sexta-feira, 26 de maio de 2017

Ivan Illich - Educação, Currículo & Teia de Oportunidades Sociais.

                                                                                                    Ubiracy de Souza Braga
 
                    “O currículo sempre foi usado para consignar um posto social”. Ivan Illich 
             
  

            Grau de escolaridade é, por definição, o cumprimento de um determinado ciclo de estudos. Se um indivíduo completou todos os anos de um ciclo e for aprovado, diz-se que este obteve o grau de escolaridade do ciclo em questão. Desse modo, o aprovado no último nível do ensino fundamental, obtém a escolaridade do ensino fundamental. O estudante que obtém a licenciatura não obtém um novo grau ao estudar mais um ano para obter o bacharelado. Os graus de licenciado, bacharel e Tecnólogo são na verdade especificações dentro do ensino superior, assim como os residentes e especialistas não são mais ou menos graduados. A pós-graduação é vista pela Lei brasileira como a continuidade dos objetivos maiores da escolaridade assim chamada entre nós de ensino superior. Em relação a quem? Ela afunila os caminhos possíveis, e por vezes traz habilitações mistas entre diversas áreas sem que o estudante precise cursar uma nova graduação. Escolaridade é um termo utilizado para se referir ao tempo de permanência dos alunos no período escolar. É o período onde os alunos desenvolvem suas habilidades de aprendizado, além de desenvolver a capacidade de compreensão do ensino. A escolaridade também está relacionada com a progressão do ensino na escola.
 Ela é composta por sistemas formais e obrigatórios de educação. Estes níveis escolares também podem ser chamados de grau de escolaridade. Eles correspondem, comparativamente, ao grau de instrução que um indivíduo possui, mediante os níveis de escolaridade que foram iniciadas ou concluídas por ele. Filósofo e crítico social, Ivan Illich nasceu em 1926, em Viena. Estimulou a reflexão sociológica ao desenvolver um pensamento que, apesar de não ser meramente utópico, é fortemente crítico da direção tomada pelo desenvolvimento econômico. A sua formação católico-romana, que chegou a levá-lo ao sacerdócio, não é estranha ao romantismo conservador das suas obras, tendo já sido apontado como o expoente da tradição anarquista romântica. Com uma eclética formação com base na história, nas ciências da natureza, na filosofia e teologia, interessou-se particularmente pela lógica do desenvolvimento econômico moderno, prestando especial atenção ao chamado Terceiro Mundo. Sua família mudou-se para Roma, onde Illich completou os seus estudos: Física (Florença), Filosofia e Teologia (Roma) e doutoramento em História (Salzburgo). Por ser fluente em dez línguas, Illich tornou-se intérprete do Cardeal Spellman (Nova York) e teve como função preparar religiosos para a comunidade hispano-americana. Nos anos 1960 mudou-se para o México onde criou o Centro Intercultural de Formação (CIF) – uma espécie de universidade aberta como surgiu neste período em Portugal. Faleceu em Bremen, Alemanha, em dezembro de 2002.
 Entre 1936 e 1941 viveu a maior parte do tempo com seu avô materno em Viena. Estudou histologia e cristalografia na universidade de Florença. Entre 1942 e 1946 estudou teologia e filosofia na Pontifícia Universidade Gregoriana do Vaticano, e trabalhou como padre em Nova Iorque. Na década de 1950, convidado pelo arcebispo de Nova York, instalou-se nos Estados Unidos da América (EUA), com a missão de preparar sacerdotes para celebrar o ofício religioso nas comunidades hispano-americanas. Nos anos 1960, mudou-se para o México, onde criou o Centro Intercultural de Formação (CIF) com a finalidade em voga de formar missionários internacionais interessados em trabalhar na América Latina. Durante esse período, fez severas críticas à Igreja Católica, que apontava como a maior instituição burocrática não governamental do mundo, propagadora do “credo desenvolvimentista e modernizador de estilo ocidental”. Em 1956 foi nomeado vice-reitor da Universidade Católica de Porto Rico.  Ivan Illich e Paulo Freire participaram de grandes debates quando trabalharam no International Committee for Documentation - CIDOC, coordenado pelo professor Ivan Illich em Cuernavaca na cidade do México nos anos 1960.           
