quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Nós Professores – J`accuse!

Ubiracy de Souza Braga*

Incipit tragoedia é a voz do final deste trabalho de inquietante simplicidade: mantende-vos em guarda!”. Friedrich Nietzsche
     
                       
            Em primeiro lugar, “J’accuse” é o título do artigo redigido por Émile Zola quando do “Affaire Dreyfus”. Publicado no jornal L`Aurore do dia 13 de janeiro de 1898 “sob a forma de uma carta” ao presidente da República Francesa, Félix Faure. Zola inspirou-se num dossiê fornecido em 1896, pelo escritor Bernard Lazare. Publicado três dias após Esterhazy ter sido inocentado pelo Conselho de Guerra, o que parece acabar com toda esperança dos que contavam com uma revisão do processo que condenara Dreyfus. Nele, Zola ataca nominalmente os generais e outros oficiais responsáveis do erro judicial que levou ao processo e à condenação, e os especialistas em grafologia culpados de “relatórios mentirosos e fraudulentos”. Ele ainda acusa o exército, de uma campanha de imprensa mentirosa, bem como os dois Conselhos de Guerra. Um tendo condenado Dreyfus baseado em uma peça mantida em segredo, enquanto o segundo inocentou sabidamente um culpado. Mas, acima de tudo, ele proclama desde o início a inocência do citoyen Dreyfus: - “Mon devoir est de parler, je ne veux pas être complice. Mes nuits seraient hantées par le spectre de l`innocent qui expie là-bas, dans la plus affreuse des tortures, un crime qu`il n`a pas commis”.
No Brasil o dia do Professor é comemorado em 15 de outubro. No dia 15 de outubro de 1827, dia consagrado à Santa Teresa d Ávila - educadora e doutora da Igreja, Dom Pedro I, Imperador do Brasil baixou um Decreto Imperial que criou o Ensino Elementar no Brasil. Pelo decreto, afirma o documento: - “todas as cidades, vilas e lugarejos teriam suas escolas de primeiras letras”. Esse decreto falava de bastante coisa e boas, mas ainda por se realizar: descentralização do ensino, o salário dos professores, as matérias básicas que todos os alunos deveriam aprender e até como os professores deveriam ser contratados. A ideia, inovadora e revolucionária, teria sido ótima - caso tivesse sido cumprida. Mas foi somente em 1947, 120 anos após o referido decreto, que ocorreu a primeira “comemoração de um dia efetivamente dedicado ao professor”.


Em segundo lugar, professor é uma pessoa que ensina uma ciência, arte, técnica ou filosofia. Para o exercício dessa profissão, requerem-se qualificações acadêmicas e pedagógicas, para que consiga transmitir/ensinar a matéria de estudo da melhor forma e conteúdo possível ao aluno. É uma das profissões mais antigas e mais importantes, tendo em vista que as demais, na sua maioria, dependem dela. No caso norte-americano,  ilustra claramente o lugar do ensino e da pesquisa na formação da sociedade, onde o professor “é reservado apenas aqueles que ministram aulas em instituições de ensino superior”, os College ou University. Professores do ensino fundamental ou médio são denominados “Teachers”. Estes professores nas universidades estadunidenses dedicam-se principalmente a atividades de pesquisa, incluindo a orientação de alunos de pós-graduação. Em geral, o grau acadêmico de doutor, Ph. D. ou equivalente é exigido para ingresso na carreira de professor nas universidades estadunidenses no nível inicial de Assistant Professor, seguindo em geral o exemplo europeu, em particular o alemão.
Na América, afirma o sociólogo Max Weber, a carreira começa normalmente, de forma muito diferente, a saber, com a nomeação de “Assistant”. De modo análogo ao que costuma acontecer entre nós nos grandes institutos das faculdades de ciências e de medicina, em que só uma pequena parte dos assistentes e, muitas vezes, já tarde, aspira à habilitação formal como Privadozent. O contraste significa, na prática, que, entre nós, a carreira de um homem de ciência se constrói, em última análise, totalmente em pressupostos plutocráticos. Pois é um risco extraordinário para um cientista jovem, sem bens de fortuna, expor-se às condições da carreira acadêmica. Deve, pelo menos durante alguns anos, poder sustentar-se com os seus próprios meios, sem saber se, mais tarde, terá a possibilidade de obter um lugar que lhe permita viver. Nos Estados Unidos, pelo contrário, vigora o sistema burocrático.
O jovem é remunerado, desde o início. Com moderação, sem dúvida. O salário, na maioria dos casos, dificilmente corresponde ao nível da remuneração de um operário medianamente qualificado. De qualquer modo, ele começa com uma posição aparentemente segura, pois recebe um salário fixo. A regra, porém, tal como acontece com os nossos assistentes, é ele poder ser despedido, e deve contar com isso de um modo bastante impiedoso, se não corresponder às expectativas. Consistem estas em ele serem capaz de “encher a sala”. Eis algo que não pode acontecer a um Privatdozent alemão. Uma vez nomeado, já não pode ser destituído. Não têm “direitos, é certo; mas dispõe da convicção natural de, após vários anos de atividade, ter uma espécie de direito moral a alguma consideração por ele. Inclusive - isto é, muitas vezes, importante - quando se trata da eventual habilitação de outros trabalhadores Privatdozent”. 

