quarta-feira, 28 de outubro de 2015

A Travessia – Cinema, Sonho, História & Realidade Concreta.

                             Ubiracy de Souza Braga*
 
                                                        A intenção era dar a sensação de vertigem”. Robert Lee Zemeckis
  
 

A vertigem ocorre quando uma pessoa sente que ela ou os objetos reais à sua volta se encontram em movimento quando na realidade não estão. A sensação assemelha-se a um movimento de rotação ou desequilíbrio. Elas podem estar associadas a náuseas, vómitos, suores e dificuldades em caminhar que geralmente se agravam quando se movimenta a cabeça. A vertigem tem como representação a forma mais comum de tonturas. A vertigem corresponde a um problema numa parte do aparelho vestibular. As vertigens fisiológicas podem ocorrer na sequência da exposição ao movimento durante um período prolongado de tempo, como a bordo de um barco ou em viagem de automóvel, ou apenas pela pessoa rodar sobre si própria com os olhos fechados. Entre outras causas podem estar a exposição a toxinas como o monóxido de carbono, álcool ou aspirina. Entre outras possíveis causas de tonturas estão a pré-síncope, desequilíbrio e tonturas sem origem específica. A vertigem posicional paroxística benigna tem mais probabilidade de ocorrer em pessoas que enfrentam vários episódios de vertigem derivada do movimento, não ocorrendo vertigens fora destes episódios. Os episódios deste tipo de vertigem duram geralmente menos de um minuto e pode ocorrer nistagmo. Este tipo pode ser diagnosticado com o teste de Dix-Hallpike.  Na vertigem com origem na doença de Ménière`s, verifica-se frequentemente zumbido nos ouvidos e perda de audição. Os episódios deste tipo duram mais de vinte minutos. Na labirintite a vertigem aparece de forma súbita e ocorre nistagmo mesmo sem movimento. Neste tipo, a vertigem pode durar vários dias. No diagnóstico devem ainda ser consideradas causas mais graves, principalmente se as vertigens forem acompanhadas de fadiga, dores de cabeça, visão dupla ou dormência.
              Robert Zemeckis nasceu em uma família católica de classe média em Chicago. Sua família não apreciava livros, cinema ou música, restando como única fonte de inspiração, a TV. Dessa forma, cresceu fascinado pela televisão e por uma 8 mm que seus pais possuíam. Começou filmando eventos familiares, como aniversários e feriados, e com o tempo, junto de alguns amigos, passaram a fazer filmes criados por ele, onde incluía pequenos efeitos especiais, como “stop-motion”. Zemeckis inscreveu-se apenas em uma universidade, a University of Southern Califórnia, para o curso de cinema, mandando um vídeo baseado numa canção dos Beatles e uma bela redação. Mas a princípio não fora aceito, já que suas notas do ensino médio eram apenas medianas. Foi então que decidiu estudar durante todo o verão e refazer algumas disciplinas para melhorar seu desempenho em relação às suas notas e conseguir a vaga no curso que desejava. E por fim, o diretor da faculdade acabou por aceitá-lo. As aulas eram repletas de hippies e os professores não cansavam de dizer o quanto era difícil o ramo do cinema, mas pela educação que teve não se abalou com isso. Ainda na faculdade, conheceu o escritor Bob Gale, com quem criou uma forte amizade. No seu último ano de faculdade em sua monografia de bacharelado fez um curta-metragem intitulado: Field of Honor, com ele, Zemeckis ganhou o Student Academy Awards, o que fez com que procurasse Steven Spielberg.
             Ao ver o filme realizado na faculdade por Robert Lee Zemeckis, Steven Spielberg ficou deslumbrado, passando a ser seu mentor e aceitando produzir seus primeiros dois filmes. Com a parceria de seu amigo de faculdade Bob Gale, escreveu I Wanna Hold Your Hand, em 1978 e Used Cars, em 1980, porém ambos não foram bem recebidos pelo público e crítica e não renderam retorno financeiro. Em 1979, o filme 1941, dirigido por Spielberg e escrito pela dupla Zemeckis e Gale, também não foi bem nas bilheterias dos Estados Unidos e fez com pensassem que Zemeckis criava grandes roteiros que não viravam grandes filmes. Apesar de continuar trabalhando muito com Gale em novos projetos, por causa de seus títulos recém-fracassados, estava difícil para Robert Zemeckis conseguir trabalho cinematográfico no começo dos anos 1980. O predomínio crescente dessa lógica, de caráter rentista - isto é, que não tem como finalidade a produção, mas a remuneração do detentor de um ativo - na economia mundial globalizada ocorre desde pelo menos o início da década de 1980 até 2006, quando a riqueza financeira mundial, incluindo ações e debêntures, títulos de dívida privada e da pública e aplicações bancárias, cresceram mais de 14 vezes, enquanto o PIB mundial cresceu menos de 5 vezes. Trata-se, portanto, de um capital fictício - ou seja, não vinculado à esfera produtiva, no âmbito da produção e consumo - e que efetivamente acabou por comandar a economia como um todo.  Desde 1971, o governo dos Estados Unidos da América, durante a administração de Richard Nixon, cancelou unilateralmente os acordos de Bretton Woods (1944), acabando com a conversibilidade do dólar norte-americano em ouro, como meio de pagamento internacional geral e hegemônica, o dólar continua sendo a moeda constitutiva de mais de 70% das reservas internacionais.
 
