sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Dialética da Traição ou Negativismo da Delação Premiada?

                                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

      “Página infeliz da nossa história. Passagem desbotada na memória. Das nossas novas gerações”. Chico Buarque

                         
       Se ainda nos importa saber, quem somos em termos de individualização das referências, para isso Sócrates recorria a duas idéias, uma contida na frase do Apolo délfico, “conhece-te a ti mesmo” (“gnōthi sauton”), outra relatada por Platão e repetidas vezes por Aristóteles: - “É melhor estar em desacordo com o mundo inteiro do que, sendo um, estar em desacordo comigo mesmo”. Esta frase é a chave da convicção socrática de que a virtude pode ser ensinada e apreendida, ipso facto tem como fundamento em sua progênie, a aporética em cuja afirmação: “hē rhētorikē estin antistrophos tē dialektikē” [isto é, a arte política do discurso] é o correlato da arte da dialética [a arte do discurso filosófico]. Na modernidade ocidental foi posta em foco pela descoberta em que a dialética hegeliana representa a passagem da Consciência (“Bewusstsein”) para Autoconsciência (“Selbsbewusstsein”), passagem que é realizada pelo desejo na interpretação freudiana (“Begierde”) que é irradiado na e através consciência do homem.    
      Em primeiro lugar, numa aproximação conceitual e metodológica não devemos perder de vista que a Phänomenologie des Geistes, de Hegel (1807) representa a elaboração inicial de um julgamento filosófico a respeito da história, e isto é importante na medida em que a noção de consciência (“Bewusstsein”), formulada assim, sugere ser tema central de nossa pesquisa. O espírito, não pode conhecer-se diretamente. É preciso que negue previamente, que saia de si e se torne “estranho a si mesmo”, exteriorizando-se e produzindo sucessivamente todas as formas do real – quadros do pensamento, natureza, história; e depois que reverta à origem, alcançando assim o conhecimento verdadeiro, a filosofia do espírito absoluto. Afastando-se de si, exteriorizando-se, para voltar depois a si mesma, a Ideia triunfa do que a limitava, afirmando-se na negação das suas negações sucessivas. A Fenomenologia demonstra como a consciência se eleva desde as formas elementares da sensação até à formação processual da ciência, identificada por Hegel, aliás, com a racionalidade da religião – tal como o valor absoluto da religião cristã se integra na verdade do saber na esteira da vida.                 
        Somente Hegel, insistimos neste aspecto, definiu o princípio da realidade como uma Ideia lógica, fazendo, portanto, do ser das coisas um ser puramente lógico e chegando assim a um panlogismo consequente que apresenta ainda, um elemento dinâmico-irracional, existente no método dialético. Nisto se distingue o panlogismo hegeliano do neokantismo, que eliminou este elemento e instituiu assim um puro panlogismo. O idealismo apresenta-se, para sermos breves, em duas formas principais: como idealismo subjetivo ou psicológico e como idealismo objetivo e lógico. Mas estas diversidades no plano analítico movimentam-se no âmbito de uma concepção fundamental. Esta é justamente a tese idealista de que o objeto do conhecimento não é “menos que nada”, mas algo ideal, para concordarmos com Slavoj Žižek (2013). A ideia de um objeto independente da consciência é contraditória, pois, no momento em que pensamos num objeto, como no amor, um exemplo universal faz dele um conteúdo de nossa consciência: se afirmamos simultaneamente que o objeto existe fora da nossa consciência, contradizemo-nos com isso a nós próprios; não há objetos reais extra-conscientes, tendo em vista que a realidade acha-se contida na consciência.
