O termo ideologia aparece pela primeira vez em 1801 no livro de Destutt de Tracy, Eléments d`ldéologie. Juntamente com o médico Pierre-Jean-Georges Cabanis (1757-1808), Joseph Marie De Gérando (1772-1842) e Constantin François de Chasseboeuf, conde de Volney, per se De Tracy pretendia elaborar uma ciência da gênese das ideias, tratando-as como fenômenos naturais que exprimem a relação do corpo humano enquanto organismo com o ambiente. Elabora uma teoria sobre as faculdades sensíveis, responsáveis pela formação de todas as nossas ideias: querer (vontade), julgar (razão), sentir (percepção) e recordar (memória). Nesses termos os ideólogos franceses eram antiteológicos, antimetafísicos e antimonárquicos. Pertenciam ao partido liberal e esperavam que o progresso das ciências experimentais, baseadas exclusivamente na observação, na análise e síntese dos dados observados, pudesse levar a uma nova pedagogia e a uma nova moral. Contra a educação religiosa e metafísica, que permite assegurar o poder político de um monarca, De Tracy propõe o ensino das ciências físicas e químicas para “formar um bom espírito”, isto é, um espírito capaz de observar empiricamente, decompor e recompor os fatos, sem se perder em especulações. Cabanis pretende construir ciências morais de tanta certeza quanto naturais, capazes de trazer a felicidade e acabar com os dogmas, desde que a moralidade não seja separada da fisiologia do corpo humano.
Nos Elementos de Ideologia, na parte dedicada ao estudo da vontade, De Tracy procura analisar os efeitos de nossas ações voluntárias e escreve, então, sobre economia, na medida em que os efeitos das ações voluntárias concernem à nossa aptidão para prover necessidades materiais. Procura saber como atuam, sobre o indivíduo e sobre a massa, o trabalho e as diferentes formas da sociedade, isto é, a família, a corporação. Suas considerações, na verdade, são glosas das análises do economista francês Say, a respeito da troca, da produção, do valor, da indústria, da distribuição do consumo e das riquezas. No ensaio Influências do Moral sobre o Físico, Cabanis procura determinar a influência do cérebro sobre o resto do organismo, no quadro puramente fisiológico. O ideólogo francês partilha do otimismo naturalista e materialista do século XVIII, acreditando que a Natureza tem, em si, as condições necessárias e suficientes para o progresso e que só graças a ela nossas inclinações e nossa inteligência adquirem uma direção e um sentido. Os ideólogos foram partidários de Napoleão e apoiaram o golpe de 18 Brumário, pois o julgava um liberal continuador dos ideais da Revolução Francesa. Enquanto Cônsul, Napoleão nomeou vários ideólogos senadores ou tribunos. Todavia, logo se decepcionaram com Bonaparte, vendo nele o restaurador do Antigo Regime. Opõe-se às leis referentes à segurança do Estado e são por isso excluídos do Tribunado e sua Academia é fechada.
Os decretos napoleônicos para
a fundação da nova Universidade Francesa dão plenos poderes aos inimigos dos
ideólogos, que passam, então, para o partido da oposição. O sentido pejorativo
dos termos “ideologia” versus “ideólogos” veio de uma declaração de Napoleão que,
num discurso ao Conselho de Estado em 1812, declarou: “Todas as desgraças que
afligem nossa bela França devem ser atribuídas à ideologia, essa tenebrosa
metafísica que, buscando com sutilezas as causas primeiras, quer fundar sobre
suas bases a legislação dos povos, em vez de adaptar as leis ao conhecimento do
coração humano e às lições da história”. Bonaparte invertia a imagem que os ideólogos
tinham de si mesmos: eles, que se consideravam materialistas, realistas e
antimetafísicos, foram chamados de “tenebrosos metafísicos”, ignorantes do
realismo político que adapta as leis ao coração humano e às lições da história.
O curioso, segundo a filósofa marxista Marilena Chauí, no ensaio: O Que é
Ideologia (1983), é que se a acusação de Bonaparte é infundada com relação
aos ideólogos franceses, não o seria se se dirigisse aos ideólogos alemães,
criticados analiticamente por Marx que conservará o significado napoleônico do
termo: o ideólogo é aquele que inverte as relações humanas entre as ideias e o real de análise.
Assim, a ideologia, que inicialmente designava uma ciência natural da
aquisição, pelo homem, das ideias calcadas sobre o próprio real, passa a
designar, dar por diante, um sistema de ideias condenadas a desconhecer sua
relação real com a realidade conceitual da imaginação humana.
