Ubiracy de Souza Braga*
“Apenas uma geração de leitores vai dar origem a uma geração de escritores”. Steven Spielberg
Angela Merkel visitou a ponte Glienicker,
onde Steven Spielberg grava o filme: “St. James Place”.
A
Ponte Glienicke (“Glienicker Brücke”) em Berlim cruza o Rio Havel conectando as
cidades de Potsdam e Berlim. Sua construção foi concluída em 1907. A União
Soviética e os Estados Unidos utilizaram essa ponte em três oportunidades para
realizar “trocas de espiões” capturados durante a chamada Guerra Fria, e a ponte foi
denominada ideologicamente como “Ponte dos Espiões” pela imprensa. A primeira
troca entre as nações ocorreu no dia 10 de fevereiro de 1962. Os Estados Unidos
da América liberaram o espião russo Coronel Rudolf Ivanovich Abel nas negociações de troca do piloto
Francis Gary Powers capturado pela URSS em 1960. Annette Von Broecker
reivindica que uma determinada intuição lhe proporcionou o posto de única
testemunha ocular dessa troca. Ela era filha do advogado Heinrich von Broecker e sua esposa Hedwig Maria. Ela se formou no colegial no verão de 1912. Ela então estudou em Freiburg e, no semestre de verão de 1917, em economia de Heidelberg. Sua dissertação de 50 páginas, tratou do tópico “indivíduo e comunidade do individualismo religioso, sociológica e economicamente, de três tipos básicos”. Em seguida, foi treinada como enfermeira e subsequente trabalho de saúde pública, que ainda era um “campo do policiamento médico”, como ela escreveu em uma de suas publicações.
A segunda troca ocorreu no dia 12 de junho de 1985,
mas de uma forma apressada de 23 agentes norte-americanos presos na Europa
Oriental pelo agente polonês Marian Zacharski e outros três agentes soviéticos
presos no Ocidente. A última troca - last but not least - também é a mais conhecida do grande público.
Em 11 de fevereiro de 1986 o defensor dos direitos civis e prisioneiro
político Anatoly Sharansky e mais três agentes orientais foram negociados e trocados por Karl Koecher e
quatro outros agentes ocidentais. A ponte Glienicke como local de encontro para
troca de prisioneiros também aparece na ficcionalização real, originalmente no filme de Harry
Palmer de 1966, “Funeral em Berlim”, estrelado por Michael Caine, baseado em
obra de mesmo nome. A missão do espião Harry Palmer é contrabandear um agente russo dentro de um caixão de volta à Inglaterra. Entretanto, Harry descobre que o russo pode não ser tudo o que ele parece ser.
A Ponte dos Espiões (“Bridge of Spies”) é um thriller norte-americano dirigido por
Steven Spielberg e escrito por Matt Charman, Ethan Coen e Joel Coen. Alguns dos
atores principais que formam o elenco são Tom Hanks, Mark Rylance, Amy Ryan e
Alan Alda. Este filme tem como escopo o incidente U-2 de 1960 e é baseado no
romance homônimo do livro de Giles Whittell. O advogado James B. Donovan (Tom
Hanks) é empurrado para o centro da chamada Guerra Frio, quando é dada a missão
de negociar a libertação de Francis Gary Powers, um piloto cujo avião foi
abatido na União Soviética. O filme foi rodado sob o título provisório de “St.
James Place”. O cineasta
Steven Spielberg narra em seu filme a história política de um advogado norte-americano,
interpretado magistralmente por Tom Hanks, que consegue negociar o resgate de dois
prisioneiros do bloco do leste europeu no fim dos anos 1950. Fã dos destinos
excepcionais, o diretor de filmes como: “A lista de Schindler” (1993), “Prenda-me
se for capaz” (2002) e “Munique” (2005), entre outros, leva aos cinemas desta
vez uma história espetacular sobre o período da Guerra Fria: (“Bridge of Spies”).
Em um momento de tensão entre Estados Unidos e Rússia sobre o enfoque da guerra na Síria, em 1957, o advogado James Donovan foi escolhido por seu escritório para defender o indefensável no Ocidente: um espião soviético detido em território norte-americano, Rudolf Abel. Guerra
Fria, sociologicamente é a designação atribuída ao período histórico de disputas estratégicas e
conflitos indiretos entre os Estados Unidos e a União Soviética, compreendendo
o período entre o final da 2ª guerra mundial (1945) e a extinção da União
Soviética (1991), um conflito de ordem política, militar, tecnológica,
econômica, social e ideológica entre as duas nações e suas zonas de influência.
