sábado, 31 de março de 2018

Matinta Perera - Folclore & Herança Amazônica Brasileira.

                                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

 É peroba do campo, é o nó da madeira, Caingá, candeia, é o Matita Pereira”. Tom Jobim


            Carnaval do Rio de Janeiro é uma festa popular de cunho religioso e histórico-social realizada durante cinco dias consecutivos no mês de fevereiro desde 1893 com a criação do primeiro rancho carnavalesco, o “Rei de Ouros”, pelo pernambucano Hilário Jovino Ferreira. Esse festival é considerado o maior carnaval do mundo pelo Livro dos Recordes. Trata-se de uma celebração mundialmente famosa, constituída por diferentes tipos de manifestações culturais, como desfiles de escola de samba, bailes de máscaras, festas móveis dos blocos de embalo seguidos por seus foliões fantasiados, e ainda bandas de rua e blocos de enredo, ou seja, “escolas de samba” de pequeno porte, chamados de cordões. Também se caracteriza pela irreverência e banalidade, pelos nomes de duplo sentido (especialmente dos blocos) e pela diversidade cultural, musical e sexual. O desfile competitivo das escolas de samba foi idealizado pelo jornalista Mário Filho, irmão de Nelson Rodrigues e também pernambucano Hilário Jovino, que organizou através do seu periódico Mundo Esportivo o primeiro certame oficial, no ano de 1932.
          Outro recifense, Pedro Ernesto, também atuou de forma decisiva para o sucesso do evento: quando prefeito do então Distrito Federal, tornou-se o primeiro político a dar apoio financeiro ao carnaval, dentro de um projeto que visava transformar o Rio de Janeiro numa potência do turismo, e em 1935 reconheceu e oficializou os desfiles.  Após um período de decadência dos festejos de rua nas décadas de 1980 e 1990, quando o carnaval da cidade se resumia quase que unicamente aos desfiles das escolas de samba, o carnaval dos blocos e bandas de rua voltou a crescer, entrando oficialmente para o Guinness Book. Atualmente, o carnaval de rua da cidade é cerca de cinco vezes maior que os festejos realizados pelas escolas de samba e apresenta-se como um evento multifacetado, possuindo: blocos dos mais variados ritmos, como samba, marchinhas, ritmos nordestinos, entre outros; e blocos temáticos que tocam de Mamonas Assassinas a Beatles. O carnaval carioca pode ser considerado um evento cultural de alto prestígio, já tendo sido eleito, pelos internautas do site estrangeiro Fun Party, como a “melhor festa do mundo”. É citado, constantemente, como o carnaval mais famoso que existe. 
 O Grêmio Recreativo Escola de Samba São Clemente, ou simplesmente São Clemente, representa uma escola de samba brasileira da cidade do Rio de Janeiro, que foi idealizada e fundada por Ivo da Rocha Gomes, João Marinho e Aílton Teixeira. Sua melhor colocação no Grupo Especial do Carnaval foi o 6° lugar em 1990 com enredo “E o Samba Sambou” que analisava criticamente a “mercantilização do carnaval”. Este enredo foi reeditado pela escola 29 anos depois, no carnaval de 2019. A escola de samba historicamente notabilizou-se pelos enredos recheados de bom humor e críticas sarcásticas aos mais diversos temas. A São Clemente também possui equipes de futebol de areia de várias categorias, sendo um dos poucos grandes times dessa modalidade a não pertencer ao eixo da faixa litorânea carioca das praias Copacabana-Leblon. A sede da São Clemente como instituição é no bairro de Botafogo, onde permanece, bairro este com o qual a agremiação possui profundas ligações afetivas. Porém a quadra atual para os ensaios da escola está localizada na Avenida Presidente Vargas, na Cidade Nova, na cidade do Rio de Janeiro.
