Ubiracy de Souza Braga
“É
peroba do campo, é o nó da madeira, Caingá,
candeia, é o Matita Pereira”. Tom Jobim
Carnaval
do Rio de Janeiro é uma festa popular de cunho religioso e histórico-social
realizada durante cinco dias consecutivos no mês de fevereiro desde 1893 com a
criação do primeiro rancho carnavalesco, o “Rei de Ouros”, pelo pernambucano
Hilário Jovino Ferreira. Esse festival é considerado o maior carnaval do mundo
pelo Livro dos Recordes. Trata-se de uma celebração mundialmente famosa,
constituída por diferentes tipos de manifestações culturais, como desfiles de
escola de samba, bailes de máscaras, festas móveis dos blocos de embalo
seguidos por seus foliões fantasiados, e ainda bandas de rua e blocos de enredo,
ou seja, “escolas de samba” de pequeno porte, chamados de cordões. Também se
caracteriza pela irreverência e banalidade, pelos nomes de duplo sentido
(especialmente dos blocos) e pela diversidade cultural, musical e sexual. O
desfile competitivo das escolas de samba foi idealizado pelo jornalista Mário
Filho, irmão de Nelson Rodrigues e também pernambucano Hilário
Jovino, que organizou através do seu periódico Mundo Esportivo o
primeiro certame oficial, no ano de 1932.
Outro
recifense, Pedro Ernesto, também atuou de forma decisiva para o sucesso do
evento: quando prefeito do então Distrito Federal, tornou-se o primeiro
político a dar apoio financeiro ao carnaval, dentro de um projeto que visava
transformar o Rio de Janeiro numa potência do turismo, e em 1935 reconheceu e
oficializou os desfiles. Após um período
de decadência dos festejos de rua nas décadas de 1980 e 1990, quando o carnaval
da cidade se resumia quase que unicamente aos desfiles das escolas de samba, o
carnaval dos blocos e bandas de rua voltou a crescer, entrando oficialmente
para o Guinness Book. Atualmente, o carnaval de rua da cidade é cerca de
cinco vezes maior que os festejos realizados pelas escolas de samba e
apresenta-se como um evento multifacetado, possuindo: blocos dos mais variados
ritmos, como samba, marchinhas, ritmos nordestinos, entre outros; e blocos
temáticos que tocam de Mamonas Assassinas a Beatles. O carnaval
carioca pode ser considerado um evento cultural de alto prestígio, já tendo
sido eleito, pelos internautas do site estrangeiro Fun Party, como a “melhor
festa do mundo”. É citado, constantemente, como o carnaval mais famoso que
existe.
O Grêmio
Recreativo Escola de Samba São Clemente, ou simplesmente São Clemente,
representa uma escola de samba brasileira da cidade do Rio de Janeiro, que foi
idealizada e fundada por Ivo da Rocha Gomes, João Marinho e Aílton Teixeira. Sua melhor colocação no Grupo Especial do Carnaval foi o 6° lugar em 1990 com
enredo “E o Samba Sambou” que analisava criticamente a “mercantilização do
carnaval”. Este enredo foi reeditado pela escola 29 anos depois, no carnaval de
2019. A escola de samba historicamente notabilizou-se pelos enredos recheados
de bom humor e críticas sarcásticas aos mais diversos temas. A São Clemente
também possui equipes de futebol de areia de várias categorias, sendo um dos
poucos grandes times dessa modalidade a não pertencer ao eixo da faixa
litorânea carioca das praias Copacabana-Leblon. A sede da São Clemente como
instituição é no bairro de Botafogo, onde permanece, bairro este com o qual a
agremiação possui profundas ligações afetivas. Porém a quadra atual para
os ensaios da escola está localizada na Avenida Presidente Vargas, na Cidade Nova, na cidade do Rio de Janeiro.
