Ubiracy de Souza Braga
“Não há angústia, nem fantasia por trás da
felicidade, é esta que não toleramos mais”. Michel Foucault
Na
retórica, parrésia é descrita como
franqueza, confiança ou ousadia para falar em público. A palavra grega (“παρρησία”)
é frequentemente usada para descrever certos diálogos no âmbito da mitologia
cristã, atribuídos a Jesus Cristo no Novo Testamento. Assumindo o preceito
foucaultiano de que a atividade intelectual na contemporaneidade passa pela
problematização das verdades como desdobramento e problematização das políticas
de identidade, o que afirmamos é a necessidade imediata de pensarmos com
Foucault na parresía como uma linha de fuga contra os processos de assujeitamento presentes na sociedade. Nos
Estados Unidos da América (EUA), mais de 90% dos indivíduos processados criminalmente
vão presos já na primeira instância, mas não porque foram condenadas, e sim
porque aceitaram acordo para se declararem culpadas. Os EUA têm 490 mil presos
provisórios, o que o coloca como quarto país do mundo que mais mantém pessoas
detidas sem condenação em proporção a sua população, segundo estudo do “Open
Society Foundations”. O Brasil aparece em 11º no ranking, com cerca de 220 mil presos provisórios, 40% do total de
detidos no país.
O
professor da London School of Economics, no Reino Unido, Auke Willems afirma
que o sistema britânico também costuma resolver legalmente a maioria dos casos
criminais com acordos, “um modelo altamente eficiente para lidar com sistemas
legais sobrecarregados de processos”. Nos sistemas penais da Europa continental,
é comum que o condenado possa recorrer em liberdade e a pena só poderá ser
cumprida depois de esgotados os recursos. No caso holandês, país de origem de
Willems há três instâncias, sendo que a última, a Suprema Corte, que “só julga
aplicação de lei e não é acionada com frequência”. O indivíduo só pode ser
preso depois de esgotada a possibilidade de recursos. Na França, os recursos
para a Suprema Corte, em geral, não têm efeito suspensivo sobre a pena, o que
significa que condenações em segunda instância já levam à prisão. Em Portugal,
“a Constituição consagra o princípio da presunção de inocência até o trânsito
em julgado da decisão: a execução da pena só se inicia depois de a condenação
se ter tornado definitiva”, explicou Maria João Antunes, ex-ministra do
Tribunal Constitucional português e professora de Direito da Universidade de
Coimbra.
Na
Alemanha, comparativamente, a Constituição prevê que só se pode cumprir pena, depois
de esgotadas as possibilidades de recurso, observa Luís Henrique Machado,
criminalista com mestrado na Universidade Humboldt de Berlim. Lá o número de
instâncias varia em cada um dos Estados. É comum que o processo transite em
julgado após julgamento em apenas dois graus. Isso porque crimes considerados
graves, já começam a ser julgados na 2ª instância, cabendo apenas recurso para
a corte superior. Machado considera positivo o Brasil ter quatro níveis de
julgamento. Contra a morosidade da Justiça, defende mais investimento em número
de magistrados, tecnologia e uma reforma que reduza a possibilidade de
recursos, mas não o número de instâncias. Mesmo alguns juristas que entendem
que pode ser positivo o Brasil convergir para a realidade de outros países
ressaltam que isso exigiria alterar a Constituição. Tanto é assim, argumentam
que o ex-ministro Cezar Peluso, em 2011, quando era presidente do Supremo Tribunal
Federal, propôs ao Congresso uma emenda constitucional que abriria espaço para
prisão após condenação em segunda instância.
Se
tomarmos como analogia a reflexão realizada por Michel Foucault para
identificar as condições e possibilidades nas “formações discursivas” entre
arqueologia e história das idéias, pode-se agora inverter o procedimento;
pode-se descer no sentido da corrente e, uma vez percorrido o domínio das
formações discursivas e dos enunciados, uma vez esboçada sua teoria geral,
correr para os domínios possíveis de sua aplicação. Recorrer sobre a utilidade
dessa análise que ele batizou de “arqueologia” recoloca o problema da escansão
do discurso segundo grandes unidades que não eram as das obras, dos autores,
dos livros ou dos temas. Metodologicamente importante para o que nos interessa,
na medida em que o Autor, com o único fim de estabelecê-las trabalhou com
algumas séries de noções (formações discursivas, positividade, arquivo),
definindo um domínio (os enunciados, o campo enunciativo, as práticas
discursivas), tentando fazer surgir a especificidade de um método que não seria
nem formalizador, nem interpretativo, “pois já existem muitos
métodos capazes de descrever e analisar a linguagem, para que não seja
presunção querer acrescentar-lhes outro”. Além disso, já havia mantido “sob
suspeita”, unidades de discurso como o livro ou a obra porque desconfiava que
não fosse tão imediatas e evidentes quanto pareciam.