 A partir de 1984, com a construção do sambódromo os desfiles da São Clemente passaram a acontecer na Passarela do Samba de onde nunca deixou de desfilar. A escola completa diversas participações entre as grandes escolas do Grupo Especial, sendo que, por 11 vezes consecutivamente, desde 2011. A constante oscilação entre os principais grupos do carnaval lhe trouxe a alcunha de escola ioiô. Devido aos enredos panfletários da década de 1980, a escola também ficou reconhecida como o “PT do samba”. Melhor dizendo, uma espécie de representação comparativamente ao Partido dos Trabalhadores (PT), de Luiz Inácio Lula da Silva e muitos outros. Um dos grandes nomes da escola é Renato de Almeida Gomes, filho do fundador. Renatinho, como é reconhecido, participa ativamente dos desfiles da agremiação desde 10 anos de idade. Participou da comissão de frente, da ala, foi diretor de bateria, a “Bateria Fiel”, durante o decorrer de 17 carnavais, tanto como diretor de esporte e também no trabalho como vice-presidente da agremiação até chegar à presidência em 2002. Na sua gestão, iniciada em 2002, a escola conquistou três dos seus cinco títulos, em 2003, em 2007 e 2010.

           
Amazônia representa uma floresta latifoliada úmida que cobre a maior parte da bacia Amazônica da América do Sul. Entre 1540 e 1542, Francisco de Orellana desceu o rio Amazonas em sua extensão, a partir da cordilheira dos Andes. O rio foi “batizado” pela pena do invasor Orellana, mas desde tempos imemoriais era chamado pelos indígenas de Paraná-Assú, dentre outros nomes do tronco Tupinambá. Alguns trabalhos de pesquisadores diversos indicam também os nomes rio de la Canela, rio Grande de La Mar Dulce e também rio Marañon. Orellana, através de Frei Gaspar de Carvajal, seu cronista, relata etnograficamente ter encontrado na foz do rio Nhamundá no rio Amazonas, índias guerreiras, “sem maridos”, por ele denominadas Amazonas e chamadas pelos índios de Icamiabas, em referência distante a uma lendária tribo de mulheres guerreiras da mitologia grega. A partir da corrente difusionista o rio seria chamado rio das Amazonas. Em 1808, Humboldt usaria o termo Hileia (“Hylaea”) para denominar a região. Outros pesquisadores a chamariam de país das Amazonas, termo popularizado por Frederico José de Santa-Anna Nery ou Barão de Santa Anna Néry, Belém do Pará (1848-1901), intelectual e historiador brasileiro da região do Amazonas.  Carl Friedrich Philip von Martius a chamaria de Nayades, Johann Eduard Wappäus usaria os termos “zona equatorial”, “mata tropical” ou “Hylaea do Amazonas”.
           Esta bacia hidrográfica abrange área em torno de 7 milhões de quilômetros quadrados, dos quais 5 milhões e meio de quilômetros quadrados são cobertos pela floresta tropical. Esta região inclui territórios pertencentes a nove nações. A maioria das florestas está contida dentro do Brasil, com 60% da floresta, seguida pelo Peru com 13% e com partes menores em nações como Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e França (Guiana Francesa). Estados ou departamentos de quatro nações vizinhas do Brasil têm o nome de Amazonas por isso. A Amazônia representa mais da metade das florestas tropicais remanescentes no planeta e compreende a maior biodiversidade em uma floresta tropical no mundo. É um dos seis grandes biomas brasileiros. A Floresta Amazônica foi pré-selecionada em 2008 como candidata a uma das “Novas 7 Maravilhas da Natureza” pela Fundação Sete maravilhas do mundo moderno. Em fevereiro de 2009, a Amazônia foi classificada em primeiro lugar no Grupo. E, a categoria para as florestas, parques nacionais e reservas naturais.
              

O símbolo não sendo já de natureza linguística deixa de se desenvolver numa só dimensão. As motivações que ordenam os símbolos não apenas já não formam longas cadeias de razões, mas nem sequer cadeias. A explicação linear do tipo de dedução lógica ou narrativa introspectiva já não basta para o estudo das motivações simbólicas. A classificação dos grandes símbolos da imaginação em categorias motivacionais distintas apresenta, com efeito, pelo próprio fato da não linearidade e do semantismo das imagens, grandes dificuldades. Metodologicamente, partindo dos objetos bem definidos pelos quadros da lógica dos utensílios, como faziam as clássicas “chaves dos sonhos”, segundo as estruturas antropológicas do imaginário, cai-se rapidamente, pela massificação das motivações, numa inextricável confusão. Parecem-nos mais sérias as tentativas para repartir os símbolos segundo os grandes centros de interesse de um pensamento, certamente perceptivo, mas ainda completamente impregnado de atitudes assimiladoras nas quais os acontecimentos perceptivos não passam de pretextos para os devaneios imaginários. Tais são, as classificações sociais, tradicionalmene mais profundas de analistas das motivações do simbolismo religioso ou imaginação em geral literária.   
