segunda-feira, 29 de maio de 2017

Crimes de Maio - Rebeliões, Comunicação & Políticas Sociais.

                                                                                                    Ubiracy de Souza Braga
                                           “Esse termo esconde as motivações dessas ocorrências e suas modalidades”. Sérgio Adorno

O termo “confiança” aflora com muita frequência na linguagem cotidiana. A questão para Anthony Giddens é: como estas mudanças afetaram as relações de intimidade pessoal e sexual? Pois estas não são apenas simples extensões da organização da comunidade ou do parentesco. A amizade, por exemplo, desde Georg Simmel ou Friedrich Nietzsche, foi pouco estudada pelos sociólogos, mesmo se considerarmos a intuição de Alain Touraine a respeito, mas ela proporciona uma pista importante para fatores de amplo alcance que influenciam a vida pessoal. Temos de compreender o caráter da amizade em contextos pré-modernos precisamente em associação com a comunidade local e o parentesco. A confiança nos amigos era frequentemente de importância central. Nas culturas tradicionais, com a exceção parcial de algumas vizinhanças citadinas em Estados agrários, havia uma divisão bem clara entre membros reconhecidos como “os de dentro e os de fora ou estranhos”. As amplas arenas de interação não hostil com outros anônimos, característica da atividade social moderna, não existia. Nestas circunstâncias sociais, a amizade era institucionalizada e vista como meio de criar alianças mais ou menos duradouras com outros contragrupos potencialmente hostis. Amizades institucionalizadas eram formas de camaradagem, assim como mormente ocorrem nas reconhecidas “fraternidades de sangue”, social ou dentre “companheiros de armas”. Institucionalizada ou não, a amizade era baseada em valores de sinceridade e honra.

A sinceridade é uma virtude valorizada em circunstâncias onde as divisórias entre “amigo” e “inimigo” eram geralmente distintas e tensas. A vasta extensão de sistemas sociais abstratos associada à modernidade transforma a natureza da amizade. Não por acaso o sociólogo inglês percebe que a amizade é com frequência um modo de reencaixe, mas ela não está diretamente envolvida nos próprios sistemas abstratos, que superam explicitamente a dependência ligada a laços pessoais. O oposto de “amigo”, discursivamente, já não é mais “inimigo”, nem mesmo “estranho”; ao invés disto é “conhecido”, “colega”, ou “alguém que não conheço”. Acompanhando esta transição, a honra é substituída pela lealdade que não tem outro apoio a não ser o afeto pessoal, e a sinceridade substituída pelo que podemos chamar de autenticidade: a exigência de que o outro seja aberto e bem intencionado. Embora estas conexões sociais possam envolver “intimidade emocional”, isto não é uma condição da manutenção da confiança pessoal. Laços pessoais institucionalizados e códigos de sinceridade e honra informais ou informalizados fornecem estruturas de confiança. É bastante errôneo, contudo, realçar a impessoalidade dos sistemas abstratos contra as intimidades da vida pessoal como a maior parte das explicações sociológicas correntes tendem a fazer. A vida pessoal e os laços sociais que ela envolve estão profundamente entrelaçados com os sistemas abstratos de mais longo alcance como ocorre com o partido político.

Alguns sentidos do termo, embora partilhem amplas afinidades eletivas com outras utilidades de usos, são de implicação relativamente desimportante. Quer dizer, alguém que diz: “confio que você esteja bem”, normalmente quer dizer algo mais com esta fórmula de polidez do que “espero que você esteja com boa saúde” – embora mesmo aqui “confio” tenha uma conotação algo mais forte que “espero”, implicando algo mais próximo a “espero não ter motivos para duvidar”. A atitude de crença ou crédito que entra em confiança em alguns contextos mais significativos já se encontra aqui. Quando alguém diz: “confio em que X se comportará desta maneira”, esta implicação social é mais evidente, e não além do nível do “conhecimento indutivo fraco”. É reconhecido que se conta com X para produzir o comportamento em questão, dadas as circunstâncias normais. Eles não se relacionam aos sistemas perpetuadores de confiança, são designações referentes aos comportamentos; o indivíduo envolvido não é requisitado aquela “fé” religiosa que a confiança envolve em seus significados.       