 

 
          Cuernavaca é o município da capital do estado mexicano de Morelos. É reconhecida como “a cidade da eterna primavera” - assim denominada pelo barão Alexander Von Humboldt devido ao seu clima agradável durante boa parte do ano. A cidade foi fundada pelos tlahuicas, uma das sete tribos nahuatlacas, embora por todo estado de Morelos haja vestígios de estabelecimentos prévios de grupos olmecoides e toltecas. Os tlahuicas (compreendidos etnograficamente “como os que amassam a terra”) se dedicavam ao cultivo do algodão o qual atraiu o interesse dos mexicas. Cuauhnáhuac foi cidade tributária deles até a chegada do exército imperialista de Hernan Cortés. Durante a colonização, a agricultura seguiu sendo predominante ao concentrar-se na cidade a produção da cana de açúcar introduzida na região pelos espanhóis. Devido ao apreciado clima de Cuernavaca muitas personalidades, como escritores, artistas e milionários estrangeiros, estabeleceram sua residência nesta cidade. Entre outros, se encontram Malcolm Lowry, Barbara Hutton, Ivan Illich e John Spencer. Lowry ambienta em uma cidade chamada Quauhnahuac que bem poderia ser Cuernavaca no seu romance Debaixo do vulcão. Neste lugar Geoffrey Firmin, ex-cônsules britânico, tenta alcançar uma lucidez que ele não acha na sobriedade do lugar. 1938. É o dia da Festa dos Mortos no México, e Geoffrey Firmin - ex-cônsul britânico, alcoólatra e um homem arruinado - está vivendo o último dia da sua existência.
             Afundado em bebida enquanto sua ex-mulher e seu meio-irmão tentam ajudá-lo, o diplomata se vê transformado em uma figura trágica e sofrida. A sua história - imagem da agonizante jornada de um homem em direção ao calvário - tornou-se um livro profético publicado em 1947. O projeto e as ideias difundidas pelo CIDOC foram fortemente censurados pela Igreja Católica, fato político que levou Illich a abandonar o sacerdócio no fim dos anos 1960. Depois de 10 anos, as posturas do CIDOC entraram em conflito com o Estado Vaticano. Em 1976 o centro foi fechado com o consentimento daqueles que faziam parte.  Devido à sua ascendência judaica, teve de abandonar a Áustria aos cinco anos de idade. Devido ao antissemitismo, fenômeno de longa data, cujas “manifestações de vida”, no sentido simmeliano, e motivos aos quais têm variado consoante a época e o local, os judeus mantiveram-se unidos durante séculos por uma crença e uma tradição comuns. Na Europa, muitos judeus falam iídiche (“Jiddisch”), língua baseada no Alemão, no Hebraico e nas línguas eslavas. A partir dos anos 1980, viajou pelo mundo ocidental, repartindo seu tempo social entre os Estados Unidos da América, México e Alemanha. Em 1982, lançou Gender,  logo traduzido para o espanhol, um livro polêmico em que descreve como inatingíveis algumas metas inquestionáveis da sociedade coetânea, como a questão tópica relativa à igualdade entre os sexos.
            Foi nomeado professor Visitante de Filosofia e Ciência, Tecnologia e Sociedade na Universidade Estadual da Pensilvânia, e também professor Visitante da Universidade de Bremen. Seus últimos anos foram marcados pela luta contra um câncer na face que o levou à morte em 2002. Seguindo sua crítica esotérica à medicina tradicional utilizou tratamentos alternativos para enfrentar o câncer, que batizou de “Minha mortalidade”. Seu livro mais famoso, fora de dúvida é “Sociedade sem escolas” (1971), uma crítica política à institucionalização da educação nas sociedades contemporâneas. Através de exemplos sobre a natureza ineficaz da educação institucionalizada, se mostrava favorável à autoaprendizagem, apoiada em relações sociais intencionais, e numa intencionalidade fluida e informal. A globalização econômica da educação, antevista por Marx, é um processo que na concepção de Illich ocorre em ondas (embora na economia se descreva como ciclos)com avanços e retrocessos separados por intervalos maculados que podem durar séculos. 
