Auguste Comte – Biologia, Teoria & Prática do Positivismo Lógico.
Ubiracy
de Souza Braga*
“Desprezaste esta lei de Augusto Comte. E foste ser feliz longe de mim”. Noel Rosa e Orestes Barbosa, 1933
O nome do pensador francês Auguste Comte está indissociavelmente ligado ao positivismo, corrente filosófica que ele fundou com o objetivo de reorganizar o conhecimento humano, seu caráter (cf. Lepenies, 2012) e que tem grande influência no Brasil e no mundo ocidental. O filósofo viveu a contradição histórica francesa em que se alternavam regimes despóticos e revoluções. A turbulência levou não só a um descontentamento geral com a política como a uma crise dos valores tradicionais. Comte procurou dar uma resposta a esse estado, pela combinação de elementos da obra de pensadores anteriores a ele e também de alguns contemporâneos, resultando num corpo teórico-ideológico que chamou de positivismo. O papel do positivismo se adere a vários outros níveis do conhecimento, que relacionados objetivam a real intenção da doutrina. Melhor dizendo que justificam os meios que são tratados os fatores sociais, políticos e econômicos que necessariamente conservam princípios categóricos e permanentes dos pensamentos típicos de uma teoria conservadora ou de um modo de pensar progressivamente as reformas da humanidade de acordo com ideais da ordem & progresso. É uma corrente de pensamento na ordem do dia, mas que surgiu na França no começo do século XIX. Seus principais idealizadores foram Comte e John Stuart Mill.
Auguste
Comte era um pensador lógico, formado nas disciplinas da Escola Politécnica
francesa. A maneira de pensar positiva se impôs mais cedo nas matemáticas, na
física, na química, e depois na biologia. É curioso que o positivismo
apareça mais tarde nas disciplinas que têm por objeto matérias mais complexas.
Quanto mais simples uma disciplina, mais fácil pensar sobre ela positivamente.
Há mesmo alguns fatos sociais cuja
observação se impõe por si mesma, seja pela curiosidade ocular, seja pela impressão
que causa, de sorte que, nesses casos, a inteligência é imediatamente positiva.
O fundamento desta ciência social teria por objeto de estudo a história da
espécie humana, considerada como uma unidade, o que seria indispensável para a
compreensão das funções particulares do todo social e de um momento particular
do devenir. É normal, que o positivismo apareça mais tarde nas disciplinas que
têm por objeto matérias mais complexas. Mas essa combinação interdisciplinar
não tem unicamente por objeto de pensamento demonstrar a necessidade de criar a
sociologia. Na linguagem positiva comteana as múltiplas significações são abstratas quando estabelecem leis entre fenômenos isolados, e isolados necessária e
legitimamente pela ciência.
Na
biologia, porém, é impossível explicar um órgão ou uma função sem
considerar o ser vivo como um todo. É com relação ao organismo como um todo que
um fato biológico particular tem um significado e pode ser explicado. Se
quiséssemos separar arbitrária e artificialmente um elemento de um ser vivo,
teríamos diante de nós apenas matéria morta. A matéria viva enquanto tal é
intrinsecamente global. Ipso facto, essa ideia de primazia do todo sobre os
elementos deve ser transposta para a sociologia. É impossível compreender o
estado de um fenômeno social particular se não o recolocarmos no todo social.
Não se pode entender a situação da religião, ou a forma precisa do Estado, numa
sociedade particular, sem considerar o conjunto dessa sociedade. Mas tal
prioridade do todo sobre os elementos não se aplica apenas a um momento
artificialmente abstrato do devenir histórico. Isto é, só se compreenderá o
estado da sociedade francesa no princípio do século XIX se recolocarmos esse
momento histórico na continuidade do devenir francês. A Restauração só pode ser
compreendida pela Revolução, e a Revolução pelos séculos de regime monárquico.
O declínio do espírito teológico e militar pelas suas origens, nos séculos
passados. Da mesma forma como só é possível compreender logicamente um elemento
do todo, não se pode entender um momento da evolução histórica sem levar em
conta o conjunto dessa evolução social.
A
divisão do trabalho não é específica do nível de análise econômico: podemos
observar sua influência crescente nas regiões mais distintas da sociedade. As
funções políticas, administrativas, judiciárias especializam-se cada vez mais.