A principal definição de “confiança” no Oxford English Dictionary é descrita como “crença ou crédito em alguma qualidade ou atributo de uma pessoa ou coisa, ou a verdade de uma afirmação”, e esta definição proporciona um ponto de partida útil. “Crença” e “crédito” estão claramente ligados de alguma forma à “fé”, da qual, seguindo Simmel, mas embora reconhecendo que a fé e confiança são intimamente aliadas, Niklas Luhmann faz uma distinção entre as duas que é a base de sua obra sobre o tema. A confiança, diz ele, deve ser compreendida especificamente em relação ao risco, um termo que passa a existir apenas no período moderno. A noção se originou com a compreensão de que resultados inesperados podem ser uma consequência de nossas próprias atividades ou decisões, ao invés de exprimirem significados ocultos de natureza ou intenções inefáveis da Deidade. Mas “risco”, substitui em grande parte o que antes era pensado como fortuna (fortuna ou destino) e torna-se separado das cosmologias. A confiança pressupõe, segundo Giddens, consciência das circunstâncias de risco, o que não ocorre com a crença. Tanto a confiança como a crença se referem a expectativas que podem ser frustradas ou desencorajadas. A crença, como Niklas Luhmann a emprega, se refere a atitude mais ou menos certa de que as coisas similares permanecerão estáveis.

                             

Ipso facto, com mais de 44 milhões de habitantes, ou estatisticamente 22% da população brasileira, São Paulo representa o estado mais populoso do Brasil, a terceira unidade política mais populosa da América Latina, sendo superado pela Colômbia e o restante da federação brasileira e a subdivisão nacional mais populosa do continente americano. A população paulista é uma das mais diversificadas do território nacional e descende de portugueses, colonizadores do Brasil e instalaram os primeiros assentamentos europeus na região. De povos ameríndios nativos, povos africanos, e principalmente de italianos, que começaram a emigrar para o país no fim do processo civilizatório do século XIX, e de migrantes de outras regiões do país. Grandes correntes imigratórias de árabes, alemães, espanhóis, japoneses e chineses, tiveram presença significativa na composição étnica da população glocal. A área que hoje corresponde ao território paulista já era habitada etnologicamente por povos indígenas desde aproximadamente 12000 a. C.
O fato, porém, é que uma representação coletiva dessa identificação tem de existir fora dos indivíduos, para que eles com ela se identifiquem e a assumam tão plausivelmente, que os mais os aceitem numa mesma qualidade coparticipada. Numa primeira instância, essa função é o reconhecimento de peculiaridades próprias que tanto diferencia e o opõe aos que não possuem como o assemelha e associa aos que portam igual peculiaridade. Quando se diz: nossos negros, a referência é a cor da pele; quando se fala de mestiços, aponta-se secundariamente para isso. Mas o relevante é que uns e outros são brasileiros, qualidade geral que transcende suas peculiaridades. O surgimento de uma etnia brasileira, inclusiva, que possa envolver e acolher a gente variada que aqui se juntou, passa tanto pela anulação das identificações étnicas de índios, africanos e europeus, como pela indiferenciação entre as várias formas de mestiçagem, como os mulatos (negros com brancos), caboclos (brancos com índios), ou curibocas (negros com índios). Só por esse caminho, todos eles chegam a ser uma gente só, que se reconhece como igual em alguma coisa tão substancial que anula suas diferenças e os opõe a toas as outras gentes. Dentro do novo agrupamento, cada membro, como pessoa, permanece inconfundível, mas passa a incluir sua pertença a certa identidade coletiva.    