                   Pode-se considerar a abordagem de Ivan Illich semelhante à Marx e Ludwig Feuerbach, ao considerar que a Escola aliena, pois forma nos alunos uma consciência distorcida da realidade social e histórica. “A propriedade privada”, diz Marx, aliena não somente a individualidade dos homens, mas também as das coisas no processo social entre si e no processo social da produção. A educação universal por meio da escolaridade não é possível. Nem seria mais exequível se se tentasse mediante instituições alternativas criadas segundo o estilo das escolas atuais. Nem novas atitudes dos professores para com os seus alunos, nem a proliferação de novas ferramentas e métodos físicos ou mentais nas salas de aula ou nos dormitórios, nem mesmo a intenção de aumentar a responsabilidade dos pedagogos até ao ponto de incluir a vida completa dos seus alunos, teria como resultado a educação universal. A busca de novos canais educativos deverá ser transformada na procura do seu oposto institucional: redes ou células educativas que aumentem a oportunidade de cada um transformar cada momento da sua vida num outro de aprendizagem, de partilha e de interesse. Acreditava contribuir trazendo os conceitos a quem realiza tais investigações sobre as grandes linhas de pensamento no âmbito da educação - e também para quem procura alternativas para outros tipos estabelecidos de serviços.
       Suas ideias sugerem que a institucionalização da educação é uma tendência frontal de institucionalização da sociedade, e as ideias possíveis de desinstituicionalização da educação poderiam tornar-se um ponto de partida para a desinstitucionalização no âmbito da sociedade globalizada. Como pensador holístico, de inteligência formidável e erudição católica ampla, Ivan Illich sempre propôs as suas análises comparativas nos termos mais amplos possíveis. Sem temor a erro, seu livro é mais do que apenas uma crítica analítica, pois contém propostas para reinventar toda a aprendizagem em várias instâncias de interpretação da sociedade e na esfera individual. Possui destaque a sua proposta, realizada em 1971, de criar as “redes de aprendizagem” (“telarañas de aprendizaje”) apoiadas em tecnologias de base eletrônicas. Muitas das características das “redes de aprendizagem” recordam o uso massificado da internet em geral, e em particular, o trabalho e ideias da própria descrição mecanizada na Wikipédia. Sua obra multifacetada compreende temas depreendidos a partir das relações sociais entre o indivíduo e a sociedade com a ciência e a técnica.  Ipso facto, não devemos perder de vista que todo ponto é a vista a partir de um ponto no qual se encontra aquele leitor, lembrava Frei Betto sobre a literatura como subversão.
   Mas Ivan Illich é claro quando afirma: usarei o termo teia de oportunidades em vez de rede para designar modalidades específicas de acesso a cada um dos quatro conjuntos de recursos. A palavra rede é muitas vezes usada erroneamente para designar os canais reservados ao material selecionado por outros, para doutrinação, instrução e diversão. Mas também pode ser usada para os serviços telefônicos e postais que são principalmente utilizados pelos indivíduos que desejam enviar mensagens uns aos outros. Oxalá tivesse outra palavra com menos conotações de armadilha, menos batida pelo uso corrente e menos ideologizada, sendo, portanto, mais sugestiva pelo fato social de incluir aspectos legais, organizacionais e, sobretudo técnicos. Não encontrando tal palavra, o autor pretende redimir a que está disponível, usando-a como sinônimo de teia educacional. O que precisamos é de novas redes sociais, imediatamente disponíveis ao grande público em geral e elaboradas de forma a darem igual oportunidade para a aprendizagem escolar e o ensino.