É chamada “fria” porque não houve guerra direta entre as duas
superpotências, dada à inviabilidade da vitória em uma batalha nuclear. A corrida
armamentista de um grande arsenal de armas nucleares foi o objetivo central
durante a primeira metade da Guerra Fria. Estabilizou-se na década de 1960 até
à década de 1970, sendo reativado nos anos 1980 com o projeto do presidente dos
Estados Unidos de Ronald Reagan chamado de “Guerra nas Estrelas”. O primeiro filme foi lançado apenas com o título Star Wars em 25 de maio de 1977, e tornou-se um fenômeno mundial inesperado de cultura popular, sendo responsável pelo início da era dos blockbusters, que representa superproduções cinematográficas que fazem sucesso nas bilheterias e viram franquias com brinquedos, jogos, livros, etc.
Foi seguido por duas sequências, The Empire Strikes Back e Return of the Jedi, lançadas com intervalos de três anos, formando a trilogia original. Uma parte da historiografia argumenta que foi uma disputa
dos países que apoiavam as liberdades civis, como a liberdade de opinião e de
expressão e de voto, representada pelos Estados Unidos e outros países
ocidentais e do outro lado a doutrina comunista. Outra parte defende que esta
foi uma disputa entre o capitalismo, que patrocinou regimes ditatoriais na
América Latina, representado pelos Estados Unidos da América (USA), e a transição para o socialismo
expansionista ou socialismo de Estado, onde fora suprimida a propriedade
privada, defendido pela União Soviética (URSS) e China. Entretanto, esta
caracterização só pode ser considerada válida com uma série de restrições e
apenas para o período do imediato pós-Segunda Guerra Mundial, até a década de
1950. Nos anos 1960, o “bloco político-militar socialista” se dividiu e durante
as décadas de 1970 e 1980, a China comunista se aliou aos norte-americanos na
disputa contra os russos. Disputas regionais envolveram Estados imperialistas,
contra diversas potências locais, regionais e, sobretudo, de dimensão
nacionalistas.
No longa-metragem em 1957, depois de uma intrincada
caçada, o FBI aprisiona o estoico Rudolf Abel (Mark Rylance), um espião russo
que se disfarça de artista em Nova York. Ele estaria transmitindo segredos de Estado
relativos à energia nuclear. Para defendê-lo, a promotoria pública indica o
íntegro James B. Donovan (Hanks), que naquele momento era sócio de uma firma de
advocacia especializada em seguros. A família e os amigos de Donovan não querem
que ele aceite um caso tão impopular. Mas ele não só aceita o desafio, como
defende Abel com probidade intelectual e consegue livrar o espião da pena de
morte certa, que era a vontade ideologizada no âmbito da esfera da opinião
pública. Donovan a principio é hostilizado. Mas como advogado pragmático sabe
que o risco que ele assumiu era calculado. Tem um bom argumento: é melhor
manter Abel vivo e seguro, já que ele poderia ser útil em alguma ocasião, como
uma futura troca de prisioneiros. E isso exatamente o que acontece poucos anos
depois.
Em meio à edificação do Muro de Berlim, Donovan, em
condições nada favoráveis, encontra vários membros do governo da União
Soviética e da Alemanha. O jogo de negociação é longo e tortuoso. Os russos e
alemães estão sempre desconfiados e os agente da CIA mais atrapalham do que
ajudam Donovan. Ponte dos Espiões na verdade aparece com uma mercadoria de
supermercado: dois filmes em um. No começo, é um filme de tribunal, típico dos
julgamentos norte-americanos demonstrando como foi a captura e o julgamento de
Abel nos Estados Unidos. Depois, com ação na Europa, onde o longa-metragem se
transforma em uma produção teórica de espionagem clássica. Apesar de cenas de violência bruta da política demonstrarem cidadãos alemães da
Alemanha Oriental sendo fuzilados tentando passar para o lado ocidental do Muro
de Berlim, como se a questão se resolvesse como oposição, Ponte dos Espiões não
é abertamente violento, mas não deixa de ser perturbador.