A
partir de 1984, com a construção do sambódromo os desfiles da São Clemente
passaram a acontecer na Passarela do Samba de onde nunca deixou de
desfilar. A escola completa diversas participações entre as grandes escolas do Grupo
Especial, sendo que, por 11 vezes consecutivamente, desde 2011. A constante
oscilação entre os principais grupos do carnaval lhe trouxe a alcunha de escola
ioiô. Devido aos enredos panfletários da década de 1980, a escola também ficou reconhecida
como o “PT do samba”. Melhor dizendo, uma espécie de representação
comparativamente ao Partido dos Trabalhadores (PT), de Luiz Inácio Lula da
Silva e muitos outros. Um dos grandes nomes da escola é Renato de Almeida
Gomes, filho do fundador. Renatinho, como é reconhecido, participa ativamente
dos desfiles da agremiação desde 10 anos de idade. Participou da comissão de
frente, da ala, foi diretor de bateria, a “Bateria Fiel”, durante o decorrer de 17
carnavais, tanto como diretor de esporte e também no trabalho como vice-presidente da agremiação até chegar à presidência em
2002. Na sua gestão, iniciada em 2002, a escola conquistou três dos seus cinco
títulos, em 2003, em 2007 e 2010.
Amazônia representa uma floresta latifoliada úmida que cobre a maior parte da bacia Amazônica da América do Sul. Entre 1540 e 1542, Francisco de Orellana desceu o rio Amazonas em sua extensão, a partir da cordilheira dos Andes. O rio foi “batizado” pela pena do invasor Orellana, mas desde tempos imemoriais era chamado pelos indígenas de Paraná-Assú, dentre outros nomes do tronco Tupinambá. Alguns trabalhos de pesquisadores diversos indicam também os nomes rio de la Canela, rio Grande de La Mar Dulce e também rio Marañon. Orellana, através de Frei Gaspar de Carvajal, seu cronista, relata etnograficamente ter encontrado na foz do rio Nhamundá no rio Amazonas, índias guerreiras, “sem maridos”, por ele denominadas Amazonas e chamadas pelos índios de Icamiabas, em referência distante a uma lendária tribo de mulheres guerreiras da mitologia grega. A partir da corrente difusionista o rio seria chamado rio das Amazonas. Em 1808, Humboldt usaria o termo Hileia (“Hylaea”) para denominar a região. Outros pesquisadores a chamariam de país das Amazonas, termo popularizado por Frederico José de Santa-Anna Nery ou Barão de Santa Anna Néry, Belém do Pará (1848-1901), intelectual e historiador brasileiro da região do Amazonas. Carl Friedrich Philip von Martius a chamaria de Nayades, Johann Eduard Wappäus usaria os termos “zona equatorial”, “mata tropical” ou “Hylaea do Amazonas”.
Esta
bacia hidrográfica abrange área em torno de 7 milhões de quilômetros quadrados,
dos quais 5 milhões e meio de quilômetros quadrados são cobertos pela floresta
tropical. Esta região inclui territórios pertencentes a nove nações. A maioria
das florestas está contida dentro do Brasil, com 60% da floresta, seguida pelo
Peru com 13% e com partes menores em nações como Colômbia, Venezuela, Equador,
Bolívia, Guiana, Suriname e França (Guiana Francesa). Estados ou departamentos
de quatro nações vizinhas do Brasil têm o nome de Amazonas por isso. A Amazônia
representa mais da metade das florestas tropicais remanescentes no planeta e
compreende a maior biodiversidade em uma floresta tropical no mundo. É um dos
seis grandes biomas brasileiros. A Floresta Amazônica foi pré-selecionada em
2008 como candidata a uma das “Novas 7 Maravilhas da Natureza” pela Fundação
Sete maravilhas do mundo moderno. Em fevereiro de 2009, a Amazônia foi
classificada em primeiro lugar no Grupo. E, a categoria para as florestas,
parques nacionais e reservas naturais.
O
símbolo não sendo já de natureza
linguística deixa de se desenvolver numa só dimensão. As motivações que ordenam
os símbolos não apenas já não formam longas cadeias de razões, mas nem sequer
cadeias. A explicação linear do tipo de dedução lógica ou narrativa introspectiva
já não basta para o estudo das motivações simbólicas. A classificação dos
grandes símbolos da imaginação em categorias motivacionais distintas apresenta,
com efeito, pelo próprio fato da não linearidade e do semantismo das imagens,
grandes dificuldades. Metodologicamente, partindo dos objetos bem definidos
pelos quadros da lógica dos utensílios, como faziam as clássicas “chaves dos
sonhos”, segundo as estruturas antropológicas do imaginário, cai-se
rapidamente, pela massificação das motivações, numa inextricável confusão.