Mas
um historiador das idéias que quis renovar inteiramente sua disciplina; que
desejou, sem dúvida, dar-lhe o rigor que tantas outras descrições, bastante
próximas, adquiriram recentemente; mas que incapaz de modificar realmente a velha
forma de análise, incapaz de fazer com que transpusesse o limiar da
cientificidade, “declara, para iludir, que sempre quis e fez outra coisa”. Toda
essa nova nebulosa serviu “para esconder o fato de que permanecemos na mesma
paisagem, ligados a um velho solo gasto até a miséria. Eu não teria o direito –
afirma - de estar tranquilo enquanto não me separasse da “história das idéias”,
enquanto não mostrasse em que a análise arqueológica se diferencia de suas
descrições”. Entre “análise arqueológica” e “história das idéias”, os pontos de
separação para Foucault são numerosos, mas simplificadamente apresentam quatro
distinções: 1ª) A arqueologia busca definir não os pensamentos, as
representações, as imagens, os temas, as obsessões que se ocultam ou se manifestam
nos discursos; mas os próprios discursos, enquanto práticas que obedecem a
regras. Ela não trata o discurso como documento, mas onde se mantém a parte, a
profundidade do essencial; ela se dirige ao discurso em seu volume próprio, na
qualidade de monumento. Não busca um “outro discurso” mais oculto. Recusa-se a
ser “alegórica”; 2ª) A arqueologia não procura encontrar a transição contínua e
insensível que liga, em declive suave, os discursos ao que os precede, envolve
ou segue.
O
problema dela é, pelo contrário, definir os discursos em sua especificidade;
mostrando em que sentido o jogo das regras que utilizam é irredutível a
qualquer outro; segui-los ao longo de suas arestas exteriores para melhor
salientá-los. Ela não vai, afirma, em progressão lenta, do campo do confuso da
opinião à singularidade do sistema ou à estabilidade definitiva da ciência; não
é uma “doxologia”, mas uma análise diferencial das modalidades de discurso; 3ª)
A arqueologia não é ordenada pela figura soberana da obra; não busca compreender
o momento em que esta se destacou no horizonte anônimo. Não quer reencontrar o
ponto enigmático em que o individual e o social se invertem um no outro. Ela
não é nem psicologia, nem sociologia, nem, num sentido mais geral,
“antropologia da criação”. A obra não é para ele um recorte pertinente, mesmo
se se tratasse de recolocá-la em seu contexto mais global ou na rede das
causalidades que a sustentam. Ela define tipos e regras de práticas discursivas
que atravessam obras individuais, às vezes as comandam inteiramente e as
dominam sem que nada lhes escape; mas às vezes, só lhes rege uma parte. A
instância do sujeito criador, enquanto razão de ser de uma obra e princípio de
sua unidade lhe é estranha.
Finalmente,
a arqueologia não procura reconstituir
o que pôde ser pensado, desejado, visado, experimentado, almejado pelos homens
no próprio instante em que proferiam o discurso; ela não se propõe a recolher
esse núcleo fugidio onde Autor e obra troca de identidade; onde o pensamento
permanece ainda o mais próximo de si, na forma ainda não alterada do mesmo, e
onde a linguagem não se desenvolveu ainda na dispersão espacial e sucessiva do
discurso. Não tenta repetir o que foi dito, reencontrando-o em sua própria
identidade. Não se pretende apagar na modéstia ambígua de uma leitura que
deixaria voltar, em sua pureza, a luz longínqua, precária, quase extinta da
origem. Não é nada além e nada diferente de uma reescrita na forma mantida da
exterioridade, uma transformação regulada do que já foi escrito. Não é o
retorno ao próprio segredo da origem; é a descrição sistemática de um
discurso-objeto.