 
                Quando dinheiro inconversível funciona como meio de pagamento internacional, abrem-se as portas para a chamada financeirização da economia, campo de forças entre nações potencialmente geradoras de crises. Em um contexto de globalização econômica, essas crises rapidamente se tornam sistêmicas, sobretudo quando atingem o coração do sistema, a exemplo da crise das hipotecas de alto risco, deflagrada em 2007-2008. E o projeto de fazer um filme no qual um jovem viajava no tempo foi rejeitado por vários grandes estúdios. Tudo continuava difícil, até Michael Douglas contratá-lo para dirigir o filme: Tudo Por Uma Esmeralda. Nesse filme, Zemeckis conheceu Alan Silvestri, que fez a partir de então, todas suas trilhas sonoras. Antes de serem lançados, os produtores do filme, após assistirem a uma primeira edição, acharam o filme horrível e demitiram Zemeckis como diretor, mas contrariando a crítica, o filme fez sucesso nos cinemas. Foi então que finalmente conseguiu um estúdio para dirigir o filme que tanto queria: De Volta Para o Futuro. Com produção de Spielberg, o filme fez tanto sucesso que ganhou duas sequencias, em 1989 e 1990. Antes disso, Zemeckis ainda dirigiu “Uma Cilada Para Roger Rabbit”, com um custo de 70 milhões de dólares, tornando-se um dos filmes comparativamente no âmbito da chamada indústria cultura mais caros até então. Acabou tornando-se sucesso de crítica e de público faturando 4 estatuetas do Óscar norte-americano. 
     Em 1994, Zemeckis lançou Forrest Gump: O Contador de Histórias. Seu filme de maior sucesso de crítica e de público. Com Tom Hanks no papel principal que lhe rendeu um Óscar de melhor ator, o filme narra a história de amor entre o personagem de Tom Hanks com o de Robin Wright, com um toque de mestre de humor, muito drama, efeitos especiais digitais avançados, ótima trilha sonora e tendo de fundo, a história norte-americana. Esse trabalho de Zemeckis levou 6 prêmios do Óscar, incluindo melhor filme, melhor diretor e melhor ator. Além de faturar mais de 677 milhões de dólares no mundo ocidental inteiro e ter sido o filme de maior bilheteria de 1994. Forrest Gump: O contador de histórias também pode ser considerado um projeto mais maduro do diretor, já que, mesmo que ainda mantendo seu gosto por efeitos especiais, Zemeckis começa a desenvolver melhor seus roteiros e aprofundar mais seus personagens. Voltaria a acontecer em Contato e Náufrago.
   Neste aspecto, vale lembrar a analogia realizada Slavoj Žižek em seu livro: The Paralaxe View (2006), quando situa a questão tópica da teoria dos efeitos psicológicos das várias cores, com a produção de melancolia e tristeza.  É assim que um historiador da arte espanhol descobriu o primeiro uso da arte moderna como forma deliberada de tortura: Kandinsky e Klee, assim como Buñuel e Dalí, inspiraram uma série de celas secretas e centros de tortura construídos em Barcelona em 1938, obra do anarquista francês Alphonse Laurenčič (de sobrenome esloveno!), que inventou um tipo de tortura “psicotécnica”: ele criou as chamadas “celas coloridas” como contribuição à luta contra as forças de Franco. As celas foram inspiradas tanto por idéias surrealistas e de abstração geométrica quanto por teorias artísticas vanguardistas sobre as propriedades psicológicas das cores. As camas fi cavam em ângulos de 20 graus, tornando quase impossível dormir nelas, e no chão das celas de 0,90 metros por 1,80 metro havia tijolos e outros blocos geométricos espalhados para impedir que os prisioneiros andassem de um lado para o outro. Restava-lhes fitar as paredes, curvas e cobertas de cubos, quadrados, linhas retas e espirais psicoativas que usavam truques de cor, perspectiva e escala para provocar angústia e confusão mental. Efeitos de luz davam a impressão de que os desenhos vertiginosos se moviam nas paredes. Laurenčič preferia usar o verde porque, de acordo com sua teoria dos efeitos psicológicos das várias cores, ele produzia melancolia e tristeza.

