quinta-feira, 22 de março de 2018

A Parrésia da Condenação em 2ª Instância Penal.

                                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

Não há angústia, nem fantasia por trás da felicidade, é esta que não toleramos mais”. Michel Foucault


                                       
Na retórica, parrésia é descrita como franqueza, confiança ou ousadia para falar em público. A palavra grega (“παρρησία”) é frequentemente usada para descrever certos diálogos no âmbito da mitologia cristã, atribuídos a Jesus Cristo no Novo Testamento. Assumindo o preceito foucaultiano de que a atividade intelectual na contemporaneidade passa pela problematização das verdades como desdobramento e problematização das políticas de identidade, o que afirmamos é a necessidade imediata de pensarmos com Foucault na parresía como uma linha de fuga contra os processos de assujeitamento presentes na sociedade. Nos Estados Unidos da América (EUA), mais de 90% dos indivíduos processados criminalmente vão presos já na primeira instância, mas não porque foram condenadas, e sim porque aceitaram acordo para se declararem culpadas. Os EUA têm 490 mil presos provisórios, o que o coloca como quarto país do mundo que mais mantém pessoas detidas sem condenação em proporção a sua população, segundo estudo do “Open Society Foundations”. O Brasil aparece em 11º no ranking, com cerca de 220 mil presos provisórios, 40% do total de detidos no país.
O professor da London School of Economics, no Reino Unido, Auke Willems afirma que o sistema britânico também costuma resolver legalmente a maioria dos casos criminais com acordos, “um modelo altamente eficiente para lidar com sistemas legais sobrecarregados de processos”. Nos sistemas penais da Europa continental, é comum que o condenado possa recorrer em liberdade e a pena só poderá ser cumprida depois de esgotados os recursos. No caso holandês, país de origem de Willems há três instâncias, sendo que a última, a Suprema Corte, que “só julga aplicação de lei e não é acionada com frequência”. O indivíduo só pode ser preso depois de esgotada a possibilidade de recursos. Na França, os recursos para a Suprema Corte, em geral, não têm efeito suspensivo sobre a pena, o que significa que condenações em segunda instância já levam à prisão. Em Portugal, “a Constituição consagra o princípio da presunção de inocência até o trânsito em julgado da decisão: a execução da pena só se inicia depois de a condenação se ter tornado definitiva”, explicou Maria João Antunes, ex-ministra do Tribunal Constitucional português e professora de Direito da Universidade de Coimbra.     
          

Na Alemanha, comparativamente, a Constituição prevê que só se pode cumprir pena, depois de esgotadas as possibilidades de recurso, observa Luís Henrique Machado, criminalista com mestrado na Universidade Humboldt de Berlim. Lá o número de instâncias varia em cada um dos Estados. É comum que o processo transite em julgado após julgamento em apenas dois graus. Isso porque crimes considerados graves, já começam a ser julgados na 2ª instância, cabendo apenas recurso para a corte superior. Machado considera positivo o Brasil ter quatro níveis de julgamento. Contra a morosidade da Justiça, defende mais investimento em número de magistrados, tecnologia e uma reforma que reduza a possibilidade de recursos, mas não o número de instâncias. Mesmo alguns juristas que entendem que pode ser positivo o Brasil convergir para a realidade de outros países ressaltam que isso exigiria alterar a Constituição. Tanto é assim, argumentam que o ex-ministro Cezar Peluso, em 2011, quando era presidente do Supremo Tribunal Federal, propôs ao Congresso uma emenda constitucional que abriria espaço para prisão após condenação em segunda instância.