Parecem-nos mais sérias as tentativas para repartir os símbolos segundo os
grandes centros de interesse de um pensamento, certamente perceptivo, mas ainda
completamente impregnado de atitudes assimiladoras nas quais os acontecimentos
perceptivos não passam de pretextos para os devaneios imaginários. Tais são, as classificações sociais, tradicionalmene mais profundas de analistas das motivações do
simbolismo religioso ou imaginação em geral literária.
Tanto
escolhem como norma classificatória a ordem de motivação cosmológica e astral,
na qual são as grandes sequências das estações, dos meteoros e dos astros que
servem de indutores à fabulação, tanto são os elementos de uma física primitiva
e sumária que pelas qualidades sensoriais, polarizam os campos de força no continuum homogêneo do imaginário. Tanto,
enfim, se suspeita que seja os dados sociológicos do microgrupo ou de referência
a grupos que se estendem aos confins do grupo linguístico que fornecem quadros sociais
primordiais para os símbolos. Ocorre pela imaginação estreitamente motivada
seja pela língua, seja pelas funções sociais que se modela sobre essas matrizes
sociológicas e antropológicas. Ou pelos seus genes raciais intervenham bastante
misteriosamente para estruturar os conjuntos simbólicos, distribuindo sejam as
mentalidades imaginárias sejam os rituais religiosos, constituído com uma
matriz evolucionista, quando tenta estabelecer uma hierarquia das grandes
formas simbólicas e restaura a unidade no dualismo de Henri Bergson das “Deux
Sources” (2008). Ou ainda, enfim, que atravessando a técnica da psicanálise se tente
encontrar uma síntese entre as pulsões de uma libido em evolução e as pressões
recalcadoras do microgrupo familiar. Estas diferentes classificações das
motivações simbólicas que precisamos analisar, antes de estabelecer um método
empírico pretensamente firme na ordem das motivações. São Clemente traz bruxas na Comissão de Frente.
Matinta
Perera é uma personagem do folclore brasileiro, mais precisamente na região
Norte do país. Trata-se da caricatura de uma bruxa velha que à noite se
transforma em um pássaro agourento que pousa sobre os muros e telhados das
casas e se põe a assobiar e só para quando o morador, já muito enfurecido pelo
estridente assobio, lhe promete algo para que pare, sendo geralmente tabaco,
mas também pode ser café, cachaça ou peixe. Na representação folclórica,
Matinta Perera para e voa, mas no dia seguinte a velha vai até a casa do
morador perturbado, para cobrar o combinado, caso o prometido seja negado “uma
desgraça acontece na casa do que fez a promessa não cumprida”. Nas cidades que giram em torno da mitopoética amazônica existem duas versões para a lenda da Matinta. A primeira, que se
transforma em uma coruja “rasga-mortalha” ou na representação de um corvo. A
segunda, narra que ela se traveste de uma roupa preta que lhe cobre todo o
corpo dando-lhe nos braços uma espécie de asa para que possa planar sobre as
casas. Nas configurações do mito por uma questão de síntese, a maioria dos exemplos apontam marcas textuais, que descrevem a audição de um assobio que vem de cima ou que dão rasantes, de um balançar de árvore ou de um cair de folhas.
Sendo, assim,
possível identificá-las como aéreas ou terrenas. As Matintas aéreas.
Considerando os elementos primordiais da natureza, o espaço aéreo é um dos trechos
de maior trânsito das Matintas bragantinas. No caso da descrição aérea, por
onde passeia a personagem, é o elemento da verticalidade, é o lugar do voo e do
percurso da queda dos pássaros, ainda que a distância do rastro e a
quilometragem do voejar, muitas vezes, os tornem opacos. No que é relativo ao bestiário
das Matintas voejantes, elas assumem formas variáveis e podem configurar-se
através das transfigurações de andorinhas, gaviões, morcegos ou, simplesmente,
pássaros. Há registros de entes voadores da família dos ornitomórficos, dos
mamíferos quirópteros, ou pertencentes ao mundo dos espíritos, apresentados em
muitos dicionários, e alguns estudos gerais sobre a mítica amazônica e/ou brasileira.