  Em 1974, o francês Philippe Petit fez o impensável: colocou um cabo de aço entre as duas torres do World Trade Center e atravessou. Sem rede. Quarenta anos depois, Robert Zemeckis recriou a façanha num filme extraordinário: The Walk - O Desafio que é impróprio através do impacto ideológico e social para quem sofre de vertigens. O cineasta recriou a proeza do equilibrista francês  que, na manhã do dia 7 de agosto de 1974, atravessou um cabo de aço entre as duas torres do World Trade Center, em Nova Iorque, e ali ficou, suspenso, durante 45 minutos. A façanha já tinha sido retratada no documentário de 2008, Man on Wire, mas neste caso o espectador é levado a viver uma experiência como nunca viveu. Doze homens andaram na Lua, mas apenas um caminhou entre as duas torres, simbolizada pela tragédia dos ataques de 11 de Setembro de 2001 quando a destruíram. Neste The Walk - O Desafio, etnograficamente o espectador é levado à posição do próprio Philippe Petit, a mais de 400 metros do chão, no meio das nuvens causando um impacto psicológico extraordinário. Filmado em 3D, este não é um filme próprio para quem sofre de vertigens!
  Respondendo a pergunta – “Como recriar a caminhada de Philippe Petit?”, o talentoso e instigante cineasta responde da seguinte forma: - Foi um gigantesco desafio ao qual tive de me agarrar com unhas e dentes. É um momento magnífico, no final do filme, e é o culminar do sonho de um homem. Quando vemos a coreografia daquilo que ele fez sobre o arame, é uma aventura por si só, porque na vida real ele esteve lá em cima 45 minutos. Tal como o próprio Philippe explica no seu livro, a polícia apareceu em ambas às torres e, portanto, restou-lhe atuar, pois assim era impossível prendê-lo ou impedi-lo. Ele estava no meio e, se andasse para um lado ou para o outro, seria preso e acabava tudo. Ele teve de decidir o que fazer, e essa é uma componente dramática do filme. A outra coisa que tornaria tão especial um filme sobre algo tão simples como um equilibrista é que, quando os vemos atuar, temos apenas um ângulo, uma perspectiva, que é olhar para cima. Nunca ninguém assistiu a uma destas atuações a olhar para baixo. Quão maravilhoso seria colocar o público no próprio arame? Agora, é certo que quem tem vertigens não se sentirá confortável a ver a maior parte das cenas deste filme. Mas esse foi outro dos aspectos que me apaixonou em filmar esta história.
 