Se tomarmos como analogia a reflexão realizada por Michel Foucault para identificar as condições e possibilidades nas “formações discursivas” entre arqueologia e história das idéias, pode-se agora inverter o procedimento; pode-se descer no sentido da corrente e, uma vez percorrido o domínio das formações discursivas e dos enunciados, uma vez esboçada sua teoria geral, correr para os domínios possíveis de sua aplicação. Recorrer sobre a utilidade dessa análise que ele batizou de “arqueologia” recoloca o problema da escansão do discurso segundo grandes unidades que não eram as das obras, dos autores, dos livros ou dos temas. Metodologicamente importante para o que nos interessa, na medida em que o Autor, com o único fim de estabelecê-las trabalhou com algumas séries de noções (formações discursivas, positividade, arquivo), definindo um domínio (os enunciados, o campo enunciativo, as práticas discursivas), tentando fazer surgir a especificidade de um método que não seria nem formalizador, nem interpretativo, “pois já existem muitos métodos capazes de descrever e analisar a linguagem, para que não seja presunção querer acrescentar-lhes outro”. Além disso, já havia mantido “sob suspeita”, unidades de discurso como o livro ou a obra porque desconfiava que não fosse tão imediatas e evidentes quanto pareciam.
Mas um historiador das idéias que quis renovar inteiramente sua disciplina; que desejou, sem dúvida, dar-lhe o rigor que tantas outras descrições, bastante próximas, adquiriram recentemente; mas que incapaz de modificar realmente a velha forma de análise, incapaz de fazer com que transpusesse o limiar da cientificidade, “declara, para iludir, que sempre quis e fez outra coisa”. Toda essa nova nebulosa serviu “para esconder o fato de que permanecemos na mesma paisagem, ligados a um velho solo gasto até a miséria. Eu não teria o direito – afirma - de estar tranquilo enquanto não me separasse da “história das idéias”, enquanto não mostrasse em que a análise arqueológica se diferencia de suas descrições”. Entre “análise arqueológica” e “história das idéias”, os pontos de separação para Foucault são numerosos, mas simplificadamente apresentam quatro distinções: 1ª) A arqueologia busca definir não os pensamentos, as representações, as imagens, os temas, as obsessões que se ocultam ou se manifestam nos discursos; mas os próprios discursos, enquanto práticas que obedecem a regras. Ela não trata o discurso como documento, mas onde se mantém a parte, a profundidade do essencial; ela se dirige ao discurso em seu volume próprio, na qualidade de monumento. Não busca um “outro discurso” mais oculto. Recusa-se a ser “alegórica”; 2ª) A arqueologia não procura encontrar a transição contínua e insensível que liga, em declive suave, os discursos ao que os precede, envolve ou segue.



O problema dela é, pelo contrário, definir os discursos em sua especificidade; mostrando em que sentido o jogo das regras que utilizam é irredutível a qualquer outro; segui-los ao longo de suas arestas exteriores para melhor salientá-los. Ela não vai, afirma, em progressão lenta, do campo do confuso da opinião à singularidade do sistema ou à estabilidade definitiva da ciência; não é uma “doxologia”, mas uma análise diferencial das modalidades de discurso; 3ª) A arqueologia não é ordenada pela figura soberana da obra; não busca compreender o momento em que esta se destacou no horizonte anônimo. Não quer reencontrar o ponto enigmático em que o individual e o social se invertem um no outro. Ela não é nem psicologia, nem sociologia, nem, num sentido mais geral, “antropologia da criação”. A obra não é para ele um recorte pertinente, mesmo se se tratasse de recolocá-la em seu contexto mais global ou na rede das causalidades que a sustentam. Ela define tipos e regras de práticas discursivas que atravessam obras individuais, às vezes as comandam inteiramente e as dominam sem que nada lhes escape; mas às vezes, só lhes rege uma parte. A instância do sujeito criador, enquanto razão de ser de uma obra e princípio de sua unidade lhe é estranha. 
Finalmente, a arqueologia não procura reconstituir o que pôde ser pensado, desejado, visado, experimentado, almejado pelos homens no próprio instante em que proferiam o discurso; ela não se propõe a recolher esse núcleo fugidio onde Autor e obra troca de identidade; onde o pensamento permanece ainda o mais próximo de si, na forma ainda não alterada do mesmo, e onde a linguagem não se desenvolveu ainda na dispersão espacial e sucessiva do discurso. Não tenta repetir o que foi dito, reencontrando-o em sua própria identidade. Não se pretende apagar na modéstia ambígua de uma leitura que deixaria voltar, em sua pureza, a luz longínqua, precária, quase extinta da origem. Não é nada além e nada diferente de uma reescrita na forma mantida da exterioridade, uma transformação regulada do que já foi escrito. Não é o retorno ao próprio segredo da origem; é a descrição sistemática de um discurso-objeto.