O
assobio da Matinta é tão relevante quanto o tabaco e, em qualquer das formas em
que se configure, ele é que demarca um rito de passagem. Canto monocórdio,
melancólico e em uníssono é sempre sonorizado pelas vogais altas (i e u) que
coincidem com as notas agudas e, mesmo que na sua forma humanizada possa ser
masculina, se relacionam à voz feminina. Cantado por seres invisíveis, pelo bico
dos seres alados, pela da boca da bruxa e até mesmo pelo ânus, é o condutor do
terror notívago. Todo este processo de interação expressa na constituição e na
configuração da personagem retrata a formação da cultura amazônica, remetendo
ao conceito de nação cultural brasileira ou da Amazônia latino-americana. Os
espelhos europeus nos países colonizados, assimilados, muitos já estilhaçados,
refletem outros rostos. A subtração do nacional deixa o resíduo que prolifera
em solo fértil. A metáfora do corpo despedaçado explica a fragmentação no processo dinâmico de reprodução de identidades.
Há descrições que existe um jeito de
prender a Matinta e os materiais são simples: - uma tesoura, uma chave comum,
um rosário bento e uma vassoura virgem. A chave deve ser enterrada e a tesoura
fincada em cima do local, o rosário se põe por cima da tesoura. Toda Matinta que
passar por ali ficará presa, mas depois que ela for libertada deve-se varrer o
local com a vassoura para que a sina não se espalhe. Outra versão diz que ela
não pode ouvir o nome de qualquer deus enquanto estiver transformada, pois se
não o feitiço acaba, já que, sendo uma bruxa, não tem uma religião. O
repentista Teobaldo Patacho, mestre do cancioneiro popular paraense, transforma
em versão da canção “Paixão Cabeluda” (1987) a lenda regional do casamento
atribulado entre a atormentada Matinta e o deslizante Boto. Segundo as versões
populares, a união foi desfeita pelo boto, por não aturar o cheiro de cachaça e
de fumo quando a esposa chegava em casa todas as noites. Mas também é comum se
encontrar versões relegando à jovem Matinta o fim das núpcias, dado que o Boto
era muito afeito a procurar jovens donzelas à beira do Rio Guamá. No ano de
2015, a lenda foi mencionada no enredo da São Clemente: - “A incrível história
do homem que só tinha medo da Matinta Pereira” da tocandira, da onça pé de boi,
uma homenagem ao carnavalesco Fernando Pamplona.
O que há de residual em sua memória e
etnografia é que a Matinta, deixa de ser ave para tornar-se um tapuio negro e
perneta que serve de companhia a uma velha, que o mantém agradavelmente como
seu xerimbabo. Na análise comparada Matintaperera confunde-se com o Saci-Pererê.
É uma ave de vida misteriosa e cujo assobio nunca se sabe de onde vem. Dizem
que ela é o Saci Pererê em uma de suas formas. Aparece de noite nas vilas,
cidades, povoados, atravessando o espaço com seu grito arrepiante. Ninguém sabe
onde a Matinta mora. É crença entre paraenses e amazonenses que existem velhas
com o poder de transformar-se em Matintas. Assim, ouvindo seu grito os
moradores prometem, em voz alta, fumo. Pela manhã, é quase certo que uma velha
mendiga irá aparecer pedindo esmolas. É a Matinta que vem cobrar a promessa
feita. Outras vezes assume a forma de uma velha vestida de preto, com o rosto
parcialmente coberto. Prefere sair nas noites sem lua. Quando vê uma pessoa sozinha, ela dá um assobio ou grito estridente, cujo som lembra a
palavra: “Matinta Perera”.
Autores
pioneiros no estudo e pesquisa da mitopoética brasileira, como Couto de
Magalhães (1875), Veríssimo (1887), Nery (1899) e Basílio de Magalhães (1939),
entre outros, associam o mito da Matinta ao do saci ou descrevem seu aspecto
ornitomórfico. Ente fantástico da
mitologia brasileira, também já havia mencionado que o saci estava relacionado
a um pássaro, o tipo da ave pertencia à “casta de pequena coruja” e que era
nomeada de saci pelos gritos constantes emitidos durante a noite. E, no âmbito
da mesma discussão da Matinta Perera, confirma-se que os pajés se transmudavam
nesta coruja para voarem com o intuito de praticarem o mal, dessa forma, sempre
agouravam aqueles que não lhes agradavam e prenunciavam desgraças aos demais
que os ouviam nas noites insones. Não obstante, a relação única entre àquele
negrinho perneta com essa ave melancólica já não existe, nas pesquisas, uma vez
que o mito originário desses dois seres da mitologia brasileira já não é o
mesmo. Ermanno Stradelli, folclorista e etnógrafo ítalo-brasileiro propõe que
há na descrição do evento uma cisão entre o mito da ave Matinta e da ave saci,
conferindo às matas nortistas o local de pouso do Matintaperera e ao Sul e
Sudeste do país, o espaço de trânsito do Saci-Pererê.
