segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Maurício Tragtenberg - Pluralismo, Método & Soberania da Vontade.

                                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

Ele falava muito, citava bastante gente e não seguia ordem cronológica nas explicações”. Silva e Marrach (2001)

                                                        
            Guerra Fria é a designação atribuída ao período histórico de disputas estratégicas e conflitos indiretos entre os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), compreendendo o  período entre o final da 2ª guerra mundial (1939-1945) e a extinção da União Soviética (1991), um conflito de ordem política, militar, tecnológica, econômica, social e ideológica entre as duas nações e suas zonas de influência. É chamada “fria” porque não houve uma guerra direta entre as duas superpotências, dada a inviabilidade da vitória em uma batalha nuclear. A corrida armamentista pela construção de um grande arsenal de armas nucleares foi objetivo durante a primeira metade da “Guerra Fria”, estabilizando-se na década de 1960-1970 e sendo reativado nos anos 1980 com o projeto político-ideológico do norte-americano Ronald Reagan chamado de “Guerra nas Estrelas”. Representou um programa militar do ex-presidente norte-americano Ronald Reagan, em 1983. Oficialmente chamado de SDI (sigla em inglês para “Iniciativa de Defesa Estratégica”), ele pretendia criar um sistema de satélites equipados com canhões a laser para destruir mísseis enviados contra o país.
        É neste âmbito que Socialisme ou Barbarie representou um grupo socialista libertário radical francês do período pós-guerra. Seu nome vem de uma frase de Rosa Luxemburgo usada em um ensaio de 1916, “The Junius Pamphlet”. O grupo existiu durante os seguidos anos de 1948 a 1965. A personalidade que o animava era Cornelius Castoriadis, também conhecido como Pierre Chaulieu ou Paul Cardan. O grupo se originou na trotskista Quarta Internacional, onde Castoriadis e Claude Lefort constituíram a “Tendência Chaulieu-Montal” no Partido Comunista Internacionalista francês, em 1946. Eles experimentaram, em 1948, o seu “desencanto final com o trotskismo”, levando-os a romperem com os trotskistas para formar o Socialisme ou Barbarie, cujo jornal apareceu em março de 1949. Castoriadis mais tarde disse a respeito desse período: a principal audiência do grupo e do jornal era formada pela esquerda radical: bordigistas, comunistas de conselho, alguns anarquistas e órfãos da esquerda alemã dos anos 1920. Eles foram vinculados à tendência Johnson-Forest, que se desenvolveu com idéias dentro das organizações trotskistas americanas. Uma facção desse grupo formou mais tarde o grupo Facing Reality. Os primeiros tempos também trouxeram debates com Anton Pannekoek e um influxo de ex-bordigistas para o grupo.
            O caráter-gueto de Socialismo ou Barbárie não deriva, contudo, apenas da guerra fria Leste-Oeste. Ao chegar a Paris, a bordo do navio Mataroa, Castoriadis, assim como outros intelectuais, qual Kostas Axelos, por exemplo, vem fugido da perseguição movida contra manifestantes da esquerda grega. Não somente, porém, da repressão desencadeada pela aliança atlantista, igualmente dos próprios comunistas, conforme relata, em tons quase dramáticos, Edgar Morin: - “Raríssimos foram os intelectuais europeus que, sob a ocupação nazista, se tornaram militantes da heresia trotskista. Os comunistas trotskistas, presos pela Gestapo, sofriam a mesma sorte dos comunistas stalinistas e, no interior das prisões e campos nazistas, os stalinistas, no melhor dos casos, punham os trotskistas em quarentena e, na pior condição, liquidavam os hitlero-trotskistas. Na Grécia, depois da Liberação, o Partido Comunista decidiu, em Comitê Central, pelo extermínio físico dos trotskistas. Condenado à morte pelos comunistas e prevendo ser abatido pelos anticomunistas, Castoriadis emigrou para a França”. Em assim sendo, o possível círculo de acolhida ao fugitivo em Paris está nos setores igualmente minoritários da IV Internacional. Mas Cornelius Castoriadis bem cedo diagnostica um tronco leninista-burocrático comum a stalinismo e trotskismo. 


