Família Bélier - Talento Artístico & Narrativas Sociais de Surdos.
Ubiracy de Souza Braga
“O talento
revela-se exatamente porque esconde a sua perfeição”. William Shakespeare
Quando alguma pessoa apresenta uma
desenvoltura perfeita ao desempenhar determinada atividade, dizem que ela tem
um “dom” ou “talento” para aquilo. Apesar de ser empregado de formas
semelhantes, o significado da palavra “dom” é diferente da definição de “talento”
e, portanto, representam características distintas. Dom vem do latim “donus”,
que significa dádiva, presente. Nessa perspectiva, trata-se de uma capacidade
inata para desempenhar com destreza e maestria determinada tarefa, até mesmo em
aspectos que elas parecem mais complexas para a maioria de um conjunto determinado
de pessoas. Podemos citar, como exemplo, uma criança que demonstra desde cedo
uma “afinidade eletiva” muito grande para tocar determinado instrumento. Quando
falamos em facilidade em executar ou aprender determinada atividade, vale
lembrarmos que o significado da palavra “dom” não tem como sinônimo apenas a
representação do critério da genialidade. Já que essa condição social ocorre
somente com alguns indivíduos determinados e devido a questões psíquico-físicas. E
que estão sendo desvendadas através das investigações pluridisciplinares pela
ciência. entendida como uma associação livre de disciplinas que concorrem para uma realização. Mas que cada disciplina não tenha que modificar a visão das coisas e os seus próprios métodos.
É através da língua dos sinais
que a família Bélier se comunica, saudável e positivamente como se demonstra no
filme, La Famille Bélier, comédia
dramática francesa realizada pelo cineasta Éric Lartigau. O filme foi lançado
nos cinemas franceses a 17 de dezembro de 2014. Na família Bélier, Paula, a filha
de 16 anos, é a intérprete indispensável para muitas das tarefas diárias de
seus pais e irmãos, todos eles agricultores surdos, menos ela, que fala por
telefone, lida com o banco ou facilita-lhes a compreensão no consultório médico,
e, sobretudo relacionado à manutenção da granja. Paula representa a tradutora
da sua família. Um dia, um professor de música descobre seu talento pelo canto
e anima Paula para que participe de um prestigioso concurso musical em Paris, o
que lhe daria acesso a uma boa carreira e aos estudos universitários. No
entanto, esta decisão significa aparentemente deixar para trás sua família,
desnorteada e inquieta pela iniciativa escolar e para quem o conceito da música
resulta alheio, Paula começa a dar primeiros passos como adulta, ainda que
enfrente a incompreensão dos pais, as dúvidas sobre a sua vocação musical, o
abandono das responsabilidades com a família e a incerteza sobre a crescente
atração por um rapaz de sua idade. Enquanto isso, seu pai, Rodolphe Bélier,
insatisfeito com as ações políticas programadas do prefeito da cidade, decide concorrer às
eleições municipais, apesar de ser portador de deficiência no processo social de comunicação visual.
Uma
língua de sinais é uma língua que procede no âmbito da comunicação visual, que
surge nas comunidades de pessoas surdas ou se deriva de outras línguas de
sinais. Assim como as línguas orais-auditivas, uma língua de sinais é
considerada pela linguística como língua natural, pois atende a todos os
critérios linguísticos como qualquer língua. Por seu canal comunicativo ser
diferente das línguas orais-auditivas, as línguas de sinais são denominadas
como línguas de modalidade visuoespacial. Os sinais, ou seja, as palavras, são
articulados essencialmente pelas mãos e percebidos através da visão. Na
língua de sinais, os sinais não são gestos. Os sinais são símbolos arbitrários,
legitimados e convencionados pelos falantes de uma língua de sinais, assim como
as palavras são em uma língua oral. Por meio de uma língua de sinais, o surdo
ou pessoa com deficiência auditiva têm acesso à informação e à comunicação. Existem línguas de sinais e países com línguas de sinais têm recebido o status
de língua oficial. Durante muitos anos, o oralismo, técnica defendida por Alexandre Graham Bell, foi a única forma aceitável de/para comunicação com as pessoas surdas. O famoso Congresso de Milão, de 1880, teve um impacto negativo sobre as línguas de sinais no mundo.