O mesmo ocorre com as funções artísticas e científicas no âmbito das
universidades. As especulações filosóficas da biologia nos demonstraram, na
divisão do trabalho, um fato social de uma tal generalidade que os economistas,
que foram os primeiros a mencioná-lo, não haviam podido suspeitar. Não é mais
uma instituição social que tem sua fonte na inteligência e na vontade dos
homens. Mas um fenômeno de biologia geral, cujas condições, ao que parece,
precisam ser buscadas nas propriedades essenciais da disciplina organizada. A
divisão do trabalho social passa a aparecer apenas como uma forma particular desse
processo geral, e as sociedades, conformando-se a essa lei, parecem ceder a uma
corrente de pensamento que nasceu bem antes delas e que arrasta no mesmo
sentido todo o mundo vivo. Semelhante fato não pode, evidentemente, produzir-se
sem afetar profundamente nossa constituição moral, pois o desenvolvimento do
homem se fará em dois sentidos de todo diferentes. Não é necessário demonstrar
a gravidade desse problema prático; qualquer que seja o juízo sobre a divisão
do trabalho, sabemos que ela é uma das bases
fundamentais da ordem social tanto quanto política.
O
termo biologia teórica foi utilizado pela primeira vez por Johannes
Reinke em 1901. Um texto fundador é On Growth and Form (1917) por D`Arcy
Thompson, e outros especialistas incluem Ronald Fisher, Hans Leo Przibram,
Nicolas Rashevsky e Vito Volterra. A Terra é o terceiro planeta mais próximo do
Sol, o mais denso e o quinto maior dos oito planetas do Sistema Solar. É também
o maior dos quatro planetas telúricos. É por vezes designada como Mundo
ou Planeta Azul. Lar de milhões de espécies de seres vivos, incluindo os
seres humanos, a Terra é o único corpo celeste onde é reconhecida a existência
de vida. O planeta formou-se há 4,56 bilhões de anos, e a vida surgiu na sua
superfície depois de um bilhão de anos. Desde então, a biosfera terrestre alterou
de forma significativa a atmosfera e fatores abióticos do planeta, permitindo a
proliferação de organismos aeróbicos, como a formação da camada de ozônio, que
em conjunto com seu campo magnético, bloqueia radiação solar prejudicial,
permitindo a vida no planeta. A sua superfície exterior é dividida em segmentos
rígidos, chamados placas tectônicas, que migram sobre a superfície terrestre ao
longo de milhões de anos. Aproximadamente 71% da superfície é coberta por
oceanos de água salgada, com o restante consistindo de continentes e ilhas,
contendo lagos e corpos de água que contribuem para a hidrosfera. Os polos
geográficos do planeta Terra encontram-se majoritariamente cobertos por mantos
de gelo ou por banquisas. O interior abstrato da Terra permanece ativo e
relativamente sólido: um núcleo externo líquido que gera um campo magnético, e
um núcleo interno sólido, composto, sobretudo por ferro.
Vale lembrar, neste aspecto que a biomatemática
é um ramo da biologia que emprega análises teóricas, modelos matemáticos e
abstrações dos organismos vivos para investigar os princípios que governam a
estrutura, desenvolvimento e comportamento dos sistemas, em oposição à biologia
experimental que lida com a realização de experimentos para comprovar e validar
as teorias científicas. O campo multidisciplinar é algumas vezes chamado
de biologia matemática ou biomatemática para enfatizar o lado
técnico-científico matemático, ou biologia teórica para enfatizar
abstratamente o lado biológico. Ipso facto, biologia teórica se concentra mais
do que nunca no desenvolvimento programático de princípios teóricos para a
biologia. Enquanto a biologia matemática se concentra no uso de técnicas
matemáticas para estudar sistemas biológicos embora ambos sejam muitas vezes
trocados. A biologia matemática visa a representação matemática e modelagem de
processos biológicos, utilizando técnicas e procedimentos metodológicos da
matemática aplicada. Pode ser útil tanto em pesquisas teóricas e práticas.
Descrever sistemas de maneira quantitativa significa que seu comportamento pode
ser melhor simulado e, podem ser previstas propriedades que podem não ser
evidentes para o experimentador. Uma matéria sempre apresenta a tendência de
manter o seu estado, seja de repouso, seja de movimento, a não ser que uma
força externa influencie. A massa é uma grandeza que indica a medida da inércia
ou da resistência de um corpo de ter seu movimento acelerado. De uma forma
geral, podemos associar a massa à quantidade de partículas existentes em uma
matéria.
Isso
requer modelos matemáticos precisos. Devido à complexidade dos sistemas vivos,
a biologia teórica emprega vários campos de domínio de métodos da matemática, e
tem contribuído para o desenvolvimento de novas técnicas. A matemática foi
usada na biologia já no século XIII, quando Leonardo Fibonacci (1170-1250) usou
a famosa série de Fibonacci para descrever uma população crescente de coelhos.
No século XVIII, Daniel Bernoulli (1700-1782) aplicou a matemática para
descrever o efeito da varíola na população humana. O ensaio de Malthus de 1789
sobre o crescimento da população humana foi baseado no conceito de crescimento
exponencial. Há aqui um debate memorável: Pierre François Verhulst (1804-1849)
formulou o modelo de crescimento logístico em 1836. Fritz Müller (1822-1897)
descreveu os benefícios evolucionários do que é chamado mimetismo Müllerian em
1879, em uma conta notável sendo o primeiro uso de argumento matemático em
ecologia evolutiva para mostrar o quão poderoso o efeito da seleção natural
seria, a menos que se inclui Malthus s` discussão dos efeitos do crescimento
populacional que influenciaram Charles Robert Darwin (1809-1882) e Thomas
Malthus (1766-1834) argumentam que tal crescimento seria exponencial, enquanto
os recursos só poderiam crescer aritmeticamente.
Analogamente
convém acrescentar que Comte, considerando que a sociologia é uma ciência à
maneira das ciências precedentes, não hesita em retomar a fórmula que já
empregara nos Opúsculos: assim como não há liberdade de consciência na
matemática ou na astronomia, não pode haver também em matéria de sociologia.
Como os cientistas impõem seu veredito aos ignorantes e aos amadores, em
matemática e astronomia, devem logicamente fazer o mesmo em sociologia e
política. O que pressupõe, evidentemente, que a sociologia possa determinar o
que é, o que será e o que deve ser. Sua sociologia sintética, na expressão de
Aron (1993: 75), sugere aliás, tal competência: ciência do todo histórico, ela
determina não só o que foi e o que é, mas também o que será, no sentido da necessidade
do determinismo. O que será é justificado como sendo conforme aquilo que os filósofos
do passado teriam chamado a “natureza humana”, com aquilo que o pensador
francês chama simplesmente de realização da ordem humana e social, justificando
uma teoria da natureza humana e da natureza social, essa unidade da história
humana. O ponto de partida da análise é uma reflexão interna da sociedade de
seu tempo, entre o tipo teológico militar e o científico-industrial. Como esse
momento histórico é caracterizado pela generalização do pensamento científico e
da atividade industrial, o único meio de por fim à crise é acelerar o devenir,
criando um sistema de ideias científicas que presidirá a ordem social, como o
sistema de ideias teológicas presidiu à ordem social do passado.
Para Auguste Comte o positivismo é uma totaliade enquanto sistema de pensamento, é pois, simultaneamente,
uma doutrina filosófica, sociológica e política. Surgiu como desenvolvimento
sociológico do Iluminismo. Das crises sociais e moral do fim da Idade Média e
do nascimento da sociedade industrial - processos que tiveram como marco a revolução
clássica Francesa. Em linhas gerais, ele propõe à existência humana valores
completamente humanos, afastando radicalmente a teologia e a metafísica. O
positivismo comtiano associa uma interpretação positiva das ciências; uma
classificação do conhecimento a uma ética humana radical, desenvolvida na segunda fase da carreira de Comte. Sua concepção defende a ideia de que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro. Com
os positivistas somente pode-se afirmar que uma teoria é correta se ela foi
comprovada empiricamente através de métodos científicos válidos. O progresso da
humanidade depende dos avanços científicos. É no terceiro estado que se realiza o verdadeiro espírito científico ou positivo, que se atém à observação sistemática dos fatos, à questão da racionalização sobre eles, e em termos sociológicos à busca de suas relações invariáveis.