O que está em jogo na relação capital versus trabalho no que se refere à ideologia de desaposentação? O Plenário do Supremo Tribunal Federal, na sessão do dia 26 de outubro de 2016 decidiu por maioria de votos pela “inviabilidade do aposentado permanecer em atividade ter seu benefício majorado considerando as novas contribuições à previdência”. A tese ortodoxa fixada pelo Tribunal admite que: “No âmbito do Regime Geral de Previdência Social, somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à ‘desaposentação’, sendo constitucional a regra do Art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91”. O Ministro Luis Roberto Barroso votou pelo direito segurado à desaposentação. Entretanto, observou que não havia necessidade de devolução dos valores já recebidos. Outros votos vencidos foram o da Ministra Rosa Weber e do Ministro Ricardo Lewandowski, que seguiram o posicionamento de que o segurado possui direito à desaposentação. Por outro lado, a corrente vencedora prossegue no entendimento do Ministro Dias Toffoli. Segundo ele apesar de a Carta Maior não conter vedação à desaposentação, não existe também previsão legal para tal direito.
O ministro Toffoli salientou que a CF dispõe de forma clara e específica que compete à legislação ordinária estabelecer as hipóteses em que as contribuições previdenciárias repercutem diretamente no valor dos benefícios, como é o caso da desaposentação, que possibilitaria a obtenção de benefício de maior valor a partir de contribuições sociais recolhidas após a concessão tributária da aposentadoria. O Ministro Teori Zavascki acompanhou o voto referido, tendo em vista o caráter solidário do sistema previdenciário, em que as contribuições possuem o intuito de não serem de uso exclusivo do segurado, mas para a manutenção da coletividade. Votaram também pela ilegalidade da desaposentação os Ministros Edson Fachin, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Com efeito, a maioria dos ministros da Suprema Corte brasileira pautou-se no fundamento da ausência de previsão legal em relação à renúncia da aposentadoria e a possibilidade de concessão de uma nova Constituição, recalculada com base nas contribuições posteriores e idade atualizada. Argumentou-se também que a inviabilidade da aposentação se baseia nos comandos da Constituição e decorre dos princípios que regem o sistema previdenciário brasileiro.
A história social da aposentadoria no Brasil remete ao ano de 1888, quando de forma ainda incipiente surgiram iniciativas para beneficiar antigos funcionários de setores que eram importantes para o império, tais como os funcionários dos correios, da imprensa nacional, das estradas de ferro, da marinha, da casa da moeda e da alfândega. No entanto, foi apenas no ano de 1923 que o Brasil assistiu ao ponto de partida da história da previdência social tal como é concebida. Destaca-se, assim como em outros países, o fato de mulheres e professores de educação infantil aposentarem-se 5 anos mais cedo de que os demais trabalhadores. A previdência oferece quatro tipos de jubilação: aposentadoria por idade que se diferencia se for trabalhador urbano ou trabalhador rural, aposentadoria por tempo social de contribuição que se subdivide em aposentadoria proporcional, por pontos e comum, aposentadoria por invalidez e aposentadoria especial. A classificação do trabalho brasileiro não é ponto pacífico entre os doutrinadores.
A corrente majoritária entende que ele faz parte do direito privado, uma vez que se trata da relação social entre partes privadas: patrão e empregado. Porém, o direito do trabalho tem hoje várias regras cogentes de caráter público visando a garantir os direitos mínimos do trabalhador ante o empregador. Essas regras públicas existem em virtude da doutrina do intervencionismo básico do Estado que busca proteger o empregado, elo mais fraco da relação. Esse intervencionismo faz alguns defenderem uma natureza jurídica mista, ou seja, de direito parcialmente privado e parcialmente público para este ramo do direito que mescla tanto de normas públicas quanto privadas. Outros vão mais longe e entendem que a livre manifestação das vontades foi substituída, no direito do trabalho, pela vontade do Estado e esse teria, portanto, caráter de direito público. Finalmente, há também uma corrente que liga o direito do trabalho ao direito social, enfatizando a coletivização do direito. De qualquer modo, a tese de que este ramo do direito seria parte do direito privado permanece sendo a que prevalece no Brasil.
A nova regra para aposentadorias proposta pela Medida Provisória 676, para substituir a fórmula 85/95 – aprovada pelo Congresso e vetada pela presidente Dilma Rousseff –, vai ajudar a minimizar o impacto negativo nas contas públicas, mas não traz uma solução para o crescente déficit da Previdência Social (RGPS). A consultoria “Tendências” calculou o impacto fiscal da proposta 85/95 e da solução alternativa apresentada pelo governo. Segundo o estudo estatístico, a regra aprovada pelo Congresso aumentaria o déficit da previdência em 0,4% PIB nos próximos 55 anos, enquanto a regra progressiva proposta pelo governo elevaria o déficit em 0,1% do PIB. A fórmula representa uma alternativa para o fator previdenciário, que continua valendo, caso o trabalhador queira se aposentar mais cedo, mas com um benefício menor. Atualmente, a mudança no atual modelo de aposentadoria vem sendo tratada no Congresso, com a discussão em torno do fim do fator previdenciário, que reduz o valor de quem se aposenta por tempo de serviço antes de chegar aos 60 anos, no caso das mulheres, e 65 anos, para os homens, e a proposta de soma entre a idade do beneficiário ao se aposentar e o tempo total de contribuição, resultando em 85 e 95 anos para mulheres e homens, respectivamente, para que seja possível parar de trabalhar.
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