Para
entender que o sistema de interpretação tenha fundamentado o século XIX, e como
consequência, a que sistema de interpretação pertenceu, todavia, diz Foucault,
parece-me que seria necessário acudir-nos de uma referência passada, por
exemplo, que tipo de técnica pode existir no século XVI. Naquela época, o que
dava lugar à interpretação, o que constituía simultaneamente o seu planejamento
geral e a unidade mínima que a interpretação tinha para trabalhar, era a semelhança.
Aí onde as coisas se assemelhavam aquilo com que isto se parecia, algo que
desejava ser dito, e que podia ser decifrado; sabe-se o suficiente do
importante papel que a semelhança desempenhou e todas as noções “que giram como
satélites à sua volta, na cosmologia, na botânica e na filosofia do século
XVI”. Na verdade, diante de nossos olhos, homens do século XX, toda essa rede
de semelhanças nos parece algo um tanto confuso e enredado. Porém de fato, este
corpus da semelhança, no século XVI, estava aparentemente organizado: tinha
pelo menos, algumas noções perfeitamente definidas, a saber: a noção da conveniência,
que significava “o ajuste, por exemplo, da alma e do corpo, e da série animal e
vegetal”.
Se
estas técnicas de interpretação ficavam em suspenso a partir da evolução do
pensamento ocidental nos séculos XVII e XVIII, se a crítica baconiana e a
crítica cartesiana da semelhança desempenharam certamente um grande papel na
sua colocação em interdição, o século XX, e muito particularmente Marx,
Nietzsche e Freud, situaram-nos ante uma possibilidade de interpretação e
fundamentaram de novo a possibilidade de uma hermenêutica11. Em Nietzsche, para
sermos breves, temos a rejeição de toda transcendência, seja ideonômica como no
platonismo, seja teonômica como no Cristianismo, imanência absoluta da Natureza
como fonte de todo o bem e de todo o valor e, enfim, crítica da cultura existente
e de sua moral, fonte do mal e da corrupção no homem. Sobre esse fundamento
crítico, pode-se elevar então o anúncio de um “novo homem” e de uma “nova
humanidade”, definitivamente reconciliados com a Terra.
No
sistema brasileiro é básica a distinção entre o individuo e a pessoa como duas
formas de conceber o universo social e nele agir. Um dos denominadores comuns
de todas as situações, porém, é a separação ou diferenciação social, quando se
estabelecem as posições das pessoas no sistema social. As noções de indivíduo e
de pessoa são fundamentais na análise sociológica. A noção de pessoa surgiu claramente
com Marcel Mauss (1974), sendo progressivamente individualizada até chegar à
ideia da pessoa como “ser psicológico” e altamente individualizado. A ideia de
Mauss de que a pessoa era de fato um ponto de encontro entre a noção de
indivíduo psicológico e uma unidade social. Mas é importante observar que, para
ele, a noção de pessoa desembocava na ideia de indivíduo. A noção de indivíduo
é também social. Em seguida, deseja revelar que a noção de indivíduo pode ser
posta em contraste com a ideia de pessoa, que exprime outro aspecto da realidade
humana. Aas duas noções permitem introduzir na análise sociológica o dinamismo
necessário para poder revelar a dialética do universo social que é aquilo que é
tomado de empiricamente elaborado por alguma entidade, de modo que ela possa
tomar uma posição ou criar uma perspectiva de interpretação.
Uma pessoa pode ser presa mesmo que ainda não tenha uma condenação definitiva, ou seja, quando ainda não estão esgotados todos os recursos e instrumentos de defesa em instâncias superiores? Essa é a pergunta chave que envolve o Supremo Tribunal Federal (STF), em um impasse que pode impactar ainda mais a superlotação do sistema carcerário brasileiro, além de agravar a atual crise política do país. Tema que está sendo debatido durante julgamento do habeas corpus preventivo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A Constituição Federal (1988) determina que ninguém será considerado culpado precisamente “antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, até que sejam esgotados todos os recursos e instrumentos de defesa do acusado”. No entanto, em 2016, o pleno do STF consolidou entendimento de que “a prisão após uma condenação em segunda instância não seria ilegal”. Vale lembrar que neste ano o próprio STF dava anuência, com a queda da então presidenta da República Dilma Rousseff, ao golpe de Estado legal, ocorrido em 17 de abril de 2016.