No filme: Mr. Holland - Adorável Professor (EUA, 1995. Direção: Stephen Herek), em 1964 o músico Richard Dreyfuss, coincidentemente como caso francês, decide começar a lecionar, para ter mais dinheiro e assim se dedicar a compor uma obra sinfônica. Inicialmente ele sente grande dificuldade em fazer com que seus alunos se interessem pela música e as coisas se complicam ainda mais quando sua mulher (Glenne Headly) dá luz a um filho, que o casal vem a descobrir mais tarde que é surdo. Para poder financiar os estudos especiais e o tratamento do filho, ele se envolve cada vez mais com a escola e seus alunos. Deixando de lado aparentemente seu sonho de tornar-se um grande compositor. Passados trinta anos lecionando no mesmo colégio, após todo este tempo uma grande recepção o aguarda. A grande lição deste professor diz respeito ao aprendizado, o saber e a compreensão do “oralismo”, que entende a surdez como uma deficiência e visa à integração da criança com surdez com os ouvintes. Acreditam que para a criança surda se comunicar é necessário que ela saiba de fato “oralizar”.
Enfim, não queremos perder de vista que em nível de análise dos motivos e ideias, o declínio da eficácia do saber e aprendizado teórico podem ser descrito como uma das contradições, da modernidade no mundo contemporâneo, com uma nova ambivalência da razão humana. Em nível das forças sociais e políticas, o novo conflito, que até agora se encontra pouco refletido e, sobretudo pensado, principalmente em regiões fora do grande circuito de proliferação de saberes. É resultado da tendência da parte de uma classe majoritária em definir pessoas fora de uma fronteira, para proteger a o que se chama “standortgebundenheit”.  Assim, filosoficamente a interpretação existencial da consciência deve expor um testemunho de seu “poder-ser” mais próprio que está sendo na própria presença. O testemunho da consciência não é um anúncio indiferente, mas uma “apelação apeladora” do ser e estar em dívida permanente.
O que se testemunha é, pois “apreendido” no ouvir que compreende o apelo sem deturpações, no sentido por ele mesmo intencionado. Apenas a compreensão do interpelar, enquanto modo de ser da presença propicia o teor fenomenal do que é testemunhado no apelo da consciência. Caracterizamos a compreensão própria do apelo como “querer-ter-consciência”. Esse deixar o “si-mesmo” mais próprio “agir em si por si mesmo”, em seu ser e estar em dívida, representa do ponto de vista fenomenal, “o poder-ser próprio, testemunhado na presença”. A sua estrutura existencial deve ser agora liberada numa exposição. Somente assim penetraremos na constituição fundamental da propriedade da existência que se abre na própria presença. Enfim, enquanto compreender-se no “poder-ser mais próprio”, entendemos que “o querer-ter-consciência é um modo de abertura da presença”. Além do compreender, esta se constitui de disposição e fala. O compreender existenciais significa: projetar-se para a possibilidade fática cada vez mais própria do “poder-ser-no-mundo”. Poder-ser, porém, só pode ser compreendido em existindo o “si-mesmo” nessa possibilidade.