Nesse congresso, os presentes, influenciados pelas ideias de Graham
Bell, decidiram pela proibição da língua de sinais como método de educação de
surdos. Assim, a língua falada oralmente foi imposta às pessoas surdas, e
decretou-se, sem fundamentação científica alguma, que o oralismo deveria
constituir a única forma de ensino. Diante disso, as línguas de sinais por mais
de 100 anos foram violentamente proibidas e banidas dos típicos espaços escolares. Mesmo
com a imposição do Congresso de Milão, as línguas de sinais resistiram. Muitos linguistas se dedicaram a estudar diferentes línguas de
sinais. O pioneiro foi o linguista norte-americano William Stokoe (1919-2000), intitulado como o “pai
da linguística das línguas sinalizadas”, concluiu que as línguas de sinais
apresentam aspectos linguísticos de uma língua genuína, no léxico, na sintaxe
e na sua capacidade de gerar infinitas sentenças e que deveriam ser pesquisadas
e estudadas pela linguística. Ao contrário do que acreditam, a língua de
sinais não é universal.
Assim
como as línguas orais, a variação linguística está presente também nas línguas
de sinais. É grande a variedade de línguas de sinais ao redor do mundo, onde há
mais de 140 línguas de sinais. São línguas completas, outras complexas, mas com
a sua própria gramática e léxico. Cada país tem a sua, ou até mais de uma,
língua de sinais. Tomando como exemplo alguns países lusófonos, vemos que
utilizam diferentes línguas de sinais: no Brasil existe a Língua Brasileira
de Sinais (LIBRAS) e a Língua de Sinais Kaapor Brasileira, em Portugal
existe a Língua Gestual Portuguesa (LGP), em Angola existe a Língua
Angolana de Sinais (LAS), em Moçambique existe a Língua de Sinais Moçambicana
(LMS). Assim como acontece nas línguas faladas oralmente, existem variações
linguísticas dentro da própria língua de sinais, isto é, regionalismos e/ou
sotaques. Essas variações se devem a ligeiras diferenças culturais e
influências diversas no sistema de ensino do país, por exemplo. Há também
outros fatores sociais e culturais que favorecem à diversidade e à mudança linguística,
como, por exemplo, a extensão e a descontinuidade territorial e os contatos com
outras línguas.
Além disso, deve-se levar em conta que diferenças culturais são
fatores naturais, históricos e sociais de condicionamento nos modos de representação e sobretudo, de interpretação do mundo. Assim, os
surdos sentem as mesmas dificuldades que os ouvintes quando necessitam
comunicar com outros que utilizam uma língua diferente. Há
também uma língua de sinais, análoga ao Esperanto, reconhecida como Gestuno,
também reconhecido como língua de sinais internacional, é uma língua artificial
e é utilizada em convenções e competições internacionais, visando estabelecer
uma comunicação internacional. Não se sabe historicamente quando as línguas de
sinais se iniciaram. Mas, sua origem remonta possivelmente à mesma época ou a
épocas anteriores àquelas em que foram sendo desenvolvidas as línguas orais.
Uma pista interessante para esta possibilidade das línguas de sinais terem se
desenvolvido primeiro que as línguas orais é o fato social concreto que o bebê
humano desenvolve a coordenação motora dos membros antes de se tornar capaz de
coordenar o aparelho fonoarticulatório. As línguas de sinais são criações
espontâneas do ser humano e se aprimoram exatamente da mesma forma que as
línguas orais. Nenhuma língua é superior ou inferior a outra, cada língua se
desenvolve e expande na medida da necessidade ou utilidade de uso de seus
usuários.