Uma pessoa pode ser presa mesmo que ainda não tenha uma condenação definitiva, ou seja, quando ainda não estão esgotados todos os recursos e instrumentos de defesa em instâncias superiores? Essa é a pergunta chave que envolve o Supremo Tribunal Federal (STF), em um impasse que pode impactar ainda mais a superlotação do sistema carcerário brasileiro, além de agravar a atual crise política do país. Tema que está sendo debatido durante julgamento do habeas corpus preventivo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A Constituição Federal (1988) determina que ninguém será considerado culpado precisamente “antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, até que sejam esgotados todos os recursos e instrumentos de defesa do acusado”. No entanto, em 2016, o pleno do STF consolidou entendimento de que “a prisão após uma condenação em segunda instância não seria ilegal”. Vale lembrar que neste ano o próprio STF dava anuência, com a queda da então presidenta da República Dilma Rousseff, ao golpe de Estado legal, ocorrido em 17 de abril de 2016.
A
parrésía emerge como vontade, como atividade voltada para a franqueza e da
preocupação em reconhecerem-se no mestre os atributos necessários para
distingui-lo dos aproveitadores e dos aduladores. A busca é momento no qual
Sócrates aparece como um “parresiastes” no contexto ético da palavra. Isso
porque a parrésia exercida por Sócrates não é da ordem da insurreição, e menos
de uma provocação pública dirigida a alguém ou a um determinado público, mas
uma atitude de proximidade na relação frontal instigada por uma prática
discursiva que é da ordem da interpelação. O exercício realizado por Sócrates
permite entender que no contexto do “cuidado de si”, a figura do parresiastes
só pode existir quando acontece uma mediação entre aquilo que se fala e aquilo
que se vive. Trata-se, portanto, de compreendermos no personagem de Sócrates os
traços de uma atitude prática que toma a coragem da verdade como instrumento de
uma manifestação individual de uma experiência ética do sujeito.
A
prática do golpe de Estado legal parece ser a nova estratégia das oligarquias
latino-americanas. Nas sociedades modernas, complexas, a classe operária
precisa travar uma luta política prolongada, que depende da sua capacidade de
mobilizar aliados, somar forças, ocupar-manter-e-ampliar todos os espaços
democráticos que o movimento de massas consegue abrir no capitalismo
globalizado. Por isso, peremptoriamente, para avançar através da democracia na
direção do socialismo, a classe operária precisa ter uma visão pluralista.
Desgraçadamente os marxistas sectários não se sentem seguros quanto à
capacidade deles de conquistarem para o marxismo, no dia a dia, na prática
consequente da democracia, a hegemonia social na vanguarda das lutas de massas.
Daí o hiato crescente entre a sociedade civil e o Estado. São evidentes os
descompassos entre as tendências de boa parte da sociedade civil no que se
referem aos problemas sociais, econômicos, políticos e culturais e as
diretrizes que o Estado como dominação legítima é levado a adotar. Um aspecto
esclarecedor desse impasse revela-se ao âmbito de uma urgentíssima reforma do
Estado reestruturando o jogo entre as forças sociais e políticas. São inúmeros
os casos comparados que os Estados estão sendo reestruturados: desregulação da
economia, privatização das empresas produtivas estatais, abertura de mercados,
reforma dos sistemas de previdência social, saúde, educação e outros.
Estão
em causa condições sociais de construção e realização da hegemonia, seja das
frações das classes dominantes e grupos sociais subalternos, sejam de outros e
novos arranjos compreendendo subalternos e dominantes que desafiem as
diretrizes dos blocos de poder organizados e atuantes nos moldes da sociedade
contemporânea. As estratégias sociais e políticas importantes da sociedade
civil vis-à-vis com os novos
obstáculos intransponíveis para traduzir-se em expressões de governo,
governabilidade, dirigência. A construção de hegemonias conflitantes,
alternativas ou sucessivas pode ser um requisito essencial da dialética
sociedade civil e Estado. E sem hegemonia fica difícil pensar não só em
soberania nacional, mas também em democracia, mesmo que apenas política. Ocorre
que a hegemonia, em suas diferentes modalidades de expressão e realização, tem
estado cada vez mais sob o controle das organizações sociais e das corporações
transnacionais. Essas instituições habitualmente detêm poderes econômicos e
políticos decisivos, capazes de se sobrepor aos mais diferentes Estados
nacionais.