   Seus escritos explosivos foram atacados tanto pela esquerda quanto pela direita. Sua obra mais famosa no âmbito do “social irradiado”, guardadas as proporções de tempo/espaço é fora de dúvida o livro: “Sociedade Sem Escolas”, onde do ponto de vista da esfera de ação política defende a perspectiva de desescolarização da educação. Assim, por extensão, temos o “autodidatismo” e a “concepção de redes de aprendizado”. Criticava abertamente os malefícios da institucionalização, monopólios, commoditização e profissionalização de áreas chaves da sobrevivência humana. Desdobrou também a ideia da “contra produtividade” - de forma perspicaz na qual uma instituição estimula o “dirigismo” tornando-se o oposto do seu propósito institucional. Segundo Illich, um dos grandes mitos de nossa época está na crescente forma caracterizada como institucionalização: todos os nossos passos se acham enquadrados e submetidos a instituições criadas para “proteger” e “orientar”, mas que na verdade cerceiam as ações humanas. Saúde, nutrição, educação, transporte, bem-estar, equilíbrio psicológico, meios de comunicação social foram colocados nas mãos dos especialistas, retirando dos indivíduos a capacidade de decidir e poder tomar decisões por si mesma.  
          Para entendermos a dimensão e atualidade do pensamento de Ivan Illich basta rememorarmos a tragédia expressa na interpretação de Brad Pitt no filme: “The Curious Case of Benjamin Button” (2008), baseado no conto homônimo lançado em 1921 pelo escritor F. Scott Fitzgerald tendo em vista que ele se inspirou na frase de Mark Twain: - “A vida seria infinitamente mais feliz se pudéssemos nascer aos 80 anos e gradualmente chegar aos 18?” Trata-se da história de um homem, Benjamin, que em 1918 nasce com a aparência envelhecida e por isso, pensando que ele é um monstro, seu pai o abandona. Benjamin é criado num lar assistencial de idosos e, enquanto pequeno, todos pensavam que ele iria acabar por morrer rapidamente. Durante a sua infância conhece Daisy, o grande amor de sua vida. Apesar de não acreditarem na sua sobrevivência, ele vai ficando mais novo ao longo dos anos, vendo os outros ao seu redor envelhecerem. No decorrer do filme, somos levados a conhecer sua trajetória que é totalmente contrária a natureza comum da vida, onde nascemos, nos tornamos crianças, adolescentes, jovens e, por fim, envelhecemos e vamos ficando cansados.  O que caminha da melhor maneira possível, quando criança o misterioso caso do garoto, é um caso curioso para quem está ao seu redor. Ele conhece Daisy, vivida no filme pela atriz Cate Blanchett, os dois ainda crianças brincam e vivenciam grandes momentos juntos. Porém, a vida de Daisy segue o ciclo natural, ela começa a envelhecer e Benjamin Button a ficar cada vez mais jovem. Um desencontro de tempos, como duas pessoas que se amam, mas que não podem se relacionar. Um precisa esperar o tempo do outro para que possam se envolver.
O sistema de currículos Lattes surgiu da necessidade global de controle político do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para gerenciar uma base de dados sobre pesquisadores em C&T para credenciamento de orientadores no país. Leva o nome do físico paranaense César Lattes. De 1993 a 1999, utilizaram-se formulários “em papel”, um sistema em ambiente DOS (BCURR) e um sistema de currículos específico para credenciamento de orientadores. Nesse período, a Agência acumulou aproximadamente 35 mil registros curriculares da atividade de pesquisa em C&T no país. Embora esses instrumentos tenham viabilizado a operação de fomento da Agência, a natureza das informações dificultava uma plena utilização dessa base de dados em outros processos de gestão em C&T. Por exemplo, não era possível separar coautores ou mesmo contabilizar índices puros de coautoria nos currículos vitae. O sistema de C&T, no Brasil, é gerido pelo Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT). Com um orçamento anual da ordem de R$ 2 bilhões, durante o governo Dilma Rousseff, com mandato presidencial de 1° de janeiro de 2011, interrompido com o golpe de Estado de meados de abril até 31 de agosto de 2016, chamado por ela de “interrupção ilegal e usurpadora” do seu mandato e disse que vai lutar com “todos os instrumentos”, o MCT possuía em sua estrutura 20 Instituições de grande porte no desenvolvimento de pesquisas. No que diz respeito à gerência de recursos e formulação de políticas de C&T, o MCT é auxiliado pelo velho CNPq e pela elitista FINEP.