O
Esperanto é a representação social da língua planejada mais falada no mundo. Ao
contrário da maioria das outras línguas planejadas, o esperanto já saiu dos
níveis de projeto de publicação de instruções e semilíngua de uso em algumas
poucas esferas da vida social. Seu iniciador, o médico judeu Ludwik Lejzer
Zamenhof (1859-1917), publicou a versão inicial do idioma em 1887. Seu objetivo teve como intenção criar
uma língua de mais fácil acesso e aprendizagem. E que servisse como língua
franca internacional para toda a população mundial e não, apenas como erroneamente se supõem, para substituir todas as línguas existentes historicamente. O Esperanto é
empregado com utilidade de uso comunicativo em viagens, correspondência, intercâmbio cultural, convenções,
literatura, ensino de línguas, televisão e transmissões de rádio. Alguns
sistemas estatais de educação oferecem cursos opcionais de esperanto, e há
evidências de que auxilia na aprendizagem dos demais idiomas. Apesar da facilidade gramatical, o Esperanto
enfrenta dificuldade de ser adotado como língua auxiliar universal. É formado pela junção do radical esper (com
origem no latim sperare, “esperar”), da desinência ant (própria
do particípio presente) e da desinência o (dos substantivos). Significa,
portanto, “aquele que espera”, “aquele que tem esperança”. Ludwik Lejzer
Zamenhof vivia em Białystok (Polônia), na época Império Russo. Em Białystok,
moravam muitos povos e falavam-se muitas línguas, o que dificultava a
compreensão e comunicação, mesmo nas mais cotidianas situações, o que o motivou a criar uma
língua auxiliar neutra, a fim de solucionar o problema. Durante a adolescência,
criou a primeira versão de Esperanto, chamada lingwe universala, uma
espécie de “esperanto arcaico”.
O seu pai, conseguiu fazê-lo prometer trabalhar no seu idioma para se dedicar aos estudos. Zamenhof então foi para
Moscou estudar Medicina. Em
uma de suas visitas à terra natal, descobriu que seu pai queimara todos os
manuscritos do seu idioma. Zamenhof pôs-se então a reescrever tudo, adicionando
melhorias e fazendo a língua evoluir. O primeiro livro sobre o esperanto foi
lançado em 26 de julho de 1887, em russo, contendo as 16 regras gramaticais, a
pronúncia, alguns exercícios e um pequeno vocabulário. Logo depois, mais
edições do Unua Libro foram lançadas em alemão, polaco e francês. O
número de falantes cresceu rapidamente nas primeiras décadas, primordialmente
no Império Russo e na Europa Oriental, depois na Europa Ocidental, nas
Américas, na China e no Japão. Muitos desses primeiros falantes vinham de outro
idioma planificado: volapük. As primeiras revistas e obras originais em
esperanto começaram a ser publicadas. Em 1905, aconteceu o pioneiro Congresso
Universal de Esperanto, em Bolonha-sobre-o-Mar, na França, juntando quase mil
pessoas, de diversas nacionalidade e povos. Em 1906, foi fundado, no Brasil, o
primeiro grupo esperantista: o Suda Stelaro, em Campinas.Colabora em desfazer as crenças presentes em nossa sociedade,
de que “os surdos possuem prejuízos intelectuais, ou são pessoas infantis”.
Obviamente os surdos ainda sofrem discriminação e consequente isolamento
social, este último amenizado, no filme, pelo fato social de serem três surdos
na composição familiar e também por Paula ser a interprete em suas interações
com os não surdos. Vale esclarecer que a expressão surda-muda é equivocada
porque advém de uma crença comum que os surdos são também mudos e da negação
dialética da alteridade pelo fato de não ouvirem. A audição é importante no
aprendizado da fala, mas os mudos não o fazem porque possuem prejuízo crônico no
aparelho fonador, o que não acontece com os surdos, que podem aprender a falar,
embora seja difícil e necessite bastante investimento. Além disso, os surdos
não detém a linguagem oral, mas possuem a possibilidade da língua dos sinais
que não deixa de ser uma forma de linguagem. Família
nuclear é termo usado para definir um grupo familiar composto por um par de
adultos que devido a relações sexuais ocorridas e correntes entre o par que se
uniu por relações, as mais diversas possíveis, tais como: físico, psíquico,
emocional, espiritual, social, político, dentre outras, se houver, é que
permitiu o surgimento dos parentes de primeiro grau e seus filhos. As
estruturas familiares de um casal e seus filhos estiveram presentes na Europa
Ocidental e na Nova Inglaterra, no século XVII, influenciada pela igreja e por
governos teocráticos.