Em segundo lugar, vale lembrar que a nação é um produto cultural, político e social que surge na Europa a partir do fim do século XVIII e que se constitui efetivamente em uma “comunidade política imaginada”. Nesse processo de construção histórica, a relação entre o velho e o novo, o passado e o presente, a tradição e a modernidade é uma constante e se reveste de importância fundamental, pois, a nação é uma comunidade de sentimento que normalmente tende a produzir um Estado próprio, é preciso invocar antigas tradições (reais ou inventadas) como fundamento “natural” da identidade nacional que está sendo criada. Isso tende a obscurecer o caráter histórico e relativamente recente dos estados nacionais. Assim como Estado-nação procura delimitar e zelar por suas fronteiras geopolíticas, ele também se empenha em demarcar suas fronteiras culturais, estabelecendo o que faz e o que não faz parte da nação. Através desse processo se constrói uma identidade nacional que procura dar uma imagem à comunidade abrangida por ela. Nesse sentido o processo de consolidação dos Estados-nações é extremamente recente. Mesmo em sociedades que atualmente parecem ser bem integradas. Mas há casos em que uma sociedade é representada como se fosse dividido em duas grandes regiões antagônicas o que é recorrente para o Brasil.
                            
             Três casos têm exemplaridade teórica, histórica e ideológica na representação política brasileira. As ideologias são determinadas pela época em dois sentidos. Primeiro, enquanto a orientação conflituosa das várias formas de consciência social prática permanecer a característica mais proeminente dessas formas de consciência, na medida em que as sociedades forem divididas em classes. Em outras palavras, a consciência social prática de tais sociedades não podem deixar de ser ideológica - isto é, idêntica à ideologia - em virtude do caráter insuperavelmente antagônico de suas estruturas sociais. Segundo, na medida em que o caráter específico do conflito social fundamental, que deixa sua marca indelével nas ideologias conflitantes em diferentes períodos históricos, surge do caráter historicamente mutável - e não em curto prazo - das práticas produtivas e distributivas da sociedade e da necessidade correspondente de se questionar radicalmente a continuidade da imposição das relações socioeconômicas e políticas que, anteriormente viáveis, tornam-se cada vez menos eficazes no curso do desenvolvimento histórico. Os limites de questionamento são determinados, colocando em primeiro plano as novas formas de desafio ideológico em íntima ligação com o surgimento de meios mais avançados de satisfação das exigências fundamentais sociais. O lugar mais seguro para ser religioso, com liberdade de crença é justamente em sociedades democráticas, laicas e livres.
 As análises teóricas do legado de Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), desencadeadas no centenário de seu nascimento, tiveram o dom de resgatar um capítulo esquecido em sua obra que dedicou a carreira acadêmica a compreender a alma nacional.   Em Raízes do Brasil (1936), a análise histórica parte do critério da ausência: à nossa cultura faltou uma ética do trabalho, o estado racional se ausentou ante o predomínio do patriarcalismo e do paternalismo. E, em virtude disso, vicejou o caráter cordial do brasileiro – que privilegia as relações pessoais e busca a intimidade no convívio social, conceito cunhado por Sergio Buarque e confundido com benevolência. Essa exploração humana dos trópicos não se processou, em verdade, por um empreendimento metódico e racional, não emanou de uma vontade construtora e enérgica: fez antes com desleixo e certo abandono. Dir-se-ia mesmo que se fez apesar de seus autores. E o reconhecimento desse fato não constitui, para Sérgio Buarque, menoscabo à grandeza do esforço português. Isto porque existe uma ética do trabalho, como existe uma ética da aventura. O indivíduo trabalhador só atribuirá valor moral positivo às ações que sente ânimo de praticar e, inversamente, terá por imorais e detestáveis as qualidades próprias do aventureiro – audácia, imprevidência, irresponsabilidade, instabilidade, vagabundagem – tudo, enfim, quanto se relacione com a concepção espaçosa do mundo, característica desse tipo. Por outro lado, as energias e esforços que se dirigem a uma recompensa imediata são enaltecidos pelos aventureiros; as energias que visam à estabilidade, à paz, à segurança pessoal e os esforços sem perspectiva de rápido proveito material passam, ao contrário, por viciosos e desprezíveis para eles. Nada lhes parece mais estúpido e mesquinho do que o ideal do trabalhador.