Os escritos de Georg Simmel sobre vitalismo ou
filosofia de vida, quase no final de sua vida, dimensionam não tanto a tragédia
da cultura (cf. Simmel, 1988), mas a ambivalência do sujeito frente à cultura: o conflito da cultura. Entende Simmel que, ainda que as formas
culturais na sociedade mercantil tornem difícil ao homem exprimir
criatividade, o mesmo não consegue viver sem elas. A comodidade, as formas de
simbolização e informação, as novas normas legais, a liberação da
sexualidade, dentre outras, são manifestações de vidas de uma espécie de outro lado da
modernidade. Não obstante, essa percepção sensível de um maior avanço da
cultura subjetiva não foi suficiente para alterar o “nó duro” de sua análise. A
imaginação se desenvolve em torno da crítica da dimensão de massa dos bens
culturais, os quais deixam os homens deprimidos por não poder assimilá-los
todos no mesmo momento em que não podem excluí-los, pela fragmentação da
existência em razão da separação crescente das esferas da vida e a erosão da
cultura pessoal em correspondência com o avanço dos multivariados objetos os quais
ganham e exigem conotação cultural.
O longa-metragem representa uma etnografia de como funcionavam
os bastidores do jogo político na constituição da guerra fria entre os Estados Unidos e os países comunistas.
Quando seus dirigentes não conseguiam compreender a reprodução ideológica do
ódio disseminado pela guerra através do olhar vis-à-vis. Tom Hanks está bem como quase sempre, neste caso vivendo
o inoxidável Donovan. Mas quem rouba a cena é o ator britânico Rylance como o
enigmático Abel, que pode ou não saber demais, o que nos remete as principais formas
de “sociação” (“Vergesellschaftung”) estudadas pelo filósofo Georg Simmel. Influenciado
pela filosofia kantiana que distinguia a forma do conteúdo dos objetos de estudo
do conhecimento humano, tal distinção pretendia tornar possível o entendimento
da vida social com o processo de “sociação”, termo que cunhou como objeto de
pensamento analítico e interpretativo para o estudo da sociologia, representando o invariante através da
análise das formas em que os indivíduos em suas ações se agregavam e não os
indivíduos em si.
Os processos qualitativos, no entanto, que assumiam
tais formas também deveriam ser estudados pela sociologia geral, subproduto da
sociologia formal, como a concebia o filósofo Georg Simmel. Estudando o conflito, o autor não conferia aos
grupos unidades hipostasiadas, supervalorizadas com relação ao indivíduo, como ocorre comumente no jornalismo de guerra. Antes
via neste o fundamento dos grupos, daí que as “formas”, para Simmel,
constituem-se em um processo de interação entre tais indivíduos, seja por
aproximação, seja pelo distanciamento, competição, subordinação, e assim por
diante no âmbito do conflito. Melhor dizendo, a investigação entre o número de
indivíduos no seio das formas de vida coletiva. O modo como o aspecto quantitativo
afeta o tipo de relação social existente. Simmel analisa uma relação exclusiva
entre duas pessoas e, por fim, entre três, produz diferentes tipos de interação
entre as pessoas. Se as relações de poder
não são unilaterais é preciso explicar como as formas de comando e obediência
estão relacionadas, como a obediência do grupo a um indivíduo, a dominação do
grupo ou a dominação de regras impessoais.
Tal como na arte, a ideologia pode se expressar na
ética de maneiras muito distintas. Pode, por exemplo, representar as manifestar de vida individual e coletiva na
disposição subjetiva, como indicamos pistas na concepção de Georg Simmel,
implícita ou explícita, no sentido de abandonar o envolvimento com a
comunidade. E mesmo decorrente no sentido de cancelar qualquer compromisso com ela. Como a
comunidade representa socialmente a matriz dos valores, basta lembrarmos que “ethos”, comparativamente, em grego, e “mores”
em latim, significam costumes; normas de conduta estabelecidas pela comunidade,
onde os indivíduos que negam o vínculo que os liga à comunidade são, de fato, pessoas que renegam por assim dizer a ética. É neste
sentido que este tipo de distorção se liga a formas extremas de egoísmo, que
ultrapassam amplamente o chamado “egoísmo saudável”, ligado à autopreservação e
à afirmação pessoal de si mesmo. Os indivíduos cuja vida interior se enriquece
em diálogo constante dialeticamente com os outros, não se resignam a ser apenas aquilo que já
se tornaram, e querem ser mais do que estão sendo pelo fato de poder pensar juntos. Cultivam, um lado
deles que os impele na direção de uma busca de universalização e sentido da vida.