    O progresso estaria provocando o consumo desordenado, resultado da criação ilimitada de novas necessidades: hoje em dia ter sede é precisar de Coca-Cola... O automóvel esperança de “economia de tempo” gerou os engarrafamentos das grandes cidades e a poluição do ar. Ao constatar que o vertiginoso desenvolvimento tecnológico levou o homem à alienação, Illich considera importante desmistificar o ideal de progresso e de consumo insaciável. Daí a tese radical e negação da reprodução escolar. Por que não desescolarizar a sociedade? Não é possível uma educação universal através da escola. - “Seria mais factível se fosse tentada por outras instituições, seguindo o estilo das escolas atuais. Nem as novas atitudes dos professores em relação aos alunos, nem a proliferação de práticas educacionais rígidas ou permissivas (na escola ou no quarto de dormir), nem a tentativa de prolongar a responsabilidade do pedagogo até absorver a própria existência de seus alunos vai conseguir a educação universal. A procura de novas saídas educacionais deve virar procura de inverso institucional: a teia educacional que aumenta a oportunidade de cada um de transformar todo instante sua vida num aprendizado, de participação, de cuidado. Esperamos contribuir com conceitos válidos aos que se ocupam dessa pesquisa no campo educacional - e também aos que procuram alternativas para outras indústrias de serviço estabelecidas” (cf. Illich, 2010: 14).
    Portanto, a solução da crise não estaria em promover reformas de métodos ou currículos, nem simplesmente em denunciar que a escola é instrumento de inculcação dos valores da classe dominante. Mas em questionar o fato aceito universalmente de que a escola é o único e melhor meio de educação. Melhor seria, se ela fosse destruída! Em um mundo marcado pelo controle das Instituições, “a Escola escraviza mais que a família, devido à estrutura sistemática e organizada, à hierarquia, aos rituais das provas e ao mito do diploma”. Encarceradas nas Escolas pela exigência da frequência obrigatória, as crianças ficam à mercê do poder arbitrário dos professores. Aí elas se curvam à obediência cega, desenvolvem uma atitude servil e o respeito pelo relógio. É a aprendizagem perversa da hierarquia. Portanto, lembra o filósofo Ivan Illich que a noção de  “desenvolvimento econômico” não permitia “domínio das necessidades”, nem“libertação da escassez”, mas de alguma forma uma dependência de especialistas para satisfazer suas necessidades básicas. Paradoxalmente, a convicção de que a escolarização universal é absolutamente necessária, mantêm-se mais firmemente nos países em que menos pessoas foram e serão servidas por escolas. Na América Latina a maioria dos pais e crianças ainda podem tomar diferentes rumos em relação à educação. As somas de dinheiro governamentais investidas nas escolas e professores podem ser proporcionalmente mais elevadas do que nos países ricos, mas esses investimentos são totalmente insuficientes para atender a maioria, nem mesmo para possibilitar quatro anos de frequência escolar. Fidel Castro falava como se intencionasse caminhar para a desescolarização quando promete que, por volta de 1980, Cuba estaria em condições de acabar com sua Universidade, uma vez que toda a vida em Cuba seria uma experiência educacional. Ao nível da escola primária e secundária, porém, Cuba - como qualquer outro país latino-americano – age como se a passagem por um período definido como “idade escolar” fosse um objetivo inquestionável para todos, retardado apenas por uma carência temporária de recursos econômicos etc.