           O grupo Socialismo ou Barbárie fará ruptura com a IV Internacional - ruptura esta marcada por uma dupla originalidade. De modo diferente das inumeráveis cisões anteriores do movimento trotskista, ela não se dá à moda de uma pequena capela que muda de chefe sem transformar em nada a doutrina. Ao contrário de outras dissensões que igualmente rejeitam a organização de tipo leninista, “ela não joga fora o bebê” (Marx) “junto com a água do banho” (Lênin-centralismo-stalinismo). Ao romper com os heterodoxos ortodoxos - IV Internacional e dissidências da IV Internacional - em nome do marxismo, Socialismo ou Barbárie emerge como a “heresia de uma heresia” (cf. Morin, 1989). O Socialisme ou Barbarie era crítico do leninismo, rejeitando a ideia de um partido revolucionário e colocando ênfase nos conselhos de trabalhadores. Enquanto alguns membros partiram para formarem outros grupos, aqueles que permaneceram se tornaram mais e mais críticos do marxismo ao longo do tempo. Jean Laplanche, um dos membros-fundadores do grupo, recorda os primeiros dias da organização. 
         O grupo era composto tanto de intelectuais quanto de trabalhadores e concordavam com a ideia singular de que os principais inimigos da sociedade eram as burocracias que governavam o capitalismo. Eles documentaram e analisaram a luta contra a burocracia no jornal do grupo. A edição de número 13 referente a janeiro-março de 1954, por exemplo, era dedicada à interpretação da Revolta de 1953 na Alemanha do Leste e às greves em vários setores de trabalhadores franceses naquele verão. Seguindo a ideologia política de que o que a luta diária que a classe trabalhadora encarava representava o conteúdo real do socialismo, os intelectuais encorajavam os trabalhadores no grupo a relatarem cada aspecto social da vida cotidiana no trabalho. Em 1958 desentendimentos quanto ao papel político do grupo levou à saída de membros importantes. 
         Claude Lefort e Henri Simon deixaram o grupo para se engajar no Informations et Liaison Ouvrières. Em 1960, o grupo tinha crescido para ao redor de 100 membros e tinha desenvolvido novas ligações internacionais, primariamente na emergência de uma organização irmã na Grã-Bretanha chamada Solidarity. Disputas dentro do grupo sobre a crescente rejeição do marxismo por Castoriadis levou à saída do grupo ao redor do jornal Pouvoir Ouvrier. O principal jornal Socialisme ou Barbarie continuou a ser publicado até a edição final em 1965, depois da qual o grupo permaneceu dormente e foi então dissolvido. Uma tentativa de Castoriadis para reviver o grupo durante os nichos através da ressonância dos eventos de Maio de 1968 fracassou. A Internacional Situacionista foi associada ao grupo e influenciada através de Guy Debord, que era membro de ambos. O movimento social italiano Autonomia também acabou sendo influenciado, embora de forma menos diretamente. A busca de uma argumentação que vise à universalidade (a própria filosofia) não se originaria na racionalidade humana, mas na imaginação intelectual criadora e/ou “imaginária radical”. 
      O homem é criação propiciada por uma formação exagerada da faculdade da imaginação que faz a essência do homem, precisamente criadora. Para que a espécie humana pudesse sobreviver, a psique precisou ser socializada e dar sentido a um mundo social positivista globalizado aparentemente sem-sentido natural-biológico. Ao criar as significações, institui-se a sociedade que é a origem de si mesma. Não se poderia pensar a humanidade fora do mundo de significações, ou a subjetividade, a partir do termo “para si”, das representações das instituições sociais. O “para si” é inferido a partir das instancias, interdependentes, em que existem, mas não se mantém sem a outra, numa completa relação de atividade e reciprocidade representando a totalidade do sujeito. Metodologicamente Cornelius Castoriadis admite que é impossível fazer filosofia sem uma ontologia, isto é, sem uma interrogação sobre o ser, mas, ao contrário do que possa pensar aquele para quem ontologia soa como “palavra proibida”, sua reflexão é inteiramente articulada à questão política. Não sendo, pois, uma idealização, mas um pensamento radical sobre a possibilidade de uma sociedade na qual os homens tenham consciência de seu poder. Por sua vez, o “imaginário radical” enquanto imaginário social aparece como corrente do coletivo anônimo, traduzindo-se na sociedade e no que para o social-histórico é posição, criação e fazer ser. Duas dimensões não incomunicáveis nem estáticas, embora a dimensão psíquica tenha a sua participação oculta na criação. 