Por
meio de sua influencia sobre governos ou por dentro dos aparelhos estatais,
burocracias e tecnocracias estabelecem em seus objetivos e em suas diretrizes,
que se sobrepõe e impõem às sociedades civis, no que se refere às políticas
econômico-financeiras, de transporte, habitação, saúde, educação, meio ambiente
e outros setores da vida social nacional. Nesse sentido é que as condições e
possibilidades de construção e exercício da hegemonia podem ser decisivamente
influenciadas pelas exigências da globalização, expressa na atuação das
organizações multilaterais e das corporações transnacionais. Assim sendo,
segundo Ianni (2011: 228 e ss.) “desloca-se radicalmente o lugar da política”.
Ainda que se continue a pensar e agir em termos de soberania e hegemonia, ou
democracia e cidadania, tanto quanto nacionalismo e Estado-nação,
modificaram-se radicalmente as condições clássicas dessas categorias, no que se
refere às suas significações práticas e teóricas. Nesse sentido é que a mídia diligente
se transformou no “príncipe eletrônico” de classe ou bloco de poder que domina o
mundo.
O
príncipe eletrônico, no entanto, não
é bem condottiere nem partido político,
mas realiza e ultrapassa os descortinos e as atividades dessas duas figuras
clássicas da política. O “príncipe eletrônico” é uma entidade nebulosa e ativa,
presente e invisível, predominante e ubíqua, permeando continuamente todos os
níveis da sociedade, nos âmbitos local, nacional, regional e mundial. É o “intelectual
coletivo” e orgânico das estruturas e blocos de poder presentes, predominantes
e atuantes em escala nacional, regional e mundial, sempre em conformidade com
os diferentes contextos socioculturais e político-econômicos desenhados no novo
mapa do mundo. Um intelectual orgânico complexo, múltiplo e contraditório, que
atua mais ou menos decisivamente sobre os partidos políticos, os sindicatos, os
movimentos e as correntes de opinião pública. Sob muitos aspectos, a mídia
transnacional torna-se o “intelectual orgânico” dos grupos, classes ou blocos
de poder atuantes em escala mundial, sempre com fortes ingerências em assuntos
sociais, econômicos, políticos e culturais também regionais e nacionais.
Um
capítulo fundamental da chamada “democracia eletrônica” envolve a convergência
e a mobilização do mercado de marketing,
mercadorias e idéias, opiniões, comportamentos, inquietações, convicções. São dimensões
psicossociais, socioculturais e político-econômicas que se polarizaram em
atividades e imaginários de indivíduos e coletividades (mitos, símbolos e
ritos). Traduzem-se também em opções, convicções e ações políticas, em geral influenciadas
pela mídia eletrônica e impressa, destacando-se a televisiva. Esse é o contexto
no qual estão presentes as corporações transnacionais. Interessadas no comércio
de mercadorias e na publicidade, bem como na expansão dos mercados e na
amplificação coletiva do consumo, elas se tornam agentes sociais importantes,
frequentemente decisivos, do modo pelo qual se organizam, funcionam e expandem
as novas tecnologias da comunicação. Sem esquecer que grande parte da mídia
organiza-se em corporações e faz parte de conglomerados também transnacionais.
Há, portanto, toda uma vasta e complexa rede de articulações políticas corporativas
envolvendo mercados e idéias, mercadoria e democracia, lucratividade e
cidadania.
O
levantamento nacional de informações penitenciárias - Infopen, 2017, descortina a realidade concreta e crônica brasileira:
com 726.712 indivíduos privados de liberdade.
O país detém o 3° lugar no ranking
entre iguais como Estados Unidos, China e Rússia que mais acumulam “corpos
dóceis” no sistema prisional no mundo. A crueldade não é mensurável em
estatísticas, mas dois dados não podem passar despercebidos: (i) a taxa de
presos sem condenação supera 40% e (ii) a taxa de ocupação nos presídios
atingiu 197,4%. É assustador notar que no ano de 2002 representavam um total de
239.345 indivíduos presos (condenados e provisórios) e em 2016, menos de quinze
anos depois, atingiu-se a marca de 292.450 presos provisórios. É fácil
constatar estatisticamente que são mais de 700 mil presos para pouco mais de
350 mil vagas. O público alvo do sistema penal brasileiro é bem definido:
jovens negros de baixa escolaridade, acusados de tráfico e crimes patrimoniais.