Bibliografia geral consultada.
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MORIN, Edgar, “La Commune Étudiante”. In: Mai 1968: La Brèche - Premières
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Rossana, “Thèses sur l`enseignement”. In: Il Manifesto: Analyses et Thèses
de la Nouvelle Extrême-gauche Italienne. Paris: Éditions du Seuil, 1971;
ROSZAK, Theodore, A Contracultura: Reflexões sobre a Sociedade Tecnocrática
e a Oposição Juvenil. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1972; BOUDON,
Raymond, Effets Pervers et Ordre Social. Paris: Presses Universitaires de France, 1977;
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Estudios sobre la Crisis de la Sociedad Preindustrial. Barcelona: Editorial
Crítica, 1979; HOBSBAWM, Eric, A Era dos Extremos – O Breve Século XX: 1914-1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994; BLOOM, Harold, O
Cânone Ocidental: Os Livros e a Escola do Tempo. Rio de Janeiro: Editora Objetiva,
1995; SAID, Edward Wadie, Cultura e
Imperialismo. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1995; PETTY, William, “Aritmática Política”. In: Obras Econômicas. São Paulo: Abril Cultural, 1996; pp. 135-199; WAIZBORT, Leopoldo, Vamos ler Georg Simmel? linhas para uma interpretação. Tese de Doutorado. Departamento de Sociologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1996; POWASKI, Ronald, La Guerra Fría: Estados Unidos, Union Soviética, 1917-1991. Barcelona: Editorial Crítica, 2000; MIGNOLO, Walter, A Colonialidade do Saber: Eurocentrismo e Ciências Sociais. Perspectivas Latino-americanas. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciências Sociais, 2005; KONDER, Leandro, As Artes da Palavra: Elementos para uma
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Geraldo Vianney, Autômatos e Superbrinquedos à Imagem e Dessemelhança do Homem:
Um Estudo dos Contos de Brian Aldiss e E. T. A. Hoffmann. Dissertação de Mestrado
em Linguística, Letras e Artes. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia,
2015; entre outros.
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Bela postagem. Como é bom as vezes encontrar material desta qualidade para se esclarecer um pouco.
ResponderExcluirBoa história, ótima recomendação! Ponte dos Espiões marca o retorno de Steven Spielberg à boa forma e ao modo mais gostoso de se fazer cinema: com criatividade e amor pela arte. Como sempre, Hanks traz sutilezas em sua atuação. O personagem nos cativa, provoca empatia imediata graças a naturalidade do talento do ator para trazer Donovan à vida. Mark Rylance (do óptimo Novo Filme Dunkirk ) faz um Rudolf Abel que não se permite em momento algum sair da personagem ambígua que lhe é proposta, ocasionando uma performance magistral, à prova de qualquer aforismo sentimental que pudesse atrapalhá- lo em seu trabalho, sem deixar de lado um comportamento espirituoso e muito carismático. O trabalho de cores, em que predominam o cinza e o grafite, salienta a dubiedade do caráter geral do mundo. Ponte dos Espiões levanta uma questão muito importante: a necessidade de se fazer a coisa certa, mesmo sabendo que isso vai contra interesses políticos ou de algum grupo dominante. A história aqui contada é baseada em fatos reais, mas remete também ao caso recente do ex-administrador de sistemas da CIA que denunciou o esquema de espionagem do governo americano em 2013 e foi tratado como um traidor, mesmo que tenha tido a atitude correta. É uma crítica clara à hipocrisia norte-americana, que trabalha sempre com dois pesos e duas medidas em se tratando de assuntos como esse.
ResponderExcluirRenata Laffite,
ExcluirSeus comentários foram preciosíssimos, o que me fez atualizar a pouco a análise teórica e histórica do filme. Mas, para evitar que o artigo se tornasse longo, preferi incluir autores que trataram o tema e que podem ajudar na análise, exceto Edward Snowden, ex-agente da NSA, tratado por mim noutra oportunidade.