quarta-feira, 3 de maio de 2017

Mario Lago - Paratopia Criadora, Cordialidade & Vida de Amélia.

                                                                                                    Ubiracy de Souza Braga

“Amélia não tinha a menor vaidade/Amélia que era a mulher de verdade”. Ataulfo Alves e Mário Lago


                  
Mário Lago ficou conhecido do grande público graças a seu trabalho como ator. Um dos temas ressaltados pela biógrafa de Mario Lago refere-se ao seu parti pris com relação aos embates sobre a chamada “cultura erudita” e a “cultura popular”, um conflito vivenciado pelo artista no próprio ambiente familiar. Assim, sabe-se que Mário, desde os sete anos, não só era frequentador assíduo dos concertos do Teatro Municipal como também, a partir desta idade, inicia seus estudos de piano com Lucília Villa-Lobos. A entrada na adolescência, entretanto, o faz vislumbrar a possibilidade de uma vida menos disciplinada do que a do virtuose, resignado a um estilo ascético, com o tempo totalmente devotado aos estudos e o espaço praticado na sala de música. São vários os apelos vindos de fora, como a pelada com os amigos, a sociabilidade de praia, e, sobretudo o samba que começa a se desenvolver na cidade. Mário reage, portanto, às intenções civilizatórias da família, comprometendo-se radicalmente com o popular. Esta tomada de posição reaparece hic et nunc de diversos momentos de sua biografia. Mário assume uma atitude inusitada nos anos 1940, ao tentar conciliar a defesa da linguagem coloquial na radionovela com um didatismo nacionalista, que defendia o uso do rádio para a educação das massas. Os ideólogos do rádio, nos seus primórdios da comunicação radiofônica de início dos anos 1920, imbuídos de um projeto construtivo, buscaram uma linguagem elevada, mas terrena, para este novo veículo de comunicação.
Mário Lago ingressou no Partido Comunista Brasileiro, em 1934. No ano de 1948, quando Prestes completou 50 anos de idade, organizou uma festa para homenagear o seu líder, juntamente com o jornalista Pedro Motta Lima e Diógenes Arruda Câmara e escreveu um artigo sobre o seu líder, “Do cavaleiro ao camarada, em tempos de legalidade". Esse período ele relembra à autora: "ainda não existiam os programas eleitorais gratuitos no rádio e na televisão, os candidatos iam buscar votos na rua, ombro a ombro cara a cara com o povo”. E romanticamente acrescenta: - “Oscar Niemeyer estava soberbo num alto de uma escada, armado de uma broxa e de uma lata de cola de farinha de trigo, participando de uma colagem de um grupo de intelectuais artistas plásticos, fez um dia de semana. As ruas cheias de gente, o céu transbordando de sol”. Em 1947 casa com Zeli, filha do dirigente comunista, Henrique Cordeiro, sua companheira, também, de luta, nos 40 anos seguintes que o PCB amargou na clandestinidade somente voltando à retomada da legalidade, em 1985. Em 1950, foi candidato à deputado estadual, em São Paulo, pela legenda do PST - Partido Social Trabalhista e apesar de ter realizado uma campanha bem planejada e movimentada, não obteve êxito. Em 1964 foi preso novamente. Esteve na Ilha das Flores, depois no presídio da Frei Caneca. Permaneceu quase 60 dias isolado, trancafiado. Libertado, começou a viver a fase mais difícil de sua vida, por momentos cruciais, desempregado, já com cinco filhos, na rua das amarguras. Os amigos solidariamente o ajudaram a recompor sua vida profissional, aos poucos.