         Maurício Tragtenberg iniciou sua aprendizagem de português, espanhol, esperanto e russo, além das leituras de clássicos anarquistas russos Piotr Alexeyevich Kropotkin, Mikhail Aleksandrovitch Bakunin, Liev Nikoláievich Tolstói por influência de seus avós, imigrantes judeus, que se instalaram no interior do Rio Grande do Sul numa unidade familiar de agricultura de subsistência. Foi lá que Tragtenberg frequentou o grupo escolar, em Porto Alegre, mas não foi além da terceira série do então curso primário. Após a morte precoce do pai, transferiu-se com sua mãe para São Paulo, onde ainda jovem começou a trabalhar. Filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), tendo sido expulso com base em um artigo que proibia ao militante contato com membros trotskistas ou com a obra teórica de Leon Trotsky, autor por ele lido e relido de forma contumaz. Torna-se dirigente do recém-fundado Partido Socialista Revolucionário (PSR), através da seção brasileira da IV Internacional fundada por Leon Trotsky com os camaradas Hermínio Sacchetta, Febus Gikovate, Alberto da Rocha Barros, Vítor Azevedo, Patrícia Galvão (Pagu), o sociólogo Florestan Fernandes, entre outros.
       Trabalhou, mormente, no Departamento das Águas de São Paulo, obtendo a sua experiência prática decisiva com a burocracia, posteriormente criticada em seu livro: Burocracia e Ideologia (1974), que retoma as ideias expostas na sua tese de doutoramento, defendida na Universidade de São Paulo (USP) em 1973. Tragtenberg “procurou analisar, sobretudo, a Teoria Geral da Administração como ideologia, observando que ela se liga às determinações reais enquanto técnica (pela mediação do trabalho) e, ao mesmo tempo, ambiguamente, se afasta dessas determinações e reflete a realidade de maneira deformada, compondo um universo que é organizado mas... falseado”. Neste período frequentava a Biblioteca Municipal Mário de Andrade, onde foi possível ler e discutir assuntos e temas diversos com intelectuais que também frequentavam a biblioteca, entre eles Antônio Cândido, que o convenceu a prestar o exame vestibular para a Universidade de São Paulo. Aprovado, começa a frequentar o curso de Ciências Sociais. Um ano depois prestou novamente vestibular - desta vez para o curso de História, que concluiu. Durante a ditadura militar (1964-1985) escreveu sua tese de doutorado em Política, também pela Universidade de São Paulo (USP). 
         Começou então a se dedicar à carreira de professor, lecionando na graduação e pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Universidade de São Paulo, Universidade de Campinas e na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (EAESP-FGV). No meio acadêmico, Tragtenberg ficou reconhecido como um autodidata, o que era uma boutade, pois ele próprio costumava provocativamente, afirmar o seu curso primário incompleto. O autodidata não encontra barreiras pela falta de títulos. Politicamente preferia definir-se como um socialista libertário, ao contrário de anarquista, e radical. Irreverente com relação aos símbolos e às artimanhas do poder, foi um intelectual independente e crítico em relação à burocracia acadêmica, que desprezava. Suas classes eram frequentadas não só por alunos regulares, mas também pelos chamados “ouvintes” ou simpatizantes não matriculados, por seu espírito rebelde e senso de humor sarcástico, mas, sobretudo por sua generosidade intelectual. A compulsão pela palavra escrita somada à facilidade de guardar nomes e citações fez-no ser lembrado por constituir um “saber enciclopédico”. 
