Ubiracy de Souza Braga
“Perto
de Marx nunca passei de um segundo violino”. Friedrich Engels
A view of the factories of Manchester (1870). |
O violino é um instrumento musical
classificado como instrumento de cordas friccionadas. É o menor e mais agudo
dos instrumentos de sua família, com afinação da mais aguda à mais grave: Mi4, Lá3,
Ré2 e Sol1. O timbre do violino é agudo, brilhante e estridente, mas dependendo
do encordamento utilizado e da forma que é tocado, podem-se produzir timbres
mais aveludados. O som geralmente é produzido pela ação de fricção das cerdas
de um arco de madeira sobre as cordas. Também pode ser executado “beliscando”
ou dedilhando as cordas (“pizzicato”), pela fricção da parte de madeira do arco
(“battuto col legno”), ou mesmo por percussão com os dedos ou com a parte de
trás do arco. O primeiro violino da
orquestra, sob a execução do competente violinista, vai encantando a plateia, “enquanto o segundo violino
só entra em cena pausadamente,
conforme a composição musical”. O
violinista do segundo violino tem que esperar paciente e atentamente o seu
tempo chegar, para então, deslizar o arco em uma, duas ou mais cordas. Feito
isto, esperar, continuar atento, de olho na partitura,- como o padre na missa, o
novo momento, peremptoriamente, em que voltará a tocar por um instante.
Na orquestra o líder do naipe de
primeiros-violinos é chamado de spalla.
Depois do maestro, ele é considerado o “comandante” da orquestra. O spalla fica à esquerda do maestro, logo
na primeira estante do naipe dos primeiros-violinos. Comparativamente na teoria
crítica materialista e dialética desenvolvida genialmente por Karl Marx & Friedrich
Engels, este afetivamente tem sido considerado o “segundo violino” (cf.
Coggiola, 1995). Em 1834, Engels entrou para o liceu de Elbervelde. Mas o seu
pai decidiu que o filho mais velho devia enveredar pelo mundo dos negócios; portanto,
Engels teve de abandonar o liceu um ano antes de finalizar o curso e seguir a “carreira”
de comerciante. Prestado o serviço militar, em novembro de 1842, Engels
deslocou-se, por exigência do pai, para Manchester, na Inglaterra, a fim de
trabalhar no escritório da fábrica de papel “Ermen & Engels”. Nas horas
livres, continua com perseverança a sua formação como autodidata, estudando em
profundidade obras filosóficas, históricas e econômicas e revela capacidades
inauditas na aprendizagem de línguas estrangeiras.
Na
Inglaterra imperialista, Engels era filho de um proeminente industrial têxtil, fabricante
de algodão, que também era um convicto pietista, da área de Barmen, na
Renânia. Barmen era um dos principais
centros do pietismo na Alemanha, e Engels teve uma criação estritamente
pietista. Historicamente, a doutrina da predestinação é também o ponto de
partida do movimento ascético conhecido como pietismo. Na medida em que o
movimento permaneceu dentro da igreja reformada, é quase impossível traçar a
linha entre os calvinistas pietistas e os não-pietistas. Quase todos os
principais representantes do puritanismo são às vezes classificados como pietistas.
A ocorrência de revivências ascéticas dentro da igreja Reformada, em especial na
Holanda, foi regularmente acompanhada por uma regeneração da doutrina da
predestinação temporariamente esquecida, ou não estritamente conservada. Daí,
não ser costumeiro na Inglaterra a ênfase na praxis pietatis que o uso do termo pietismo perde em intensidade.
Ateu
e hegeliano em 1839 foram parar na Universidade de Berlim e na direção dos
debates da juventude hegeliana em 1841, em seguida passando a frequentar os
mesmos círculos de Marx, de quem ele rapidamente se tornou amigo em 1844, mas
que viu no seu dia a dia de trabalho ao que levava o alto nível de
desenvolvimento capitalista: luxo ostentoso e lucros cada vez mais avultados,
por um lado, e exploração cada vez mais intensa, por outro. Os contrastes sociais
de Manchester elucidavam o olhar crítico de Engels. Mas, ao mesmo tempo, a
estadia na Inglaterra possibilitou-lhe fazer outra descoberta: o proletariado
não era só uma classe que sofre, mas também uma classe em luta, combatente.
Engels acompanha com atenção o desenrolar do movimento cartista e entra em
contato com muitos dos seus dirigentes. Os primeiros artigos escritos na
Inglaterra, e que foram publicados historicamente na Gazela Renana, criticamente
evidenciam o processo de formação das convicções socialistas do bravo pensador.
O
cartismo sociologicamente caracteriza-se
como um movimento social inglês que se iniciou na década de 1830 do século XIX.