Desse modo, a programação, no início, consistia de palestras de teor instrutivo ou moralizante e de músicas da tradição que se aproximavam de uma concepção erudita. Quando, na década seguinte, o rádio passou a ser usado como veículo de entretenimento, divulgando principalmente a música popular tocada no Rio de Janeiro, sofreu críticas acirradas de músicos e musicólogos modernistas. A importância crescente do jovem Mário, intelectual e politizado, no ambiente do teatro brasileiro de revista pode ser medida pelo episódio em que seu parceiro, na marcha “Aurora”, Roberto Martins o procurou na saída do teatro para lhe pedir um favor. Mário já estava acostumado a ser procurado pelo amigo quando Martins tinha algum pedaço de música a espera de uma tirada poética ou complemento melódico. – “Não trago música nenhuma Mário, é que tem um cantor aí precisando trabalhar e eu queria pedir para você ajudá-lo, que ele é muito bom...”. Assim começava a carreira de Carlos Galhardo, um dos mais notáveis cantores populares da chamada “era do rádio”, pela influência de Mário, que fazia sucesso com “Nada Além”, são composições que contribuíram para o cancioneiro de Lago se tornar obrigatório em qualquer antologia da música brasileira, na voz de estrelas como Ataulfo Alves, Orlando Silva e Carmen Miranda. Durante sua vida, eventualmente fazia shows em que cantava suas músicas, contava casos da boemia e da militância política, gravado por Orlando Silva, e deu a Galhardo a oportunidade de gravar “Será?” e “Devolve”.
De certa forma, ao adotar este procedimento, Mário Lago se antecipa aos intelectuais dos anos 1950 que, reunidos em torno do Centro Popular de Cultura (CPC), propõem uma arte radicalmente comprometida com o povo. A ideia básica é a de se adotar uma linguagem clara e sedutora, que não apenas seja entendida pelo público, mas que também eleve sua consciência para as causas políticas. Nesta conjuntura Mário Lago se vê às voltas com o início da televisão. A primeira experiência se dá num programa de teledramaturgia seriada da TV Tupi, denominado “Câmera 1”. Em seguida ele passa a trabalhar no Teatro Moinho de Ouro, da TV Rio. Mas uma e outra experiência na televisão, o levavam a lançar mão da importante técnica teatral do improviso. E apesar de todas as restrições que passou a fazer à televisão mais industrializada e menos artesanal dos anos 1970, em que se teria substituído, segundo ele, o espírito de equipe por uma postura mais individualista, Mário assumiu a sua defesa nos debates conjunturais. Questionava-se a participação dos intelectuais nas novelas, gênero aparentemente alienado por excelência. Mário atualiza a sua proposta de fazer arte para o povo em função da nova realidade engendrada pela televisão.
     Tratava-se, agora, de um veículo que atingia milhões de pessoas, e este fenômeno não poderia ser ignorado pelos intelectuais progressistas. Os artistas deveriam ocupar o espaço televisivo para modificá-lo e exercer a atividade crítica. Ao adotar essa postura, Mário mostra-se coerente com um projeto pluralista do final dos anos 1970, em que se previa a participação dos intelectuais nas instituições estatais e nos meios de comunicação. É desse modo que se explica, a absorção pela TV Globo, no início dos anos 1980, de vários artistas oriundos do Centro Popular de Cultura da UNE e evidentemente dos teatros de Arena e Opinião, dos anos 1960, com Dias Gomes, Gianfrancesco Guarnieri, Ferreira Gullar, Vianinha, Paulo Pontes e o próprio Mário Lago, entre tantos outros. O Show Opinião foi um espetáculo musical, dirigido por Augusto Boal, produzido pelo Teatro de Arena e por integrantes do CPC da UNE - instituição que, a esta altura, havia sido colocada na ilegalidade pelo regime militar recentemente instaurado no Brasil.


       O teatro conheceu um esplendor que não resistiria à asfixia causada pela censura e pela repressão. Resultava do trabalho realizado, em especial, por dois grupos, o Oficina, em torno de seu diretor José Celso Martinez Corrêa (no exílio de 1974 a 78), e  Arena, em torno de Augusto Boal no exílio a partir de 1969, que se dedicaram a criar uma dramaturgia brasileira e uma nova formação do ator. Escreveram e encenaram com muito sucesso, durante vários anos, originando vocações, peças, espetáculos e revelações de ator. Extremamente engajados, e invocando Bertolt Brecht como nomes tutelares vincariam a história do teatro no país. Ambos os grupos seriam dizimados pelo AI - 5, famigerado Ato Institucional, que deflagrou o terror de Estado e exterminou aquilo que fora um dos mais importantes ensaios de socialização da cultura jamais havido no país.