Tanto escolhem como norma classificatória a ordem de motivação cosmológica e astral, na qual são as grandes sequências das estações, dos meteoros e dos astros que servem de indutores à fabulação, tanto são os elementos de uma física primitiva e sumária que pelas qualidades sensoriais, polarizam os campos de força no continuum homogêneo do imaginário. Tanto, enfim, se suspeita que seja os dados sociológicos do microgrupo ou de referência a grupos que se estendem aos confins do grupo linguístico que fornecem quadros sociais primordiais para os símbolos. Ocorre pela imaginação estreitamente motivada seja pela língua, seja pelas funções sociais que se modela sobre essas matrizes sociológicas e antropológicas. Ou pelos seus genes raciais intervenham bastante misteriosamente para estruturar os conjuntos simbólicos, distribuindo sejam as mentalidades imaginárias sejam os rituais religiosos, constituído com uma matriz evolucionista, quando tenta estabelecer uma hierarquia das grandes formas simbólicas e restaura a unidade no dualismo de Henri Bergson das “Deux Sources” (2008). Ou ainda, enfim, que atravessando a técnica da psicanálise se tente encontrar uma síntese entre as pulsões de uma libido em evolução e as pressões recalcadoras do microgrupo familiar. Estas diferentes classificações das motivações simbólicas que precisamos analisar, antes de estabelecer um método empírico pretensamente firme na ordem das motivações.  São Clemente traz bruxas na Comissão de Frente.  
Matinta Perera é uma personagem do folclore brasileiro, mais precisamente na região Norte do país. Trata-se da caricatura de uma bruxa velha que à noite se transforma em um pássaro agourento que pousa sobre os muros e telhados das casas e se põe a assobiar e só para quando o morador, já muito enfurecido pelo estridente assobio, lhe promete algo para que pare, sendo geralmente tabaco, mas também pode ser café, cachaça ou peixe. Na representação folclórica, Matinta Perera para e voa, mas no dia seguinte a velha vai até a casa do morador perturbado, para cobrar o combinado, caso o prometido seja negado “uma desgraça acontece na casa do que fez a promessa não cumprida”. Nas cidades que giram em torno da mitopoética amazônica existem duas versões para a lenda da Matinta. A primeira, que se transforma em uma coruja “rasga-mortalha” ou na representação de um corvo. A segunda, narra que ela se traveste de uma roupa preta que lhe cobre todo o corpo dando-lhe nos braços uma espécie de asa para que possa planar sobre as casas. Nas configurações do mito por uma questão de síntese, a maioria dos exemplos apontam marcas textuais, que descrevem a audição de um assobio que vem de cima ou que dão rasantes, de um balançar de árvore ou de um cair de folhas.

 Sendo, assim, possível identificá-las como aéreas ou terrenas. As Matintas aéreas. Considerando os elementos primordiais da natureza, o espaço aéreo é um dos trechos de maior trânsito das Matintas bragantinas. No caso da descrição aérea, por onde passeia a personagem, é o elemento da verticalidade, é o lugar do voo e do percurso da queda dos pássaros, ainda que a distância do rastro e a quilometragem do voejar, muitas vezes, os tornem opacos. No que é relativo ao bestiário das Matintas voejantes, elas assumem formas variáveis e podem configurar-se através das transfigurações de andorinhas, gaviões, morcegos ou, simplesmente, pássaros. Há registros de entes voadores da família dos ornitomórficos, dos mamíferos quirópteros, ou pertencentes ao mundo dos espíritos, apresentados em muitos dicionários, e alguns estudos gerais sobre a mítica amazônica e/ou brasileira.
O assobio da Matinta é tão relevante quanto o tabaco e, em qualquer das formas em que se configure, ele é que demarca um rito de passagem. Canto monocórdio, melancólico e em uníssono é sempre sonorizado pelas vogais altas (i e u) que coincidem com as notas agudas e, mesmo que na sua forma humanizada possa ser masculina, se relacionam à voz feminina. Cantado por seres invisíveis, pelo bico dos seres alados, pela da boca da bruxa e até mesmo pelo ânus, é o condutor do terror notívago. Todo este processo de interação expressa na constituição e na configuração da personagem retrata a formação da cultura amazônica, remetendo ao conceito de nação cultural brasileira ou da Amazônia latino-americana. Os espelhos europeus nos países colonizados, assimilados, muitos já estilhaçados, refletem outros rostos. A subtração do nacional deixa o resíduo que prolifera em solo fértil. A metáfora do corpo despedaçado explica a fragmentação no processo dinâmico de reprodução de identidades.
