Ubiracy de Souza Braga
“Most institutions demand unqualified faith; but the institution of science makes skepticism a virtue”. Robert Merton
Filho de imigrantes de origem judaica
supostamente emigrada da Ucrânia no ano de 1904, antes dos múltiplos ataques
antissemitas no país, apesar da infância humilde vivida no sul da Filadélfia,
Meyer R. Schkolnick considerava que lhe fora oferecido um amplo leque de
possibilidades. Dentre elas estava a escola local de ensino médio na qual estudou
bem como a biblioteca Canergie, localizada nas proximidades da casa de seus
pais, da qual foi assíduo frequentador. Para além de sua paixão pela leitura,
Merton descobriu cedo uma segunda paixão, a mágica, que o levou a alterar seu
nome, primeiro para Robert Merlin aos catorze anos, e depois para Robert King
Merton aos dezenove. Concluiu seus estudos na South Philadelphia High School e recebeu uma bolsa de
estudos para a universidade pública Temple University, na Filadélfia, onde se
tornou um aluno de destaque, passando a ser tutorado pelo sociólogo George E.
Simpson. Foi fundada originalmente em 1884 pelo Dr. Russell Conwell. Atualmente
possui mais de 38 mil alunos entre estudantes de graduação e pós-graduação além
de doutorandos. Com mais de 300 programas acadêmicos distribuídos entre sete
campus no estado da Pensilvânia (EUA) e nos campus internacionais de Roma, Tóquio,
Singapura e Londres onde está presente. É considerada uma das melhores
universidades daquele estado e em conjunto nos Estados Unidos da América.
Nesse
contexto, Merton passa a se interessar pela tradição sociológica europeia e a
participar como auxiliar em seu projeto de pesquisa intitulado: “The Negro in
the Philadelphia Press”, sendo posteriormente por este apresentado a Pitirim
Sorokin, fundador do recém-criado Departamento de Sociologia da Universidade de
Harvard. Encorajado por Sorokin, Merton se candidata para uma bolsa de estudos
em Harvard, onde consegue uma vaga logo após o término de seu curso em Temple
University para trabalhar como aluno Assistente deste. Durante sua estada em Harvard, como
sabemos, apesar de tutorado por seu mentor Sorokin, Merton começa a se interessar pelo
trabalho acadêmico de Talcott Parsons, um jovem, ainda desconhecido professor do novo
Departamento de Sociologia. Foi a partir de seu pensamento que Robert Merton
teve o primeiro contato com ideia que influenciou posteriormente sua obra: “The
Structure of Social Action” (1937). À
semelhança de Sorokin, Parsons era um estudioso da escola europeia da
sociologia. Mas buscava inferir estes
ensinamentos ao invés de resumi-los, utilizando-os para sua constituição
de um novo conhecimento.
Merton trata das ações individuais a partir da
perspectiva das pressões estruturais onde o indivíduo teria alternativas
condicionadas pelo sistema, as quais suas escolhas se restringiriam. Tais alternativas sofrem impacto da estrutura
de poder, prestígio e influência, e a elas seria inerente o conflito e a ambivalência
devido à mudança estrutural. Tais padrões apresentariam constantemente níveis
de incidência de comportamento desviante. A estrutura social para Merton é
composta dos valores e normas, papéis e instituições, e finalmente conjuntos
desses papéis, ou status. Ganhou o
mérito de estabelecer os fundamentos de uma teoria geral da anomia, que foi
posteriormente revisto e transformado pelo autor em sua obra clássica Teoria e Estruturas Sociais. Por um
lado, os valores descrevem os objetivos vislumbrados como legítimos para a ação
pela sociedade, e por outro, as normas representam os caminhos pré-determinados
e esperados por esta para a consecução destes fins de forma legítima. Enquanto nível
de representações os papéis são uma fusão das normas e valores, estipulando um
comportamento específico esperado dos indivíduos. Em relação à instituição, sua
definição a considera como um conjunto de ideais e valores que orienta o
comportamento de uma determinada entidade: a ciência.
Os fatores descritos atuam sobre as expectativas que os atores sociais têm uns sobre os outros. A estrutura de
oportunidades, sob a perspectiva comparada dessa análise, restringe sistematicamente as
ações e oportunidades de vida profissional dos indivíduos.