O surgimento e desenvolvimento da industrialização e o
capitalismo, a família nuclear tornou-se uma unidade social financeiramente
viável. O termo família nuclear apareceu pela primeira vez no início do curto século
XX. Definições de sentido histórico sociológico, tornarma-se alternativas que evoluíram para incluir
unidades familiares chefiadas por pais do mesmo sexo, com o distanciamento da
influência da igreja e familiares adultos talvez adicionais que assumem um papel
de coabitação parental; neste último caso, também recebe o nome de família
conjugal. A rigor, uma família nuclear ou conjugal consiste meramente de pais e
filhos, ainda que muitas vezes inclui, em função de certas condições sociais um
ou dois outros parentes, bem como, um pai ou mãe viúva ou irmão solteiro de um
ou outro cônjuge.
A
tese deste libelo francês é original: uma garota tímida descobre talento para o canto, o que gera problemas sociais e familiares caso queira
seguir esta carreira. Escolher o caminho da música representaria cortar o
cordão umbilical, algo doloroso para todos os envolvidos. A maior diferença
etnográfica, neste caso, está na família de Paula: seu pai, sua mãe e o irmão
são surdos-mudos. Por ser a única capaz de escutar, Paula trabalha como
intérprete nas negociações comerciais da fazenda familiar, e se encarrega de
traduzir a linguagem de sinais para os amigos e vizinhos. O talento vocal da
filha ganha outro significado a partir do momento em que antiteticamente não
pode ser apreciado pelos pais. A música também funciona como válvula de escape
à vida de dependência nas relações familiares - não é à toa que a canção
principal deste drama musical, Je Vole, sugere um rito de passagem, da fuga
da adolescência para a passagem à fase adulta. Por este fator social, “A
Família Bélier” (2014) representa um aparecer social mais dinâmico do que os filmes
que retratam a música como passagem da categoria simples ao concreto que revela
um talento providencial. O talento tende a associar-se à habilidade inata e à criação, embora se possa desenvolver com a prática e treino. A habilidade inata é a
aptidão, competência, destreza ou faculdade adquirida e desenvolvida pela
consciência em retrovidas, ou melhor, em períodos de intermissão, manifestando-se
espontânea e naturalmente na ressoma intrafísica atual.
O filme é beneficiado pelo ponto de vista naturalista do diretor Eric Lartigau: a deficiência auditiva da família é vista sem piedade ou vitimização.O cineasta
deve ter aprendido com o sucesso de “Intocáveis” - onde a imobilidade física
pode ser abordada com humor - contanto que se mantenha o respeito e evite o
paternalismo. O ambiente bucólico também é tratado com puro realismo, sem
insinuações de monotonia ou atraso. Mesmo o ambiente escolar e as conversas
entre os adolescentes, repletas de gírias e falas rápidas, funcionam como bom
retrato das gerações. As unidades de geração desenvolvem perspectivas, reações
e posições políticas e afetivas diferentes em relação a um mesmo dado problema.
O nascimento em um contexto social idêntico, mas em um período específico, faz
surgirem diversidades nas ações dos sujeitos. Outra característica é a adoção
ou criação de estilos de vida distintos pelos indivíduos, em um
mesmo âmbito social. Em outras palavras: a unidade geracional constitui uma
adesão concreta em relação àquela estabelecida pela conexão geracional.