            Há descrições que existe um jeito de prender a Matinta e os materiais são simples: - uma tesoura, uma chave comum, um rosário bento e uma vassoura virgem. A chave deve ser enterrada e a tesoura fincada em cima do local, o rosário se põe por cima da tesoura. Toda Matinta que passar por ali ficará presa, mas depois que ela for libertada deve-se varrer o local com a vassoura para que a sina não se espalhe. Outra versão diz que ela não pode ouvir o nome de qualquer deus enquanto estiver transformada, pois se não o feitiço acaba, já que, sendo uma bruxa, não tem uma religião. O repentista Teobaldo Patacho, mestre do cancioneiro popular paraense, transforma em versão da canção “Paixão Cabeluda” (1987) a lenda regional do casamento atribulado entre a atormentada Matinta e o deslizante Boto. Segundo as versões populares, a união foi desfeita pelo boto, por não aturar o cheiro de cachaça e de fumo quando a esposa chegava em casa todas as noites. Mas também é comum se encontrar versões relegando à jovem Matinta o fim das núpcias, dado que o Boto era muito afeito a procurar jovens donzelas à beira do Rio Guamá. No ano de 2015, a lenda foi mencionada no enredo da São Clemente: - “A incrível história do homem que só tinha medo da Matinta Pereira” da tocandira, da onça pé de boi, uma homenagem ao carnavalesco Fernando Pamplona.  
            O que há de residual em sua memória e etnografia é que a Matinta, deixa de ser ave para tornar-se um tapuio negro e perneta que serve de companhia a uma velha, que o mantém agradavelmente como seu xerimbabo. Na análise comparada Matintaperera confunde-se com o Saci-Pererê. É uma ave de vida misteriosa e cujo assobio nunca se sabe de onde vem. Dizem que ela é o Saci Pererê em uma de suas formas. Aparece de noite nas vilas, cidades, povoados, atravessando o espaço com seu grito arrepiante. Ninguém sabe onde a Matinta mora. É crença entre paraenses e amazonenses que existem velhas com o poder de transformar-se em Matintas. Assim, ouvindo seu grito os moradores prometem, em voz alta, fumo. Pela manhã, é quase certo que uma velha mendiga irá aparecer pedindo esmolas. É a Matinta que vem cobrar a promessa feita. Outras vezes assume a forma de uma velha vestida de preto, com o rosto parcialmente coberto. Prefere sair nas noites sem lua. Quando vê uma pessoa sozinha, ela dá um assobio ou grito estridente, cujo som lembra a palavra: “Matinta Perera”. 
Autores pioneiros no estudo e pesquisa da mitopoética brasileira, como Couto de Magalhães (1875), Veríssimo (1887), Nery (1899) e Basílio de Magalhães (1939), entre outros, associam o mito da Matinta ao do saci ou descrevem seu aspecto ornitomórfico. Ente fantástico da mitologia brasileira, também já havia mencionado que o saci estava relacionado a um pássaro, o tipo da ave pertencia à “casta de pequena coruja” e que era nomeada de saci pelos gritos constantes emitidos durante a noite. E, no âmbito da mesma discussão da Matinta Perera, confirma-se que os pajés se transmudavam nesta coruja para voarem com o intuito de praticarem o mal, dessa forma, sempre agouravam aqueles que não lhes agradavam e prenunciavam desgraças aos demais que os ouviam nas noites insones. Não obstante, a relação única entre àquele negrinho perneta com essa ave melancólica já não existe, nas pesquisas, uma vez que o mito originário desses dois seres da mitologia brasileira já não é o mesmo. Ermanno Stradelli, folclorista e etnógrafo ítalo-brasileiro propõe que há na descrição do evento uma cisão entre o mito da ave Matinta e da ave saci, conferindo às matas nortistas o local de pouso do Matintaperera e ao Sul e Sudeste do país, o espaço de trânsito do Saci-Pererê.