Auguste
Comte era um pensador lógico, formado nas disciplinas da Escola Politécnica. Raciocínio
lógico é um processo de estruturação do pensamento de acordo com as normas da
lógica que permite chegar a uma determinada conclusão ou resolver um problema.
Um raciocínio lógico requer consciência e capacidade de organização do
pensamento. A
maneira de pensar positiva se impôs mais cedo nas matemáticas, na física, na
química, e depois na biologia. É normal, aliás, que o positivismo apareça mais
tarde nas disciplinas que têm por objeto matérias mais complexas. Quanto mais
simples uma disciplina, mais fácil pensar sobre ela positivamente. Há mesmo
alguns aspectos ou fatos sociais cuja observação se impõe por si mesma, seja
pela curiosidade ocular, seja pela impressão que causa, de sorte que, nesses
casos, a inteligência é imediatamente positiva. O fundamento desta ciência
social teria por objeto de estudo a história da espécie humana, considerada
como uma unidade, o que seria indispensável para a compreensão das funções
particulares do todo social e de um momento particular do devenir. É normal,
que o positivismo apareça mais tarde nas disciplinas que têm por objeto
matérias mais complexas. Mas essa combinação interdisciplinar não tem
unicamente por objeto de pensamento demonstrar a necessidade de criar a
sociologia. Na linguagem de Comte as múltiplas significações são analíticas no sentido de que
estabelecem leis entre fenômenos isolados, e necessária e
legitimamente pela ciência.
Na
biologia, porém, é impossível explicar um órgão ou uma função sem considerar o
ser vivo como um todo. É com relação ao organismo como um todo que um fato
biológico particular tem um significado e pode ser explicado. Se quiséssemos
separar arbitrária e artificialmente um elemento de um ser vivo, teríamos
diante de nós apenas matéria morta. A matéria viva enquanto tal é
intrinsecamente global. Ipso facto, essa ideia de primazia do todo sobre os
elementos deve ser transposta para a sociologia. É impossível compreender o
estado de um fenômeno social particular se não o recolocarmos no todo social.
Não se pode entender a situação da religião, ou a forma precisa do Estado, numa
sociedade particular, sem considerar o conjunto dessa sociedade. Mas tal prioridade
do todo sobre os elementos não se aplica apenas a um momento artificialmente abstrato
do devenir histórico. Isto é, só se compreenderá o estado da sociedade francesa
no princípio do século XIX se recolocarmos esse momento histórico na continuidade
do devenir francês. A Restauração só pode ser compreendida pela Revolução, e a
Revolução pelos séculos de regime monárquico. O declínio do espírito teológico
e militar pelas suas origens, nos séculos passados. Da mesma forma como só é
possível compreender logicamente um elemento do todo, não se pode entender um
momento da evolução histórica sem levar em conta o seu conjunto.
Analogamente
convém acrescentar que Comte, considerando que a sociologia é uma ciência à
maneira das ciências precedentes, não hesita em retomar a fórmula que já
empregara nos Opúsculos: assim como não há liberdade de consciência na
matemática ou na astronomia, não pode haver também em matéria de sociologia.
Como os cientistas impõem seu veredito aos ignorantes e aos amadores, em
matemática e astronomia, devem logicamente fazer o mesmo em sociologia e
política. O que pressupõe, evidentemente, que a sociologia possa determinar o
que é, o que será e o que deve ser. Sua sociologia sintética, na expressão de
Aron (1993: 75), sugere aliás, tal competência: ciência do todo histórico, ela
determina não só o que foi e o que é, mas também o que será, no sentido da necessidade
do determinismo. O que será é justificado como sendo conforme aquilo que os filósofos
do passado teriam chamado a “natureza humana”, com aquilo que o pensador
francês chama simplesmente de realização da ordem humana e social, justificando
uma teoria da natureza humana e da natureza social, essa unidade da história
humana. O ponto de partida da análise representa uma reflexão interna da sociedade de
seu tempo, entre o tipo social teológico militar e o tipo social científico-industrial. Como esse
momento histórico é caracterizado pela generalização do pensamento científico e
da atividade industrial, o único meio de por fim à crise é acelerar o devenir,
criando um sistema de ideias científicas que presidirá a ordem social, como o
sistema de ideias teológicas presidiu à ordem social do passado.