O World Trade Center (WTC) é um complexo de edifícios na região de Lower Manhattan, Nova Iorque, Estados Unidos, em substituição ao complexo original de sete prédios que anteriormente existia no local com o mesmo nome. O WTC original, caracterizado por marcantes torres gêmeas, foi inaugurado em 4 de abril de 1973 com 110 andares, e destruído durante os ataques de 11 de setembro de 2001. O World Trade Center passou por um incêndio em 13 de fevereiro de 1975, um atentado a bomba em 26 de fevereiro de 1993 e um assalto em 14 de janeiro de 1998. Neste ano a Autoridade Portuária de Nova York e Nova Jersey decidiu privatizar o complexo, ao arrendar os edifícios para uma empresa privada gerenciar e o escolhido com o contrato foi a Silverstein Properties em julho de 2001. Na manhã de 11 de setembro de 2001, sequestradores membros da organização fundamentalista Al-Qaeda colidiram dois jatos Boeing 767 contra as Torres Gêmeas do complexo, em um ataque terrorista coordenado. Depois de queimar por 56 minutos, a Torre Sul (WTC 2) desmoronou, depois de meia hora pela Torre Norte (WTC 1), resultando em 2.753 mortes. 
   As torres gêmeas representaram também uma metáfora do ataque aos Estados Unidos. Foram construídas com notável perícia de engenharia. Eram supostamente imunes a todo tipo concebível de destruição acidental ou deliberada. No entanto, parece que ninguém jamais cogitou que dois aviões repletos de querosene de aviação pudessem ser deliberadamente lançados contra elas, atingindo os prédios precisamente no ponto - 20% da altura de cima para baixo - que maximizaria a destruição. Como também ninguém antecipou que os edifícios ruiriam lentamente, espetacularmente, à vista de todos, trazendo abaixo outras construções adjacentes. Ninguém jamais previu que o incêndio provocado pelo colapso dos prédios continuaria a arder num continuum por meses a fio. Os Estados Unidos mesmo se vingando do ataque, não podem desfazê-lo. Em 1911, o capitão Bertram Dickson, o primeiro militar britânico a voar, profetizou corretamente o uso militar da aviação.
             Ele afirmou que os primeiros aviões iriam ser usados para reconhecimento, mas ele iria forçar cada lado a tentar “impedir ou prevenir o inimigo de obter informações”, o que eventualmente vai levar a uma batalha para o controle do ar. Esta foi exatamente a sequencia de eventos que ocorreu poucos anos depois. O ceticismo inicial e baixa expectativa, rapidamente se tornaram em demandas não realistas, além da capacidade dos aviões primitivos disponíveis. Mesmo assim, o reconhecimento aéreo teve um papel importante na “guerra de manobras” de 1914, especialmente ao ajudar os aliados a interromper a invasão alemã da França. Em 22 de agosto de 1914, o capitão britânico L.E.O. Charlton e o tenente V.H.N. Wadham reportaram que o exército do general alemão Alexander Von Kluck estava se preparando para cercar a Força Expedicionária Britânica, contrariando todas as informações da inteligência. O alto comando britânico considerou o relatório e iniciou a retirada para Mons, salvando a vida de 100.000 soldados. Mais tarde, durante a Primeira Batalha do Marne, aviões de observação descobriram pontos fracos e flancos expostos nas linhas alemãs, permitindo aos aliados tirarem vantagem disso. 
               A tecnologia revelou-se um escudo imperfeito, para lembrarmos a metáfora marxista contida no Manifesto Comunista de 1848: “tudo que é sólido desmancha no ar”. Com isso, o tema da ideologia sofria uma desdramatização. Se o ideológico, afinal não passava de uma consequência pura e simples de um processo prático, material, que importância maior poderiam ter, na sua esfera social de ação, as controvérsias que lançavam, uns contra os outros, os sujeitos históricos? Os dramas subjetivos - reconhecidos como secundários - remetiam os pesquisadores à realidade tida como objetiva, que era o nível onde podiam ser encontrada as causas concretas, isto é, a verdade do fenômenos. A questão filosófica cedia lugar a um campo de estudos mais restrito, que ficava entregue à competência exclusiva dos sociólogos, incumbidos de verificar a que grupos, classes ou atores sociais se ligavam as representações ideológicas. Os marxistas do final do século XIX e início do século XX, em sua maioria, adotaram uma concepção redutiva da ideologia. As formas diretas da expressão dos interesses materiais das classes sociais nos discursos, nos programas de ação ou na produção artística em geral.
Bibliografia geral consultada.
LYOTARD, Jean François, O Pós-Moderno. 4ª edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993; PARAIRE, Philippe, O Cinema de Hollywood. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1994; KEHL, Maria Rita, A Mínima Diferença: Os Dois Lados do Cinema. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1995; QUINODOZ, Danielle, A Vertigem: Entre a Angústia e o Prazer. Porto Alegre: Editor Artes Médicas, 1995; MAIA, Roberto; DINIZ, Flávia; CARLESSE, Agnaldo, “Manobras de Reposicionamento no Tratamento da Vertigem Paroxística Posicional Benigna”. In: Rev Bras Otorrinolaringol, 2001; 67 (5): 612-6; CARALEY, Demetrios, September 11, Terrorist Attacks, and U.S. Foreign Policy. Estados Unidos da América: Academy of Political Science, 2002; WALLERSTEIN, Immanuel, “Os Estados Unidos e o Mundo: As Torres Gêmeas como Metáfora”. In: Estud. av. Vol.16 n° 46. São Paulo, sept./dec. 2002; LANGLEY, Andrew, September 11: Attack on America. EUA: Compass Point Books, 2006; ŽIŽEK, Slavoj, A Visão em Paralaxe. São Paulo: Editorial Boitempo, 2008; OLIVEIRA JR., Wenceslao Machado de, Dossiê: A Educação pela Imagem e suas Geografias. Pró-Posições. Revista da Universidade Estadual de Campinas, vol. 20, n° 3 (60), pp. 17-28, set./dez., 2009;  DAMICO, Amy, September 11 in Popular Culture: A Guide. EUA: Greenwood, 2010; WAGNER, Arthur, Birth of a Legend. Trafford Publishing, 2012; ROCHA, Michel Gomes da, Cinema, Ideologia e Representação: (Neo) conservadorismo, Resistência e Belicismo nos Estados Unidos (1980-1990). Dissertação de Mestrado. Departamento de História. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015; entre outros.  
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Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).   

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