Para entender que o sistema de interpretação tenha fundamentado o século XIX, e como consequência, a que sistema de interpretação pertenceu, todavia, diz Foucault, parece-me que seria necessário acudir-nos de uma referência passada, por exemplo, que tipo de técnica pode existir no século XVI. Naquela época, o que dava lugar à interpretação, o que constituía simultaneamente o seu planejamento geral e a unidade mínima que a interpretação tinha para trabalhar, era a semelhança. Aí onde as coisas se assemelhavam aquilo com que isto se parecia, algo que desejava ser dito, e que podia ser decifrado; sabe-se o suficiente do importante papel que a semelhança desempenhou e todas as noções “que giram como satélites à sua volta, na cosmologia, na botânica e na filosofia do século XVI”. Na verdade, diante de nossos olhos, homens do século XX, toda essa rede de semelhanças nos parece algo um tanto confuso e enredado. Porém de fato, este corpus da semelhança, no século XVI, estava aparentemente organizado: tinha pelo menos, algumas noções perfeitamente definidas, a saber: a noção da conveniência, que significava “o ajuste, por exemplo, da alma e do corpo, e da série animal e vegetal”.
Se estas técnicas de interpretação ficavam em suspenso a partir da evolução do pensamento ocidental nos séculos XVII e XVIII, se a crítica baconiana e a crítica cartesiana da semelhança desempenharam certamente um grande papel na sua colocação em interdição, o século XX, e muito particularmente Marx, Nietzsche e Freud, situaram-nos ante uma possibilidade de interpretação e fundamentaram de novo a possibilidade de uma hermenêutica11. Em Nietzsche, para sermos breves, temos a rejeição de toda transcendência, seja ideonômica como no platonismo, seja teonômica como no Cristianismo, imanência absoluta da Natureza como fonte de todo o bem e de todo o valor e, enfim, crítica da cultura existente e de sua moral, fonte do mal e da corrupção no homem. Sobre esse fundamento crítico, pode-se elevar então o anúncio de um “novo homem” e de uma “nova humanidade”, definitivamente reconciliados com a Terra. 
No sistema brasileiro é básica a distinção entre o individuo e a pessoa como duas formas de conceber o universo social e nele agir. Um dos denominadores comuns de todas as situações, porém, é a separação ou diferenciação social, quando se estabelecem as posições das pessoas no sistema social. As noções de indivíduo e de pessoa são fundamentais na análise sociológica. A noção de pessoa surgiu claramente com Marcel Mauss (1974), sendo progressivamente individualizada até chegar à ideia da pessoa como “ser psicológico” e altamente individualizado. A ideia de Mauss de que a pessoa era de fato um ponto de encontro entre a noção de indivíduo psicológico e uma unidade social. Mas é importante observar que, para ele, a noção de pessoa desembocava na ideia de indivíduo. A noção de indivíduo é também social. Em seguida, deseja revelar que a noção de indivíduo pode ser posta em contraste com a ideia de pessoa, que exprime outro aspecto da realidade humana. Aas duas noções permitem introduzir na análise sociológica o dinamismo necessário para poder revelar a dialética do universo social que é aquilo que é tomado de empiricamente elaborado por alguma entidade, de modo que ela possa tomar uma posição ou criar uma perspectiva de interpretação.