            Essa exploração humana dos trópicos não se processou, em verdade, por um empreendimento metódico e racional, não emanou de uma vontade construtora e enérgica: fez antes com desleixo e certo abandono. Dir-se-ia mesmo que se fez apesar de seus autores. E o reconhecimento desse fato não constitui, para Sérgio Buarque, menoscabo à grandeza do esforço português. Isto porque existe uma ética do trabalho, como existe uma ética da aventura. Assim, o indivíduo do tipo trabalhador só atribuirá valor moral positivo às ações que sente ânimo de praticar e, inversamente, terá por imorais e detestáveis as qualidades próprias do aventureiro – audácia, imprevidência, irresponsabilidade, instabilidade, vagabundagem – tudo, enfim, quanto se relacione com a concepção espaçosa do mundo, característica desse tipo. As energias e esforços que se dirigem a uma recompensa imediata são enaltecidos pelos aventureiros; as energias que visam à estabilidade, à paz, à segurança e os esforços sem perspectiva de rápido proveito material passam, ao contrário, por viciosos e desprezíveis para eles. Nada lhes parece mais estúpido e mesquinho do que o ideal do trabalhador.
 A família patriarcal fornece, assim, o grande modelo por onde se hão de calcar, na vida política, as relações entre governantes e governados, entre monarcas e súditos. Uma lei moral inflexível, superior a todos os cálculos e vontades dos homens, pode regular a boa harmonia do corpo social, e, portanto deve ser rigorosamente respeitada e cumprida. Esse rígido paternalismo é tudo quanto se poderia esperar de mais oposto, não já as ideias da França revolucionária. Mas tradicionalistas e iconoclastas que se movem, em realidade, na mesma órbita de ideias. Estes, não menos do que aqueles, mostram-se fiéis preservadores do legado colonial, e as diferenças que os separam entre si são unicamente de forma e superfície. O caráter puramente exterior, epidérmico, de numerosas agitações sociais e políticas ocorridas entre nós durante os anos que antecederam e sucederam à Independência, demonstra o quanto era difícil ultrapassarem-se os limites que à nossa vida política tinham traçado certas condições específicas geradas pela colonização.
        É neste sentido que devemos comparativamente diferenciar, entretanto, três posições ideológicas fundamentalmente distintas, com sérias consequências para os tipos de conhecimento compatíveis com cada uma delas. A primeira apoia a ordem estabelecida com uma atitude acrítica, adotando e exaltando a forma vigente do sistema dominante, por mais que seja problemático e repleto de contradições, tendo como o horizonte absoluto da própria vida social. A segunda, exemplificada pelo pensador de perspectiva radical como J.-J. Rousseau, revela acertadamente as irracionalidades da forma específica de uma anacrônica sociedade de classes que ela rejeita a partir de um ponto de vista. Mas sua crítica é viciada pelas próprias contradições de sua própria posição social, igualmente determinada pela classe social, ainda que seja historicamente evoluída. E a terceira, contrapondo-se às duas posições sociais anteriores, questiona a viabilidade histórica da própria sociedade de classe, propondo, como objetivo central de sua intervenção prática consciente, a superação de todas as formas de antagonismo de classe. Apenas o terceiro tipo social de ideologia pode tentar superar as restrições associadas com a produção do conhecimento prático dentro do horizonte da consciência social dividida, sob as condições da sociedade dividida em classes sociais.
   Ipso facto é que o herói de Memórias não deve ser entendido como uma figura pícara, como na experiência literária espanhola: ele é malandro. A determinação de suas características faz mais que mostrar especificamente quem é Leonardo Filho, mas o insere em uma tradição. Uma tradição brasileira que segue desde a Colônia, manifestada pela figura de Pedro Malasartes, e percorre a história literária brasileira até o modernismo no século XX, com Macunaíma e Serafim Ponte-Grande, por exemplo - a malandragem. O malandro é o aventureiro astucioso, gosta do “jogo em si”, está sempre no limite da política entre o lícito e o ilícito e será a figura chave para a compreensão do ensaio de Antonio Candido. Isso porque o malandro é figura do imaginário individual (o sonho) e coletivo (os mitos, os ritos, os símbolos) que existe efetivamente tanto no campo da ficção literária quanto no campo da realidade propriamente dita.
