segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Ética do Titular – Cuidado de Si & Necessidade de Vocação Acadêmica.

                                                                                                                              Ubiracy de Souza Braga*
Os adeptos de Nietzsche atribuem uma importância ética positiva à ideia da eterna repetição












                                               
          A questão primacial da ética do Titular diz respeito à tarefa de desvelar quem foi o “pai intelectual” da ideia de vocação e da devoção como ética no trabalho. A forma concreta particular do pensamento racional em que se desenvolveu a ideia de vocação. Para a palavra alemã Beruf, e na palavra inglesa calling, existe uma conotação religiosa que se torna tanto mais manifesta, quanto maior for à ênfase no caso concreto. Haja vista a sua historicidade através dos “idiomas culturais”, para o que hoje chamamos de “vocação”. O que decorre no plano de vida ou de determinado trabalho, pois nem os povos predominantemente católicos, nem aqueles da Antiguidade Clássica conheceram termo equivalente, mas, entre todos os povos predominante protestante. É verdade que certa valorização do trabalho cotidiano secular, nesta concepção já se havia manifestado, não apenas na Idade Média, mas também na baixa Antiguidade helenística. Na nova era, sem dúvida, esta valorização do cumprimento do dever dentro das profissões seculares, no mais alto grau permitido pela atividade moral do indivíduo. 

       Foi o que historicamente deu pela primeira vez este sentido ao termo vocação, e que, inevitavelmente teve como consequência a atribuição de um significado religioso ao trabalho secular cotidiano. É nesse conceito de vocação que se manifestou o dogma central de todos os ramos do Protestantismo. Descartado pela divisão católica dos preceitos éticos em praecepta e concilia, e segundo a qual a única maneira de viver aceitável para Deus, não estava na superação da moralidade secular pela ascese monástica, mas, no cumprimento das tarefas impostas ao indivíduo pela sua posição. Essa concepção desenvolveu-se em Martin Lutero, na primeira década de sua atividade reformadora. No início, de acordo com a tradição medieval predominante, como a representada por São Tomás de Aquino, ele encarava o trabalho secular como algo de eticamente neutro, da mesma forma que o ato de comer e de beber. Mas, com a realização progressiva da ideia de sola fide, em todas as suas consequências e resultados decorrentes, na oposição cada vez mais aguda contra as “deliberações evangélicas” dos monges “ditadas pelo demônio”, foi sugerido o conceito de vocação. 

        A vida monacal passa a ser encarada por ele não apenas como destituída de qualquer valor e uma justificativa perante Deus, mas também como produto de uma egoística falta de carinho que afasta o homem das tarefas deste mundo. Em contraste surge a ideia de vocação para o trabalho secular como expressão de amor ao próximo. Em primeiro lugar, quase não é preciso apontar para o fato de Lutero não poder ser identificado ao “espírito do capitalismo”, na expressão consagrada por Max Weber, e mesmo naqueles círculos religiosos, que mais fervorosamente costumam cultivar o feito da reforma, não são em seu conjunto amigos de qualquer forma de capitalismo, e o próprio Lutero teria, sem dúvida, repudiado violentamente qualquer relação com uma mentalidade como a de Franklin. É claro que não se podem levar em conta as suas queixas contra os grandes comerciantes de seu tempo. Isto porque a luta contra a situação privilegiada, legal ou de fato, de algumas companhias de comércio no século XVI e XVII pode ser facilmente comparada com a moderna tendência contra os trustes, sendo, tampouco como esta, a manifestação de uma concepção tradicionalista.

                                                

       Contra essas pessoas, contra os lombardos, os monopolistas, especuladores e banqueiros protegidos pelo Anglicanismo, e pelos reis e parlamentos na Inglaterra e na França, tanto os puritanos como os huguenotes “moviam uma luta encarniçada”. Cromwell, depois da chacina de Dunbar (1650), escrevia ao parlamento: - “Reformai, por favor, os abusos de todas as profissões; e se houve alguma que empobrecer a muitos para enriquecer uns poucos, ela não convém à comunidade”. Apesar disso, pode-se considera-lo imbuído de uma maneira de pensar especificamente capitalista. Por sua vez, dirigiam-se inequivocadamente as numerosas manifestações de Lutero contra a usura ou a tomada de juros, que comparadas às da Baixa Escolástica constituem concepções “retrogradas”. A ideia da vocação era suscetível de interpretações diversas e significativas de valor na conduta secular. O efeito socialmente específico da Reforma, como tal, em contraste com a concepção dominante hegemònica católica, foi o de aumentar a ênfase moral e o prêmio religioso para o trabalho secular e profissional. 
        Seu desenvolvimento ulterior da concepção da vocação, manifestada por ela, passou a depender do desenvolvimento da religiosidade, na forma em que, daí por diante, foi-se dividindo nas várias igrejas reformadas. A autoridade da Bíblia, da qual Lutero acreditava retirar a autoridade de sua concepção de vocação, favorecia em seu todo uma interpretação tradicionalista. Especialmente o Antigo Testamento, que, embora não fizesse referência alguma à moralidade secular nas profecias originais, e afora elas só apresentassem alguns rudimentos e indícios dela, expressa um pensamento religioso muito parecido com essa orientação, segundo a qual “cada um deve preocupar-se com o seu próprio sustento e deixar os ateus correr sozinhos atrás do lucro”. Este é o sentido de todos os trechos que tratam das ocupações seculares. O Talmud é o primeiro livro que a isso se opõe num outro plano, mas também não de modo fundamental. A posição de Jesus é claramente dada a conhecer por este apelo típico da Antiguidade Ocidental: “Dai-nos hoje o pão nosso de cada dia”, enquanto que uma ideia de sua radical renúncia  pode ser percebida na expressão: “Ευημερία αδικαs” (“prosperidade da injustiça”).
           Na época apostólica do Cristianismo, chegada a nós através do Novo Testamento, especialmente de São Paulo, as primeiras gerações de cristãos encaravam a vocação secular seja com a indiferença, com um modo essencialmente tradicionalista. Como esperavam a vinda do Senhor, cada um devia permanecer em seu posto de atividade secular em que o chamado do Senhor o tivesse achado, e nele continuar trabalhando como antes, não constituindo dessa forma a pobreza um peso para os ouros, pois isso tudo só teria ainda curta duração. Lutero leu a Bíblia através da perspectiva de sua tendência geral, e esta, no decorrer da sua evolução entre 1518 e 1530, se tornando cada vez mais tradicional. Contudo, a pureza da doutrina como único critério da infalibilidade da Igreja, cada vez mais aceita depois da guerra dos vinte, bastou para por em xeque o desenvolvimento de novos pontos de vista no plano ético.
150 anos do nascimento de Max Weber.
        Para o giant Max Weber relacionar a ética protestante com o espírito do capitalismo, partindo das obras de Calvino, do Calvinismo e de outras seitas “puritanas”, não serve como determinante para afiançar que a ambição dos bens materiais, tomada como fim em si mesmo, possa elevar-se a um valor ético. A raiz da “vocação” está intimamente ligada do tipo de dominação carismática. A este tipo de dominação é que Weber se dedica no decorrer do texto. Os homens não obedecem ao líder carismático em virtude da tradição ou da lei, mas porque acreditam nele. Embora seus ideais de ética e os resultados práticos de seus ensinamentos tenham sido fundamentais nela, consequências de motivos puramente religiosos, os resultados culturais da Reforma foram em boa parte consequências imprevistas. E até mesmo indesejadas, do trabalho dos reformadores, muitas vezes bastante divergentes entre si, e até mesmo opostas ao que eles realmente desejavam. O que há de novo do ponto de vista da Wertfreiheit, refere-se à compreensão da maneira pela qual “as ideias adquirem força na História”, a fim de indicar mal-entendidos sobre o significado desses motivos. 
          Neste sentido, o caráter providencial da “interação” dos interesses econômicos particulares, assume, todavia, uma forma diversa na perspectiva puritana. De acordo com a tendência do puritanismo a interpretações pragmáticas, o caráter providencial da divisão do trabalho dá-se a conhecer pelos seus resultados. Uma vez que Richard Baxter destaca-se entre muitos outros intérpretes teóricos da ética puritana, seu Christian Directory é o mais completo compêndio da teologia moral puritana, inteiramente orientado pela experiência prática de seu ministério. Vale lembrar que Baxter tece considerações que, em mais de um ponto, lembram diretamente a conhecida apoteose da divisão do trabalho de Adam Smith. A especialização das ocupações leva, à medida que possibilita o desenvolvimento das habilidades do trabalhador, a progressos quantitativos e qualitativos na produção, servindo assim também ao bem comum, que é idêntico ao bem do maior número, de motivação puramente utilitária como ocorre na literatura.
            O elemento caracteristicamente puritano aparece quando Baxter coloca à frente de sua discussão a seguinte proposição: “fora de uma vocação bem-sucedida as realizações do homem são apenas casuais e irregulares, e ele gasta mais tempo na vadiagem do que no trabalho”. E também quando conclui dizendo que “ele - o trabalhador especializado-, efetuará seu trabalho ordenadamente, enquanto outro permanecerá numa contínua confusão, não conhecendo sua atividade, nem tempo nem lugar”. Razão pela qual “ter uma vocação certa é o melhor para todos” (“haben eine bestimmte Berufung ist für jeden das Richtige”). O trabalho irregular, que muitas vezes o operário é obrigado a aceitar, é com frequência inevitável, mas sempre um indesejável estado sob a forma de qualquer transição. Falta à vida do homem “sem ofício” aquele caráter sistemático e metódico requerido pelo chamado “ascetismo secular”. Também de acordo com a ética Quaker é a vida vocacional do homem que lhe dá certo treino moral, que se expressa no zelo e no método, fazendo com que ele cumpra sua vocação. Na concepção puritana da vocação, a ênfase sempre é posta neste caráter.