          Autodidatas famosos, podem ser o 16º presidente dos Estados Unidos da América, Abraham Lincoln, o extraordinário guitarrista Jimi Hendrix, os escritores Ray Bradbury, Machado de Assis, José Saramago e o polímata Leonardo da Vinci. Autodidata com a capacidade de aprender algo sem ter um professor ou mestre lhe ensinando ou ministrando aulas, o próprio indivíduo, com seu esforço particular intui, busca e pesquisa o material necessário para sua aprendizagem. O “autodidatismo” é alvo de diversos estudos acadêmicos, devido especialmente a expansão de sistemas educacionais on-line. Estes estudos visam a compreensão das práticas pedagógicas, a relação entre o uso de tecnologia e a concepção de conhecimento e educação envolvidas no processo. A educação independente é um meio de liberar-se das limitações institucionais. O mitólogo e estudioso das religiões Joseph Campbell formou-se no bacharelado e mestrado em artes liberais na Universidade Colúmbia. Porém, quando quis estudar o doutorado enfocando a singular combinação de sânscrito, arte moderna e literatura medieval, o departamento de pós-graduação não aprovou. 
       Campbell deixou o doutorado e retirou-se para uma cabana no campo onde por cinco anos seguiu um programa rigoroso de leitura que tomava doze horas de seu dia. À parte de seus livros densos, o renomado Campbell formulou a teoria do monomito que descreve a jornada do herói arquetípico, a qual ainda guia a escrita de best-sellers e filmes hollywoodianos. A vedação do acesso das mulheres às universidade não impediram Virginia Woolf e Marie Curie de terem brilhantes carreiras. Do pai Sir Leslie Stephen Virgínia herdou livros, uma tutela doméstica e a paixão pela educação. Woolf lia e escrevia ensaios para fixar seu aprendizado, vindo a ser umas das escritoras mais marcantes da literatura contemporânea inglesa. Em seu ensaio Um quarto para si, Virginia Woolf retrata a educação que deveria ser seu direito. Se a universidade foi impedida a Woolf, Curie superou essa aparente barreira, mas ainda assim com duras penas e disciplinar autodidatismo. Marie Curie não tinha nem dinheiro ou possibilidades de fazer faculdade na Polônia. Estudou por conta própria e foi trabalhar de governanta em Paris. Completando sua educação independente, tomou algumas aulas na Sorbonne.
          Aos 26 anos graduou-se no curso de mestrado em física e em segundo mestrado em química no ano seguinte. Depois conseguiu seu doutorado e seria a primeira mulher a ganhar um prêmio Nobel em 1903; aliás, dois prêmios Nobel, o segundo em 1911. Para a Prof. Doutora Dóris Accioly e Silva, da Universidade Estadual Paulista, campus de Marília, e coorganizadora da biografia de Maurício Tragtenberg, o vasto conhecimento do pensador era presenciado em sala de aula. Como ela dizia: - “Ele não era popular entre os alunos. Falava muito, citava bastante gente e não seguia ordem cronológica nas explicações”. Era casado com a atriz Beatriz Tragtenberg e foi pai do compositor Lívio Tragtenberg. Deixou publicados 8 livros e inúmeros artigos em jornais e revistas de grande circulação no país, abrangendo temas como educação, política, sociologia, história e administração. Através da crítica analítica ao modelo pedagógico burocrático, Tragtenberg chega à teoria da pedagogia libertária, que se expressa pelo questionamento das relações de poder nas instituições e de toda e qualquer relação de poder estabelecida no processo educativo e das estruturas que proporcionam as condições para que essas relações se reproduzam no cotidiano das instituições escolares. Critica duramente a realidade das universidades, antevista na tese que propugna como “a delinquência acadêmica”, que a seu modo de ver, acabam exprimindo uma concepção capitalista do saber através da busca desenfreada por titulações, publicações, pontos. Se paga para apresentar trabalhos “a si mesmo” ou aos poucos amigos que se revezam entre falantes e ouvintes, não interessando o conteúdo e a qualidade do que se publica, mas quantos pontos valem. Também não importa se alguém lerá o artigo ou que seja de  publicação em algum país, pois as publicações internacionais “valem mais pontos”.