Inicialmente fundou-se na luta pela inclusão política da classe operária
representada pela London Working Men`s
Association. Teve como principal base a carta escrita pelos radicais William
Lovett e Feargus O'Connor intitulada Carta
do Povo, e enviada ao Parlamento Inglês. Inicialmente as exigências não
foram aceitas pelo Parlamento e um movimento rebelde teve início, através de
comícios, abaixo-assinados e manifestações. Gradualmente as propostas da carta
foram sendo incorporadas e o movimento foi se enfraquecendo até sua
desintegração. É preciso ter em mente, no entanto, que o programa democrático
radical do Cartismo não foi aceito pelos governantes e, num certo sentido,
pode-se dizer que ele foi politicamente derrotado. Apesar disso, os cartistas
conseguiram mudanças efetivas, como a primeira lei de proteção ao trabalho
infantil (1833), a lei de imprensa (1836), a reforma do Código Penal (1837), a
regulamentação do trabalho feminino e infantil, a lei de supressão dos direitos
sobre os cereais, a lei permitindo as associações políticas e a lei da jornada
de trabalho de 10 horas. No final de 1860 as reivindicações pleiteadas pelo
cartismo acabariam sendo incorporadas à legislação trabalhista inglesa.
Em
1865, quando Marx e Engels estavam em disputa contra o sucessor de Ferdinand Lassalle,
John Baptist von Schweitzer, Engels advertiu Marx de que os correligionários de
Schweitzer diziam: “O que deseja aquele Engels, o que ele tem feito todos esses
anos, como pode falar em nosso nome e nos dizer o que devemos fazer, quando o
sujeito se estabelece em Manchester e explora os trabalhadores” etc. As reações
previstas por Engels parecem pouco prováveis, já que envolviam os seguidores de
Lassalle, que, com seus robes de seda
vermelha, sua dúbia relação com uma condessa e as frequentes viagens aos balneários
da Suíça não era exatamente a imagem de probidade proletária. Muito ao
contrário, esses traços refletiam o sentimento de culpa de Engels em virtude de
seu envolvimento com um capitalismo que ele odiava e desejava aniquilar. Um dos
grandes sacrifícios que Engels fez por Marx, aceitando tomar parte no negócio
têxtil de sua família, foi renunciar à consciência limpa quanto á sua forma de
ganhar a vida. Um aspecto enfatizado em estudos recentes sobre a burguesia
alemã do século XIX – não esquecendo a notória dificuldade em se encontrar uma
tradução exata para a expressão alemã Bürgertum
– diz respeito à influência das convenções culturais na formação daquele grupo
social. Tais convenções incluíam o compromisso com a dedicação e o esforço
permanente, além de uma vida familiar pautada pelo decoro e provida dos amis
avançados instrumentos da cultura. O respeito a essas convenções caracterizou a
vida privada de Marx, embora algumas vezes de um modo diferente.
Curiosamente
a concepção de vida e teorética de Marx tem sido objeto de ridículas análises
jornalísticas no Brasil. Este é o caso primus
inter pares do recente artigo de Fernando Duarte, intitulado: “A vida
íntima de Karl Marx” (2017) onde afirma o seguinte: - “Embora não tenha fundado
formalmente uma religião ou existam registros de milagres e afins, Marx foi
catapultado ao posto de Messias em cujo nome se lutaram guerras e se
construíram impérios num espaço de tempo bem menor que o usado pelo cristianismo
– e os inevitáveis deslizes do pai do comunismo não estão disponíveis
facilmente. Para os guardiões da antiga União Soviética, homem e regime se
confundiam. Passados 131 anos de sua morte, Marx permanece uma figura
mitológica. Se o desmoronamento dos regimes socialistas da Europa Oriental
causou abalos em sua reputação, o filósofo que misturava pensamento e ação e criou
o conceito de ditadura do proletariado tampouco foi esquecido: em 2005, quase
20 anos depois da queda do Muro de Berlim, foi ele quem venceu uma enquete da
BBC para eleger o maior filósofo de todos os tempos. Isso mesmo, no Reino
Unido, em que o Partido Trabalhista precisou varrer o viés socialista de seus
estatutos e de suas políticas para retomar o poder com Tony Blair, em 1997, o
criador do comunismo ainda conserva sua popularidade. Na década passada, Marx
já tinha levado safanões em sua auréola vermelha. Na primeira biografia de
destaque publicada após o fim da Guerra Fria, o jornalista britânico Francis
Wheen expôs um Karl Marx que estava bem longe da figura magnânima imortalizada
em estátuas e estandartes em Moscou, Pequim ou Havana. Ele foi apresentado como
bêbado, parasita e adúltero, e o pior de tudo ignorando as análises jornalísticas
entre 1853-54 no New York Tribune,
posteriormente vertidas em dois volumes em português.
Mary
Burns foi uma irlandesa, analfabeta, operária da fábrica têxtil Ermen &
Engels, em Manchester, Inglaterra, de que a família de Friedrich Engels era
sócia. Foi ela quem o conduziu pelos
cortiços de Manchester onde viviam miseravelmente os trabalhadores irlandeses e
onde ele, provavelmente nunca conseguiria entrar, dada a hostilidade dos
trabalhadores aos patrões e aos não imigrantes irlandeses. Foi ela quem, ao
longo da vida e na condição de classe, revelou-lhe com os detalhes da
mentalidade e do modo de vida dos operários, a miséria material e moral de sua
vida cotidiana. Era o ano de 1843. A exploração da produção social da Irlanda e
da mão de obra irlandesa era a base da riqueza inglesa. O nacional sim tinha a
ver com o económico e, naturalmente, com
o político. O Friedrich chegou a descobrir ao lado da Mary que aquela estranha
ideia das nações tinha a ver até com o pessoal. Ela introduziu-o nos ambientes
populares e mostrou-lhe as condições de vida dos operários irlandeses,
confrontando-as com os salários e trabalhos mais dignos dos ingleses. Engels
publicaria no ano a seguir o seu ensaio sobre a situação da classe trabalhadora
na Inglaterra. A participação de Mary Burns na vida intelectual de Friedrich Engels
foi decisiva para a elaboração do seu livro sobre “A Condição da Classe
Trabalhadora na Inglaterra”. Seria neste contexto que em 1845 aos 25 anos de
idade Engels publicaria sua primeira obra teórica e histórica de fôlego, quando
Engels viveu em Bruxelas e Paris, dedicando-se ao estudo e à militância.
O
livro é basicamente o resultado das observações de Engels a partir de sua
vivência direta como gerente da “Ermen & Engels” em Manchester. A
observação direta envolve a pesquisa das condições de vida, de habitação, de
higiene, as formas de contratação, a resistência e luta dos operários fabris e
agrícolas, bem como as formas como o Estado e especificamente o Direito e os
juízes de paz se somam em defesa dos interesses dos capitalistas. Mesmo aos 25
anos e sendo filho de industrial, Engels, ele próprio um capitalista, já aqui
se opõe diametralmente à sua classe: descreve a burguesia inglesa como a mais
avarenta do mundo e o faz com números e documentos oficiais. Trata-se pois de
uma pesquisa de fôlego que tem como ponto de partida a revolução industrial na
Inglaterra, a introdução de tecnologias na produção que alteraram radicalmente
os meios de produção, a organização e disposição do trabalho e foram
conformando a proletarização das massas. A máquina de fiar e novos arranjos que
envolvem o uso do vapor e do ferro na produção destroem as antigas manufaturas
de tipo medievais, implicam na extinção da figura do artesão e do mestre – há a
concentração do trabalho na fábrica e o trabalho dá-se de forma assalariada e
contratual.
Só
tardiamente, em 1893, é que surgiu um partido socialista, o Independent Labour Party, que, em 1900,
fundiu-se com as Trade Unions, os
sindicatos, formando o atual Partido Trabalhista ou simplesmente Labour Party.
Nele, sempre predominou a moderação sobre os arroubos revolucionários. Em
geral, orientaram-se pelos socialistas “fabianos”, um grupo de intelectuais
excêntricos, entre os quais o teatrólogo Bernard Shaw e o casal Webb, Sidney e
Beatrice, que pregavam um “socialismo evolutivo”, baseado no convencimento (“permeation”) e não na
revolução. Foi deles a iniciativa de fundar a London School of Economics, a
principal instituição geradora dos cérebros responsável por fornecer os quadros
intelectuais e técnicos que ajudaram a transformar a Grã-Bretanha, ao longo do
século XX, até então uma de uma sociedade aristocrática, extremamente
hierarquizada, na moderna sociedade democrática que se tem hoje.