A análise dos dados revela que 55% têm até 29 anos, fração que se eleva a 74%
se for considerado os casos em que os presos possuem até 34 anos. No total, 64%
são negros. Se considerados apenas a população do sistema penitenciário
federal, 73% são negros. Do total de presos, 80% não concluiu a educação no
Ensino Médio. Em contrapartida, 0% possui Ensino Superior completo. Quanto os
homens, mais de 70% é acusado por tráfico ou crimes patrimoniais. Em relação às
mulheres, mais de 60% são acusadas por tráfico.
A
tendência autoritária no Brasil não se revela apenas nos números absolutos que
nos colocam na posição de 3° lugar competitivo dos países que mais prendem no
mundo. É assustador constatar que superamos a Rússia em mais de cento e vinte
mil presos. Também é assustador notar que, fosse o Estado de São Paulo um país,
ocuparia sozinho o 7° lugar nesse ranking
com seus mais de 240 mil presidiários. Mas, acima de tudo, merece atenção particular
o fato social de que seguimos aumentando a população carcerária enquanto outros
países nessa disputa sombria apresentaram queda no número total de prisioneiros.
Quando Estados Unidos da América, Rússia e China diminuíram a população carcerária
nos últimos anos, o Brasil inversamente aumentou em mais de 40% sua população
carcerária entre 2011 e 2016, excedendo a média mundial relacional de número de
presos por habitantes. São 306 indivíduos presos para cada 100 mil habitantes,
enquanto que comparativamente no mundo, a média é de 144 para cada 100 mil. Segundo
o Infopen, o crime que mais leva indivíduos para o regime fechado da cadeia é o
tráfico de drogas. Em razão da lei de drogas 28% dos brasileiros estão no
cárcere, seguido de acusados ou condenados por roubo (25%) e furto (13%).
Pessoas
negras (pretas e pardas) é maioria nas cadeias brasileiras. Segundo o estudo do
Departamento Penitenciário Nacional, 61,6% dos presos pertencem a esse grupo. Dentre
o conjunto total dos brasileiros, pretos e pardos são 53,6%. Os números também
mostram que os presos têm menor escolaridade que a média da população. 75% dos
presos só estudaram até o fim do ensino fundamental, e só 9,5% concluiu o
ensino médio. Na população brasileira de detentos, 32% terminaram o ensino
médio, de acordo com dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia Estatístico
(IBGE). O estudo esclarece que o que movimenta o sistema carcerário se deve ao hiperencarceramento ligado aos crimes
não violentos. - É importante representar o grande número de pessoas presas por
crimes não violentos, a começar pela expressiva participação de tráfico de drogas
– evidência caracterizada como muito provavelmente a principal responsável pelo
aumento exponencial das taxas de encarceramento no país e que compõe o maior
número de pessoas presas segundo o relatório. A análise dos dados indica que
mudança de política no tocante às prisões “provisórias” e às prisões por
tráfico de drogas podem ser maneiras de diminuir o ritmo acelerado do
crescimento do número de indivíduos privados de liberdade. A natureza do
sistema prisional relaciona a criminalidade aos crimes não violentos, mas
criminoso é todo aquele que desobedece às leis do Estado.
Em 1988, com a promulgação Constituição, foram
instituídos cinco Tribunais Regionais Federais (TRFs), que substituíram o
Tribunal Federal de Recursos (TFR). Em 3 de dezembro de 1988, o governador
Pedro Simon, do Rio Grande do Sul, entregou as chaves da futura sede do TRF 4,
cujas obras iniciaram-se naquele momento, ao Ministro Cid Flaquer Scartezzini.