           
          O Complexo Penitenciário do Carandiru, que se notabilizou recentemente por sua superlotação, má administração e pelos massacres violentos que ali ocorreram, foi - por ocasião de sua inauguração - considerado um presídio-modelo, tendo sido projetado para atender às novas exigências do Código Penal republicano de 1890, de acordo com as melhores recomendações do Direito Positivo. O projeto do presídio que venceu a licitação foi inspirado no Centre Pénitentiaire de Fresnes, na França, no modelo dito “espinha de peixe” que ainda existe - em funcionamento até hoje - nos arredores de Paris e recebeu o título de “LaboraviFidenter”. Foi elaborado pelo engenheiro-arquiteto Giordano Petry, tendo, no decorrer de sua execução, sofrido algumas adequações feitas por Ramos de Azevedo, razão pela qual esse último costuma ser citado, incorretamente, como sendo seu autor. O caso do chamado “Massacre do Carandiru” ficou conhecido internacionalmente “como o maior massacre do sistema penitenciário brasileiro”.
Por envolver um grande número de réus e de vítimas, o julgamento do Massacre do Carandiru foi desmembrado em quatro etapas, de acordo com o que ocorreu em cada um dos quatro andares do Pavilhão 9 da Casa de Detenção. A linguística estrutural introduz e ressalta a importância do eixo sincrônico para o estudo da língua, o que significa dizer que a significação das palavras depende do sistema da língua e que a dimensão diacrônica ou histórica não é suficiente para tal estudo. Contudo, é claro a coincidência de desmembramento de corpos no Massacre de Carandiru associado à dimensão histórico-estrutural como identificação da perspectiva autoritária na sociedade brasileira. Na primeira etapa, em abril, 23 policiais militares foram condenados pela morte de 13 detentos, ocorrida no segundo pavimento. Carandiru é um bairro da zona norte da cidade de São Paulo. Recebeu este nome, pois o córrego Carandiru banhava a histórica Fazenda de Sant`Ana “que originou a maioria dos bairros da zona nordeste paulistana”. Parte do bairro situa-se no distrito de Vila Guilherme e parte no distrito de Santana. O Carandiru é nacionalmente conhecido por ter abrigado a Casa de Detenção de São Paulo, conhecida popularmente como o “Carandiru”, atual Parque da Juventude. Em 2 de outubro de 1992 uma briga entre presos da Casa de Detenção de São Paulo - o Carandiru - deu início a um tumulto no Pavilhão 9, que culminou com a invasão da Polícia Militar e o fuzilamento de 111 detentos numa operação de “crime de guerra”.

Há exatos dez anos, entre os dias 12 e 20 de maio de 2006, pelo menos 564 pessoas foram mortas no estado de São Paulo, segundo levantamento da Universidade de Harvard, a maioria em situações que indicam a participação de policiais. A maior parte dos casos asseguram pesquisadores, fazia parte de uma ação de vingança dos agentes de segurança do Estado contra os chamados ataques da facção Primeiro Comando da Capital (PCC), que se concentraram nos dois primeiros dias do período. A chacina daquele ano ficou conhecida como Crimes de Maio, a maior do século 21 e talvez a maior da história do país - para efeito de comparação, em toda a última ditadura civil-militar, que durou 21 anos, 434 pessoas foram mortas pelo Estado. Uma década depois do massacre de 2006, apenas um agente público foi responsabilizado pelas mortes. Condenado, ele responde a recurso em liberdade e continua atuando como policial militar. O gritante número de assassinatos e o desinteresse da Justiça em punir os responsáveis deu origem ao movimento Mães de Maio, formado principalmente por familiares das vítimas do massacre. Mais do que justiça para os próprios filhos, construíram, uma démarche de atuação e luta por justiça, um movimento social dinâmico, com o “social irradiado”, de combate aos crimes letais do Estado ocorridos no âmbito democrático, transformando-se em referência para famílias preocupadas com a marcha fúnebre que vitima milhares de pessoas durante muitos anos no Brasil.