Mas
a forma como grupos de uma mesma conexão geracional lidam com os fatos
históricos vividos, por sua geração, fará surgir distintas unidades geracionais
no âmbito da mesma conexão geracional no conjunto macrossociológico da
sociedade. As atuações exemplares chamam atenção. Para o papel dos pais, foram
escolhidos dois ícones do cinema francês e belga, respectivamente: Karin Viard
e François Damiens. Ambos transitam com facilidade entre a comédia e o drama,
individual (o sonho) e coletivo (os mitos, os ritos, os símbolos) essencialmente
nesta história, e se equilibram de modo eficaz, já que o estilo contido de
Damiens completa a gesticulação exagerada de Viard. Hilários em cena, eles
também demonstram respeito no retrato de surdos-mudos. O elo talvez mais fraco
do elenco é a protagonista Louane Emera, candidata do programa The Voice na França, e que faz os seus
primeiros passos no cinema. Seu início como atriz é promissor, e ainda pode se
desenvolver muito, mas a falta de experiência dramática fica visível em cenas
importantes como o clímax na Radio France, uma sociedade de serviço público,
criada pelo Estado em 1° de janeiro de 1975 que gere as estações da rádio
pública metropolitana assim como várias formações musicais.
Na excêntrica família Bélier, todos os membros são surdos-mudos com exceção da jovem Paula, filha mais velha do casal Rodolphe e Gigi. Por conta ela acaba sendo a intérprete da família em quase todas as situações, sendo de extrema importância para a relação da família com o mundo exterior. Vivendo em uma fazenda, a principal rotina de todos é
cuidar dos animais e das plantações da propriedade, mas Paula ainda precisa
reservar um tempo para os estudos. Apesar de ser tímida e viver uma vida quase
reclusa, ela não deixa de ser como todas as outras adolescentes de sua idade:
tem uma melhor amiga inseparável, um namoro mal resolvido e o mais importante
de tudo, sonhos. Incentivada pelo seu professor Thomasson, Paula descobre um dom seu até então desconhecido: o de
cantar, e a começar a sonhar na carreira musical. E todas
de extrema qualidade, graças à classe de voz de Leouane Emera, reconhecida por
ter participado da edição francesa do programa de televisão The Voice. Sua singularidade é a valorização apenas da voz de um competidor, não julgando a sua aparência
ou desempenho de palco, como diferença similares um artista pronto e não moldá-lo. Apesar de ser muito parecido com a questão referente aoo dom em definição, o talento se distingue por conter justamente uma habilidade técnica que pode ser desenvolvida ou aperfeiçoada.
Trata-se de um gosto especial, uma aptidão, uma predisposição espontânea a
algo, que atinge sua plenitude por meio de muito treino, disciplina e
perseverança. Nesse sentido, ser muito bom em determinada atividade somente
depende de você. Mas além da paixão pelo que faz, é necessário que seja
comprometido, disciplinado com suas atividades e, principalmente, que esteja em
constante treinamento. Apesar do significado da palavra dom estar diretamente
relacionado a alguma característica social com a qual nascemos ele somente
poderá tornar-se visível mediante a prática. Nesse caso, seus sentimentos
(inconsciente), pensamentos (razão) e comportamentos devem bem conduzidos para
serem utilizados, talvez, de forma produtiva. Freud salientou a importante
relação entre o comportamento de um ser humano adulto e certos episódios de sua
infância, mas resolveu preencher o considerável hiato entre causa e efeito com
atividades ou estados do aparelho mental. Em relação aos costumes e comportamentos
sociais, ele contribuiu para antropologia tendo como referência o método
clínico que praticou e desenvolveu.
A
psicanálise interpreta as manifestações da psique, as tendências sexuais (ou
libido), e as fórmulas morais e limitações condicionantes do indivíduo. São
dois os fundamentos da teoria psicanalítica: 1) Os processos psíquicos são em
sua imensa maioria inconscientes, a consciência não é mais do que uma fração de
nossa vida psíquica total; 2) Os processos psíquicos inconscientes são
dominados por nossas tendências sexuais reprodutivas. Nesse sentido, o psicanalista Freud
pretendeu descrever e explicar a vida humana tanto do ponto de vista pessoal e
individual, mas também pública e social, de forma mítica recorrendo a essas tendências sexuais
a que chamou de libido. Com esse termo, o pai da psicanálise designou a
“energia sexual” de maneira mais geral e indeterminada. Assim, por exemplo, em
suas primeiras manifestações sociológicas, a libido liga-se as funções vitais,
se entendermos que no bebê que mama, o ato de sugar o seio materno provoca
outro prazer além daquele natural de obter alimento e esse prazer passa a ser buscado por si
mesmo.
Na
abordagem psicanalítica fundada por Sigmund Freud, o indivíduo se constitui
como um ente à parte do social e que compõe o nível de análise social. Freud
refere-se aos aspectos que compõem um estado instintivo humano e que acaba por
se tornar inibido em prol da convivência em comunidade. A inibição destes
aspectos, que são instintivos, consiste numa privação de características que
são inatas aos homens, e, esta própria privação, acaba por consistir em
determinados descontentamentos. Neste sentido, os homens em civilização ou
civilizados demonstram-se descontentes na busca de sua felicidade, pois seus
instintos não são prontamente atendidos em sociedade. No seu ensaio: “O
mal-estar da civilização”, Freud elabora uma discussão filosófico-social a
partir de sua teoria psicanalítica. O autor desenvolve a ideia pragmática
segundo a qual, em sociedade, “não há avanço sem perdas”. A ideia central que
desenvolve nesta obra é a de que a civilização é inimiga da satisfação dos
instintos humanos. A sociedade modifica a natureza humana individual, constitui
o homem como membro da comunidade, adaptando-o a um processo vital que torna o
indivíduo um ente social.
Segundo
Freud, o conteúdo do inconsciente é, muitas vezes, reprimido pelo Ego. Para “driblar”
a repressão, as ideias inconscientes “apelam” aos mecanismos definidos por
Freud n`AInterpretação dos Sonhos,
como deslocamento e condensação. Estes dois seriam relacionados, na linguística
por Romain Jacobson à metonímia e metáfora, respectivamente. Portanto, as
representações de ideias inconscientes manifestam-se nos sonhos como símbolos,
tanto metafóricos quanto metonímicos. Aplicando o conceito à fala, o
inconsciente consegue expelir ideias recalcadas através dos chistes ou atos
falhos. Antes, são mecanismos da fala que articulam ideias aparentes com ideias
reprimidas, são meios sociais pelos quais é possível exprimir os “instintos
primitivos”. Semelhante à análise dos sonhos, a análise da fala seria um
caminho psicanalítico para investigar os desejos ocultos do homem e as causas
das psicopatologias. – “É na palavra e pela palavra que o inconsciente encontra
sua articulação essencial”. Deste modo, Freud cria uma inter-relação entre os
campos da linguística e da psicanálise, que será retomada por estudiosos
posteriores, como ocorre precisamente nos Séminaire
de seu maior intérprete, Jacques-Marie Émile Lacan (1901-1981), mas que não trataremos
agora.
Sua primeira intervenção na psicanálise é para situar o Eu como instância de desconhecimento, de ilusão, de alienação, sede do narcisismo. É o momento do
“Estádio do Espelho”. O Eu é situado no registro do Imaginário, juntamente com
fenômenos como amor e ódio. É o lugar das identificações e das relações duais. Distingue-se do Sujeito do Inconsciente, instância simbólica. Lacan reafirma,
então, a divisão do sujeito, pois o Inconsciente seria autônomo com relação ao
Eu. E é no registro do Inconsciente que deveríamos situar a ação da
psicanálise. Esse registro é o do simbólico, é o campo da linguagem, do
significante. Claude Lévi-Strauss afirmava que “os símbolos são mais reais que
aquilo que simbolizam, o significante precede e determina o significado”, no
que é seguido por Lacan. Marca-se aqui a autonomia da função simbólica. Este é
o “Grande Outro” que antecede o sujeito, que só se constitui através deste – “o
inconsciente é o discurso do Outro”, “o desejo é o desejo do Outro”. O campo de
ação da psicanálise situa-se então na fala, onde o inconsciente se manifesta,
através de atos falhos, esquecimentos, chistes e de relatos de sonhos, enfim,
naqueles fenômenos que Lacan nomeia como “formações do inconsciente”. A isto se
refere decisivamente o lacanianismo “o inconsciente é estruturado como uma
linguagem”.
Ipso facto, não há estatuto lacaniano de psicanálise.