               Uma pessoa pode ser presa mesmo que ainda não tenha uma condenação definitiva, ou seja, quando ainda não estão esgotados todos os recursos e instrumentos de defesa em instâncias superiores? Essa é a pergunta chave que envolve o Supremo Tribunal Federal (STF), em um impasse que pode impactar ainda mais a superlotação do sistema carcerário brasileiro, além de agravar a atual crise política do país. Tema que está sendo debatido durante julgamento do habeas corpus preventivo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A Constituição Federal (1988) determina que ninguém será considerado culpado precisamente “antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, até que sejam esgotados todos os recursos e instrumentos de defesa do acusado”. No entanto, em 2016, o pleno do STF consolidou entendimento de que “a prisão após uma condenação em segunda instância não seria ilegal”. Vale lembrar que neste ano o próprio STF dava anuência, com a queda da então presidenta da República Dilma Rousseff, ao golpe de Estado legal, ocorrido em 17 de abril de 2016.
A parrésía emerge como vontade, como atividade voltada para a franqueza e da preocupação em reconhecerem-se no mestre os atributos necessários para distingui-lo dos aproveitadores e dos aduladores. A busca é momento no qual Sócrates aparece como um “parresiastes” no contexto ético da palavra. Isso porque a parrésia exercida por Sócrates não é da ordem da insurreição, e menos de uma provocação pública dirigida a alguém ou a um determinado público, mas uma atitude de proximidade na relação frontal instigada por uma prática discursiva que é da ordem da interpelação. O exercício realizado por Sócrates permite entender que no contexto do “cuidado de si”, a figura do parresiastes só pode existir quando acontece uma mediação entre aquilo que se fala e aquilo que se vive. Trata-se, portanto, de compreendermos no personagem de Sócrates os traços de uma atitude prática que toma a coragem da verdade como instrumento de uma manifestação individual de uma experiência ética do sujeito.
A prática do golpe de Estado legal parece ser a nova estratégia das oligarquias latino-americanas. Nas sociedades modernas, complexas, a classe operária precisa travar uma luta política prolongada, que depende da sua capacidade de mobilizar aliados, somar forças, ocupar-manter-e-ampliar todos os espaços democráticos que o movimento de massas consegue abrir no capitalismo globalizado. Por isso, peremptoriamente, para avançar através da democracia na direção do socialismo, a classe operária precisa ter uma visão pluralista. Desgraçadamente os marxistas sectários não se sentem seguros quanto à capacidade deles de conquistarem para o marxismo, no dia a dia, na prática consequente da democracia, a hegemonia social na vanguarda das lutas de massas. Daí o hiato crescente entre a sociedade civil e o Estado. São evidentes os descompassos entre as tendências de boa parte da sociedade civil no que se referem aos problemas sociais, econômicos, políticos e culturais e as diretrizes que o Estado como dominação legítima é levado a adotar. Um aspecto esclarecedor desse impasse revela-se ao âmbito de uma urgentíssima reforma do Estado reestruturando o jogo entre as forças sociais e políticas. São inúmeros os casos comparados que os Estados estão sendo reestruturados: desregulação da economia, privatização das empresas produtivas estatais, abertura de mercados, reforma dos sistemas de previdência social, saúde, educação e outros.            
Estão em causa condições sociais de construção e realização da hegemonia, seja das frações das classes dominantes e grupos sociais subalternos, sejam de outros e novos arranjos compreendendo subalternos e dominantes que desafiem as diretrizes dos blocos de poder organizados e atuantes nos moldes da sociedade contemporânea. As estratégias sociais e políticas importantes da sociedade civil vis-à-vis com os novos obstáculos intransponíveis para traduzir-se em expressões de governo, governabilidade, dirigência. A construção de hegemonias conflitantes, alternativas ou sucessivas pode ser um requisito essencial da dialética sociedade civil e Estado. E sem hegemonia fica difícil pensar não só em soberania nacional, mas também em democracia, mesmo que apenas política. Ocorre que a hegemonia, em suas diferentes modalidades de expressão e realização, tem estado cada vez mais sob o controle das organizações sociais e das corporações transnacionais. Essas instituições habitualmente detêm poderes econômicos e políticos decisivos, capazes de se sobrepor aos mais diferentes Estados nacionais.
