terça-feira, 6 de março de 2018

Rua Augusta - Corpos, Prazeres & Vida Noturna Metropolitana.


                                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

                               Os gestos são verdadeiros arquivos da cidade”. Michel de Certeau 

       
          A Rua Augusta é uma via arterial da cidade de São Paulo que liga o bairro dos Jardins a região do Centro Histórico de São Paulo. A rua é reconhecida por suas lojas, boutiques e estabelecimentos de luxo na região dos Jardins e por suas boates, casas noturnas, bares e vida noturna na região que parte da Avenida Paulista em direção ao Centro, passando pela região reconhecida como Baixo Augusta. A rua segue em subida a partir de seu início no entroncamento das ruas Martins Fontes, Martinho Prado e a Praça Franklin Roosevelt, até o cruzamento com a Avenida Paulista. Após cruzar a Paulista, ela se torna uma descida seguindo em direção à Rua Colômbia, no Jardim Europa. A Rua Augusta é reconhecida principalmente por sua vida noturna de bares, baladas e casas de shows variadas, mas também por algumas casas de prostituição, saunas e boates adultas. As primeiras referências dela datam de 1875, chamando-se primeiramente Rua Maria Augusta; em 1897 já aparece como Rua Augusta. Foi parte das terras do português Mariano António Vieira, dono da Chácara do Capão desde 1880, quando abriu várias ruas no Bairro da Bela Sintra, inclusive a Rua da Real Grandeza, atual Avenida Paulista. Resolveu abrir uma trilha, pois os caminhos eram muito íngremes, para posteriormente serem instalados bondes puxados por burros, em 1890.

      Apenas em 1891, com a inauguração da luz elétrica, foram movidos com eletricidade. Entre 1910 e 1912 ela foi estendida até a Rua Álvaro de Carvalho, ficando oficial em 1927. Até 1942, a Rua Martins Fontes fazia parte da Rua Augusta. Ela aos poucos virou um grande ponto de prostituição, ocasião em que foi desmembrada (Decreto Lei N.º 153). Do lado oposto, em direção aos "Jardins", o seu prolongamento até a Rua Estados Unidos foi oficializado em 1914. O nome Augusta: tudo leva a crer que o responsável pela sua abertura, o português Mariano Antônio Vieira, não quis homenagear uma pessoa e sim aplicar algo como um título de nobreza (ou adjetivo) ao chamá-la de Rua Augusta. Colabora para esta versão o fato de que o mesmo Mariano, ao abrir uma “picada” no alto do Morro do Caaguaçu, chamou este logradouro de “Rua da Real Grandeza”. Historicamente vieram os loteamentos, quando surgiram confortáveis residências e comércio para servi-las. Gradativamente começaram a surgir edifícios de moradia. Grande parte de comércio fino de decoração se instalou na região central-ascendente, a partir da Rua Marquês de Paranaguá. As casas residenciais deram lugar ao comércio de rua. Shoppings Centers e Cinemas de categoria social se instalaram frequentados pelas famílias e mais tarde pelos jovens que buscavam distração. Caminho certo rumo aos bairros dos Jardins e seus clubes, como o Club Athletico Paulistano, a Sociedade Harmonia de Tênis e o Esporte Clube Pinheiros.

A Rua Augusta representou para os jovens paulistanos na década de 1960, glamour e diversão. A canção Rua Augusta, de Ronnie Cord, lançada em 1964 foi uma espécie de hino da juventude paulistana que frequentava o logradouro nesta época. A partir da década de 1970, começou a adaptar-se às mudanças, dado o pesado tráfego de automóveis e ônibus e a criação de inúmeras galerias e centros comerciais, aliado à falta de estacionamento. Mesmo assim, os jovens continuaram a estar por lá com suas motos, carros envenenados e muito congestionamento, principalmente, entre as décadas de1970 e 1980. Haviam muitas discotecas e casas de danças para acompanhar os “embalos de sábado à noite”, pistas de esqui no gelo, doceiras, academias de musculação e aeróbicas. Está sempre sendo atualizada desde aquela época de grande urbanismo e de seu radiante desenvolvimento, com a reforma do calçamento, decoração com vasos, retirada de uma parte dos postes de iluminação pública obsoletos, colocação de carpete, estacionamento para automóveis na Zona Azul, subterrâneo, construção de boulevard e  o desligamento do trafego dos ônibus elétricos com as novas calçadas. 

Na década de 1970 a rua Augusta perdeu seu prestígio e comércio por conta da abertura de shoppings centers na cidade de São Paulo. Nessa época também foram abertos diversos prostíbulos em seu entorno. A rua modernizou-se em 1993 com a abertura e desenvolvimento do projeto social do cinema Espaço Unibanco. A partir da década de 2000, a Rua Augusta voltou a ser parte e principalmente a rememorar da vida noturna dentre os jovens. A Augusta abriu o Vegas Club, The Pub, Club Noir, o Comedy Club Comedians, considerado o primeiro de comédias do Brasil, YO restaurante, e outros. Seu entorno é ambientado por bares, restaurantes, casas noturnas, lojas e antigos prostíbulosNa perspectiva de democratização, condição para uma nova estética urbana, duas redes retêm particularmente a atenção sociológica: os gestos e os relatos. Ambos se caracterizam como cadeias de operações feitas sobre e com o léxico das coisas. De dois modos distintos, um tático e outro linguístico, os gestos e os relatos manipulam e deslocam objetos, modificando-lhe as repartições e os empregos. São “bricolagens”, de acordo com o modelo reconhecido ao mito por Claude Lévi-Strauss. Inventam colagens casando citações de passados com extratos de presentes para fazer deles séries (processos gestuais, itinerários narrativos) onde os contrários simbolizam. Os gestos são verdadeiros arquivos da cidade, se entendermos “arquivos” o passado selecionado e reempregado em função de usos presentes. Refazem diariamente a paisagem urbana. Esculpem nele mil passados que talvez já sejam inomináveis e que menos ainda estruturam a experiência da cidade. As histórias sem palavras do andar, do vestir-se, de morar ou do cozinhar trabalham os bairros com ausências; traçam aí memórias que não têm mais lugar – infâncias, tradições genealógicas, eventos sem data. Este é também o “trabalho” dos relatos urbanos. Nos cafés, nos escritórios, nos imóveis eles insinuam espaços diferentes. Acrescentam à cidade visível as “cidades invisíveis” de Calvino.  

Eles criam outra dimensão, sempre mais fantástica e delinquente, terrível ou legitimadora. Por isso, tornam a cidade “confiável”, atribuindo-lhe uma profundidade ignorada a inventariar e abrindo-a a viagens do olhar. São as chaves da cidade: elas dão acesso ao que ela é, mítica. Habitar é narrativizar. Fomentar ou restaurar esta narratividade é, portanto também uma tarefa de restauração. É preciso despertar as histórias que dormem nas ruas que jazem de vez em quando num simples nome, dobradas neste dedal como as sedas da feiticeira. Jamais talvez uma sociedade se tenha beneficiado de uma mitologia tão rica. Mas a cidade é o teatro de uma guerra dos relatos, como a cidade grega era o campo fechado de guerras contra os deuses. Entre nós, os grandes relatos da televisão ou da publicidade esmagam ou atomizam os pequenos relatos de rua ou de bairro. É urgente que a restauração venha em socorro desses últimos, registrando e difundindo as que se contam no padeiro, no café ou em casa. Mas isto é feito arrancando-as de seus lugares, relatos de palavras nos bairros ou imóveis restituiriam aos relatos os solos onde podem desabrochar.   

                       
            O bairro se define sociologicamente como uma organização coletiva de trajetórias individuais. A organização da vida cotidiana se articula ao menos segundo dois registros: 1. Os comportamentos, cujo sistema se torna visível no espaço social da rua e que se traduz pelo vestuário, pela aplicação mais ou menos estrita dos códigos de cortesia, o ritmo de andar, o modo como se evita ou ao contrário se valoriza este ou aquele espaço público. 2. Os benefícios simbólicos que se espera obter pela maneira de “se portar” no espaço do bairro aparecem como o lugar onde se manifesta um “engajamento” social: uma arte de conviver com parceiros (vizinhos, comerciantes) que estão ligados a você pelo fato concreto, mas essencial, da proximidade e da repetição. Existe uma regulação articulando um ao outro esses dois sistemas com o auxílio do conceito de conveniência, que surge no nível dos comportamentos. Representa um compromisso pelo qual cada pessoa, renunciando à anarquia das pulsões individuais, contribui para a vida coletiva,  retirando daí benefícios simbólicos protelados. Pela relação “saber comportar-se”, o usuário se obriga a respeitar para que seja possível a vida cotidiana                 
A contrapartida desse tipo de imposição é para o usuário a certeza de ser reconhecido e, portanto, considerado afetivamente por seus pares, e fundar assim em benefício próprio uma relação de forças nas diversas trajetórias que percorre. O bairro é por definição, segundo a fenomenologia de de Certeau (2000), “um domínio do ambiente social, pois constitui para o usuário uma parcela conhecida do espaço urbano na qual positiva ou negativamente ele se sente reconhecido”. Pode-se, portanto apreender o bairro, simplificadamente, como esta porção do espaço público em geral em que se insinua um “espaço privado particularizado” pelo fato do uso quase cotidiano desse espaço social integrado. A fixidez do habitat dos usuários, o costume recíproco do fato da vizinhança, os processos de reconhecimento que se estabelecem graças á coexistência concreta num mesmo território urbano, constituindo um lugar praticado, de elementos práticos se nos oferecem como imensos campos de exploração a compreender um pouco melhor esta grande desconhecida que é a nossa vida cotidiana.
É o que ocorreu com “O Artista de Rua” Ricardo Corrêa da Silva que morreu na tarde de sexta-feira do dia 15 de dezembro de/2017 em São Paulo aos 60 anos de idade. De acordo com a família, ele estava internado na ala psiquiátrica do Complexo Hospitalar do Mandaqui, na zona norte da cidade de São Paulo, sofreu um ataque cardíaco e foi transferido para o pronto-socorro, mas não resistiu. Ainda não há informações sobre a causa exata da morte. Personagem famoso ena cidade de São Paulo, Ricardo viu sua história de vida ganhar visibilidade após uma reportagem publicada no site Buzzfeed. Popularmente reconhecido como “Fofão da Augusta”, por causa de um preenchimento de silicone que tinha nas bochechas, Ricardo, que sofria de esquizofrenia, trilhou uma bem-sucedida carreira como cabeleireiro e se tornou sócio de um salão de beleza. No entanto, após sofrer golpes e ver sua saúde mental se deteriorar, foi morar na rua e passou a distribuir panfletos de teatro e pedir dinheiro fantasiado de palhaço na região central de São Paulo. - “Ao longo da vida fomos percebendo que o Ricardo realmente tinha uma questão de saúde mental, o que deu a ele uma personalidade exuberante e sucesso em São Paulo, embora tenha vivido essa vida intensa e com tanto sofrimento. Pelo menos nos conformamos com o fato de ele ter descansado”, afirmou seu irmão Marcelo Corrêa da Silva. 

Ricardo Corrêa da Silva sonhava em ver seu nome nos letreiros do teatro. Nos anos 1970, saiu da cidade de Araraquara a 273 km de São Paulo, para trabalhar com artes cênicas. Acabou enveredando pelo “visagismo”, em que se demonstrou um talento nato. Penteou e maquiou artistas como Tônia Carrero na época em que despontou em alguns dos maiores salões da capital. Investia o dinheiro que ganhava em um ideal de beleza: queria ser igual a uma boneca chinesa de porcelana. Para isso, injetou mais de meio litro de silicone nas maçãs do rosto, nas bochechas e na testa. Fez plástica. No fim dos anos 1980, a esquizofrenia e um golpe de que foi vítima tiraram o que havia conquistado. Acabou sem casa. Passou a se apresentar nos semáforos da Rua Augusta. E seu espetáculo ficou em cartaz por décadas. Ficou conhecido como “Fofão da Augusta”, apelido em que não se reconhecia. – “Mas deixa chamarem assim, coisa boba”. Ele morou na última década sozinho numa pensão, na chamada “cracolândia”, no centro, pela qual pagava diária de R$ 30, e trabalhava distribuindo panfletos de peças de teatro na Av. Paulista. Ricardo foi vítima de embolia pulmonar, menos de uma semana depois de completar seu aniversário de 60 anos.
            O bairro surge como o domínio onde a relação de domínio espaço/tempo é a mais favorável para um usuário ordinário que deseja deslocar-se por ele a pé saindo de sua casa. Por conseguinte, é o pedaço da cidade atravessado por um limite distinguindo o espaço privado do espaço público: é o que resulta de uma caminhada, da sucessão de passos numa calçada, pouco a pouco significada pelo seu vínculo orgânico com a residência. Diante do conjunto da cidade, atravancado por códigos que o usuário não domina, mas que deve assimilar para poder viver aí, em face de uma configuração dos lugares impostos pelo dinamismo do urbanismo, diante dos desníveis sociais internos ao espaço urbano, o usuário sempre consegue criar para si algum lugar de aconchego, itinerários para o seu uso ou seu prazer, que são as marcas que ele soube, por si mesmo, impor ao espaço urbano. Metodologicamente o bairro é uma noção dinâmica, que necessita de progressiva aprendizagem. Vai progredindo mediante a repetição do engajamento do corpo do usuário no espaço público até exercer uma apropriação. A trivialidade desse processo, partilhado por cidadãos, torna inaparente a sua complexidade enquanto prática cultural e a sua urgência para satisfazer o desejo urbano pleno dos usuários da cidade. 
 
         Mas quem é, afinal, o Fofão da Rua Augusta, que depois da publicação do perfil escrito por Chico Felitti tornou-se, para muitos e para muitas, o Ricardo Corrêa? Segundo Figueiredo (2018: 226 e ss.), o perfil só foi possível, então, quando ficou sabendo, por uma conhecida das redes sociais, que Ricardo estava num hospital e decidiu ir visitá-lo. Após a primeira visita e depois de algum tempo de recuperação de Ricardo, quando estava melhor de saúde, conseguindo falar sobre sua vida e com a esquizofrenia mais controlada, o repórter disse que gostaria de contar a sua história e queria que as pessoas soubessem quem ele realmente era. No hospital, como indigente, ele não tinha direito a um nome, conta Felitti, assim como ele não tinha direito a um nome na cidade, as pessoas chamavam ele de Fofão da Augusta, ninguém sabia o nome dele. O perfil, dessa forma, também foi um processo de busca de identidade. O afeto, além de mover a pesquisa do jornalista, também está presente na sua capacidade de emocionar e comover as pessoas; o que só foi possível porque, para escrever o perfil, o repórter acompanhou a vida de seu personagem durante quatro meses – mas, no total, a convivência durou um semestre inteiro. O exaustivo trabalho de apuração, a curiosidade, uma atitude dialógica e de afeto, fez com que o repórter buscasse o Ricardo herdeiro de 35 mil reais e o Ricardo pobre que pedia dinheiro na rua para sobreviver; o homem que estava internado como indigente no Hospital das Clínicas, mas que era reconhecido pelas pessoas na cidade como o Fofão da Augusta; conhecido de todas e de todos que passavam pela região da Avenida Paulista, mas que, na verdade, era um completo desconhecido para elas; o homem que não gostava de aparecer, mas que dizia “eu não sou desconhecido. Eu sou muito popular”. Ricardo Corrêa não é uma dessas coisas ou outra: Felitti faz com que conheçamos um Ricardo que é uma dessas coisas e as outras também, contraditório e complementaridade de opostos.
           O bairro constitui o termo médio de uma dialética existencial entre o dentro e o fora. E é na tensão entre esses dois termos, um dentro e um fora, que vai aos poucos se tornando o prolongamento de um dentro que efetua a apropriação do espaço. Um bairro poder-se-ia dizer, é assim uma ampliação do habitáculo; pelo usuário, ele se resume á soma das trajetórias individuais inauguradas a partir do seu local conscrito na origem de sua habitação. Não é propriamente uma superfície urbana transparente para todos ou estatisticamente mensurável, mas antes as condições e possibilidades oferecidas a cada um de inscrever na cidade um sem-número de trajetórias cujo núcleo irredutível continua sendo sempre a esfera do privado.  Existe, além disso, a elucidação de uma analogia formal entre o bairro e a moradia: cada um deles tem, com os limites que lhe são próprios, a mais alta taxa de controle pessoal possível, pois tanto aqueles como esta são os únicos lugares vazios onde, de maneira diferente, se pode fazer aquilo que se quiser. A relação entrada ou saída, dentro ou fora se imiscui dentre outras relações sociais como casa ou trabalho, representando uma relação entre pessoa e mundo, condicionado por uma dialética da autoconsciência que vai haurir, de forma humana, socialmente íntima.                                        
             A inauguração da luz elétrica, em 1891, foram movidos com eletricidade. Entre 1910 e 1912 ela foi estendida até a Rua Álvaro de Carvalho, tornando-se oficial em 1927. Mas até 1942 a Rua Martins Fontes fazia parte da Rua Augusta. Ela aos poucos virou um grande ponto de prostituição, ocasião em que foi desmembrada, por motivos de “higienização”. Do lado oposto, em direção aos “Jardins”, o seu prolongamento até a Rua Estados Unidos foi oficializado em 1914. O nome “Augusta” tudo leva a crer, de acordo com reminiscências, que o responsável pela sua abertura, o português Mariano Antonio Vieira, não quis homenagear uma pessoa e sim aplicar algo como um título de nobreza (ou ideológico) ao chamá-la de “Rua Augusta”. Colabora para esta ideia o fato social de que o mesmo Mariano, ao abrir uma picada no Morro do Caaguaçu, chamou este logradouro de “Rua da Real Grandeza”. As frações da classe dominante econômica e politicamente os empresários do café responsável pelas principais atividades do complexo cafeeiro e compondo as oligarquias, possuíam vínculos comerciais com a Europa, mas também culturais, sobretudo com a França.        
             Paris, a metrópole por excelência do século XIX, era a Meca para todos os povos, tendo sido, por conseguinte, alvo dos paulistas enriquecidos. Era a capital da moda, do luxo, do consumo, dos museus, dos teatros, dos esportes e dos demais tipos de lazer de massa. Nela também aconteciam as grandes exposições internacionais. O francês era a principal língua da ciência e da literatura, sendo falada nas cortes que ainda persistiam na Europa como o fora, havia pouco tempo atrás, na do Reinado do Brasil, com sede no Rio de Janeiro. Com o tempo, tornaram-se áreas exclusivas de palacetes, graças a uma legislação específica. Em 1894, Joaquim Eugênio de Lima, um dos promotores da abertura da Avenida Paulista conseguiu efetivar junto à Prefeitura uma lei que obrigava as futuras construções a respeitarem um recuo de 10 metros com relação ao alinhamento das calçadas, bem como de 2 metros lateralmente.
Etnograficamente, segundo Homem (1994), quatro anos depois, surgiram os recuos obrigatórios para jardins e arvoredo e um espaço de pelo menos 2 metros de cada lado para as residências a serem edificadas nas avenidas Higienópolis e Itatiaia, atual Avenida Angélica. Os bairros dos Campos Elíseos, da Consolação, da Liberdade e de Santa Cecília permaneceram como áreas mistas. Modificou-se a noção de morar da classe dominante. A casa individualizou-se, passando a expressar o êxito econômico e profissional do proprietário, bem como o seu grau de cosmopolitismo. Ela tornou-se o refúgio das lutas pela vida e local de privacidade, ao mesmo tempo em que devia proporcionar afastamento físico daquelas áreas e certa alienação quanto às tensões e aos conflitos sociais. As camadas mais ricas procuraram viver isoladamente. Em São Paulo, historicamente, as vilas foram as que mais disseram respeito à tradição paulistana de auto-abastecimento, recém-saída do mercado da escravidão. Com o Ecletismo, houve uma racionalização do espaço existente ao redor da casa, no sentido de se definir uma posição para cada um dos complementos da construção principal. Os parques e os jardins,  utilizados para o lazer familiar, ficavam sempre em posição fronteira ou lateral, relegando-se aos fundos, os elementos sociais que diziam respeito aos serviços.   
Numa palavra, camuflou-se o trabalho manual, apartando-o da zona destinada ao uso social. Os jardins do art nouveau transformaram-se em moldura do palacete, compondo ambos um conjunto harmonioso. Figuras sinuosas inspiradas no reino vegetal e mineral, tais como: gotas, folhas e flores envolviam a construção principal que passou a ser o centro da composição. Contudo, as áreas exclusivas de palacetes, complementadas pela arborização das avenidas e demais vias que as recortavam, constituíram importante “mancha verde”, apenas interrompida pela gama vermelha dos telhados, dos belvederes e de torres esporádicas, a ponto de se tornarem a principal característica dos bairros das elites paulistanas. Essa notável massa homogênea assinalou a paisagem da cidade, tendo sido “independente do ecletismo de suas edificações” a ponto de podermos defini-los como “verdadeiros marcos referenciais urbanos” conforme observou o arquiteto Silvio Soares Macedo ao se referir ao bairro de Higienópolis. Incluídos nos roteiros turísticos da cidade, tais marcos atraíam a população de outros bairros que neles vinham passear nos fins de semana. Da mesma forma, chamaram a atenção dos viajantes que estiveram na capital paulista nesse período, os quais não deixaram de mencioná-los em seus apontamentos de viagem.                      
        A “Rua Augusta representou para jovens paulistanos na década de 1960 glamour e diversão. Rua Augusta" é uma canção, composta pelo maestro brasileiro Hervé Cordovil e gravada pelo cantor brasileiro Ronnie Cord, sendo seu maior sucesso, e lançada pela gravadora RCA Victor em 1964. Rua Augusta foi a primeira música de rock brasileiro a ter problemas com a censura. Sua terceira estrofe, - “Comigo não tem mais esse negócio de farda/ não paro o meu carro nem se for na esquina/ tirei a 130 a maior fina do guarda...” - foi cortada pela censura, tendo que ser substituída. Sua letra captura o espírito da juventude roqueira do começo dos anos 1960, que tinham suas motos e carros embalados na velocidade das mudanças de costumes trazidos com o rock e o movimento da jovem guarda, na mesma época em que a Rua Augusta, da cidade de São Paulo, era um local progressista do Brasil. A canção também seria regravada pelos Mutantes, no disco “Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets” e por Raul Seixas, que deixou uma das versões mais conhecidas do público. A partir da década de 1970, começou a se adaptar às mudanças, dado o tráfego de automóveis e ônibus e a criação de inúmeras galerias e centros comerciais, aliado à falta de estacionamento. Na badalada década a Rua Augusta perdeu seu prestígio e comércio por conta da febril concorrência imobiliária com a abertura de shoppings centers em inúmeros pontos comerciais de São Paulo. 

Os centros comerciais de médio e grande porte funcionam como pequenas cidades, possuindo uma estrutura governamental (a administração) e seus serviços de polícia e bombeiros (segurança), de limpeza (sanitário), de abastecimento de água, de manutenção de infraestruturas etc. Trata-se de um espaço de poder, planejado para estimular a economia urbana e facilitar o consumo. A administração é centralizada, e as lojas são alugadas, para a exploração comercial calculada e a prestação de serviços, sendo sujeitas a normas contratuais padronizadas. Muitas vezes, um supermercado ou grande estabelecimento de varejo funciona como “âncora” do empreendimento. A administração tende a procurar manter o equilíbrio da oferta e uma certa diversificação ou complementaridade entre os diferentes tipos de estabelecimentos e de produtos oferecidos. Os locatários pagam um valor em conformidade com um percentual do faturamento (de 5 a 9%) ou um valor mínimo básico estabelecido em contrato - o que for maior. Os centros comerciais, na maior parte das vezes, cobram por muitos serviços. Nos centros comerciais de maiores dimensões, com vários andares, a circulação se dá, habitualmente, através de escadas rolantes, para facilitar o movimento de pessoas de um andar para outro. O maior shopping center do mundo é o Dubai Mall, em Dubai, nos Emirados Árabes, que conta com 1 200 lojas, 22 salas de cinema, um estacionamento com 14 000 vagas, além de abrigar o maior aquário do mundo, com 33 000 animais marinhos expostos. O título de melhor centro do é atribuído em Cannes, na França, e pertence ao Europa Passage, na Alemanha.

A atriz Fiorella Mattheis é a protagonista da série “Rua Augusta”, que a O2 realiza para a TNT, abreviação para Turner Network Television,  canal de televisão por assinatura especializado em filmes e séries. O canal original foi criado pelo magnata da mídia Ted Turner em 1988 nos Estados Unidos da américa. A programação do canal é em áudio dublado, já em outros momentos, a atração pode ser exibido legendado em horário nobre. O canal chegou ao Brasil na década de 1990. Exibe sucessos do cinema com falas em português e está presente em praticamente todos os pacotes de TV por assinatura do Brasil. Ela representa sua personagem Mika. A série tem direção-geral de Pedro Morelli que divide a direção dos episódios com Fábio Mendonça. A direção de fotografia é de Rodrigo Carvalho e Dante Belluti e a direção de arte de Fabio Goldfarb. “Rua Augusta” é adaptação da série israelense “Allenby Street”. Durante o dia, a Rua Allenby, localizada em Tel Aviv, Israel, é o espaço de atividades comerciais. Quando a noite chega, a via é agitada pelos bares e casas de show da região. E é lá que Mika (Moran Atias) realiza a vida. Trabalhando como prostituta, a jovem divide seu tempo entre o trabalho e os prazeres da vida noturna, até que ela se envolve em caso amoroso.

A série televisiva “Rua Augusta” foi filmada em diversas locações em São Paulo, especialmente na região da Rua Augusta. Mika (Fiorella Mattheis) é uma stripper que reconstrói sua vida após um passado conturbado e misterioso. Ela passa a trabalhar na agitada Rua Augusta, em São Paulo, onde é dançarina na Boate Love e se diverte na boate Hell. Numa noitada, o destino da jovem se cruza com o do filho de um empresário e muda sua vida para sempre. Isto não impediu como alternativa aos usuários que também houvesse abertos diversos prostíbulos em seu entorno. Mas a rua se modernizou em 1993, com a abertura do cinema Espaço Unibanco. A partir da década de 2000, voltou a ser parte da vida noturna dos jovens. Abriu os espaços: Vegas Club, The Pub, Club Noir, o Comedy Club Comedians, primeiro clube de comédias do Brasil, YO restaurante, entre outros. Seu entorno está movimentado por bares, restaurantes, casas noturnas, lojas e o gosto por antigos prostíbulos. Os jovens consumidores prestigiam a rua com carros e suas motos, e muito congestionamento. Havia muitas discotecas para acompanhar os “embalos de sábado à noite”, pistas de esqui no gelo, doceiras, academias de musculação e aeróbicas. Sempre sendo atualizado desde a década de 1970, com reforma do calçamento, decoração com vasos, retirada de uma parte inútil dos postes de iluminação pública que estavam obsoletos, colocação de carpete, estacionamento pago Zona Azul e subterrâneo e a construção de um bulevar e por fim, a eliminação dos úteis e vistosos ônibus elétricos com as novas calçadas.

Bibliografia geral consultada.

BRUNO, Ernani Silva, História e Tradições da Cidade de São Paulo. 2ª edição. Rio de Janeiro: José Olympio Editor, 1954; CORREA, Mariza et alii, Colcha de Retalhos. Estudos sobre a Família no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982; FREITAS, Maria Luiza de, O Lar Conveniente: Os Engenheiros e Arquitetos e as Inovações Espaciais e Tecnológicas nas Habitações Populares de São Paulo (1916-1931). Dissertação de Mestrado. São Carlos: Instituto de Arquitetura e Urbanismo. Universidade de São Paulo, 2005; PIMENTEL, Lídia Valesca Bonfim, Vidas nas Ruas, Corpos em Percurso no Cotidiano da Cidade. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Departamento de Ciências Sociais. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2005; JANUZZI, Denise de Cássia Rossetto, Calçadões: A Revitalização Urbana e a Valorização das Estruturas Comerciais em Áreas Centrais. Tese de Doutorado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2006;  VEGA, Alexandre Paulino, Estilos e Marcadores Sociais da Diferença em Contexto Urbano: Uma Análise da Descontração de Diferenças entre Jovens em São Paulo. Dissertação de Mestrado em Antropologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009; PISSARDO, Felipe Melo, A Rua Apropriada: Estudo sobre as Transformações e Usos Urbanos na Rua Augusta (São Paulo, 1891-2012). Dissertação de Mestrado. São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2013; BASTOS, Bruna Freire, Construindo Identidades, Espaços e Sentido: O Consumo Cotidiano na Cidade de São Paulo. Um Olhar sobre a Rua Augusta. Dissertação de Mestrado em Comunicação. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo. São Paulo: Associação Escola Superior de Propaganda e Marketing, 2016; ARRUDA, Marina Almeida Ferraz, A Memória no Resgate do Passado - A Rua Augusta em São Paulo. Dissertação de Mestrado em Cultura e Comunicação. Lisboa: Faculdade de Letras. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2016; FIGUEIREDO, Carolina Moura Klautau de Araújo, Jornalismo, Incerteza e Complementaridade de Opostos: Um Diálogo Compreensivo. Dissertação de Mestrado. Programa de Mestrado em Comunicação. São Paulo: Faculdade Cásper Libero, 2018; entre outros.  

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