O positivismo como corrente de pensamento defende a ideia de que o conhecimento
científico é a única forma de conhecimento verdadeiro. Assim sendo,
desconsideram-se todas as outras formas do conhecimento humano que não possam
ser comprovadas cientificamente. Consiste na observação dos fenômenos,
opondo-se ao racionalismo e ao idealismo, por meio da promoção do primado da
experiência sensível. Única capaz de produzir a partir dos dados concretos
(positivos) a verdadeira ciência (positivista), sem qualquer atributo teológico
ou metafísico. Subordinando a imaginação à observação, tomando como base apenas
o mundo físico ou material. É uma reação radical ao transcendentalismo
idealista alemão e ao romantismo, no qual os afetos individuais e coletivos e a
subjetividade cultural são completamente ignorados, limitando a experiência
humana ao mundo sensível e ao conhecimento aos fatos observáveis. Substitui-se
a teologia e a metafísica pelo culto à ciência, o mundo espiritual pelo mundo
humano, tendo como primícias a realização do espírito pela matéria, sabidamente porque considerava os
problemas políticos, sociais e culturais como estreitamente ligados à nossa
capacidade prática de resolvê-los.
Auguste Comte nasceu em Montpellier no dia 19 de
janeiro de 1798, como filho de uma família pequeno-burguesa, católica e
monarquista. Antes da idade legal, foi admitido na Escola Politécnica de Paris,
de onde foi expulso mais tarde devido às suas ideias aparentemente ultrademocráticas,
retornando para ela como examinador de Admissão. Em 1825 casou-se com Caroline
Massin, separando-se dela dezessete anos depois. Três anos após a sua
separação, em 1845, conheceu Clotilde de Vaux, com quem manteve um forte
relacionamento amoroso, embora platônico. Ela tornou-se a sua musa inspiradora,
mas morreu no ano seguinte. A ascensão apoteótica de Clotilde de Vaux à
condição de Virgem-Mãe intercessora entre os homens e a humanidade divinizada,
concretizando a figura perfeita da humanidade, demonstrando-nos não apenas a
paixão de Auguste Comte, mas a sua rebeldia contra Deus. Com a perda, Comte
considerou-se um messias com o objetivo de regenerar a humanidade. Em 1847, é
proclamada a “religião da humanidade” propondo um trajeto que será percorrido pelo ser humano, de preocupações externas à própria realidade, coroando a si mesmoquando do ponto de vista sistêmico associa humanidade,
ciência, síntese e fé que constituem a essência do pensamento comtiano.
O pensador é antes de tudo o sociólogo da unidade
humana e social, da unidade da história humana. Leva a sua concepção da unidade
até o ponto em que se coloca a aporia, situando a dificuldade em encontrar e
fundamentar, como seu contemporâneo Marx, a questão da diversidade na
sociedade capitalista. Como só há um tipo de sociedade absolutamente válido,
toda a humanidade deverá, segundo sua filosofia, chegar a esse tipo de
sociedade, mas para tanto representando as três formas pelas quais a tese da unidade
humana é afirmada, e justificada pelas três obras principais. A
primeira, entre 1820 e 1826, é dos Opuscules, de
abril de 1820; Prospectus, de abril de 1822; Considérations philosophiques, novembro-dezembro de 1825; Considerations sur le
pouvoir espirituel, 1825-1826. A segunda etapa do Cours de Philosophie positive, 1830-1842; a terceira, pelo Système de Politique Positive ou Traité de Sociologie instituant la religion de
l`humanité, publicado de 1851 a 1854.