Etimologicamente Crispim, Peixe-frito, Maty taperê, Matintaperera, Sem-fim, Seco-fico, Tico-tico-três-cabeças ou simplesmente Saci. Ave agourenta, tinhosa; para muitos, é o próprio Saci-pererê em forma de ave; para outros, é a Matintaperera que, em forma de ave, põe-se a importunar a todos com seu assovio melancólico. Seja de dia ou até mesmo durante as noites escuras, seu canto ecoa próximo às vilas, nas taperas; canto esse que ninguém sabe ao certo de onde vem. Já enfastiado dessa toada agourenta, não há para o matuto solução senão oferecer à Matinta aquilo que ela mais gosta, café e tabaco. Prometem em voz alta e, no dia seguinte, ela surge já em sua forma humana, velha, maltrapilha. Ela chega mendiga por fumo, recolhe sua oferenda e se esvai. Para onde, ninguém sabe, mas fica a asserção de que um dia ela voltará. É uma ave de tamanho médio, um pouco maior que um sabiá, porém mais esguia e longilínea. Vive no emaranhado de galhos secos, quase sempre se confundindo com a sua própria cor, o que a torna aparentemente invisível aos olhos menos familiarizados. Velhaca, ela nunca revela onde está. Quando está próxima, vocaliza baixinho, aludindo estar longe. Quando se afasta, brame de toda sua voz; seu canto ecoa pelos até um raio de meio quilômetro.

Para quem ouve o saci, fica a ilusão de que ele está por perto, mas de nada adianta procurar, tal qual em sua homologia o Pererê, ele quase sempre consegue nos enganar. Sua destreza em ludibriar os outros não se limita a nós seres humanos. Faz vítimas entre vários animais, até mesmo entre seus grupos das aves. Quando desce ao solo para procurar pequenos animalejos, ele projeta suas álulas escuras em ataques e rápidos movimentos, alternados com aberturas de asas, topete e movimentos de pescoço, conferindo-lhe um aspecto assustador de uma criatura mítica aparente com três cabeças ou quatro asas. A astúcia (prática) do saci não se aprende, já está na estratégia e se faz presente até mesmo no ninho. Os pais dessa espécie não fazem ninhos, tampouco ocupam de seu tempo para criar seu rebento. Depois de fecunda, a fêmea sai em busca de ninhos de formação de outras espécies que compartilham com o saci o mesmo habitat. Curutié, joão-teneném, joão-graveto, joão-botina, seja lá quem for o “joão”, todos eles já caíram na formação do saci. Na ausência dos verdadeiros donos do ninho, a mãe saci chega. Desconfiada, olha entre os arredores e, já certa de que ninguém verá sua trapaça, ela calmamente põe seu ovo e vai embora decidida a nunca voltar. Vai com a certeza de que o instinto animal impedirá a mãe adotiva de abandonar o seu filhote.
Para se descobrir quem é a Matinta Pereira, a pessoa ao ouvir o seu grito ou assobio deve convidá-la para vir à sua casa pela manhã para tomar café. No dia seguinte, a primeira pessoa que chegar pedindo café ou fumo é a Matinta Pereira. Acredita-se que ela possua poderes sobrenaturais e que seus feitiços possam causar dores ou doenças nas pessoas. Em alguns lugares, se apresenta como um velho, a cabeça amarrada com um pano ou lenço, como se fosse uma pessoa doente, indo de porta em porta, também a pedir tabaco. Um ponto em comum em todas as versões encontradas, é que se trata de um indivíduo nômade, que anda a gritar, ou com seu assobio de pássaro, ou a tocar uma flauta, sempre a pedir tabaco. Na interpretação etnográfica da Matinta-Pereira, o “mati” significa um ente misterioso, nem ave, nem quadrúpede, nem serpente, mas tendo de todos estes alguma coisa. Mora nas ruínas, junto com onças, corujas e cobras. Há no Norte, sociedades secretas femininas chamadas de Tapereiras, que o povo chama de “Mati-taperereiras”. Às vezes usam do medo que provocam no povo para obterem vantagens. Conta-se que garotos da faixa etária entre 10 e 14 anos, como serventes e nas noites sem luar, saem imitando a Matintaperera. O povo assustado fecha as portas e janelas, e todos se calam para não atrair o demônio para suas casas.  Esta categoria de vultos noturnos pode ser analisada como produto da imaginação pelo medo, pelo sono ou pelo devaneio natural do habitante das matas amazônicas.