Nunca é demais repetir que o termo alemão “be-deuten”, na reflexão de Martin Heidegger em “Sein und Zeit” (1927), insinua que se lhe está atribuindo uma acentuação forte a partir do étimo principal - deuten = “mostrar, apontar, interpretar”. Na analítica da mundanidade, todo ato e exercício de interpretação, indicação e demonstração se exercem a partir de um mundo já estruturado e estabelecido. Be-deuten = significar que remete então para o “movimento e processo de estruturação do mundo”. A tradução por significar e significância na derivação de “Bedeut-samkeit” visa a que a leitura remonte a esse nível ontológico de constituição da mundanidade. Isto quer dizer que entendemos que à fala pertence aquilo sobre o que se fala. Há indicações sobre algo e isso numa perspectiva em que ela diz como fala, daquilo sobre que fala como tal.
Na fala, enquanto processo social de comunicação, isso é o que se torna acessível à “co-presença” dos outros, na maior parte das vezes, através da verbalização da língua. O que no apelo da consciência, segundo Heidegger, constitui o referido da fala, ou seja, o interpelado? Manifestamente a própria presença. Essa resposta é tão indiscutível quanto indeterminada. Mesmo que o apelo tivesse uma meta tão vaga, ele ainda seria para a presença um motivo de prestar atenção a si mesma. Pertence à presença, de modo essencial, com a abertura de seu mundo, que está aberta para si mesma, de tal modo que ela sempre já se compreende. O apelo alcança a presença nesse movimento de sempre já se ter compreendido na cotidianidade mediana das ocupações. O impessoalmente do “ser-com” com os outros é também alcançado pelo apelo.
 A interpretação existencial da consciência deve expor um testemunho de seu “poder-ser” mais próprio que está sendo na própria presença. O testemunho da consciência não é um anúncio indiferente, mas uma “apelação apeladora” do ser e estar em dívida. O que se testemunha é, pois “apreendido” no ouvir que compreende o apelo sem deturpações, no sentido por ele mesmo intencionado. Apenas a compreensão do interpelar, enquanto modo de ser da presença propicia o teor fenomenal do que é testemunhado no apelo da consciência. Caracterizamos a compreensão própria do apelo como “querer-ter-consciência”. Esse deixar o si-mesmo mais próprio agir em si por si mesmo, em seu ser e estar em dívida, representa do ponto de vista fenomenal, “o poder-ser próprio, testemunhado na presença”. Enfim, enquanto compreender-se no poder-ser mais próprio, “o querer-ter-consciência é um modo de abertura da presença”. Além do compreender, esta se constitui de disposição e fala. O compreender existenciais significa: projetar-se para a possibilidade fática cada vez mais própria do poder-ser-no-mundo. Poder-ser, porém, só pode ser compreendido em existindo nessa possibilidade.
Enfim, a classe de professor Titular, ao contrário do sentido disciplinar, da formação acadêmica neste período já leva tempo no processo social de comunicação, desde a última defesa pública de provas e títulos onde habitamos. A pergunta é: o que se tornaria acessível à “co-presença” dos outros, no sentido contemporâneo, na maior parte das vezes, através da verbalização da língua? Essa resposta é tão indiscutível quanto indeterminada. Mesmo que o apelo tivesse uma meta tão vaga, ele ainda seria para a presença um motivo de prestar atenção a si mesma. Pertence à presença, no entanto, de modo essencial, que, com a abertura de seu mundo, ela está aberta para si mesma, de tal modo que ela sempre já se compreende. O apelo alcança a presença nesse movimento de sempre já se ter compreendido na cotidianidade mediana de mediocridade das ocupações. O impessoalmente si mesmo é também alcançado pelo apelo com outros.

A relevância do pensamento filosófico de Martin Heidegger, em sua visão antropológica, desvela a essência do homem e seu significado existencial. Temos em Heidegger que a essência do homem depende de sua relação com o ser, não de algum tipo de racionalidade. O homem é dotado de racionalidade, porém não é isso que define a sua essência. Portanto, a essência do homem é relação com o ser. O homem é o “ser-aí” (“Dasein”): o único que existe é o ser individual e finito que está aí e seu modo de ser (essência) é a existência, ou seja, o conjunto de possibilidades de vir a ser. As coisas são, mas não existem, isto é, só o homem existe. A existência, contudo, é o poder ser, ou seja, o ato de projetarem-se, utilizando as coisas como instrumentos e elas não são para a contemplação, mas para serem usadas pelo homem, isto é, o ser das coisas é sua utilidade para o homem. O homem compreende as coisas quando descobre para que sirvam (como utilizá-las) e compreende a si próprio quando descobre o que pode ser. O “Dasein” ou a “existência” significam que nós não apenas somos, mas percebemos que somos, mas nunca estamos acabados, como algo presente. Não podemos rodear a nós mesmos, mas em todos os pontos, estamos abertos para um futuro e temos de conduzir a nossa vida. Estamos entregues a nós mesmos e somos aquilo que nos tornamos.
Em 2015, a Universidade Estadual do Ceará (Uece) completa 40 anos de fundação. Por ocasião deste Jubileu de Rubi, a administração superior programa considerável número de inaugurações. Entre grandes, médias e pequenas obras, de construção ou reforma, mudando significativamente o perfil arquitetônico de nossa infraestrutura para o desenvolvimento de ensino, pesquisa, extensão e gestão. Mas parece que só é possível habitar o que se constrói. Na universidade o homem de certo modo habita e não habita. Se por habitar entende-se simplesmente uma residência. Quando se fala em habitar, representa-se costumeiramente um comportamento que o homem cumpre e realiza em meio a vários outros modos de comportamento. Não habitamos simplesmente, mas construir significa originariamente habitar. A antiga palavra construir (“bauen”) diz que o homem é à medida que habita. Mais que isso, significa ao mesmo tempo: proteger e cultivar, a saber, cultivar o campo, cultivar a vinha. Construir significa o crescimento que, por si mesmo, dá tempo aos seus frutos.
No sentido de proteger e cultivar, construir não é o mesmo que produzir. NB: em oposição ao cultivo, construir diz edificar. Ambos os modos de construir – construir como cultivar, em latim, “colere”, cultura, e construir como edificar construções, “aedificare” – estão contidos no sentido próprio de “bauen”. No sentido de habitar, ou construir, permanece, para a experiência cotidiana do homem. Aquilo que desde sempre é, como a linguagem diz de forma tão exclusiva e bela, “habitual”. Isto esclarece porque acontece um construir por detrás dos múltiplos modos de habitar, por detrás das atividades sociais de cultivo e edificação. O sentido próprio de construir, a saber, habitar, cai no esquecimento. Em que medida construir pertence ao habitar? Quando construir e pensar são indispensáveis para habitá-lo. Ambos são, no entanto, insuficientes para habitá-lo se cada um se mantiver isolado, distantes, cuidando do que é seu ao invés de escutar um ao outro. Ipso facto construir e pensar pertence ao habitar. Permanecem em seus limites. Sabem, quando aprendemos a pensar, que tanto um como outro provém da obra de uma longa experiência e de um exercício incessante de pensar.
Bibliografia geral consultada. 

PARSONS, Talcott, The structure of social action. 2ª edição. Glencoe: The Free Press, 1949; LUKÁCS, Georg, Histoire et conscience de Classe. Paris: Éditions de Minuit, 1960; MÉSZÁROS, István (compilador), Aspectos de la Historia y Consciência de Clase. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1973; LACOUE-LABARTHE, Phillipe, La fiction du politique. Paris: Bourgois Editeur, 1987; BOURDIEU, Pierre, Ontologia Política de Martin Heidegger. São Paulo: Editora Papirus, 1989; SAFRANSKI, Rüdiger, Heidegger et son temps. Paris: Livre de Poche, 2000; HEIDEGGER, Martin, Nietzsche I. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007; Idem, Ser e Tempo. 3ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2008; Artigo: “40 anos - construir, habitar, pensar”. In: http://www.opovo.com.br/2015/02/09/; entre outros. 
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo. Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Um comentário:

  1. Apontarei este texto aos estudantes. Seus pólos transtornados encontram espaço. Não recomendo, porém, conhecer Heidegger via Ubiracy.
    Bons estudos!
    Aderaldo Lewartowski

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