            Uma Tese de Titular, por exemplo, deveria ter como caráter meritório sua defesa pública de provas e títulos em qualquer universidade pública ou privada na República Federativa do Brasil, com padrão de excelência reconhecidamente internacional. A opção deveria ser do professor doutor Autor da Tese, a lhe conferir essa particularidade como “práticas de lugares”. Sem necessariamente ter que ser apresentada e defendida no lugar de “vínculo” empregatício. Dependendo de idiotas na esfera da política, e não da Academia, para mudar o trabalho para o campo afetivo. Como a casa que, para Gaston Bachelard representa “la poesie de l`imagination”, cujo “lugar habitado, transcende o espaço geométrico”, com o resgate institucionalmente para a “comunidade acadêmica”, no sentido que emprega Richard Rorty.
Abandonar a noção do sociólogo, como para o filósofo, conhecendo algo sobre o conhecer que ninguém mais conhece de modo pleno seria abandonar a noção de que sua voz sempre tem pretensão dominante à atenção dos outros participantes da conversação. Seria também abandonar a noção de que existe algo chamado “método filosófico” ou “técnica filosófica”, ou “ponto de vista filosófico” que capacita o filósofo profissional, ex officio, a ter visões interessantes sobre, digamos, a respeitabilidade da psicanálise, a legitimidade de certas leis dúbias, a resolução de dilemas morais, a “sanidade” das escolas de historiografia ou da crítica literária e cinematográfica, e assim por diante.
Os filósofos com frequência têm visões interessantes sobre tais questões. Seu treinamento profissional é frequentemente uma condição necessária para que tenham as visões que têm. Mas isso não representa dizer que os filósofos têm uma qualidade especial de conhecimento sobre o conhecimento de onde extraem corolários relevantes. Os palpites úteis que eles podem proporcionar sobre os vários tópicos são possíveis por sua familiaridade com o plano de fundo histórico das argumentações sobre tais tópicos. E, last but not least, pelo fato de que as argumentações sobre tais tópicos são pontuadas por clichês filosóficos triviais. Com os quais os outros participantes tropeçaram em sua leitura, mas cujos prós e contras os filósofos profissionais conhecem muito bem.
Magistralmente, o sociólogo Max Weber dividiu as teorias éticas em dois agrupamentos. O primeiro compreende a ética da convicção, ou deontologia. O segundo, a ética da responsabilidade, ou teleologia. Isso não quer dizer que a convicção exclui totalmente a responsabilidade e vice-versa. Na ética da responsabilidade, a decisão decorre das implicações que cada conduta enseja, obrigando o agente do conhecimento das circunstâncias vigentes. Diferentemente da ética da convicção, a ética da responsabilidade não tem como parâmetro de conduta princípios ou ideais, muito menos crenças existentes anteriormente. Segundo a ética da responsabilidade, analisam-se situações concretas e seus possíveis impactos sociais que transcendem a regressão jurídica. E se escolhe a decisão que causa maiores benefícios para a coletividade adotada em bem maior e evita um mal maior.
É por extensão, alguém que, havendo incorporado o etnometodólogo de um grupo social considerado, exibe naturalmente a competência social que o agrega a esse grupo e lhe permite fazer-se reconhecer e aceitar. Daí, neste caso a advertência: qualquer universidade que se disponha, através de seus próceres, com honradez a seguir os princípios éticos para concordarmos com a “autonomia relativa das instâncias”, segundo Max Weber, no plano científico e, político, como no plano administrativo, se bem entendido que, política é regulação da existência (“Existenz”) como Hegel frisou na “Introdução”, à História da Filosofia. Sendo assim em sociologia, poder decisório, luta entre interesses contraditórios, disputa por posições de mundo, confrontos mil entre forças sociais, violência em última análise. A produção política usa eventualmente suportes materiais, tais como: armas, livros, processos, papéis onde se inscrevem as ordens, os atos de gestão, as sentenças ou as leis, mas não é uma produção material.
Professor Titular é categoria mais elevada da carreira docente em Portugal e no Brasil, respectivamente. Ao Catedrático ou Titular compete a coordenação da orientação pedagógica e científica de uma Área de Estudos, de acordo com a estrutura da respectiva instituição de ensino superior, competindo-lhe ainda, designadamente, reger disciplinas dos cursos de licenciatura, em cursos de pós-graduação ou dirigir seminários. Deve dirigir as respectivas aulas práticas, bem como trabalhos de pesquisa em laboratório ou de campo. Não lhe sendo, no entanto, normalmente exigido serviço docente em aulas ou trabalhos dessa natureza. O topo da carreira acadêmica no Brasil é o cargo de professor Titular. Ao qual se acede por concurso público de provas e títulos, e somente podem se inscrever os detentores do título de doutor, bem como professores excepcionalmente detentores do título de “Notório Saber”, reconhecidamente no âmbito da Academia. Ipso facto, a docência e a vida produtiva na docência, na peculiaridade de seus valores, metas e práticas cotidianas, devem ser os objetos privilegiados de qualquer projeto humanista que vise à preparação para o exercício profissional na universidade contemporânea. Assim, a formação de professores deve antever que a docência não se realiza num quadro abstrato de relações individualizadas/egoístas de ensino e aprendizagem, mas dentro de um complexo contexto social e institucional.
Bibliografia geral consultada.