Metodologicamente a teoria sociológica mertoniana se caracteriza então pela
observação de regularidades empíricas na relação entre duas ou mais variáveis,
da qual derivam afirmações generalizadas que são estruturadas de forma
sistemática. Em contraposição, a influência da pesquisa empírica sobre a
teoria, para além da crença popular tout
court de que se restringiria ao teste e verificação de hipóteses, demonstra
em quatro funções principais que contribuem para modelar seu desenvolvimento; melhor
dizendo, ela inicia, reformula, redireciona e esclarece a concepção de teoria. Após
a conclusão de sua dissertação, Merton permanece em Harvard se tornando
professor Associado do Departamento de Sociologia. Matinha uma visão
humanista sobre a função social da ciência, sendo claramente influenciado pela
teoria social de Max Weber, um giant
que soube compreender o socialismo, por exemplo, dentre uma plêiade de amigos do seleto grupo de intelectuais que frequentavam sua casa, sem ser um socialista ou anarquista engajado.
Deste ponto de vista soube analisar criticamente o
capitalismo, percebendo o problema da ética protestante e o espírito do capitalismo. Contudo, do ponto de vista heterodoxo aproximou-se dos
anarquistas, tendo vivido a experiência singular, de Ascona, envolvendo-se com
as irmãs Richtoffen, antecipando algumas teses de Freud, sem ser anarquista, tal
como Simone de Beauvoir. Herdou com estes, a sabedoria de ser acadêmico
na universidade, político nos gabinetes e mundano nos salões. Com Weber
o motivo que levou ao reconhecimento
em graus diferentes de contribuições de mesma importância, ou até mesmo menor
reconhecimento de contribuições de relevância maior. A existência de grandes
premiações, como o prêmio Nobel, estabelece para Merton uma fronteira
qualitativa absoluta, entre aqueles considerados protagonistas do progresso
científico e a chamada “arraia miúda”. Tal fronteira cria a expectativa de que
os vencedores de tal premiação sempre trariam contribuições grandiosas enquanto
os demais estariam sempre obrigados a se reafirmar. A valorização social das contribuições de cientistas reputados em seus campos de
conhecimentos.
Ipso facto seria desproporcionalmente elevada enquanto a valorização dos “ilustres desconhecidos” tenderia a ser desproporcionalmente diminuta comparativamente. Foi a essa observação, no âmbito dessa lógica que Merton nomeou o “Efeito Mateus”, devido ao reconhecido trecho do evangelho homônimo: - “porque a todo o que tem dar-se-lhe-á, e terá em abundância; mas ao que não tem, até aquilo que tem ser-lhe-á tirado”. O efeito Mateus é usado comumente na sociologia da ciência, numa alusão ao evangelho, para enfatizar vantagens e prestígio que adquirem certos pesquisadores no meio acadêmico, sempre em favor de quem possui. - “A todo aquele que acredita mais fé lhe será dada em abundância; e daquele que não crê lhe será tirado”. Merton quis demonstrar como ocorre o aparecimento de estratificação social no sistema científico, seja ela através de reconhecimento in statu nascendi de conteúdo de sentido honorífico, de premiação através de recursos financeiros, todos de comunicação social da ciência. Por ser uma estratificação social, evidentemente marginaliza a massa de cientistas que mesmo produtivos não recebem as benesses em detrimento do outro, também produtivo, que pertença a uma universidade dita de prestígio.
Ipso facto seria desproporcionalmente elevada enquanto a valorização dos “ilustres desconhecidos” tenderia a ser desproporcionalmente diminuta comparativamente. Foi a essa observação, no âmbito dessa lógica que Merton nomeou o “Efeito Mateus”, devido ao reconhecido trecho do evangelho homônimo: - “porque a todo o que tem dar-se-lhe-á, e terá em abundância; mas ao que não tem, até aquilo que tem ser-lhe-á tirado”. O efeito Mateus é usado comumente na sociologia da ciência, numa alusão ao evangelho, para enfatizar vantagens e prestígio que adquirem certos pesquisadores no meio acadêmico, sempre em favor de quem possui. - “A todo aquele que acredita mais fé lhe será dada em abundância; e daquele que não crê lhe será tirado”. Merton quis demonstrar como ocorre o aparecimento de estratificação social no sistema científico, seja ela através de reconhecimento in statu nascendi de conteúdo de sentido honorífico, de premiação através de recursos financeiros, todos de comunicação social da ciência. Por ser uma estratificação social, evidentemente marginaliza a massa de cientistas que mesmo produtivos não recebem as benesses em detrimento do outro, também produtivo, que pertença a uma universidade dita de prestígio.