Por meio de sua influencia sobre governos ou por dentro dos aparelhos estatais, burocracias e tecnocracias estabelecem em seus objetivos e em suas diretrizes, que se sobrepõe e impõem às sociedades civis, no que se refere às políticas econômico-financeiras, de transporte, habitação, saúde, educação, meio ambiente e outros setores da vida social nacional. Nesse sentido é que as condições e possibilidades de construção e exercício da hegemonia podem ser decisivamente influenciadas pelas exigências da globalização, expressa na atuação das organizações multilaterais e das corporações transnacionais. Assim sendo, segundo Ianni (2011: 228 e ss.) “desloca-se radicalmente o lugar da política”. Ainda que se continue a pensar e agir em termos de soberania e hegemonia, ou democracia e cidadania, tanto quanto nacionalismo e Estado-nação, modificaram-se radicalmente as condições clássicas dessas categorias, no que se refere às suas significações práticas e teóricas. Nesse sentido é que a mídia diligente se transformou no “príncipe eletrônico” de classe ou bloco de poder que domina o mundo.
O príncipe eletrônico, no entanto, não é bem condottiere nem partido político, mas realiza e ultrapassa os descortinos e as atividades dessas duas figuras clássicas da política. O “príncipe eletrônico” é uma entidade nebulosa e ativa, presente e invisível, predominante e ubíqua, permeando continuamente todos os níveis da sociedade, nos âmbitos local, nacional, regional e mundial. É o “intelectual coletivo” e orgânico das estruturas e blocos de poder presentes, predominantes e atuantes em escala nacional, regional e mundial, sempre em conformidade com os diferentes contextos socioculturais e político-econômicos desenhados no novo mapa do mundo. Um intelectual orgânico complexo, múltiplo e contraditório, que atua mais ou menos decisivamente sobre os partidos políticos, os sindicatos, os movimentos e as correntes de opinião pública. Sob muitos aspectos, a mídia transnacional torna-se o “intelectual orgânico” dos grupos, classes ou blocos de poder atuantes em escala mundial, sempre com fortes ingerências em assuntos sociais, econômicos, políticos e culturais também regionais e nacionais.
Um capítulo fundamental da chamada “democracia eletrônica” envolve a convergência e a mobilização do mercado de marketing, mercadorias e idéias, opiniões, comportamentos, inquietações, convicções. São dimensões psicossociais, socioculturais e político-econômicas que se polarizaram em atividades e imaginários de indivíduos e coletividades (mitos, símbolos e ritos). Traduzem-se também em opções, convicções e ações políticas, em geral influenciadas pela mídia eletrônica e impressa, destacando-se a televisiva. Esse é o contexto no qual estão presentes as corporações transnacionais. Interessadas no comércio de mercadorias e na publicidade, bem como na expansão dos mercados e na amplificação coletiva do consumo, elas se tornam agentes sociais importantes, frequentemente decisivos, do modo pelo qual se organizam, funcionam e expandem as novas tecnologias da comunicação. Sem esquecer que grande parte da mídia organiza-se em corporações e faz parte de conglomerados também transnacionais. Há, portanto, toda uma vasta e complexa rede de articulações políticas corporativas envolvendo mercados e idéias, mercadoria e democracia, lucratividade e cidadania.
O levantamento nacional de informações penitenciárias - Infopen, 2017,  descortina a realidade concreta e crônica brasileira: com 726.712 indivíduos  privados de liberdade. O país detém o 3° lugar no ranking entre iguais como Estados Unidos, China e Rússia que mais acumulam “corpos dóceis” no sistema prisional no mundo. A crueldade não é mensurável em estatísticas, mas dois dados não podem passar despercebidos: (i) a taxa de presos sem condenação supera 40% e (ii) a taxa de ocupação nos presídios atingiu 197,4%. É assustador notar que no ano de 2002 representavam um total de 239.345 indivíduos presos (condenados e provisórios) e em 2016, menos de quinze anos depois, atingiu-se a marca de 292.450 presos provisórios. É fácil constatar estatisticamente que são mais de 700 mil presos para pouco mais de 350 mil vagas. O público alvo do sistema penal brasileiro é bem definido: jovens negros de baixa escolaridade, acusados de tráfico e crimes patrimoniais. A análise dos dados revela que 55% têm até 29 anos, fração que se eleva a 74% se for considerado os casos em que os presos possuem até 34 anos. No total, 64% são negros. Se considerados apenas a população do sistema penitenciário federal, 73% são negros. Do total de presos, 80% não concluiu a educação no Ensino Médio. Em contrapartida, 0% possui Ensino Superior completo. Quanto os homens, mais de 70% é acusado por tráfico ou crimes patrimoniais. Em relação às mulheres, mais de 60% são acusadas por tráfico.