      Assim como no Brasil, nos Estados Unidos da América (EUA) a superlotação e a disputa de gangues, além da dificuldade de ressocialização, estão entre os principais problemas do sistema penitenciário. A população encarcerada é de cerca de 2,3 milhões nos Estados Unidos. País com o maior número de presos no mundo - são 753 para cada 100 mil habitantes. O Brasil é o quarto colocado na lista dos países com mais detentos. Assim como no Brasil, comparativamente nos EUA a superlotação e a disputa de gangues, além da dificuldade de ressocialização, estão entre os principais problemas do sistema penitenciário. - “Meu olhar é estrangeiro, mas nos dois episódios [no Amazonas e em Roraima] vimos como ponto comum a luta entre as gangues para controle interno e externo sobre o mercado de drogas”, disse o juiz federal norte-americano Peter Messitte, em entrevista à Agência Brasil. - “Aqui nos Estado Unidos, as gangues nas prisões se dividem também pela raça e etnia”. Segundo dados estatísticos do Federal Bureau of Prisions (“Agência Federal de Prisões”), a maioria dos detentos do país é formada por pessoas brancas (69%), 12% são negros e 12,5% são os chamados “hispânicos”.  Os Estados Unidos têm mais de 6 mil presídios, entre federais, estaduais e locais, além de centros de detenção militares para adolescentes e imigrantes, sendo que boa parte dos presídios estaduais é administrada por empresas privadas. Débora Maria da Silva, fundadora do grupo Mães de Maio, perdeu o filho nos ataques de maio de 2006 em São Paulo. Olívia Soulaba/Movimento Mães de Maio.

No dia 11 de maio de 2006 a Secretaria de Administração Penitenciária do estado de São Paulo havia decidido transferir 765 presos para a penitenciária 2 de Presidente Venceslau, unidade de segurança máxima no interior paulista. As transferências ocorreram após a técnica de escutas telefônicas no presídio terem revelado que facções planejavam rebeliões para o Dia das Mães. Entre os presos a serem transferidos estava Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). No dia 12 de maio de 2006, véspera do final de semana do Dia das Mães, presídios de São Paulo passaram a registrar dezenas de rebeliões. Em represália às medidas, o PCC articulou rebeliões em 74 penitenciárias do complexo prisional do estado. Na madrugada de sexta-feira, dia 12, agentes penitenciários, policiais, viaturas, delegacias de polícia, cadeias e prédios públicos passaram a ser alvo de ataques da organização criminosa em todo o estado. As facções criminosas que agem nos presídios como gangues ou cartéis, em verdade, nada mais fazem do que se aproveitar do abandono e esvaziamento do poder do Estado.
Em primeiro lugar, segundo a pesquisa qualitativa “São Paulo sob Achaque: Corrupção, Crime Organizado e Violência Institucional em maio de 2006”, elaborado pela Clínica de Direitos Humanos da Faculdade de Direito de Harvard e pela Justiça Global, a corrupção no sistema carcerário e nas investigações policiais e o descaso com a execução penal no estado de São Paulo também contribuíram para os ataques. De acordo com a análise social, a denúncia, baseada em gravações, de que um investigador de polícia aparece como principal participante do sequestro e extorsão, em 2005, do enteado do suposto líder do PCC, o Marcola, foi um estopim para os ataques. Para libertarem o enteado de Marcola, os sequestradores pediram valores em torno de R$ 300 mil. Horas antes do ataque, dia 12 de maio de 2006, Marcola esteve no Departamento de Investigações Sobre Crime Organizado (DEIC) e havia falado sobre o sequestro. As teorias sociais aproximam a categoria “banditismo social” como proposto por Eric Hobsbawm à ausência e/ou ineficiência da burocracia administrativa do Estado, onde se inferem políticas públicas, analisando as formações históricas onde conviveram os bandidos reais ou imaginários que estudou. No Brasil, a maior organização criminosa é o “Primeiro Comando da Capital” (PCC), que atua no estado de São Paulo. O Estado brasileiro é forte para derrubar governos legítimos, através do “golpe de Estado legal”, na expressão de Michael Löwy, eleitos democraticamente, através das técnicas de golpe de Estado, mas intencionalmente fraco, para investir em sistemas prisionais modernos, eficazes, articulados em torno do sistema em rede econômico e privatista.