As missões religiosas que, por compreenderem a impossibilidade de impor a “fé cristã”, adulteram as regras da Igreja para obter sucesso na catequese indígena. Assim, entre os deuses tupinambá, sobreviventes no imaginário do homem amazônico, estão o jurupari, o curupira e o matintaperera, já confundidos com a crença católica e com todos os gênios malfazejos. O medo do poder feminino conduz a associação da mulher com as feiticeiras, diante das numerosas causas das raízes do medo do homem em relação à mulher. O mistério da maternidade figura entre os principais enigmas femininos. O ventre fecundado cresce, dele nasce um ser com todas as condições de vida, de algum modo relacionando-se com o brotar das plantas e com o desabrochar das flores. A mulher aproxima-se da natureza, repete o mesmo processo em qualquer lugar, por isso conhece melhor os seus segredos, não só o de profetizar, mas o de curar ou de prejudicar por meio de misteriosas receitas. O feminino associa-se a terra-mãe, que é ventre nutridor, ao mesmo tempo em que é o reino dos mortos sob o solo ou águas profundas. Daí nominações da Morte ligada ao mundo das fêmeas. Considerada impura, porque expurga o sangue menstrual, misteriosa como as lunações, ela atrai e repulsa seu parceiro, pois é capaz de propiciar prazeres e trazer toda espécie de malefícios. Por ser propagadora de pecados e males, regras se estabelecem nas relações de gênero para impedir sua passagem na história. É proibida de exercer funções sacerdotais, é proibida de tocar nas armas dos cavaleiros etc. Revelam o rito de sangramento cíclico que põe as rédeas na fêmea, conforme institui o gênero do macho.
Bibliografia geral consultada.
FARES, Josebel Akel, Imagens da Matinta Perera em Contexto Amazônico. In: Revista Boitatá. Londrina, n° 3, jan;/jun., 2007; BERGSON, Henri, Les Deux Sources de la Morale et de la Religion. Paris: Presses Universitaires de France, 2008; CRUZ, Nathalia da Costa, As Mitopoéticas na Obra de Paulo Nunes: Ensaio sobre Literatura e Educação na Amazônia. Dissertação de Mestrado em Educação. Belém: Universidade do Estado do Pará, 2013; SILVA, Maurício Candido da, Musealização da Natureza: Exposições em Museus de História Natural como Representação Cultural. Tese de Doutorado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007; WEISS, Raquel Andrade, Efervescência, Dinamogenia e Ontogenese Social do Sagrado. In: Mana, vol. 19, n° 1, pp. 157-179, 2013; SILVA JÚNIOR, Fernando Alves da, Representação Feminina no Mito da Matinta Pereira em Taperaçu Campo, Bragança (PA). Dissertação de Mestrado em Letras. Programa de Pós-Graduação em Linguagens e Saberes da Amazônia. Pará: Universidade Federal do Pará, 2014; AZEVEDO, Luciana Alves Vieira de; GENOVESE, Cinthia Leticia de Carvalho Roversi; GENOVESE, Luiz Gonzaga Roversi, “Educação Ambiental na Escola: Uma Prática Indispensável para Conscientização Ecológica”. In: Revista de Educação, Ciências e Matemática. Vol.4 nº2 mai./ago 2014; PACE, Richard, “O Legado de Charles Wagley: Uma Introdução”. In: Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Volume 9, n° 3, pp. 597-615, set.-dez. 2014; DIAS, Maírna Costa, A Matinta tem a Cor da Chuva: Ludicidade como Estratégia de Ensino-Aprendizagem para a Educação Ambiental. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Instituto de Ciências da Educação. Belém: Universidade Federal do Para´, 2015; MONTEIRO, Walcyr, Visagens e Assombrações de Belém7ª edição. Belém: Smith Editora, 2016; FERREIRA, Rubens da Silva; NASCIMENTO, Cleide Furtado, “O Mito da Matinta Pereira e suas Formas Variantes em Curuçambaba, Bajuru (Pará, Brasil)”. In: Revista do Grupo de Trabalho de Literatura Oral e Popular. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística. Londrina,  n° 25, jan.-jun., 2018; entre outros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário