos conceitos universais ele crê enxergar ainda o medo pelos demônios, cujas imagens eram o meio, de que serviam os homens, no ritual mágico, para tentar influenciar a natureza. Doravante, a matéria era dominada sem o recurso ilusório a forças soberanas ou imanentes, sem a ilusão de qualidades ocultas. O que não submete ao critério da calculabilidade e da utilidade de uso torna-se suspeito para o esclarecimento. Mas cada resistência cultural que ele encontra serve apenas para aumentar a sua força social. Isso se deve ao fato de que o esclarecimento ainda se reconhece a si mesmo nos próprios mitos. Quaisquer que sejam os mitos de que possam se valer a resistência, o simples fato social de que eles se tornam argumentos por uma tal oposição significa que eles adotam o princípio da racionalidade decerto corrosiva da qual acusam o esclarecimento. O esclarecimento é totalitário. Para ele, o elemento social e humano básico do mito foi sempre o antropomorfismo, a projeção do subjetivo na natureza.

          A cultura respeitável constituiu até o século dezenove um privilégio, cujo preço era o aumento do sofrimento dos incultos, no século vinte o espaço higiênico da fábrica teve por preço a fusão de todos os elementos da cultura num cadinho gigantesco. Talvez não fosse um preço tão alto, como acreditam alguns defensores da cultura, se a venda em liquidação da cultura não contribuísse para a conversão das conquistas econômicas em seu contrário. Nas condições atuais, os próprios bens da fortuna convertem-se em elementos de infortúnio. Enquanto no período passado a massa desse bens, na falta de um sujeito social, resultava na chamada superprodução, em meio às crises da economia interna, ela produz com a entronização dos grupos que  detém o poder no lugar desse sujeito social, a ameaça internacional do monopólio ligado aos grupos econômicos, com a entronização do grupos que detêm o poder no lugar desse sujeito social que procura tornar inteligível o entrelaçamento da racionalidade e da realidade social, bem como o entrelaçamento, inseparável do primeiro, da natureza e da dominação da natureza. No centro estão os conceitos de sacrifício e renúncia, nos quais revelam tanto a diferença quanto a unidade da natureza mítica e do domínio esclarecido da natureza. Ele mostra como a submissão de tudo aquilo que é natural ao sujeito autocrático culmina exato no domínio de uma natureza e uma objetividade cegas. Essa tendência, aplaina as antinomias do pensamento liberal, em especial a do rigor moral e absoluta amoralidade.

      No sentido do progresso do pensamento, o conceito de esclarecimento tem perseguido o objetivo de livrar os homens do medo e de investi-los na posição de senhores. Mas a terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal. O programa do esclarecimento representava o desencantamento do mundo. Sua meta era dissolver os mitos e substituir a imaginação pelo saber. A credulidade, a aversão à dúvida, a temeridade no responder, o vangloriar-se com o saber, a timidez no contradizer, o agir por interesse, a preguiça nas investigações pessoais, o fetichismo verbal, o deter-se em conhecimentos parciais: isto e coisas semelhantes impediram um casamento feliz do entendimento humano com a natureza das coisas e o acasalaram, em vez disso, a conceitos vãos e experimentos erráticos: o fruto da prosperidade de tão gloriosa união pode-se facilmente imaginar. A imprensa não passou de uma inovação grosseira; a bússola já era, até certo ponto reconhecida. Mas que mudanças sociais e tecnológicas essas três invenções produziram – uma na ciência, a outra na guerra, a terceira nas finanças, no comércio e na navegação. Apenas presumimos dominar a natureza estamos submetidos à sua necessidade; se nos deixássemos guiar por ela na invenção, nós a comandaríamos na prática.  Desencantar o mundo é destruir o animismo.

          O sobrenatural, o espírito e os demônios seriam as imagens especulares dos homens que se deixam amedrontar pelo natural. Todas as figuras míticas podem se reduzir, segundo o esclarecimento, ao mesmo denominador, a saber, ao sujeito. A resposta de Édipo ao enigma da esfinge: - “É o homem!” é a informação estereotipada invariavelmente repetida pelo esclarecimento, não importa se este se confronta com uma parte de um sentido objetivo, o esboço de uma ordem, o medo de potências maléficas ou a esperança da redenção. E antemão, o esclarecimento só reconhece como ser e acontecer o que se deixa captar pela unidade.  Sei ideal é o sistema do qual se pode deduzir toda e cada coisa. Não é nisso que sua versão racionalista se distingue da versão empirista. Embora as diferentes escolas interpretassem de maneira diferente os axiomas, a estrutura da ciência unitária era sempre a mesma. O postulado baconiano de una scientia universalis é, apesar de todo o pluralismo das áreas de pesquisa, tão hostil ao que não pode ser vinculado, quanto ao mathesis universalis de Leibniz à descontinuidade. A multiplicidade das figuras se reduz à posição e à ordem, a história ao fato, as coisas à matéria. Com Bacon, entre os primeiros princípios e os enunciados observacionais deve subsistir uma ligação lógica unívoca, medida por graus de universalidade. De Maistre zomba de Bacon por cultivar “une idole d`échelle”.  A lógica formal era a grande escola da unificação. Ela oferecia aos esclarecedores o esquema da calculabilidade do mundo.            

Bibliografia geral consultada.
COMETTI, Jean-Pierre, Robert Musil ou l`Altenative Romanesque. Paris: Presses Universitaies de France, 1985; VATAN, Florence, Robert Musil et la Question Anthropologique. Paris: Presses Univesitaire de France, 2000; MUSIL, Robert, O Homem Sem Qualidades.  São Paulo: Editora Nova Fronteira, 1989; Idem, L`Homme sans qualités. Tome II. Paris: Éditions Du Seuil, Coll. Points, n° 4,‎ 2011 (1re Éditions 1954), 1300 páginas; SCHORSKE, Carl Emil, Viena fin-de-siècle - Política e Cultura. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1988; KAFKA, Franz, Carta ao Pai. Rio de Janeiro: Editora Companhia das Letras, 1997; Idem, O Processo. São Paulo: Editora 34, 2002; LEMAIRE, Gérard-Georges, “Iniciação à Dor do Amor”. In: Kafka. Porto Alegre: L & PM Editor, 2006, pp. 88 e ss.; BLOOM, Harold, Gênio - Os 100 Autores mais Criativos da História da Literatura. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003; HANKE, Michael, A Qualidade de O Homem sem Qualidades de Robert Musil. In: Alceu, vol. 4, n° 8, pp. 128-140, jan./jun., 2004; WAISBERG, Maria Thereza, O Que Eu Me Tornei Para Mim Mesmo? O Homem sem Qualidades, e o Caráter Predatório da Modernidade Tardia. Tese de Doutorado. Instituto de Psicologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2008; PINTO, Ana Maria de Souza Moraes, A Construção do Romance Moderno de Adolescência em Raul Pompeia e em Robert: em busca de uma leitura didática. Tese de Doutorado. Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara: Universidade Estadual paulista, 2010; CASTRO, Érica Gonçalves de, Sobre o Ensaismo de Robert Musil. In: Pandaemonium. São Paulo, n 17, julho/2011; pp. 103-117; GALVÃO, Pedro Alegre Pina, A Ética Negativa: Ensaio sobre o Homem sem Qualidades. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de janeiro, 2015; entre outros.
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes.  São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP).  Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).