A dupla decepção da intensa escolaridade, como se verifica nos Estados Unidos - e como é prometida na América Latina - complementa-se uma à outra. Os norte-americanos pobres estão sendo desmantelados pelos doze anos de escolaridade cuja falta estigmatiza os latino-americanos pobres como irremediavelmente atrasados. Nem na América do Norte nem na América Latina obtêm os pobres a igualdade através da escolarização obrigatória. Mas em ambas as regiões a simples existência de escolas desencoraja e incapacita os pobres de assumirem o controle da própria aprendizagem. Em todo o mundo a escola tem um efeito antieducacional sobre a sociedade: reconhece-se a escola como a instituição especializada em educação. Os fracassos da escola são tidos, pela maioria, como prova de que a educação é tarefa muito dispendiosa, muito complexa, sempre misteriosa e muitas vezes quase impossível. A igualdade de oportunidades na educação é meta desejável e realizável, mas confundi-la com obrigatoriedade escolar é confundir salvação com igreja. A escola tornou-se a religião universal do proletariado modernizado, e faz promessas férteis de salvação aos pobres da era tecnológica. O Estado-Nação adotou-a, moldando todos os cidadãos num currículo hierarquizado, à base de diplomas sucessivos, algo parecido com os ritos de iniciação e promoções hieráticas de outrora. O Estado assumiu a obrigação de impor os ditames de seus educadores por meio de inspetores bem intencionados e de exigências empregatícias; mais ou menos como o fizeram os reis espanhóis que impunham os ditames de seus teólogos pelos conquistadores e pela Inquisição (cf. Illich, 2010: 25).
E pior, com a agravante de muitos destes serviços na medida em que se especializam podem se tornar frequentemente monopólios. Com a destruição das antigas tradições e dos “vernacular skills” das sociedades pré-industriais, não é deixada alternativa às populações senão a de recorrerem a estes serviços desumanizados e instigadores do consumo passivo. Em alternativa, Illich propôs uma série de soluções para tornar mais democráticas e participativas as estruturas das sociedades. Instrução representa a escolha de circunstâncias que facilitam a organização da aprendizagem. A atribuição de funções sociais exige uma série de condições que o candidato deve preencher se quiser atingir o posto. A escola fornece instrução, mas não aprendizagem para essas funções. Isto não é nem razoável, nem libertador. Não é razoável porque não vincula as qualidades relevantes ou competências com as funções, mas apenas o processo pelo qual se supõe sejam tais qualidades adquiridas. Não é libertador ou educacional porque a escola reserva a instrução para aqueles cujos passos na aprendizagem se ajustam a medidas previamente aprovadas de controle social.
Enfim, a desescolarização da sociedade implica um reconhecimento da dupla natureza da aprendizagem. Insistir apenas na instrução prática seria um desastre; igual ênfase deve ser posta em outras espécies de aprendizagem. Se as escolas são o lugar errado para se aprender uma habilidade, são o lugar mais errado ainda para se obter educação. A escola realiza mal ambas as tarefas; em parte porque não sabe distinguir as duas. A escola é ineficiente no ensino de habilidades, principalmente, porque é curricular. Na maioria das escolas, um programa que vise a fomentar uma habilidade técnica está sempre vinculado a outra tarefa que é socialmente irrelevante. A história social está ligada ao progresso na matemática; e a assistência às aulas, ao direito de usar o campo de jogos. A escola é ainda menos eficiente na concatenação das circunstâncias que incentivam o uso franco e explorador das habilidades adquiridas, para o qual Illich reserva o termo “educação liberal”. A principal razão disso é que a escola obrigatória e a escolarização tornam-se um fim em si mesmo: uma estada forçada na companhia de professores, que paga o duvidoso privilégio de poder continuar nessa companhia. Assim como o ensino de habilidades deve ser liberto de cerceamentos curriculares, assim deve a educação liberal estar dissociada da frequência obrigatória.