E até fica evidente que o próprio Lacan está às voltas com um problema. E que
ele evolui, tenta soluções, o que leva seus alunos a periodizar seu ensino, e a
admitir, conduzidos por uma leitura atenta, que ele talvez tenha dito, senão
tudo e o contrário de tudo, pelo menos, que tenha tomado às avessas suas teses
aparentemente mais garantidas. Desse estudo rigoroso do ensino de Lacan, nasce
a pergunta: “que é ser lacaniano?” e essa pergunta de identificação, e de
papéis, passa a ser: “qual é o problema lacaniano na psicanálise?”. Ser
lacaniano torna-se uma questão de exercício pleno, uma questão nova quando a
resposta “ser lacaniano é ser freudiano” já não satisfaz. No entanto, essa
resposta é um convite de Lacan. Mas isso só podia ser dito, em relação a essa
variedade de freudismo, o anafreudismo, que se impôs nos últimos anos da
existência de Freud, dominando a psicanálise durante vários decênios, sendo
considerada uma interpretação sociológica do freudismo, canônica, dogmática, de
certos elementos da doutrina de Freud. Considerando este anafreudismo, era
então possível responder “ser lacaniano nada mais é do que ser freudiano”.
Nas
trocas de presentes se misturam os sentimentos e as pessoas. Misturam-se as
almas nas coisas, misturam-se as coisas nas almas. As regras de generosidade
descritas por Mauss são bem definidas pelo valor e a interdição freudiana que
se liga ao fato de que o tabu ainda subsiste entre nós, como Freud considerou
no prefácio da primeira edição de “Totem e Tabu”, em 1913. As considerações
sobre o kula, enquanto grande potlatch
leva os estudos etnológicos de Malinowski ao tema da dádiva na medida em que
significa um comércio cujas particularidades são típicas dos povos das ilhas
Trobriand. A interdição como dever recíproco estabelecido entre devedores e
credores, orienta o movimento cíclico e regular das transações. O penhor dado
condiciona-se ao zelo e a transferência, essa transmissão para um terceiro em
outro kula configura a circulação dos signos de riqueza e traduzem o orgulho do
possuidor que, por sua vez, não pode guarda-los por muito tempo. - “O kula, sua
forma essencial, não é senão um momento, o mais solene, de um vasto sistema de
prestações e de contraprestações que, em verdade, parece englobar a totalidade
da vida econômica e civil das Trobriand”. Os
exemplos analisados por Mauss no Ensaio sobre a Dádiva (2003) não
representam casos isolados dessa instituição nas tribos da África, Melanésia,
Polinésia, América do Sul e do Norte.
Em nossas práticas cotidianas e costumes
não é raro o aparecimento de rivalidades e distintas formas de conflitos que
caracterizam a troca de presentes. As manifestações são múltiplas, no entanto,
carregam o mesmo cerne encontrado naquelas sociedades. Mauss destaca no caso
polinésio o aspecto religioso e moral por trás do dever de retribuir o presente
recebido, nele o que pode ser compensado ou trocado equivalem aos tesouros,
talismãs, objetos sagrados, inclusive tradições e rituais mágicos. Os elementos
essenciais do potlatch giram em torno dos seguintes critérios: “(...) honra, do
prestígio, do mana que a riqueza confere, e o da obrigação absoluta de
retribuir as dádivas sob pena de perder esse mana, essa autoridade, esse
talismã e essa fonte de riqueza que é a própria autoridade”. Os aspectos históricos do que hoje entendemos como direito das obrigações são também abordados nesse livro, inclusive quanto ao aspecto diacrônico da origem da distinção, nas sociedades semíticas, grega e romana, entre a obrigação e a prestação não gratuita, de um lado, e a dádiva, do outro. Aquisições recentes da civilização, de acordo com ele, com possível origem em fase anterior, sem a mentalidade fria e calculista de dádivas trocadas, em que se fundem pessoas e coisas tal como pode ser deduzido em vestígios do direito romano, ou nas leis da Germânia, ou Código de Manu da cultural da Índia antiga.