Em 30 de março de 1989, a sede do TRF-4, localizada no Centro Histórico de
Porto Alegre, foi inaugurada. O Presidente José Sarney nomeou quatorze
desembargadores para o tribunal, e a primeira sessão do plenário foi realizada
em 31 de março de 1989. Em agosto de 1990, a Revista do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região foi lançada com o propósito de dar publicidade para as
decisões do tribunal; Teori Zavascki, futuro Ministro do STF, foi o primeiro
diretor da revista. Em dezembro de 1990, o primeiro concurso para juiz federal
substituto foi homologado. Em 1993, várias varas federais foram criadas,
incluindo as varas de Maringá, Blumenau, Bagé, Novas Hamburgo, Londrina, Caxias
do Sul, Foz do Iguaçu, Joinville e Criciúma. Em 1995, o TRF-4 começou a
utilizar o Sistema TRF 400, permitindo a obtenção pela rede internet de informações
relativas aos processos. Em 1997, foi inaugurado o chamado “Tele Processo”, que
possibilitou aos advogados e outras partes receberem informações advocatícias sobre
os processos por telefone. Em 1998, o TRF-4 foi o primeiro tribunal brasileiro
a instalar o SIAPRO - Sistema de Acompanhamento Processual. Em 2003, através do
sistema ocorreu seu primeiro julgamento digital.
O
embate entre o princípio da presunção de inocência e a condenação em segunda
instância é central para o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva que, em janeiro deste ano, foi condenado a 12 anos e um mês de prisão
pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre. O
Tribunal, com sede na cidade de Porto Alegre, é o órgão de segundo Grau da
Justiça Federal dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O
tribunal é constituído por 27 desembargadores, nomeados pelo Presidente da
República após aprovação do Senado. Nos termos da Constituição, o TRF-4 possui
competência para julgar recursos contra decisões proferidas por juízes federais
de primeira instância em litígios que envolvam a União Federal, além de
decisões que envolvam matéria previdenciária e execuções fiscais. Também julgam
os juízes federais de sua jurisdição em crimes comuns e de responsabilidade,
pedidos de habeas corpus, habeas data e mandados de segurança. O ex-presidente
da República responde a uma ação penal por suposta “prática de corrupção
passiva e lavagem de dinheiro” no âmbito da chamada “Operação Lava Jato”. O
ex-presidente da República nega as acusações. Contra a decisão do TRF4, a
defesa de Lula apresentou “embargos declaratórios”, um tipo de recurso proposto
quando há omissão, contradição ou obscuridade na sentença. Os embargos serão
julgados pelo TRF4 no dia 26 de março. Com o entendimento do Supremo, Lula pode
ser condenado logo após o julgamento dos embargos. Em manifestações recentes, o
ministro Celso de Mello, mais antigo membro do STF, afirmou ser contrário à
prisão antes de esgotados os recursos às cortes superiores. O ministro Gilmar
Mendes, que havia votado a favor da prisão após 2ª instância, tem manifestado
entendimento contrário. Outros membros da Corte têm dado ganhos de causa,
contrariando o entendimento do pleno.
Bibliografia geral
consultada:
GOLDMANN,
Lucien, Per una sociologia del romanzo.
Milão: Editore Bompiani, 1967; CERTEAU, Michel de, La prise de parole. Paris: Éditions du Seuil, 1968; GRAMSCI,
Antônio, Gli Intellettuali e
l`Organizzazzione della Cultura. Torino: Editore Einaudi, 1975; ZAVALA,
Silvio, Ensayos sobre la colonización
española en América. México: Rodrigo Porrúa Ediciones, 1978; MARILENA,
Chaui, “A ideologia acima de qualquer suspeita”. In: Almanaque Revista de Literatura e Ensaios. São Paulo, volume 7,
1978; WELLAUSEN, Saly, “Michel Foucault: parrhésia e cinismo”. In: Tempo Social; Revista de Sociologia. Universidade
de São Paulo. São Paulo, 8 (1): 113-125, maio de 1996; GANDHI, Leela, Postcolonial Theory: A Critical Introduction.
EUA: Columbia University Press, 1998; IANNI, Octávio, A Sociologia e o Mundo Moderno. 1ª edição. Rio de Janeiro: Editora
Civilização Brasileira, 2011; EMIL, Cioran, Silogismos
da Amargura. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2011; FOUCAULT, Michel, Arqueologia do Saber. Petrópolis (RJ):
Editoras Vozes, 1971; Idem, El Orden del
Discurso. Barcelona: Ediciones Tusquets, 1973; Idem, Surveiller et Punir. Naissance de la Prison. Paris: Éditions Gallimard, 1975; Idem, A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 1979;
Idem, Hermeneutica del Sujeto.
Madrid: Ediciones de la Piqueta, 1987; Idem, Discours et Vérité. Précédé de La Parrêsia. Paris: Éditions Vrin,
2016; entre outros.
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