Etimologicamente
Crispim, Peixe-frito, Maty taperê, Matintaperera, Sem-fim, Seco-fico,
Tico-tico-três-cabeças ou simplesmente Saci. Ave agourenta, tinhosa; para
muitos, é o próprio Saci-pererê em forma de ave; para outros, é a Matintaperera
que, em forma de ave, põe-se a importunar a todos com seu assovio melancólico.
Seja de dia ou até mesmo durante as noites escuras, seu canto ecoa próximo às
vilas, nas taperas; canto esse que ninguém sabe ao certo de onde vem. Já
enfastiado dessa toada agourenta, não há para o matuto solução senão oferecer à
Matinta aquilo que ela mais gosta, café e tabaco. Prometem em voz alta e, no
dia seguinte, ela surge já em sua forma humana, velha, maltrapilha. Ela chega
mendiga por fumo, recolhe sua oferenda e se esvai. Para onde, ninguém sabe, mas
fica a asserção de que um dia ela voltará. É uma ave de tamanho médio, um pouco
maior que um sabiá, porém mais esguia e longilínea. Vive no emaranhado de
galhos secos, quase sempre se confundindo com a sua própria cor, o que a torna aparentemente
invisível aos olhos menos familiarizados. Velhaca, ela nunca revela onde está.
Quando está próxima, vocaliza baixinho, aludindo estar longe. Quando se afasta,
brame de toda sua voz; seu canto ecoa pelos até um raio de meio quilômetro.
Para
quem ouve o saci, fica a ilusão de que ele está por perto, mas de nada adianta
procurar, tal qual em sua homologia o Pererê, ele quase sempre consegue nos
enganar. Sua destreza em ludibriar os outros não se limita a nós seres humanos.
Faz vítimas entre vários animais, até mesmo entre seus grupos das aves. Quando
desce ao solo para procurar pequenos animalejos, ele projeta suas álulas
escuras em ataques e rápidos movimentos, alternados com aberturas de asas,
topete e movimentos de pescoço, conferindo-lhe um aspecto assustador de uma
criatura mítica aparente com três cabeças ou quatro asas. A astúcia (prática) do
saci não se aprende, já está na estratégia e se faz presente até mesmo no
ninho. Os pais dessa espécie não fazem ninhos, tampouco ocupam de seu tempo
para criar seu rebento. Depois de fecunda, a fêmea sai em busca de ninhos de formação de
outras espécies que compartilham com o saci o mesmo habitat. Curutié, joão-teneném, joão-graveto, joão-botina, seja lá
quem for o “joão”, todos eles já caíram na formação do saci. Na ausência dos
verdadeiros donos do ninho, a mãe saci chega. Desconfiada, olha entre os
arredores e, já certa de que ninguém verá sua trapaça, ela calmamente põe seu
ovo e vai embora decidida a nunca voltar. Vai com a certeza de que o
instinto animal impedirá a mãe adotiva de abandonar o seu filhote.
Para
se descobrir quem é a Matinta Pereira, a pessoa ao ouvir o seu grito ou assobio
deve convidá-la para vir à sua casa pela manhã para tomar café. No dia
seguinte, a primeira pessoa que chegar pedindo café ou fumo é a Matinta
Pereira. Acredita-se que ela possua poderes sobrenaturais e que seus feitiços
possam causar dores ou doenças nas pessoas. Em alguns lugares, se apresenta
como um velho, a cabeça amarrada com um pano ou lenço, como se fosse uma pessoa
doente, indo de porta em porta, também a pedir tabaco. Um ponto em comum em
todas as versões encontradas, é que se trata de um indivíduo nômade, que anda a
gritar, ou com seu assobio de pássaro, ou a tocar uma flauta, sempre a pedir
tabaco. Na interpretação etnográfica da Matinta-Pereira, o “mati” significa um
ente misterioso, nem ave, nem quadrúpede, nem serpente, mas tendo de todos
estes alguma coisa. Mora nas ruínas, junto com onças, corujas e cobras. Há no
Norte, sociedades secretas femininas chamadas de Tapereiras, que o povo chama de “Mati-taperereiras”. Às vezes usam
do medo que provocam no povo para obterem vantagens. Conta-se que garotos da
faixa etária entre 10 e 14 anos, como serventes e nas noites sem luar, saem
imitando a Matintaperera. O povo assustado fecha as portas e janelas, e todos
se calam para não atrair o demônio para suas casas. Esta categoria de vultos noturnos pode
ser analisada como produto da imaginação pelo medo, pelo sono ou pelo devaneio
natural do habitante das matas amazônicas.