Tanto a aprendizagem de habilidades quanto a educação do senso inventivo e criativo podem ser favorecidos por disposições institucionais, mas são de natureza diversa e muitas vezes oposta. Desnecessário dizer que artes liberais detêm um lugar central na história social do ensino superior. Desde suas origens greco-romanas e sua incorporação na estrutura curricular das universidades medievais até o programa acadêmico do Harvard College, no século XVII, foram uma peça fundamental de equilíbrio no ensino superior ocidental. Entretanto, no final do século XIX, a educação liberal, baseada no estudo das artes liberais, entrou aparentemente em franca decadência. As forças sociais para essa erosão também tiveram origem no Ocidente. Um novo modelo de universidade, que emergiu na Alemanha, desafiou a solidez da educação liberal ao enfatizar a pesquisa e a pós-graduação no lugar do ensino de graduação. O núcleo curricular – que em certo momento trazia uma junção estreita e compatível de cursos de línguas clássicas, literatura, história, religião, matemática e ciência básica – veria muito mais ingressantes até meados do século XX, todos reivindicando espaço em decorrência de uma crescente especialização das disciplinas acadêmicas .
Os Estados Unidos da América são vistos como um bastião da educação liberal, mas suas faculdades e universidades tiveram de reagir à crescente demanda de estudantes e de suas famílias por uma educação mais utilitária. As disciplinas das artes liberais competem com o desejo de currículos cada vez mais práticos que dão base a cursos como o de administração de empresas. Na Europa, a especialização precoce triunfou sobre a educação liberal. Muito embora existam instituições tradicionais de artes liberais, como a American University of Paris, somente nos últimos anos tem-se vislumbrado uma renovação dentro da região que deu origem às artes liberais. Neste novo cenário, a Holanda desponta como um exemplo proeminente, onde oito instituições de artes liberais foram estabelecidas dentro do sistema universitário. A Polônia hoje abriga um movimento ativo e bem-sucedido em prol da educação liberal que está ligado a suas universidades públicas e vem crescendo em prestígio. Na Alemanha posteriormente unificada, também existem instituições de artes liberais relativamente novas em Berlim e Bratislava. O European Colleges of Liberal Arts and Sciences representa um consórcio fundado em resposta a esse desenvolvimento.
          No entanto, por uma questão de perspectiva, faz-se importante notar que essas instituições de artes liberais apenas captam uma pequena parcela dos estudantes da União Europeia. Illich observa historicamente que o direito de a universidade fixar metas de consumo é algo novo. Em muitos países, a universidade obteve este poder apenas na década de 1960, quando se difundiu a ilusão de que todos tinham igual acesso à educação. Antes disso, a universidade protegia a liberdade individual de falar, mas não convertia, automaticamente, seu conhecimento em riqueza. Ser um escolar na Idade Média significava ser pobre, até mesmo um esmoler. Devido à sua vocação, o escolar medieval aprendia latim, tornando-se um marginal, objeto de escárnio ou de estima de camponeses e príncipes, dos citadinos e do clero. Para ter sucesso no mundo, o escolástico tinha que, primeiro, entrar nele, ingressando no serviço público – de preferência no da Igreja. A antiga Universidade era uma zona franca para descobrir e discutir ideias novas e velhas. Mestres e alunos se reuniam para ler textos de outros mestres já falecidos que traziam novas perspectivas aos sofismas de seu tempo. A universidade era, pois, uma comunidade de pesquisa acadêmica e inquietude endêmica.
Estes e outros exemplos corroboram a conclusão de que a educação liberal está presenciando uma migração global. Para a maior parte do mundo não ocidental, incluindo os países que trazem um transplante de uma época passada, a educação liberal é, geralmente, um conceito alienígena. Por exemplo, apesar do seu próprio sucesso, a American University of Cairo teve pouca influência em trazer a educação liberal para o gigantesco sistema público de educação superior egípcio. Não obstante a força das graduações norte-americanas, em boa parte dos países ditos em desenvolvimento, as pós-graduações e o compromisso com a pesquisa têm exercido maior atração de educadores estrangeiros. Sem qualquer razão para compreender a natureza de um bacharelado, existe pouco incentivo em perceber o papel da educação liberal e o seu componente geral de formação curricular. Além disso, as agências doadoras, como o Banco Mundial, marginalizaram ainda mais a educação liberal ao enfatizar mão de obra e estudos de mercado como elementos essenciais para o planejamento da educação superior nos países em desenvolvimento. Estes em dificuldades com as reformas no ensino superior tendem a direcionar o foco principal aos problemas de ordem não curricular, como acessibilidade e finanças, e no caso brasileiro a questão dos órgãos públicos financiadores da pesquisa acadêmica e a questão tópica da  variação do valor das bolsas de pesquisas nem sempre atualizadas com o câmbio  internacional.  