Esse efeito social específico teria consequências disfuncionais sobre o papel do cientista na
sociedade, tanto individualmente, a partir de diversas contribuições não
reconhecidas, ou que tiveram sua importância menosprezada, quanto para a crença
na justiça de tal sistema. Apesar
disso, para Merton, existiriam concomitantemente funções positivas no sistema
de comunicação social científico. Isto porque a atenção diferenciada
conferida aos trabalhos de cientistas renomados possibilita a ampla difusão de
novas descobertas, que poderiam ser ignoradas em circunstâncias normais. Mas também através do “efeito Mateus”, é conferido crédito a novas
descobertas ao invés de haver uma recusa inicial pelo abalo que representam
para o conhecimento existente. O efeito Mateus pode ser vislumbrado como
disfuncional da perspectiva dos
sistemas, e simultaneamente funcional para o sistema de comunicação da ciência.
Com o processo político de globalização a disfunção ocupacional representa uma incapacidade
temporária ou crônica de desempenhar papéis, ocupações e relacionamentos
esperados para realizar suas
atividades sociais na vida cotidiana. Mutatis mutandis, no governo do sociólogo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) ele reinventou a categoria frankfurtiana da substituibilidade abrindo vagas de professores nas universidades.
Com
o reconhecimento, o cientista ganha confiança (cf. Luhmann, 2005) aprofundada
em seu próprio julgamento. A confiança é também a característica comum dos
cientistas aparentemente renomados. Outros fatores psicológicos importantes são
a paciência e a força de vontade em perseverar na dura atividade de
reconhecimento que decorre da pesquisa científica. Apesar de atentos às
possíveis dicas oriundas de pesquisas diversas em sua área de interesse, eles
são auto-orientados e capazes de, por sua grande convicção, procurar métodos
alternativos de pesquisa com a constatação de lacunas no método adotado. O
fator psicológico cumpre papel fundamental, portanto, para a criação da
presunção que perpetua o efeito Mateus
dentro da comunidade científica. Os cientistas relativamente importantes tendem
a controlar a sua produção acadêmica, a abster-se de publicar tudo o que
produzem, a menos que estes textos alcancem seus próprios padrões de qualidade.
A presunção de qualidade ou de importância de reconhecimento social que se dá
aos trabalhos de “men of science” lembra-nos que não são os únicos que
contribuem para o reconhecimento científico.
As instituições renomadas cujas produções são amplamente reconhecidas, tendem a concentrar maiores
recursos de toda a forma - humanos ou materiais - do que aquelas que ainda não
têm proeminência na produção científica. Por outro lado, as universidades sabidamente
proeminentes em sua tradição acadêmica e consequentemente concentradora de recursos
desigualmente distribuídos (materiais e humanos), não concentrariam toda a produção
acadêmica de ponta como laureados com o prêmio Nobel. Para Merton, ocorre que o
sistema, embora exponencial, atinge um limite. Os alunos não
desejam manter-se sob a sombra de seus próceres renomados, uma barreira de
transposição social, elitista, difícil, pela operação do efeito Mateus em sua forma mais
simples. Os professores podem sentir-se ameaçados com a
manutenção de jovens excessivamente talentosos em seus grupos de pesquisa ou em
grupos adversários, sob o medo de serem substituídos prematuramente. Apartado do
sistema interno de dispersão de “capital humano” há também um sistema externo
de competição por fontes cognitivas em confronto dentre as universidades. Em seu tempo a
ética profissional dos engenheiros, muito parecida com a dos cientistas ou
juízes criminais, descola de sua esfera de preocupação as consequências sociais
e psicológicas de seus atos concorrentes profissionais.