    Houve experiências concretas como o Centro Popular de Cultura (CPC) do movimento estudantil. A União Nacional dos Estudantes, através do CPC, que procurava levar a arte ao povo, sem temor da mão-de-ferro e a vontade do governo golpista militar de dificultar esse contato politizado a seus objetivos. Além do mais, Brecht transformara o teatro em arma política no século XX, sabendo se apoderar da sua grande força de comunicação política e a capacidade de mobilizar as pessoas. Atores e diretores não podiam dar as costas a essa influência arrebatadora, principalmente na década de 1970, quando o mundo ocidental assistia a uma reviravolta dos costumes e, no Brasil, cresciam os infames mecanismos de repressão e censura. Para bloquear o avanço desse teatro, estagnar o elo estreito entre o palco e a política, os militares estendem um “cordon sanitaire” entre o público e os artistas. A censura e a perseguição acirram-se. Quem não se lembra do ator Klaus Maria Brandauer no papel do ator devorado pela ambição em Mephisto? Cai sobre todos aqueles que convivem com a arte, o dilema cruel que consumiu o protagonista, do diretor húngaro István Szabó. No cinema brasileiro marcado pelas atuações brilhantes de Gianfrancesco Guarnieri & Fernanda Montenegro, o filme Ele não usam black-tie representa uma metáfora do cotidiano das frações das classes subalternas.
     Revelando demandas sociais tão contemporâneas quanto urgentes, o roteiro constrói, na figura de cada personagem, um ator social. A luta pelos direitos civis num cenário marxista do mundo contemporâneo é revelada a partir da luta de classes, tendo como background os conflitos pessoais, o início dos movimentos sindicalistas e grevistas do ABC Paulista, nos anos 1980. Em São Paulo, o Tião (Carlos Alberto Riccelli) acaba de saber que sua namorada (Bete Mendes) está grávida do primeiro filho. Tião vive sociologicamente, um “paradoxo de consequências não intencionais”: a) ainda mora com os pais e o irmão caçula, b) além de trabalhar explorado na mesma fábrica em que o pai ganha um salário  modesto. Mas a situação fica mais delicada, c) quando a empresa entra em constante clima de “indicativo de greve”. Otávio (Gianfrancesco Guarnieri), pai de Tião, é um dos líderes do movimento sindical. Pensando na família que está prestes a se formar, Tião assume posição conservadora, se colocando contra os ideais no berço do sindicalismo brasileiro. Sua atitude leva-o a furar a greve quando ela se dissemina fora da fábrica.  “Eles não usam black-tie” celebra a democracia e a liberdade de expressar tudo o que se pensa e tudo o que se almeja, sem o receio da conservadora e atuante censura brasileira.                                     
Jerônimo – O Herói do Sertão.
 Antropologicamente falando o samba “Ai Que Saudades da Amélia”, de Mário Lago e Ataulfo, é um primoroso poema popular, coloquial espontâneo. Escrito por Mário Lago, recebeu de Ataulfo Alves uma de suas melhores melodias, que expressa musicalmente o espírito da letra. Da sensibilidade da letra de Mário Lago, compositor inspirado é baseado numa história real. Aníbal Alves de Almeida, conhecido como Almeidinha, irmão da cantora Araci de Almeida, é o pai não-intelectual de “Amélia”. Os historiadores da música sustentam que Amélia realmente “existiu e, possivelmente, ainda vivia à época da canção. Era uma antiga lavadeira que serviu à sua família [de Almeidinha]. Morava no subúrbio do Encantado (Zona Norte do Rio de Janeiro) e trabalhava para sustentar uma prole de nove ou dez crianças”. Mário Lago narra que, em 1941, enquanto conversava com Ataulfo, Frazão e Orlando Silva, no Café Nice, “o Almeidinha começou a cantarolar a história de uma mulher que era solidária ao seu homem, que passava fome ao seu lado e achava bonito não ter o que comer. Eu e Ataulfo pensamos: isso dá um samba”. O baterista Almeidinha admirava o desprendimento de Amélia dos Santos Ferreira, empregada de Araci (ou Aracy) de Almeida. A versão de Ataulfo, transmitida por Luizito: - “Tínhamos combinado fazer o samba juntos. Eu já tinha a música e pedi os versos ao Mário Lago.