   A grande questão é se a educação liberal pode desenvolver-se de maneira independente. E, ainda assim, estar disponível para o maior número possível de estudantes nos países em desenvolvimento? Mesmo sem uma resposta definitiva, alguns avanços notáveis estão em andamento. A China exibe um foco significativo no componente de formação geral nos cursos de graduação. A Polônia vive um cenário misto que inclui o já mencionado e vigoroso movimento da educação liberal ao lado das sobras curriculares da era de influência soviética. A Índia e a Turquia, muito embora não se constituam como grandes repositórios da educação liberal têm instituições que pretendem combinar os fundamentos gerais da educação liberal com uma educação profissional. Um novo desenvolvimento na África do Sul guarda uma promessa. O ministro da educação e formação lançou uma iniciativa para fortalecer as ciências humanas. O objetivo é fortalecer a educação e a pesquisa nas artes liberais para apoiar a transformação social do país após seu passado recente de apartheid. 
Bibliografia geral consultada.
 
ILLICH, Ivan, “L’école, cette vache sacrée”. In: Les Temps Modernes. Paris. Volume 25, n° 280, pp. 673-683; 1969; Idem, After Deschooling What? New York: Harper & Row Editors, 1973; Idem, “Comment Éduquer sans École?” In: Esprit. Paris. Volume 39, n° 404, pp. 1123-1152, juin. 1971; Idem, La Convivialité. Paris: Éditions Du Seuil, 1973; Idem, En América Latina, ¿para qué sirve la escuela? Buenos Aires: Ediciones Búsqueda, 1973; Idem, Dialogo: Análisis Crítico de la Desescolarización y Concientización en la Coyuntura Actual del Sistema Educativo. Buenos Aires: Ediciones Busqueda, 1975; Idem, Sociedade sem Escolas. 7ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1985;  MESQUIDA, Peri, “O Diálogo de Illich e Freire em Torno da Educação para uma Nova Sociedade”. In: Contrapontos, vol. 7, Itajaí, set./dez., 2007; pp. 549-563; DI PIETRO, Leila Oliveira, Desescolarização ou Escolarização da Sociedade? Desafios e Perspectivas à Educação. Dissertação de Mestrado em Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Ciências da Educação, 2008; RIBEIRO, Álvaro Manoel Chaves, O Ensino Doméstico e a Organização Escolar: Um contributo Sociológico-Organizacional sobre a Realidade Portuguesa. Portugal: Universidade doMinho, 2011; KALLER-DIETRICH, Martina, Vita di Ivan Illich: Il Pensatore del Novecentos piu Necessário e Attuale. Tradução de Maria Giovana Zim. Itália: Edizioni dell`Asina, 2011; SOUZA, Milena Pimenta de, Educação Escolarizada: O que Pensam os Adolescentes? Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Faculdade de Educação. Brasília: Universidade de Brasília, 2015; GOMES, Angela de Castro; HANSEN, Patrícia Santos, Intelectuais Mediadores. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2016; LEÃO NETO, Edson Pereira de Souza, Ivan Illich: Uma Aproximação com sua Trajetória-Obra (1926-1967). Dissertação de Mestrado. Centro de Energia Nuclear na Agricultura. Piracicaba: Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, 2017; LIMA, Ismael de, Teias de Aprendizagem: Uma Proposta de Ensino com Recursos Educacionais Abertos Baseada na Perspectiva de Ivan Illich. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2017; entre outros.

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