A tendência autoritária no Brasil não se revela apenas nos números absolutos que nos colocam na posição de 3° lugar competitivo dos países que mais prendem no mundo. É assustador constatar que superamos a Rússia em mais de cento e vinte mil presos. Também é assustador notar que, fosse o Estado de São Paulo um país, ocuparia sozinho o 7° lugar nesse ranking com seus mais de 240 mil presidiários. Mas, acima de tudo, merece atenção particular o fato social de que seguimos aumentando a população carcerária enquanto outros países nessa disputa sombria apresentaram queda no número total de prisioneiros. Quando Estados Unidos da América, Rússia e China diminuíram a população carcerária nos últimos anos, o Brasil inversamente aumentou em mais de 40% sua população carcerária entre 2011 e 2016, excedendo a média mundial relacional de número de presos por habitantes. São 306 indivíduos presos para cada 100 mil habitantes, enquanto que comparativamente no mundo, a média é de 144 para cada 100 mil. Segundo o Infopen, o crime que mais leva indivíduos para o regime fechado da cadeia é o tráfico de drogas. Em razão da lei de drogas 28% dos brasileiros estão no cárcere, seguido de acusados ou condenados por roubo (25%) e furto (13%). 



Pessoas negras (pretas e pardas) é maioria nas cadeias brasileiras. Segundo o estudo do Departamento Penitenciário Nacional, 61,6% dos presos pertencem a esse grupo. Dentre o conjunto total dos brasileiros, pretos e pardos são 53,6%. Os números também mostram que os presos têm menor escolaridade que a média da população. 75% dos presos só estudaram até o fim do ensino fundamental, e só 9,5% concluiu o ensino médio. Na população brasileira de detentos, 32% terminaram o ensino médio, de acordo com dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia Estatístico (IBGE). O estudo esclarece que o que movimenta o sistema carcerário se deve ao hiperencarceramento ligado aos crimes não violentos. - É importante representar o grande número de pessoas presas por crimes não violentos, a começar pela expressiva participação de tráfico de drogas – evidência caracterizada como muito provavelmente a principal responsável pelo aumento exponencial das taxas de encarceramento no país e que compõe o maior número de pessoas presas segundo o relatório. A análise dos dados indica que mudança de política no tocante às prisões “provisórias” e às prisões por tráfico de drogas podem ser maneiras de diminuir o ritmo acelerado do crescimento do número de indivíduos privados de liberdade. A natureza do sistema prisional relaciona a criminalidade aos crimes não violentos, mas criminoso é todo aquele que desobedece às leis do Estado. 
 Em 1988, com a promulgação Constituição, foram instituídos cinco Tribunais Regionais Federais (TRFs), que substituíram o Tribunal Federal de Recursos (TFR). Em 3 de dezembro de 1988, o governador Pedro Simon, do Rio Grande do Sul, entregou as chaves da futura sede do TRF 4, cujas obras iniciaram-se naquele momento, ao Ministro Cid Flaquer Scartezzini. Em 30 de março de 1989, a sede do TRF-4, localizada no Centro Histórico de Porto Alegre, foi inaugurada. O Presidente José Sarney nomeou quatorze desembargadores para o tribunal, e a primeira sessão do plenário foi realizada em 31 de março de 1989. Em agosto de 1990, a Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região foi lançada com o propósito de dar publicidade para as decisões do tribunal; Teori Zavascki, futuro Ministro do STF, foi o primeiro diretor da revista. Em dezembro de 1990, o primeiro concurso para juiz federal substituto foi homologado. Em 1993, várias varas federais foram criadas, incluindo as varas de Maringá, Blumenau, Bagé, Novas Hamburgo, Londrina, Caxias do Sul, Foz do Iguaçu, Joinville e Criciúma. Em 1995, o TRF-4 começou a utilizar o Sistema TRF 400, permitindo a obtenção pela rede internet de informações relativas aos processos. Em 1997, foi inaugurado o chamado “Tele Processo”, que possibilitou aos advogados e outras partes receberem informações advocatícias sobre os processos por telefone. Em 1998, o TRF-4 foi o primeiro tribunal brasileiro a instalar o SIAPRO - Sistema de Acompanhamento Processual. Em 2003, através do sistema ocorreu seu primeiro julgamento digital.