        O fim do idealismo alemão, o aparecimento do materialismo, o pensamento de Friedrich Nietzsche e as teorias de Freud pareciam unir-se na luta contra a filosofia positivista que ganhava força com a industrialização: ordem e progresso unidos sob a batuta da ciência. Recorde-se que o anarquismo tinha ganhado raízes em Ascona, desde que em 1869, o célebre anarquista Mikhail Bakunin tinha vindo residir como refugiado político. Pouco tempo depois começaram a chegar outros refugiados com projetos distintos, como o de fundar um convento laico com o nome de Fraternitas, por iniciativa de teósofos como: Alfredo Pioda e Franz Hartmann, justamente nas montanhas de Ascona, que receberiam então, mais tarde, o nome de Monte Verità: - “Il Monte Verità si erge sulle colline che sovrastano Ascona ed il Lago Maggiore, e rappresenta da sempre un polo magnetico di convergenza di idee, tendenze, sperimentazioni e personaggi storici presentati oggi nell`offerta di un progetto moderno di rilanci”. É somente depois desta fase transitória que a produção sociológica de Max Weber começa a delinear-se. 
        A aproximação com os temas sociais está ligada à pesquisa empírica na região do Leste do rio Elba. Analisando o processo migratório de poloneses na fronteira da Alemanha, Weber destacou as tendências da introdução do capitalismo no campo e deu especial atenção às consequências políticas e sociais daquele processo. Aplicando diversos questionários, levantando os inúmeros dados ele concluiu que o acelerado processo de modernização econômica da Alemanha estava minando a estrutura de poder da “classe dirigente”, a aristocracia agrária: Junker. Tal visão foi especialmente apresentada em uma Aula Inaugural, questão tópica desprezada entre nós, que serve mais como “palanque” ou uma maneira de satisfação aos novos “burocratas da cultura”, para lembramos do filósofo José Arthur Giannotti, mas pronunciada em 1895, e, denominada: Der Nationalstaat und Wirtschaftspolitik. Um lendário personagem do Monte Verità foi o médico anarquista Dr. Raphael Friedeberg, que atraiu, desde 1905, uma colônia de anarquistas. Tinha sido militante do Deutsch Sozialdemokratischen Partei, e pensou em Ascona como o local ideal para criar uma comunidade anarco-reformista baseada no conceito criado por ele mesmo: “o psiquismo histórico”. 
         Esta ideia postulava que a libertação do indivíduo podia dar-se a partir de uma educação não coerciva, livre do dogmatismo sócio religioso da burguesia. Friedeberg desenvolveu a medicina natural ao longo de 35 anos, e nunca deixou de polemizar com a medicina, apesar da fama e do prestígio desta. Outros anarquistas ligados ao Monte Verità foram: Erich Musham, Fritz Brupbacher, Kropotkine, Ernst Frick, o boêmio psicanalista Johanes Nohl, o psicanalista austríaco Otto Gross, que procurou fundar no Monte Verità “um matriarcado naturista e comunista”. Avesso à burocracia da academia e questionador das regras burocráticas que direcionam o ensino, não se importava com as disputas de “quantificação curricular”, com os títulos acadêmicos. É um intelectual “diferenciado”, segundo Meneghetti, (2013). Sem se apegar ao mainstream acadêmico ou ser um acadêmico programado, como ocorre nos dias de hoje, Maurício Tragtenberg é, portanto, um intelectual radical. Ipso facto, teve posicionamento político claro e objetivo até mesmo quando defendia a classe trabalhadora contra as investidas do poder das elites capitalistas sempre compromissados com suas próprias convicções. Falava para a classe trabalhadora, seja pessoalmente ou por meio de colunas de jornais, de tal forma que suas falas estão sempre associadas a sua história de vida. 
        A forma como cresceu e aprendeu cotidianamente influencia diretamente na sua visão de educação, em cujo potencial de emancipação sempre acreditou, apesar de ser um crítico dela. As três dimensões da atividade acadêmica universitária, ensino, pesquisa e extensão, vêm se tornando dependentes de um processo burocrático incontrolável, submetido a normas e dependências que conduz a distorções com a plena identidade da atividade de pesquisa em Sociologia que se desenvolve por ação complementar dos docentes, em ambientes de ensino e de caracterização muito individualizada. Os ambientes de pesquisa que identificam um nível elevado e próprio dessa atividade acadêmica são raros. O departamento é, insofismável e claramente, um órgão estanque, burocrático e corporativo por excelência, organizando-se em núcleos ou laboratórios por meio de projetos específicos, diretamente, com as agências de financiamento públicas. Nos órgãos públicos o padrão de funcionalidade burocrática tem identidade própria. O sujeito da ação funcional, individual ou coletivamente, é um agente do poder público, tanto na atividade meio como na atividade fim. O poder público é uma instituição representativa da sociedade, em nome da qual exerce uma administração regida por leis, normas, regulamentos e códigos de conduta que em tese devem ser cumpridos, mas na realidade social em que vivemos, a prática, na teoria é outra. Não raras vezes, no âmbito comportamental, a noção de poder público assume uma indefinição conceitual, carregada de subjetividades à medida de atribuições e responsabilidades. 