   Ele escreveu o poema e me deu. Em casa, meti os peitos no samba. Mudei então alguns versos. Não o sentido. Uma ou outra palavra, trocando de lugar uma frase para melhor adaptar minha música”. Alguns disseram para Ataulfo: “O samba é bonito, mas não é carnavalesco”. Outros ficaram com receio: “A música é boa, mas, não sei, é diferente e acho que o povo não gosta disso”. Nem Orlando Silva, o “Sinatra” da casa grande e da senzala, ousou gravar “Amélia”. Na falta de um grande cantor, para concordarmos com o mimetismo sociológico, Ataulfo decidiu gravar o samba, no fim de novembro de 1941, com o grupo Academia do Samba e, tocando cavaquinho, Jacob do Bandolim. Lançada em janeiro de 1942, a música fez sucesso, não desagradando homens e mulheres, que entenderam aquilo que Ataulfo disse numa entrevista: - “Amélia é compreensão, é ternura, é vida”. Não é um hino à submissão. - “Ela simboliza a companheira ideal, que luta ao lado do marido, vivendo de acordo com suas possibilidades, sem exigir o que ele não pode dar”, acrescentou o compositor-cantor. “Amélia” pontificou Mário, era o “símbolo da mulher brasileira”, um exagero, pois as troianas, e outras, eram tão solidárias quanto. Indicada para a disputa do melhor samba do carnaval de 1942, “Amélia” enfrentou “Praça Onze”, sucesso de Herivelto Martins e Grande Otelo. As duas músicas empataram, por decisão do público, e levaram a grana do prêmio.
Inicialmente, o estilo musical que seria conhecido como MPB era denominado como Música Popular Moderna (MPM), terminologia utilizada pela primeira vez em 1965, para identificar: a) canções que já se diferenciavam da bossa nova, b) que não eram samba, nem moda ou marchinha, c) mas, que aproveitavam simultaneamente a suavidade do repertório da bossa nova, d) o carisma das tradições regionais e o cosmopolitismo de canções norte-americanas, que se tornaram conhecidas do público brasileiro por meio do cinema. Um dos primeiros exemplos de canção rotulada como MPM foi “Arrastão”, de Edu Lobo e Vinícius de Moraes, que em 1965, interpretada por Elis Regina, venceu o 1º Festival de Música Popular da TV Excelsior. Em 1966, o samba “Pedro Pedreiro”, de Chico Buarque, também foi classificado como MPM, pois não era bossa nova, nem jovem guarda e nem música de protesto. Também em 1966, um conjunto vocal de Niterói, até então conhecido como “Quarteto do CPC”, sigla do Centro Popular de Cultura, adotou o nome “MPB 4”. Na virada da década de 1960 para a de 1970, deixou-se de adotar a sigla MPM que foi substituída pela sigla MPB. 
  O conceito de “homem cordial” foi desenvolvido pela weltanschauung de Sérgio Buarque de Holanda em seu livro Raízes do Brasil (1936), cujas virtudes tão elogiadas por estrangeiros como “hospitalidade” e “generosidade” representam “um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece viva e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano”. Logo, historicamente as raízes do caráter brasileiro se encontram no meio rural e patriarcal do período colonial. O “homem cordial” é, segundo essa definição, “a forma natural e viva que se converteu em fórmula”. Mas essas virtudes não são sinônimas de bons modos. Muito menos de bondade ou amizade. No fundo, a dialética de nossa forma de convívio social representa “justamente o contrário da polidez”. Afetivamente a atitude polida equivale a um disfarce hierárquico que permite preservar sua sensibilidade e suas emoções e com essa máscara, o indivíduo consegue manter sua supremacia ante o nível social.
A cordialidade descrita por Sérgio Buarque de Holanda faz com que o brasileiro sinta, ao mesmo tempo, o desejo de estabelecer intimidade e o horror a qualquer convencionalismo ou formalismo social. Na prática, isto faz com que as relações sociais e particularmente familiares continuem a ser o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós. Por isso, em geral, os indivíduos não conseguem compreender a distinção patrimonial entre as instâncias públicas e privadas, principalmente entre o Estado e a família. Fundada nas relações familiares de que derivava, a cordialidade se estendia até a área do público, cuja lógica que contraria o interesse público, era com isso sufocada. A a distinção se tornará clara na 3ª edição do Raízes do Brasil (1956), quando ao texto revisto corresponderá o esclarecimento decisivo sobre a questão da cordialidade.
É verdade que foi o historiador paulista quem, como se referiu Antônio Candido, concedeu o fundamento sociológico à expressão criada pelo poeta santista Ribeiro Couto. Encontrara a expressão no escritor e amigo Ribeiro Couto que explicava a expressão nos caracterizava, como “um dos efeitos decisivos da supremacia incontestável, absorvente do ninho familiar”, pois “as relações que se criam na vida doméstica, sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós”. Contudo, a origem da expressão “homem cordial” está intimamente relacionada a Alfonso Reyes, embaixador mexicano no Brasil e um poeta notável que “se juntou ao grupo de escritores e boêmios frequentadores do lendário Restaurante Reis, no centro da cidade”.  Para estimular o intercâmbio entre os artistas de seu tempo, ele decidiu editar, na capital da República, onde permaneceria entre 1930-36, a revista Monterrey: Correo Literario, de Alfonso Reyes. Manuel Bandeira ficou entusiasmado com essa ideia que logo enviou os primeiros três números para o seu querido amigo Ribeiro Couto, então funcionário do Consulado do Brasil em Marselha, França. 
Mario Lago começou sua carreira precocemente pela poesia, e teve seu primeiro poema publicado aos 15 anos. Formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais na década de 1930, na Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro, depois Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde iniciou sua militância política no Centro Acadêmico Cândido de Oliveira, fortemente influenciado pelo Partido Comunista Brasileiro, PCB. Na década de 1930, a principal Faculdade de Direito da capital da República era um celeiro de arte aliada à política, onde estudaram Mario Lago e seus contemporâneos Carlos Lacerda, Jorge Amado, Lamartine Babo entre outros. Depois de formado, exerceu a profissão de advogado brevemente. Envolveu-se com o teatro de revista, escrevendo, compondo e atuando. Sua estreia como letrista de música popular ocorreu com “Menina, eu sei de uma coisa”, parceria com Custódio Mesquita, gravada em 1935 por Mário Reis. Três anos depois, Orlando Silva realizou a famosa gravação de “Nada além”, da mesma dupla de autores.  Suas composições mais famosas são: “Ai que saudades da Amélia”, “Atire a primeira pedra”, ambas em parceria com Ataulfo Alves; “É tão gostoso, seu moço”, com Chocolate, “Número um”, com Benedito Lacerda, o samba “Fracasso” e a marcha carnavalesca “Aurora”, em parceria com Roberto Roberti, que ficou consagrada na interpretação da fabulosa Carmen Miranda.
     Mas é com “Amélia”, no âmbito da cordialidade brasileira, é um conceito desenvolvido pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda em seu livro Raízes do Brasil, cuja primeira edição foi publicada no ano de 1936. De acordo com esse conceito, virtudes tão elogiadas por estrangeiros como hospitalidade e generosidade representam “um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece viva e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano”. Logo, as raízes do caráter brasileiro se encontram no meio rural e patriarcal do período colonial. O “homem cordial” é, segundo essa definição, “a forma natural e viva que se converteu em fórmula”. Mas essas virtudes não são sinônimos de bons modos, muito menos de bondade ou amizade. No fundo, a nossa forma de convívio social é justamente o contrário da polidez, mas que paradoxalmente na cultura popular, decorreu dessa forma em que a descrição daquela mulher idealizada, ficou tão popular que “Amélia” tornou-se sinônimo de mulher resignada e dedicada aos trabalhos domésticos.


Mancha Verde faz homenagem a Mário Lago, que morreu em 2002 aos 90 anos.

Filho do maestro Antônio Lago e de Francisca Maria Vicencia Croccia Lago, e neto do anarquista e flautista italiano Giuseppe Croccia, formou-se em Direito pela Universidade do Brasil, em 1933, tendo nesta época se tornado marxista. A opção pelas ideias comunistas fez com que fosse preso em sete ocasiões: 1932, 1941, 1946, 1949, 1952, 1964 e 1969. Mário Lago esteve na União Soviética, em 1957, a convite da Radio Moscow, para participar da reestruturação do programa “Conversando com o Brasil”, do qual participavam artistas e intelectuais brasileiros. Mas os programas radiofônicos produzidos no Brasil, que Mário demonstrou aos soviéticos, foram por eles qualificados, naturalmente de burgueses e decadentes. A avaliação que Mário Lago fez da União Soviética também não foi das melhores. Ali, segundo ele, a produção cultural sofria pelo excesso de gravidade e autoritarismo. Apesar da leve decepção com a experiência da revolução nas Repúblicas Socialistas Soviéticas, Mário Lago felizmente jamais abandonou a militância política. Durante a segunda metade da década de 1960, Mário Lago passou a aparecer com frequência no cinema, com atuações marcantes em filmes importantes como O Padre e a Moça, Os Herdeiros e Pedro Diabo Ama Rosa Meia-Noite. Em 1964, foi um dos nomes a encabeçar a lista dos que tiveram seus direitos políticos cassados pelo regime golpista, perdendo suas funções na Rádio Nacional.
    Na década de 1970, iniciou uma carreira de sucesso como ator de telenovelas, com destaque para Cavalo de Aço e O Casarão. Em 1989, ligou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT) e atuou nos programas eleitorais do candidato vitorioso do partido dos trabalhadores, Luís Inácio Lula da Silva, à presidência da República, em 1998. Autor dos livros: Chico Nunes das Alagoas (1975), Na Rolança do Tempo (1976), Bagaço de Beira-Estrada (1977) e Meia Porção de Sarapatel (1986), foi biografado em 1998 por Mônica Velloso na obra: Mário Lago: Boêmia e Política. Foi casado com Zeli, filha do militante comunista Henrique Cordeiro, que conhecera numa manifestação política, até a morte dela em 1997. O casal teve cinco filhos: Antônio Henrique, Graça Maria, Mário Lago Filho, Luís Carlos, em homenagem ao líder comunista Luís Carlos Prestes e Vanda. No carnaval de 2001, Mário Lago foi tema do desfile da escola de samba Acadêmicos de Santa Cruz. Em dezembro recebeu uma homenagem especial por sua carreira durante a entrega do Melhores do Ano do Domingão do Faustão, que, no ano seguinte, ganharia o nome de Troféu Mário Lago, sendo anualmente concedido aos grandes nomes da teledramaturgia. Em janeiro de 2002, o presidente da Câmara, Aécio Neves, foi à sua residência no Rio para lhe entregar, solenemente, a Ordem do Mérito Parlamentar. Na sua última entrevista ao singular Jornal do Brasil, Mário Lago revelou que estava escrevendo sua própria biografia. Estava certo de que chegaria aos 100 anos, dizia Mário, “Fiz um acordo com o tempo. Nem ele me persegue, nem eu fujo dele”.
Bibliografia geral consultada.
COUTO, Rui Ribeiro, “Carta a Alfonso Reyes, Arquivos Pessoais de Autores Brasileiros”. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1931; ANDRADE, Oswald, “Um Aspecto Antropofágico da Cultura Brasileira: O Homem Cordial”. In: Obras Completas de Oswald de Andrade: Do Pau-Brasil à Antropofagia e às Utopias. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1970; AVELINO FILHO, George, “Cordialidade e Civilidade em Raízes do Brasil”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 12. São Paulo, 1990; ASLAN, Odete, O Ator no Século XX. São Paulo: Editora Perspectiva, 1994; MONTEIRO, Pedro Meira, A Queda do Aventureiro: Aventura, Cordialidade e os Novos Tempos em Raízes do Brasil. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Dissertação de Mestrado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1996; VELLOSO, Mônica Pimenta, Imaginário Humorístico e Modernidade Carioca. Tese de Doutorado em História Social. Departamento de História. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1995; Idem, Mário Lago: Boemia e Política. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1997; SODRÉ, Muniz, Samba, o Dono do Corpo. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Mauad, 1998; NAVE, Santuza Cambraia, “Entre Biografia e História”. In: Rev. bras. Cien. Soc. vol. 13 n° 38. São Paulo Oct. 1998; CANDIDO, Antônio (org.), Sérgio Buarque e o Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 1998; FARIA, Amanda Beraldo, De Amélias e Barracões: A Noção de Saudade na Obra de Ataulfo Alves. Dissertação de Mestrado em Filosofia. Programa de Pós-Graduação em Culturas e Identidades Brasileiras. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015; ASSUNÇÃO, Érica Patrícia Barros de; MOURA, João Benvindo de, O Paradoxo do Autor: A Paratopia Criadora de Mário de Andrade no Discurso Literário de Macunaíma. In: Revista Desenredo, 13 (1) 2017; entre outros.

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