É durante esta época que Auguste Comte conclui, a
partir da análise da sociedade em que vive, que a reforma social tem como
condição fundamental a reforma intelectual. Os imponderáveis de uma revolução
ou a violência não permitem reorganizar a sociedade em crise. Para isso Comte
propõe uma síntese das ciências e a criação de uma política positiva. Encontra
a explicação dos problemas sociais na contradição entre uma ordem histórica
teológico-militar em vias de desaparecer e uma ordem social científica-industrial
nascente. A consequência dessa interpretação da crise social é que Comte,
reformador, não é um doutrinário da revolução social ao modo de Marx, nem um
doutrinário das instituições livres à maneira de Montesquieu ou de Alexis de
Tocqueville; é o primeiro sociólogo fundador e doutrinário da concepção de ciência positiva e da ciência social. Para efeitos da ação, só existem eventos descritivos. A descrição preferida do intérprete será a mais adequada às suas convicções morais e não a mais iluminada pela Razão.
Na segunda etapa, de formulação do Cours de Philosophie
Positive, as ideias diretrizes se repetem, mas a perspectiva teórica é ampliada. Nos Opuscules, Comte considera essencialmente as sociedades contemporâneas e seu
passado, isto é, a história da Europa como padrão de sociedade. Durante essa
segunda etapa, isto é, no Cours de Philosophie Positive, não renova esses
temas, mas aprofunda e executa o programa cujas grandes linhas tinham fixado em
suas obras de juventude. Passa em revista as diversas ciências, desenvolve e
confirma as duas leis essenciais, que já tinha enunciado nos Opúsculos: a lei
dos três estados e a classificação das ciências. Segundo a lei dos três
estados, o espírito humano teria passado por três fases sucessivas. Na
primeira, o espírito humano explica os fenômenos atribuindo-os a seres, ou
forças, comparáveis ao próprio homem. Na segunda, invoca entidades abstratas,
como a natureza. Na terceira, o homem se limita a observar os fenômenos e a
fixar relações regulares que podem existir entre eles, seja num momento dado,
seja no curso do tempo; renuncia a descobrir as causas dos fatos e se contenta
em estabelecer as leis que os governam. Henrique Bernardelli: A proclamação da República pelo Mal. Deodoro da Fonseca: Comte nos quartéis.
A passagem abstrata da idade teológica para a idade metafísica,
e depois para a idade positiva, não se opera simultaneamente em todas as
disciplinas intelectuais. A lei dos três estados só tem um sentido rigoroso
quando combinada com a classificação das ciências. A ordem segundo a qual são
ordenadas as diversas ciências nos revela a ordem em que a inteligência se torna
positivas nos vários domínios como na matemática, na física, na química, e
depois na biologia. A combinação da lei dos três estados com a classificação
das ciências tem por objetivo provar que a maneira de pensar triunfou na
matemática, na astronomia, na física, na química e na biologia deve, por fim,
se impor á política, levando á constituição de uma ciência positiva da
sociedade, a sociologia em sua progênie. Mas essa combinação não tem unicamente
por objeto demonstrar a necessidade de criar a sociologia. A partir de certa concepção
de ciência, a biologia, intervém uma reviravolta decisiva em termos de
metodologia: as ciências deixam de ser analíticas para serem necessárias e
essencialmente, sintéticas. Essa inversão, segundo Raymond Aron (1993), irá dar fundamento à concepção
sociológica da unidade histórica.
Esses dois termos, analítico e sintético, têm, na
linguagem técnica de Comte, múltiplas significações. Mas na biologia, é
impossível explicar um órgão ou uma função sem considerar o ser vivo como um
todo. É com relação ao organismo como um todo que um fato biológico particular
tem um significado e pode ser explicado. A matéria viva enquanto tal é
intrinsecamente global ou total. Essa primazia do todo sobre os elementos deve
ser transposta para a sociologia. É impossível compreender o estado de um
fenômeno social particular se não o recolocarmos no todo social. Só se
compreenderá o estado da sociedade francesa no princípio do século XIX se
recolocarmos esse momento histórico na continuidade do devenir francês. A
Restauração pode ser compreendida pela Revolução, e a Revolução pelos séculos
de regime monárquico. O declínio do
espírito teológico e militar só se explicam pelas suas origens, segundo Comte, nos séculos
passados. Analogamente como só é possível compreender um elemento do todo
social considerando esse mesmo todo, indivisível, não se pode entender um momento da
evolução histórica sem levar em conta o conjunto dessa evolução de práticas e saberes.
Enfim, no Cours de Philosophie positive é criada a
nova ciência, a Sociologia, que admitindo a prioridade do todo sobre o elemento
e da síntese sobre a análise tem por objeto a história da espécie humana.