Vale notar que o final do século XX também marca outra notável mudança em muitos países latino-americanos: a transição de ditaduras para a democracia, os casos mais conhecidos historicamente sendo os do Brasil, Argentina, Uruguai e Chile. No entanto, paradoxalmente, a mudança democratizante não teve qualquer impacto progressivo na aplicação da lei penal. A militarização do sistema penal contribuiu para assegurar que o despotismo latino-americano sobrevivesse à redemocratização. Na América Latina, “modernizadores” das prisões rotineiramente enfrentam resistências em todos os níveis políticos, desde a falta de recursos estatais ou de controle sobre práticas locais até uma tradição autoritária culturalmente enraizada, que não só permeia as relações entre elites e classes subalternas, mas se reproduz nessas últimas em uma aparentemente interminável cadeia de comportamentos abusivos e despóticos.
Em segundo lugar, num contexto histórico, político e social de globalização de mercados, de crescentes intercâmbios políticos e ativismo internacional, tornam-se ainda mais importante explorar os contextos políticos e culturais em que são formados os sistemas de justiça em diferentes países e regiões. Há pouca evidência de qualquer iniciativa internacional no campo da reforma prisional com impacto real e significativo na América Latina, contrastando com a agenda internacional de direitos humanos/terapia profissional, encontram particular ressonância na América Latina: a militarização da justiça criminal e, praticamente o oposto da dita reabilitação, a securitização do ambiente prisional. Nesses aspectos, a América Latina é e sempre foi líder mundial. No que se refere à militarização da justiça criminal, sua liderança se reforça no contexto imperialista norte-americano da “guerra às drogas”, declarada em 1971, nos Estados Unidos da América, pelo ex-presidente Richard Nixon, se espraiando por todo o continente latino-americano. Focalizando intensamente nos países produtores e distribuidores latino-americanos de cocaína e maconha, a “guerra às drogas” tem desenvolvido um expressivo impacto social negativo nos sistemas penais da região.
     Pavilhão 9 após massacre de presos
Central Intelligence Agency (CIA) é literalmente a temerosa agência de inteligência responsável por investigar e fornecer informações de segurança nacional. Seus senadores também se engajam em atividades políticas secretas, a pedido do presidente dos Estados Unidos, e suas responsabilidades alteraram-se significativamente em 2004. A lei preventiva da “Reforma da Inteligência e Terrorismo”, de 2004, criou o cargo de Diretor de Inteligência Nacional (DNI), que assumiu alguns do governo e IC-gama de funções. O DNI gerencia o IC e, portanto, do ciclo de inteligência. As funções que se mudaram para o DNI incluíram a preparação de estimativas de parecer consolidadas do IC 16 agências, e a preparação de briefings para o presidente do Estado norte-americano. O grande silêncio das coisas muda-se no seu contrário através da mídia. Ontem “constituído em segredo”, observa Michel de Certeau, “agora o real tagarela. Só se veem por todo o lado notícias, informações, estatísticas e sondagens”.
Jamais houve uma história que tivesse falado ou demonstrado tanto. Jamais, com efeito, os ministros dos deuses os fizeram falar de uma maneira tão contínua, tão pormenorizada e tão injuntiva como o fazem hoje os produtores de revelações e regras em nome da atualidade. Os relatos do-que-está-acontecendo constitui a nossa ortodoxia. Os debates de números são as nossas guerras teológicas. Os combatentes não carregam mais as armas de ideias ofensivas ou defensivas. Avançam camuflados em fatos, em dados e acontecimentos. Apresentam-se como os mensageiros de um “real”. Sua atitude assume a cor do terreno econômico e social. Quando avançam, o próprio terreno parece que também avança. Mas, de fato, eles o fabricam, simulam-no, usam-no como máscara, e atribuem a si o crédito dele, criam assim o que se diagnostica como a lei. Contudo, grande parte da chamada “população” carcerária latino-americana é formada por “presos provisórios”. Mas referenciar à população lembrava Marx, “é uma abstração se desprezarmos, por exemplo, as classes sociais de que se compõem as sociedades”.  