Gradativamente,
tal política, baseada no coletivismo, na planificação econômica centralizada e
no distributivismo tributário, consolidou-se como a afirmação do chamado “socialismo
burocrático” na Grã-Bretanha. Como não poderia deixar de ser, ela alimentou
reações hostis seja do sindicalismo, seja do partido trabalhista. Curiosamente
de posições ideológicas díspares: foi contra o mundo gerado por tal programa
que Orwell, então um socialista desiludido que publicou em 1948 a sua sufocante
anti-utopia “1984”, descrição “do dia-a-dia num Estado totalitário governado
pelo Grande Irmão, que tudo vê e que tudo provê”, e, contra quem Hayek, um dos
patronos do neoliberalismo, bem antes de todos, lançou o The roots of serfdom, ainda em 1944, que viu no Welfare State, um freio à prosperidade
empresarial e uma ameaça às liberdades. Desde que apeados do poder em 1951, os
trabalhistas meio que haviam perdido o fôlego, como se houvessem aplicado o
programa inteiro de uma vez só. Nas outras oportunidades que formaram um
gabinete (Harold Wilson: 1964-70; 1974-6, e James Callaghan: 1976-9)
limitaram-se a clamar por mais impostos e mais gastos, além de serem coniventes
com uma anarquia sindical e um alucinado grevismo que tomou conta do país e fez
com que os “politicamente indiferentes” passassem a votar nos seus opositores:
os conservadores de Tatcher, que se mantiveram por 18 anos no governo.
Mary
Burns sabia, pela experiência da nação sem Estado, que uma democracia
encabeçada pela classe trabalhadora acentuaria ainda mais as diferenças
nacionais porque, se bem corrigiria os abusos autoritários dos governos
supremacistas, ao tempo estimularia os elementos nacionais próprios e,
portanto, de interesse comum como a língua, os costumes, as artes, que são
protagonistas da vida das pessoas de qualquer nação. É notória a mudança de
opinião de Marx a respeito da situação colonial da Irlanda. Informado por
Engels durante décadas, só em 1867 concluiu que as relações económicas entre a
Inglaterra e a Irlanda tinham uma forte componente de supremacia nacional que
era preciso desfazer para atingir a soberania da classe trabalhadora. Marx
escreve esta hipótese numa carta ao seu amigo: Ou confederação ou, se isso não
for efetivo, separação definitiva. Por desgraça, Mary Burns finara em 1863, ano
da publicação dos nossos Cantares Galegos,
e por isso não sentiu a alegria desta mudança propiciada por ela com o seu
trabalho na fábrica e ativismo.
Solteira, por negar-se a cumprir os costumes idiotizados religioso-burgueses. Sem filhos, por
dedicar-se a melhorar as condições sociais das gerações futuras. Sem textos
escritos, talvez por não ter aprendido como outros operários a escrever. Mas
intensamente amada, como poucas mulheres por um nobre comunista, pelo seu marido e a virada de rumo do pensamento dialético socialista
e comunista que viria atravessar um século.
Mary
Burns foi durante vinte anos companheira, confidente e professora do seu
namorado Friedrich Engels. Ele, chefe na fábrica de algodão e amante confesso,
nunca conseguiu convencê-la para ela deixar de trabalhar. Operária, ativista,
provavelmente oradora, com certeza conspiradora, amante e revolucionária,
mostrou-lhe o caminho da democracia através da compreensão das realidades
nacionais, mais além da ideologia totalitária dos estados em formação. A irmã
Lizzy presenciou por ela a mudança de Marx e acompanhou Engels depois da morte
da Mary, até à sua própria morte em 1878, dando um exemplo de ancestral união
por sororato em que a irmã mais nova releva a finada em todas as suas funções
políticas, sociais e familiares. No último dia da vida de Lizzy Burns, ela
formalizou o casamento com Engels reconhecendo assim a ligação, não aceite pela
sociedade, entre o rico proprietário e as proletárias Burns num exercício único
de ativismo contra as convenções burguesas de seu tempo. Por fortuna, graças às
irmãs Burns, Marx e Engels revisaram esse tema aparentemente sem importância
que, ao fim e ao cabo, desembocou mais tarde na Independência da Irlanda.
Passados
100 anos a Irlanda aderiu à União Europeia (então CE), em 1973, ao abrigo de um
tratado redigido em várias línguas, incluindo o irlandês e o inglês. Desde
então, os seus dois nomes foram oficiais na UE. O irlandês tornou-se língua
oficial de trabalho da União Europeia em 1° de janeiro de 2007. Ambos os nomes
são agora usados em documentos ou na identificação dos membros que representam
o Estado irlandês. Isto não muda o nome da Irlanda na legislação da União
Europeia. Nas últimas três décadas as ações do grupo separatista IRA e dos
grupos paramilitares “protestantes” intensificaram suas ações e foi responsável
por vários atentados na Irlanda do Norte, principalmente na capital, Belfast. A
ascensão do Partido Trabalhista ao poder em 1997, a criação do Euro e a “nova
ordem” criaram condições de negociação política, tendo de um lado a Inglaterra
uma nova preocupação, em fortalecer-se dentro da Europa e a própria elite irlandesa
católica, em aproveitar as novas condições de desenvolvimento. A suspensão dos
atentados por ambos os lados foi fundamental para que as negociações pudessem
existir, criando condições concretas para a pacificação da região.
Bibliografia
Geral Consultada.
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Classe
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outros.
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