FUNCK-BRENTANO, Frantz, Martim Lutero. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editora Vecchi, 1968; WEBER, Max, Essais sur la Theorie de la Science. Paris: Librarie Plon, 1965; Idem, El Politico y el Científico. Madrid: Alianza Universidad, 1967; Idem, Economia y Sociedad. Esbozo de Sociología Comprensiva. México: Fondo de Cultura Económica, 1992; Idem, La Ética Protestante y el ´Espíritu` del Capitalismo. Madrid: Alianza Editorial, 2001; MITZMAN, Arthur, La Jaula de Hierro. Una Interpretación Histórica de Max Weber. Madrid: Alianza Universidad, 1976; COULON, Alain, Etnometodologia. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1995; PIERUCCI, Antônio Flávio, “Secularização em Max Weber: Da Contemporânea Serventia de Voltarmos a Acessar aquele Velho Sentido”. In: Rev. bras. Ci. Soc. 13 (37), jun. 1998; SCAFF, Lawrence, Fleeing the Iron Cage. Califórnia: University of Califórnia Press, 1999; GALLEGO, Manuel Javier Callejo, “En el Centenario de ´La Ética Protestante y el Espíritu del Capitalismo`”. In: Empiria: Revista de Metodología de Ciencias Sociales, nº 12, 2006, pp. 210-218; FERNANDES, Joicy Suely Galvão da Costa, Entre a Vida e a Obra: Música e Religião em Max Weber. Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Regional; Cultura e Representações. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2013; LÖWY, Michael, La Cage d’Cier. Max Weber et le Marxisme Wébérien. Paris: Stock, coll. “un ordre d’idées”, 2013; Idem, A Jaula de Aço: Max Weber e o Marxismo Weberiano. São Paulo: Editorial Boitempo, 2014; FISCINA, Lênin Cesar Freire, Indivíduo, Valores e Decisão em Max Weber. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2015; entre outros.

 Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ). Doutor em Ciências junto a Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo. Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).  

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