         A forma de comportamento na dinâmica burocrática, administrativa e acadêmica, das universidades se reporta em grande parte, às competências distribuídas e amparadas no sistema normativo instituído. Os conflitos ditos de competência e desempenho resultam do confronto da autoridade com uma forma de comportamento não desejada, porém amparada em normas, regras e leis. Uma das consequências é que a responsabilidade pelos resultados de cada um é sempre neutralizada ou desculpada a partir do contexto em que cada um atuou. Consequentemente muito pouca responsabilidade individual é atribuída a cada um do ponto de vista institucional no caso das universidades. A sociedade brasileira não rejeita a avaliação, mas a universidade padece com ela, geralmente vista como algo negativo, como representação simbólica de uma ruptura de um universo aparentemente amigável, homogêneo e saudável, no qual a competição, vista como um mecanismo social profundamente negativo encontra-se ausente. Tendo em vista que, na universidade não há “premiação” para o bom professor em nenhum aspecto, mas aqueles que fazem pesquisa e orientam alunos, fazem porque querem fazer, porque podem fazê-lo, não porque a universidade lhes gratifica. 
Bibliografia geral consultada. 

LEFORT, Claude, Éléments d`une Critique de la Burocratie. Paris: Éditios Gallimard, 1979; CASTORIADIS, Cornelius, Socialismo ou Barbárie: O Conteúdo do Socialismo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983; Idem, L`Enigma del Soggetto: L`Immaginario e Le Istituzioni. Itália: Edizione Dédalo, 1998; TRAGTENBERG, Maurício, Burocracia e Ideologia. São Paulo: Editora Ática, 1974; Idem, “Max Weber e a Revolução Russa”. In: Estudos Cebrap, n° 18, pp. 45-70, out./nov./dez. 1976; Idem, Administração, Poder e Ideologia. São Paulo: Moraes Editora, 1980; Idem, Marxismo Heterodoxo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981; MORIN, Edgar, “Un Aristote en Chaleur”. In: BUSINO, Giovanni, (Org.), Autonomie et Autotransformation de la Société: La Philosophie Militante de Cornelius Castoriadis. Genebra: Éditions Droz, 1989; SILVA, Dóris Accioly e MARRACH, Sonia Alem (Orgs.), Maurício Tragtenberg: Uma Vida Para as Ciências Humanas. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 2001; SILVA, Antônio Ozaí da, Maurício Tragtenberg e a Pedagogia Libertária. Tese Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Faculdade de Educação. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2004; SELL, Carlos Eduardo, Max Weber: Democracia Parlamenar ou Plebiscitária?. In: Rev. Sociol. Polit. 18 (37) - Out. 2010; SILVEIRA, Stefane Carlan da, A Cultura da Convergência e os Fãs de Star Wars: Um Estudo sobre o Conselho Jedi Rs. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação. Porto Alegre: Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2010; VALVERDE, Antônio, Maurício Tragtenberg: 10 Anos de Encantamento. São Paulo: EDUC/FAPESP, 2011; VASCONCELLOS, Gilberto Felisberto, “Leon Trotsky e as Ciências Sociais”. In: Libertas: R. Fac. Serv. Soc. Juiz de Fora, vol.14, nº1, pp. 11-18, jan./jun. 2014; SILVA, Custódio Gonçalves da, A Concepção de Educação em Maurício Tragtenberg. Dissertação de Mestrado em Sociologia. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2016; SOUZA, Erisvaldo Pereira de, A Trajetória Intelectual e Política de Maurício Tragtenberg. Tese de Doutorado em Sociologia. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2017; entre outros.

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