Assim, ficam livres para exercer a função de projeção
esquecendo-se de seus desdobramentos sociais. Em sua análise empírica o trabalho de
engenharia torna-se antiético, dada a
pulverização da responsabilidade. Merton procurava descrever,
definir e fundamentar a tese de que aspectos da ética protestante puritana,
pois aplicada primordialmente sobre a Inglaterra do século XVII, com incursões
sobre a ética pietista alemã, equivalente moral na Europa continental, não só
propiciaram, mas integraram o corpo normativo da ciência, e para tal faz-se
necessária à análise do “ethos” puritano, tal qual o ethos científico, é um complexo de regras mais ou menos explícitas
que convergem numa prática dessa classe corporativa. São pontos da ética
protestante que tangenciam o desenvolvimento da pesquisa científica conforme observada no método empírico e racional. Na Europa Continental, o movimento
puritano inglês encontrou um equivalente cultural no movimento pietista. O último
movimento contribuiu para a crença na ciência racional, empírica e
utilitarista na Alemanha e ainda em outros países europeus, em instituições
como Köninsberg, Halle, Heidelberg e Altdorf.
A
lista de cargos e posições, titulações de doutor honoris causa e prêmios conferidos a Merton é impressionante.
Apenas para citar algumas das mais relevantes, Merton foi presidente da
Associação Americana de Sociologia (1956-1957), da Associação de Pesquisa em
Sociologia (1968), e da Sociedade para Estudos Sociais da Ciência (1975-1976). A ele foram conferidos mais de 20 títulos
doutor honoris causa, entre eles de
renomadas universidades como Oxford, Yale, Chicago, Harvard, Columbia, Leiden,
entre outras. Merton foi membro da fundação Guggenheim (1962-1963), e do Centro
para Estudos Avançados em Ciências do Comportamento. Conquistou o prêmio
Talcott Parsons de Ciências Sociais, o “American Academy of Arts and Sciences”,
bem como o “MacArthur Prize Fellow Award” (1983-88). Merton às vezes fora chamado
“Sr. Sociologia”, e Jonathan R. Cole, ex-aluno e diretor da Universidade de
Columbia, disse certa vez: - “Se houvesse Prêmio Nobel de Sociologia, não há
dúvida alguma de que ele o teria ganho”. Não por acaso, notadamente o reconhecimento de seu filho, Robert Carhart Merton,
ganhou o Prêmio Nobel de Economia, em 1997.
Bibliografia geral consultada:
DUVIGNAUD, Jean, L`Anomie: Heresie et Subversión. Paris: Éditions Anthropos, 1973; MERTON, Robert King, “The Unanticipated Consequences
of Purposive Social Action”. In: American
Sociological Review (1), 1936; Idem, “Social Structure and Anomie”. In: American Sociological Review (3),
672-682, 1938; Idem, “Discussion: The Position of Sociological Theory”. In:
American Sociological Review (13),
164-168, 1948; Idem, Teoría y Estrutura
Sociales. México: Fondo de Cultura Económica, 1964; Idem, Ciência, Tecnologia y Sociedad en la
Inglaterra del Siglo XVII. Madrid: Alianza Editorial, 1984; MARRA, Realino,
“Merton e la Teoria dell’Anomia”. In: Dei
Delitti e delle Pene. Volume 2, 1987, pp. 207-21; GIDDENS, Anthony, “Funcionalismo, après la lutte”. In: GIDDENS, Anthony, Em Defesa da Sociologia: Ensaios,
Interpretações e Tréplicas. São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 2001; LUHMANN,
Niklas, Confianza. Barcelona: Ediciones Anthropos,
2005; WALDMANN, Peter, El Estado Anómico: Derecho, Seguridad Pública y Vida Cotidiana en América Latina. Madrid: Editorial Iberoamericana, 2006; BATISTA, Marcos Antonio Rehder, As
Consequências Previstas e não Antecipadas da Ação na Análise Funcional dos Grupos
de Robert K. Merton. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais. Campinas:
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas,
2010; Artigo: “O Efeito Mateus, Talentos e a Injustiça”. In: https://institutoparacleto.org/2015/01/14/;
entre outros.
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