As Memórias, como aponta Antonio Candido, são únicas no panorama de nossa ficção oitocentista porque não expressam a visão de nossa classe dominante. O autor das Memórias suprime os escravos e as classes dirigentes, sobrando-lhe um setor intermediário e anômico da sociedade, cujas características, entretanto, serão decisivas para a medida das relações ideológicas entre as classes sociais. Tratava-se de caracterizar os homens livres na ordem escravocrata e sua lei. Estes homens viviam num espaço social intermediário e anômico, em que não integravam a ordem, mas também não podiam dela prescindir. É aí que reside a contradição dialética de Antonio Candido tenha sido o de perceber que as Memórias operam através da lógica da dialética entre ordem e desordem. Ordem e desordem seria a própria forma de expressão do romance, a “lei de sua intriga”, seria o princípio que organizaria a realidade e a ficção. A figura do malandro é a mais adequada a este tipo de organização de mundo em que forças da ordem, como a polícia, por exemplo, concorrem com as forças da desordem. Ele é o tipo que transita entre os dois mundos. Está sempre atuando no limiar, no cinzento, entre o que se pode e o que não se deve fazer. A alternativa decantada entre lícito/ilícito é perfeitamente relativizada pelo malandro. O malandro encarna a esperteza popular, sabedoria genérica da sobrevivência em um mundo repleto de obstáculos e iniquidades.
Não por acaso quando se insere caricaturalmente o romance de Chico Buarque, Leite Derramado (2010). Um homem muito velho está num leito de hospital. Membro de uma tradicional família brasileira, ele desfia, num monólogo dirigido à filha, às enfermeiras e a quem quiser ouvir, a história social de sua linhagem desde os ancestrais portugueses, passando por um barão do Império, um senador das oligarquias até o descendente visto como um “garotão”, um tipo social da cidade do Rio de Janeiro. Uma saga familiar caracterizada pela decadência social e econômica, tendo como pano de fundo a história do Brasil dos últimos dois séculos. A weltanschauung que o autor nos oferece da sociedade brasileira é extremamente pessimista: compadrios, preconceitos de classe e de raça, machismo, oportunismo, corrupção, destruição da natureza, delinquência. A saga familiar especificamente da decadência (cf. Pimentel, 2013) é um gênero consagrado no romance ocidental moderno.
A representação da imagem do “leite derramado” (cf. Dusilek, 2011), além da leitura sociológica de queda de uma casta, racista casta, mas cujos descendentes vão se misturando até a negritude do tataraneto, é retirada textualmente do episódio no qual Eulálio vê sua esposa Matilde, às escondidas, “despejando leite de seu peito na pia do banheiro”. Eulálio não cansa de recontar sua história, como quando conheceu sua esposa na missa de sétimo dia de seu pai. Sabendo-se repetitivo, justifica-se da seguinte forma: - “Se com a idade a gente dá para repetir casos antigos, palavra por palavra, não é por cansaço da alma, é por esmero. É para si próprio que um velho repete sempre a mesma história, como se assim tirasse cópias dela, para a hipótese de a história se extraviar”. Mesmo “sem o menor desejo consciente” de falsificar o passado, com tantas construções e reconstruções muitas vezes confusas, o resultado é, de fato, “um quadro total, novo”. Note-se ainda a fala sobre a solidão dos velhos, relevando a importante questão da memória de velhos que não têm com quem conversar, e que por isso “há tantos velhos embatucados por aí”. Eulálio, a despeito de poder estar “falando às paredes”, fala sem parar, conta sua história a todos que encontra. Talvez como uma forma dialética através da repetição da memória de evitar a solidão, age como se todos estivessem interessados em seu colóquio, embora perceba que isso é ilusão, e que na realidade sente-se como tantos velhos, “numa espécie de país estrangeiro”.
Após a sucessão presidencial de 1894 e um governo de transição dos militares para os civis, executado pelo governo Prudente de Morais (1894-1896), a oligarquia rural brasileira conseguiu consolidar definitivamente seu poder político no Estado brasileiro com o governo de Campos Salles (1896-1902). Em seu mandato, foi solucionado o litígio sobre a delimitação da fronteira entre o Brasil e a França. Tal litígio era sobre a demarcação da fronteira entre e estado do Amapá e a Guiana Francesa, que havia invadido o território brasileiro, anexando cerca de 260 mil km² do estado. Depois de quase dois séculos de disputas, o litígio foi vencido pelo Brasil em 1900, através do acordo que ficou conhecido como Questão do Amapá, determinando que a fronteira entre os dois territórios fosse o rio Oiapoque e retornando ao Brasil a área que havia sido tomada. Foi durante o governo Campos Salles que os mecanismos de poder político das oligarquias rurais foram criados. Para isso foram instituídos três mecanismos de poder: a política do café com leite, a política dos governadores e a Comissão Verificadora dos Poderes. Foi durante o governo Campos Salles que os mecanismos de poder político das oligarquias rurais foram criados.
A oligarquia cafeeira paulista detinha o poder econômico do país e havia conseguido também se fortalecer politicamente com o apoio a Floriano Peixoto contra seus opositores. A República necessitava de apoio mais amplo nos outros estados, para garantir votos para os cargos eletivos e não causar instabilidade política com possíveis disputas regionais. A chamada “política do café-com-leite” foi a forma encontrada para garantir o controle na ocupação da presidência da República. Aliando seu poder econômico, proveniente do café, com a força política dos mineiros, estado com o maior número de eleitores, os paulistas conseguiram manter a alternância entre os políticos dos dois estados até 1930, com pouquíssimas exceções. Essa aliança garantiu a alternância do poder sem que houvesse disputas que colocassem em jogo a estabilidade política, necessária para o melhor andamento dos negócios. Porém, era necessário que as oligarquias dos demais estados concordassem com esse acordo. As condições para esse acordo foram articuladas durante o governo do presidente Campo Salles, que ficaram conhecidas como “política dos governadores”. Nela, eles apoiariam as medidas propostas pelo presidente da República no Congresso através dos deputados e senadores, principalmente os acordos com o capitalismo internacional.
        Em troca, o presidente manteria a autonomia dos estados, sem interferir nas disputas políticas internas de cada um deles. Para que isso se tornasse possível, foi criada a “Comissão Verificadora de Poderes”, instância responsável pela diplomação dos candidatos eleitos nos estados para os cargos de deputados e senadores. Na prática, funcionava como “uma barreira para os opositores dos oligarcas regionais aliados à política do café com leite”. Caso esses opositores vencessem as eleições estaduais, a Comissão impediria sua diplomação e posse, afirmando haver fraude eleitoral determinando o toma lá da cá na da politicagem brasileira. Com essa “degola” de opositores, termo usado naquela conjuntura de corte autoritário, senadores e deputados coniventes com a política hegemônica e dominante eram eleitos, mantendo a estabilidade política do regime. Com essa forma de governar, as oligarquias brasileiras mantinham as estruturas políticas necessárias para manter o desenvolvimento social e o fortalecimento de suas práticas econômicas. Delação premiada refere-se sociologicamente à expressão coloquial na reprodução do discurso político para a chamada “colaboração premiada” na legislação brasileira, constituindo-se “um benefício legal concedido a um réu em uma ação penal que aceite colaborar na investigação criminal ou entregar seus companheiros”.
Essa prática de favor dialeticamente é prevista em diversas leis brasileiras que, para aquele que contribuir efetiva e voluntariamente com a investigação ou processo, o juiz poderá “conceder perdão judicial, reduzir a pena de prisão em até dois terços (2/3) ou substituir por pena restritiva de direitos”.  Assim, para que um réu se torne um delator e gozar dos benefícios que a lei lhe oferece, o primeiro passo é manifestar oficialmente o interesse em fazer o acordo. Depois, na presença de advogados e procuradores, o réu revela o que tem para delatar. Se avançar, as partes assinam um termo de “confidencialidade” para evitar vazamentos. Só depois que a delação for homologada pela Justiça é que as informações poderão ser usadas nas investigações. Junto com os depoimentos, o delator tem que apresentar provas e documentos. Em troca, recebe uma pena mais leve. Especialistas no assunto defendem que a decisão de tornar-se um delator precisa ser voluntária do investigado. Na legislação, a “colaboração”  deve resultar esses aspectos: identificação de outros autores do crime ou membros da organização criminosa; revelação da estrutura hierárquica da organização criminosa; prevenção de infrações penais decorrentes da atividade criminosa; recuperação parcial ou total dos produtos das infrações; localização de vítima com integridade física preservada.
Historicamente a Inglaterra foi um dos primeiros países a adotar a delação premiada, uma vez que existem registros de sua utilização no ano de 1775. Com o tempo, as leis do país foram aperfeiçoadas e atualmente o promotor pode ofertar a imunidade de acusação em todos os tipos de infração penal em troca de informações úteis. A lei de delação premiada nos Estados Unidos data de 1977 e é amplamente utilizada. O instrumento da justiça penal negociada, que lá é chamado de “plea bargain”, é utilizado em 95% dos processos do país e pode ser adotado em qualquer crime, independentemente de sua natureza, incluindo os mais graves, e os colaboradores se transformam em testemunhas que podem receber como benefício redução de pena, regime diferenciado na cadeia e preservação do patrimônio. A Itália adotou a delação premiada há muitos anos e foi justamente utilizando o instituto que obteve grandes resultados no combate à máfia italiana. Os que colaboram com a justiça no país podem ter a sua pena diminuída de um terço a dois terços. No ano de 2015, a lei foi expandida e passou a abranger também os casos de corrupção. No Japão, o sistema de delação premiada passou a vigorar presentemente em 2017 e permite até mesmo a retirada das acusações ou a anulação do indiciamento do suspeito que colaborar com a investigação e apresentar evidências que levem à prisão de outras pessoas, desde que o Acordo seja realizado na presença de um advogado.

Bibliografia geral consultada.
HEGEL, Friedrich, Fenomenologia dello Spirito. Florença: La Nuova Itália, 1973; MORSE, Richard McGee, O Espelho de Próspero. Cultura e Idéias nas Américas. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1988; RAEDERS, George, O Inimigo Cordial do Brasil (O Conde de Gobineau no Brasil: com documentos inéditos). Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1988; GINZBURG, Carlo, Miti, Emblemi, Spie - Morfologia e Storia. Torino: Einaudi Editore, 1992; BUARQUE, Chico, Leche Derramada. Tradução espanhola de Ana Rita da Costa García. Barcelona: Ediciones Salamandra, 2010; DUSILEK, Adriana, “As Camadas da Memória de Leite Derramado”. In: Miscelânea – Revista de Pós-Graduação em Letras – Universidade Estadual Paulista, Campus Assis, vol. 9, jan./jun. 2011; PIMENTEL, Vanuccio Medeiros, A Primazia dos Clãs: A Família na Política Nordestina. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciência PolíticaCentro de Filosofia e Ciências Humanas. Departamento de Ciência Política. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2013; ŽIŽEK, Slavoj, Menos que Nada: Hegel e a Sombra do Materialismo Dialético. São Paulo: Boitempo Editorial, 2013; AVELINO, Pedro Buck, Fidelidade, Álibi ou Traição: Ressignificação e Perspectivas sobre o Comportamento Decisório do STF. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional. Faculdade de Direito. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015; FREITAS, Vladimir Passos de, A delação premiada entrou definitivamente no processo penal brasileiro. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016/04/03/; SILVA, Fábio Machado da, Colaboração Premiada: Possibilidade e Limites Discursivos. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Justiça Administrativa. Faculdade de Direito. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2017; ESPICH, Sandra, A Delação Premiada quando do Cárcere Prematuro: Uma Negociação entre Díspares e Manifesta Coação Estatal. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Direito. Passo Fundo: Universidade de Passo Fundo, 2017; BOUZA, Thiago Brugger da, Da Teoria à Prática: Prisões Cautelare, Liberdades provisórias e Delação Premiada: O Caso Paulo Roberto Costa. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Direito. Brasília: Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, 2017; entre outros.  

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