O embate entre o princípio da presunção de inocência e a condenação em segunda instância é central para o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, em janeiro deste ano, foi condenado a 12 anos e um mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre. O Tribunal, com sede na cidade de Porto Alegre, é o órgão de segundo Grau da Justiça Federal dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O tribunal é constituído por 27 desembargadores, nomeados pelo Presidente da República após aprovação do Senado. Nos termos da Constituição, o TRF-4 possui competência para julgar recursos contra decisões proferidas por juízes federais de primeira instância em litígios que envolvam a União Federal, além de decisões que envolvam matéria previdenciária e execuções fiscais. Também julgam os juízes federais de sua jurisdição em crimes comuns e de responsabilidade, pedidos de habeas corpus, habeas data e mandados de segurança. O ex-presidente da República responde a uma ação penal por suposta “prática de corrupção passiva e lavagem de dinheiro” no âmbito da chamada “Operação Lava Jato”. O ex-presidente da República nega as acusações. Contra a decisão do TRF4, a defesa de Lula apresentou “embargos declaratórios”, um tipo de recurso proposto quando há omissão, contradição ou obscuridade na sentença. Os embargos serão julgados pelo TRF4 no dia 26 de março. Com o entendimento do Supremo, Lula pode ser condenado logo após o julgamento dos embargos. Em manifestações recentes, o ministro Celso de Mello, mais antigo membro do STF, afirmou ser contrário à prisão antes de esgotados os recursos às cortes superiores. O ministro Gilmar Mendes, que havia votado a favor da prisão após 2ª instância, tem manifestado entendimento contrário. Outros membros da Corte têm dado ganhos de causa, contrariando o entendimento do pleno.

Bibliografia geral consultada:

GOLDMANN, Lucien, Per una sociologia del romanzo. Milão: Editore Bompiani, 1967; CERTEAU, Michel de, La prise de parole. Paris: Éditions du Seuil, 1968; GRAMSCI, Antônio, Gli Intellettuali e l`Organizzazzione della Cultura. Torino: Editore Einaudi, 1975; ZAVALA, Silvio, Ensayos sobre la colonización española en América. México: Rodrigo Porrúa Ediciones, 1978; MARILENA, Chaui, “A ideologia acima de qualquer suspeita”. In: Almanaque Revista de Literatura e Ensaios. São Paulo, volume 7, 1978; WELLAUSEN, Saly, “Michel Foucault: parrhésia e cinismo”. In: Tempo Social; Revista de Sociologia. Universidade de São Paulo. São Paulo, 8 (1): 113-125, maio de 1996; GANDHI, Leela, Postcolonial Theory: A Critical Introduction. EUA: Columbia University Press, 1998; IANNI, Octávio, A Sociologia e o Mundo Moderno. 1ª edição. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2011; EMIL, Cioran, Silogismos da Amargura. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2011; FOUCAULT, Michel, Arqueologia do Saber. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1971; Idem, El Orden del Discurso. Barcelona: Ediciones Tusquets, 1973; Idem, Surveiller et Punir. Naissance de la Prison. Paris: Éditions Gallimard, 1975; Idem, A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 1979; Idem, Hermeneutica del Sujeto. Madrid: Ediciones de la Piqueta, 1987; Idem, Discours et Vérité. Précédé de La Parrêsia. Paris: Éditions Vrin, 2016; entre outros.

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