Considerando que a sociologia é uma ciência à maneira das ciências precedentes,
não hesita em retomar a fórmula que já empregara nos Opúsculos: assim como
não há liberdade de consciência na matemática ou na astronomia, não pode haver
também em matéria de sociólogos. Como os cientistas impõem seu veredicto aos
ignorantes e aos amadores, em matemática e astronomia, devem logicamente fazer
o mesmo em sociologia e política. O que pressupõe, evidentemente, que a
sociologia possa determinar: “o que é, o que será e o que deve ser”. A
sociologia sintética de Auguste Comte sugere, aliás, tal competência: ciência
do todo histórico, ela determina não só o que foi e o que é, mas também o que
será no sentido do determinismo. O que será como prognóstico do futuro é
justificado como sendo conforme aquilo que os filósofos do passado teriam
chamado a “natureza humana” (cf. Hume, 2009), como aquilo que Auguste Comte
chama simplesmente de “realização da ordem humana e social”. Na terceira etapa
de seu pensamento, ele a justifica, por uma teoria da natureza humana e social,
essa unidade da história humana.
Em outras palavras, a concepção comtista da unidade
humana assume três formas, nos três momentos principais da sua carreira: a) a
sociedade que se desenvolve no Ocidente é exemplar, e será seguida como modelo
por toda a humanidade; b) a história da humanidade é a história do espírito
enquanto devenir do pensamento positivo ou enquanto aprendizado do positivismo
pelo conjunto da humanidade; c) a história da humanidade é o desenvolvimento da
natureza humana. Esses três temas, que não se contradizem, estão de certa forma
presentes em todos os momentos do ersatz
comtiano, embora com ênfase desigual, representando três interpretações
possíveis do tema da unidade da espécie humana. Ele deduz a convicção de que o
pensamento teológico pertencia ao passado. Sob a influência de Friedrich Nietzsche que “Deus
estava morto”. Que o pensamento científico comandaria daquele momento em diante
a inteligência dos homens modernos. Com a teologia desapareceria a estrutural
feudal e a organização monárquica. Que os cientistas e os industriais
dominariam a sociedade de nosso tempo. Já nessa época Comte acredita que a reforma social tem como condição social a reforma intelectual. Para ele a ideia de uma revolução ou violência política não permitem reorganizar uma sociedade em crise. Para essa reorganização seria preciso a criação de uma política positiva. Sede do Positivismo no Brasil.
Os temas comtistas fundamentais, em torno do trabalho
livre, a aplicação da ciência à indústria, a predominância da organização, são
bem características da concepção atual da sociedade que transita para as
mudanças ditas pós-industriais. Por que então, Auguste Comte foi esquecido ou é
desconhecido? A primeira razão é que, embora as ideias principais do
positivismo sejam profundas e atuais, sua descrição minuciosa da sociedade
industrial, notadamente no Système de
politique positive, se presta muitas vezes à ironia fácil. Comte quis
explicar em pormenor a organização a hierarquia temporal, a posição exata dos
chefes temporais, industriais e banqueiros. Quis demonstrar por que os que
exercem as funções mais gerais teriam maior autoridade, e se situam mais alto na
hierarquia da sociedade. Quis precisar o número de habitantes de cada cidade.
Quis explicar como as riquezas seriam transmitidas. Em suma, traçou um plano
preciso de seus sonhos, ou dos sonhos segundo os quais cada um de nós podemos
nos abandonar nos momentos em que consideramos Deus. Na sua representação da reforma necessária, desvaloriza o econômico e o político, em favor da ciência e da moral. A organização científica do trabalho é necessária, mas erra, quando admite que seja tarefa fácil de realizar. Não é esta a essência da reforma que porá fim à crise das sociedades.