As
missões religiosas que, por compreenderem a impossibilidade de impor a “fé
cristã”, adulteram as regras da Igreja para obter sucesso na catequese indígena.
Assim, entre os deuses tupinambá, sobreviventes no imaginário do homem
amazônico, estão o jurupari, o curupira e o matintaperera, já confundidos com a
crença católica e com todos os gênios malfazejos. O medo do poder feminino
conduz a associação da mulher com as feiticeiras, diante das numerosas causas
das raízes do medo do homem em relação à mulher. O mistério da maternidade
figura entre os principais enigmas femininos. O ventre fecundado cresce, dele
nasce um ser com todas as condições de vida, de algum modo relacionando-se com
o brotar das plantas e com o desabrochar das flores. A mulher aproxima-se da
natureza, repete o mesmo processo em qualquer lugar, por isso conhece melhor os
seus segredos, não só o de profetizar, mas o de curar ou de prejudicar por meio
de misteriosas receitas. O feminino associa-se a terra-mãe, que é ventre
nutridor, ao mesmo tempo em que é o reino dos mortos sob o solo ou águas
profundas. Daí nominações da Morte ligada ao mundo das
fêmeas. Considerada impura, porque expurga o sangue menstrual, misteriosa como
as lunações, ela atrai e repulsa seu parceiro, pois é capaz de propiciar
prazeres e trazer toda espécie de malefícios. Por ser propagadora de pecados e
males, regras se estabelecem nas relações de gênero para impedir sua passagem
na história. É proibida de exercer funções sacerdotais, é proibida de tocar nas
armas dos cavaleiros etc. Revelam o rito de sangramento cíclico que põe
as rédeas na fêmea, conforme institui o gênero do macho.
Bibliografia
geral consultada.
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Ensaio sobre Literatura e Educação na Amazônia. Dissertação de Mestrado em
Educação. Belém: Universidade do Estado do Pará, 2013; SILVA, Maurício Candido da, Musealização da Natureza: Exposições em Museus de História Natural como Representação Cultural. Tese de Doutorado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007; WEISS, Raquel Andrade, Efervescência, Dinamogenia e Ontogenese Social do Sagrado. In: Mana, vol. 19, n° 1, pp. 157-179, 2013; SILVA JÚNIOR, Fernando
Alves da, Representação Feminina no Mito
da Matinta Pereira em Taperaçu Campo, Bragança (PA). Dissertação de
Mestrado em Letras. Programa de Pós-Graduação em Linguagens e Saberes da
Amazônia. Pará: Universidade Federal do Pará, 2014; AZEVEDO, Luciana
Alves Vieira de; GENOVESE, Cinthia Leticia de Carvalho Roversi; GENOVESE, Luiz Gonzaga Roversi, “Educação
Ambiental na Escola: Uma Prática Indispensável para Conscientização Ecológica”.
In: Revista de Educação, Ciências e Matemática. Vol.4 nº2 mai./ago 2014; PACE, Richard, “O Legado de
Charles Wagley: Uma Introdução”. In: Boletim
do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Volume 9, n° 3, pp.
597-615, set.-dez. 2014; DIAS, Maírna Costa, A Matinta tem a Cor da Chuva: Ludicidade como Estratégia de Ensino-Aprendizagem para a Educação Ambiental. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Instituto de Ciências da Educação. Belém: Universidade Federal do Para´, 2015; MONTEIRO, Walcyr, Visagens e Assombrações de Belém. 7ª edição. Belém: Smith Editora, 2016; FERREIRA, Rubens da Silva; NASCIMENTO, Cleide Furtado, “O Mito da Matinta Pereira e suas Formas Variantes em Curuçambaba, Bajuru (Pará, Brasil)”. In: Revista do Grupo de Trabalho de Literatura Oral e Popular. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística. Londrina, n° 25, jan.-jun., 2018; entre outros.