O peso marcante da propriedade em nossos dias aproxima-se daquilo que para o
direito maori anima espiritualmente a
coisa colocada em circulação, que tende naturalmente ao retorno para o seu
local de origem. A questão da recusa da obrigação de dar e receber, por sua
vez, equivale a declaração de guerra, pois o vínculo estabelecido é
eminentemente espiritual na concepção nativa. Outro aspecto interessante
relatado etnograficamente por Mauss diz respeito a noção de economia e moral
por trás do presente trocado com os deuses. Não é totalmente desconhecido,
tendo em vista que as práticas religiosas ligadas ao cristianismo, de modo
ilustrativo, são guiadas pela troca de favores e presentes em agradecimento às
benesses vindas do céu, seja por intermédio da Trindade divina, dos santos ou
demais entidades celestes. Sobre o “sacrifício-contrato” Marcel Mauss explica
da seguinte forma: A destruição sacrificial tem por objetivo ser, precisamente,
uma doação a ser necessariamente retribuída. Não
é só para manifestar poder, riqueza e desprendimento que escravos são mortos,
que óleos são queimados, que o cobre é lançado ao mar e até mesmo
casas suntuosas são incendiadas. Assim, é também para sacrificar aos espíritos e aos
deuses, em verdade confundidos com suas encarnações vivas, os portadores de
seus títulos, seus aliados iniciados. Em poucas palavras, sobre as sociedades
melanésias Mauss entendeu o complexo sistema de economia estabelecido
entre aqueles povos. Por meio das dádivas
feitas e retribuídas eles substituem o sistema de compra e venda e operam de
modo semelhante aos nossos. No caso do noroeste americano, a diferença
existente diz respeito a violência e ao exagero que chega a suscitar o que
Mauss chamou de prestações totais simples, ou seja, uma certa desproporção em
relação aos conceitos jurídicos observados na Melanésia. A certeza da
retribuição das dádivas que circulam nesta e na Polinésia é garantia
própria da coisa posta em circulação. A particularidade desta dádiva é o
termo, o tempo para que a contraprestação seja executada. Nas palavras
do autor: “a dádiva implica necessariamente a noção de crédito”. Não menos
importante, como já foi mencionado aqui, é a noção de honra. Enfim, a ascensão
de Paula na música não é súbita, mas fruto de trabalho, e seu tutor neste caminho,
interpretado peloótimo Eric Elmosnino,
que também não é um homem generoso, apenas um professor arrogante que por acaso
descobre o dom da aluna.
Bibliografia
geral consultada.
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Andreis, Educação de Surdos e Preconceito: Bilinguismo na Vitrine e Bimodalismo
Precário no Estoque. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em
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Práticas Pedagógicas e o Aluno com
Deficiência Intelectual: Uma Intervenção Colaborativa sobre os Processos de
Ensino e Aprendizagem na Perspectiva Histórico-Cultural. Tese Doutorado em
Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, 2012; SAAVEDRA, Claudia Carla Echenique, Shakespeare Além do Espaço Tempo: Uma Conversa sobre Direitos Humanos nas Tragédias Titus Andronicus, Ricardo III e Macbeth. Tese de Doutorado. Instituto de Artes. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2014; REIS, Flaviane, A Docência na Educação Superior: Narrativas das Diferenças Políticas de Sujeitos Surdos. Tese de Doutorado. Programa de Pòs-Graduação em Educação. Faculdade de Educação. Uberlândia: Universidade Federal de Ubelândia, 2015; GARCIA, Renata Rodrigues de Oliveira, Qualidade de Vida da Pessoa Surda no Ambiente Familiar. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde. Faculdade de Medicina. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2016; RUZZA, Mara Lopes Figueira de, A Inclusão Educacional do Sujeito Surdo: Direito Garantido ou Reprimido? Dissertação de Mestrado. Programa de Educação: Currículo. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016; BASTO, Renata Muniz Prado, Identificação e Promoção do Talento Feminino: Conhecendo Trajetórias e Despertando Potenciais. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde. Brasília: Universidade de Brasília, 2018; SOUZA, Gelida Fonseca de, Relações Familiares entre Surdos e Ouvintes: Análise de Narrativas Biográficas. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2018; entre outros.
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