A aporia do sistema de pensamento comtiano não
decepcionou de todo os adeptos e entusiastas que defendem a ordem e progresso
no mundo contemporâneo. Para o inventor da sociologia, a minoria ocidental, que
felizmente estava à testa do desenvolvimento da humanidade, não devia
conquistar os povos de outras raças para impor-lhes sua civilização. Se Comte
acertou, afirma Aron, “foi à custa de ter-se enganado. Durante todo um século
os acontecimentos não estiveram de acordo com o que havia anunciado”. Auguste
Comte falou como profeta da paz porque acreditava que a guerra não tinha mais
função exemplar na sociedade industrial. As conquistas tinham representado, no passado,
um meio legítimo, ou pelo menos racional para os que se beneficiavam delas para
aumentar os recursos. Mas, numa época em que a riqueza depende da organização
científica do trabalho, os ganhos perdem significado, exceto no plano disciplinar.
Enfim, a sociedade sonhada pelos positivistas não se
caracteriza tanto pela dupla rejeição do liberalismo e do socialismo. Mas,
sobretudo pela criação de um poder espiritual que seria, na idade positiva, o
equivalente ao das igrejas e dos sacerdotes nas idades teológicas
contemporâneas. Embora a organização temporal da sociedade industrial dos filósofos
e cientistas encontre-se em estado de transição, para a sociedade da
informação, o que há de poder espiritual é exercido ou pelas igrejas ou por
ideólogos que Comte reconheceria como cientistas ou filósofos sociais. Lembramos
que, embora o sociólogo inglês Michael Young, tenha dedicado de forma satírica
um opúsculo a que ele chamou “meritocracia”, em verdade representa o projeto de
como seria o regime de que Auguste Comte idealizou como a ordenação da
sociedade industrial. Se todos os homens estiverem convencidos de que a ordem
social é justa, esta será. Para alguns, insuportável, a menos que,
simultaneamente, os homens sejam convencidos pelos ensinamentos do filósofo de
que a hierarquia das qualidades intelectuais não é nada ao lado da verdadeira
hierarquia. Pois, a única que conta na vida é a dos méritos e do coração.
Talvez, neste sentido, haja mérito na reflexão que ora nos imiscuímos.
Bibliografia geral consultada.
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Angèle, L’Anthropologie Positiviste d’Auguste Comte. Paris: Thèse Paris IV: Université Paris-Sorbonne, 1977;GIANNOTTI, José
Arthur (Seleção e Introdução), Comte. Coleção Os Pensadores. São Paulo:
Abril Cultural, 1978; AZZI, Riolando, A Concepção da Ordem Social Segundo
o Positivismo Ortodoxo Brasileiro. São Paulo: Edições Loyola, 1980;MORAIS FILHO,
Evaristo de, Augusto Comte: Sociologia. São Paulo: Editora Ática, 1983;ARON, Raymond, As Etapas do Pensamento Sociológico.4ª edição. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1993; particularmente, “Auguste Comte”, pp. 69-128; CARVALHO, José Murilo de, A Formação das Almas: O Imaginário da República no Brasil. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1999; DUARTE, Constância
Lima (Org.), Cartas: Nísia
Floresta e Augusto Comte. Santa Cruz do Sul: Editora Mulheres, 2002; TISKI, Sergio, A
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de Campinas, 2005;FÉDI, Laurent, Comte. São Paulo: Editor Estação Liberdade, 2008;MARTINS, Gabriela Pereira, O Positivismo: Uma Linguagem dos
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Juiz de Fora, 2010; VALENTIM, Oséias Faustino, O Brasil e o Positivismo. Rio de Janeiro: Publit Editor, 2010; LACERDA,
Gustavo Biscaia de,O Momento Comtiano: República e Política no Pensamento de
Auguste Comte. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia
Política. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Florianópolis: Universidade
Federal de Santa Catarina, 2010; CARULA, Karoline, Darwinismo, Raça e Gênero: Conferências e Cursos Públicos no Rio de Janeiro (1870-1889). Tese de Doutorado em História. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2012; LACERDA,
Gustavo Biscaia de, O Momento Comtiano: República e Política no Pensamento
de Augusto Comte. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em
Sociologia Política. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Florianópolis:
Universidade Federal de Santa Catarina, 2012; CIRINO, Roseneide Maria Batista, A
Atividade Docente no Processo Formativo de Acadêmicos para Atuar com a
Diversidade Humana em Contextos Inclusivos. Tese de Doutorado. Programa de
Pós-Graduação em Educação. Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes. Ponta
Grossa: Universidade Estadual de Ponta Grossa, 2015; entre outros.
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ) e Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo. Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).
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