Por seu lado, essas classes são uma palavra oca se ignorarmos os elementos em que repousam: o trabalho assalariado, o capital, etc. Estes supõem a troca, a divisão do trabalho, os preços etc. Mas o capital, sem o trabalho assalariado, sem o valor, sem o dinheiro, sem o preço etc., não é nada. Assim, se começássemos pela população teríamos uma visão caótica do todo, e através de uma determinação mais precisa, através de uma análise, chegaríamos a conceitos cada vez mais simples. Do concreto figurado passaríamos a abstrações cada vez mais delicadas até atingirmos as determinações mais simples. É necessário caminhar em sentido contrário e finalmente de novo à população, desta vez, não mais a representação caótica de um todo. Mas uma rica totalidade de determinações abstratas e de relações numerosas. Este método de análise é concreto por ser a síntese de múltiplas determinações, unidade da diversidade, e de síntese, enquanto um resultado, e não um ponto de partida per se. Apesar de ser o verdadeiro ponto de partida da observação (empírica) imediatamente e da representação que conduzem à reprodução do concreto analiticamente pela via do pensamento.  
No Brasil, ao final de 2012, 41% dos 548.003 indivíduos em instituições penais eram presos provisórios. Também nesse ponto índices similares podem ser encontrados comparativamente em outros países latino-americanos: Peru (54%); Equador (64%); Honduras (62%); Colômbia (35%); El Salvador (29%). Na Argentina, Brasil e Guatemala, é anormal tantos presos esperarem vários anos até serem julgados. As altas taxas de prisões provisórias indicam que princípios inscritos nas declarações internacionais de direitos humanos e constituições democráticas, especialmente “a presunção de inocência”, não são respeitados. Conforme tais normas, qualquer indivíduo acusado de um crime há de ter o direito de ser visto e tratado como inocente durante o processo: efeitos da condenação só podem repercutir sobre a pessoa após ser esta condenada em uma decisão definitiva regularmente imposta (uma decisão imposta em conformidade com o devido processo legal e não mais sujeita a qualquer recurso). A presunção de inocência implica o fato de que quaisquer prisões provisórias sejam medidas excepcionais somente imponíveis nas raras ocasiões em que se demonstrem necessárias para assegurar o normal desenvolvimento do processo. No entanto, como indicam as altas taxas acima mencionadas, o encarceramento antes de uma condenação definitiva tornou-se a regra e não a exceção em muitas partes da América Latina.
Estes relatos etnográficos têm o duplo e estranho poder de mudar o ver num crer, e de fabricar real com aparências. Dupla inversão. De um lado, a modernidade, outrora nascida de uma vontade observadora que lutava contra a credulidade e se fundava num contrato entre a vista e o real, transforma agora essa relação e deixa ver precisamente o que se deve crer. A ficção define o campo, o estatuto e os objetos da visão. Assim funcionam os “mass media”, a publicidade ou a representação política. Hoje, a ficção pretende presentificar o real, falar em nome dos fatos e, portanto, fazer assumir como referencial a semelhança que produz. Essa reviravolta do terreno onde se desenvolvem as crenças resulta de uma mutação nos paradigmas do saber: a invisibilidade do real, postulado antigo, cedeu o lugar à sua visibilidade. A cena sociocultural da modernidade remete a um mito. Define o referente social por sua visibilidade, e, portanto, por sua representatividade científica ou política; articula-se em cima deste novo postulado (crer real e visível) a possibilidade de nossos saberes, de nossas observações empíricas, de nossas provas e nossas práticas sociais. Nesta nova cena, campo indefinidamente extensível das investigações óticas e de uma pulsão escópica, subsiste ainda a estranha coalizão entre o crer e a questão do real, do visto, do observado ou do mostrado. 
 As estratégias são ações que, graças ao postulado de um lugar de poder, elaboram lugares teóricos, capazes de articular um conjunto de lugares físicos onde as forças se distribuem. Elas combinam esses três tipos de lugar e visam dominá-los uns pelos outros. Privilegiam, portanto, as relações espaciais. Ao menos procuram elas reduzir a esses tipos as relações temporais pela atribuição analítica de um lugar próprio a cada elemento particular e pela organização combinatória dos movimentos específicos a unidades ou a conjuntos de unidades. Violência, democracia e direitos humanos são temas-chave dos pesquisadores do NEV, o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo - USP. Ativo desde 1987, o núcleo acaba de ser, mais uma vez, designado como Centro Colaborador da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), organismo de saúde pública vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS). Os centros integram uma rede colaborativa internacional para a realização de atividades técnicas e suporte aos programas da OMS. O NEV assume mais uma vez o compromisso, com foco na prevenção da violência, principalmente entre jovens. Enfim, o modelo para isso foi antes o militar que o científico. As táticas são procedimentos que valem pela pertinência que dão ao tempo – às circunstâncias que o instante preciso de uma intervenção transforma em situação favorável, à rapidez de movimentos que mudam a organização do espaço, ás relações entre momentos sucessivos de um golpe, como na política, aos cruzamentos possíveis de durações e ritmos heterogêneos. As estratégias apontam para a resistência que o estabelecimento de um lugar oferece ao gasto do tempo; as táticas apontam para uma hábil utilização do tempo, das ocasiões de um poder. Os métodos praticados pela arte da guerra cotidiana jamais se apresentam sob uma forma nítida, nem por isso - last but not least - menos certo que apostas feitas no lugar ou no tempo distinguem as maneiras estruturantes de sentir, pensar e agir. 
Bibliografia geral consultada. 
ROCHA, Luís Carlos da, A Prisão dos Pobres. Tese de Doutorado. Instituto de Psicologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1994; MISSE, Michel, Malandros, Marginais e Vagabundos & A Acumulação Social da Violência no Rio de Janeiro. Tese de Doutorado em Sociologia. Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro, 1999; WACQUANT, Loïc, “L’Ascension de l’État Pénal en Amérique”. In: Actes de la Recherche en Sciences sociales, vol. 124, pp. 7-26, 1998;  Idem, Les Prisons de la Misère. Paris: Éditions Raisons d’Agir, 1999; ARTIÈRES, Philippe, QUERO, Laurent et ZANCARINI-FOURNEL, Michelle, Le Groupe d`Information sur les Prisons – Archives de Lutes, 1970-1972. Paris: Éditions de L’IMEC, 2003; LIMA, Regina Campos, A Sociedade Prisional e suas Facções Criminosas. Londrina: Edições Humanidades, 2003; CANCELLI, Elizabeth, Carandiru: A Prisão, o Psiquiatra e o Preso. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2005; LEITE, Carla Sena, Ecos do Carandiru: Estudo Comparativo de Quatro Narrativas do Massacre. Dissertação de Mestrado em Letras. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005CASARIN, Doug, Carandiru 111. 2ª edição. São Paulo: Editora Senac, 2006; BRAGA, Ubiracy de Souza, “Rebeliões da Cidade”. In: Jornal O Povo. Fortaleza, 27 de maio de 2006; BORGES, Viviane Trindade, Carandiru: os usos da memória de um massacre. In: Tempo & Argumento. Revista de História do Tempo Presente. Florianópolis: vol. 08, nº 19, pp. 04-33, 2006; SOUZA, Melody Pablos, Da Pena à Película: As Personagens de Carandiru.  Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Departamento em Processo Comunicacionais. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2009; LÖWY, Michael, A Jaula de Aço: Max Weber e o Marxismo Weberiano. 1ª edição. São Paulo: Boitempo Editorial, 2014; FOUCAULT, Michel, Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão42ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2014; BORGES, Viviane Trindade, Carandiru: Os Usos da Memória de um Massacre. In: Revista Tempo e Argumento. Florianópolis, vol. 8, nº 19, pp. 04‐33, set./dez. 2016; DIAS, Camila Nunes, Pacificação em São Paulo, Caos no Brasil. Tendências e Debate. In: Folha de S. Paulo, 17 de janeiro de 2017; entre outros.

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