Ubiracy de Souza Braga
“A impunidade gera a audácia dos maus”. Carlos
Lacerda
Carlos Lacerda nasceu em Vassouras,
cidade localizada no sul do estado do Rio de Janeiro, onde seu avô residia e
seu pai tinha grandes interesses políticos. Recebeu o nome de Carlos Frederico
como homenagem aos pensadores políticos Karl Marx e Friedrich Engels. Seus pais
eram primos, descendentes em linhas afastadas de Francisco Rodrigues Alves, o
primeiro sesmeiro da cidade de Vassouras. Por outro lado, embora tivesse
sobrenome parecido com o do 2º barão de Pati do Alferes, o seu sobrenome
Lacerda origina-se de seu bisavô, um pobre confeiteiro português que se
estabeleceu em Vassouras e se casou com uma descendente de Francisco Rodrigues
Alves - estes serão os pais de seu avô paterno, Sebastião Lacerda. Seu bisavô
português chamava-se João Augusto Pereira de Lacerda e pertencia a uma das
principais famílias da nobreza açoriana, os Lacerdas do Faial, descendentes das famílias dos Pereiras, senhores da Feira, e dos Lacerdas, descendentes
dos reis de Castela e Leão e dos de França.
Ingressou em 1929 no curso de
Ciências Jurídicas e Sociais da então Faculdade de Direito da Universidade do
Rio de Janeiro, atual Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ). Durante seu período acadêmico, destacou-se como orador e
participando ativamente do movimento estudantil de esquerda no Centro Acadêmico
Cândido de Oliveira. Devido ao grande envolvimento em atividades políticas,
abandonou o curso em 1932. Tornou-se militante comunista, seguindo os passos de
seu pai, Maurício de Lacerda, e dos seus tios Paulo Lacerda e Fernando Paiva de
Lacerda, antigos militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Sua primeira
ação contra o governo de Getúlio Vargas implantado com a revolução de 1930
deu-se em janeiro de 1931, quando planejou, junto com outros companheiros comunistas,
incentivar marchas de desempregados no Rio de Janeiro e em Santos durante as
quais ocorreriam ataques ao comércio. A “conspiração comunista” foi descoberta
e desbaratada pela polícia liderada por João Batista Luzardo, o que não por
acaso transformou-se em notícia no jornal norte-americano The New York Times. Em março de 1934 leu o manifesto de lançamento
oficial da Aliança Nacional Libertadora
(ANL), entidade ligada ao Partido Comunista do Brasil (PCB), em uma solenidade
na cidade do Rio de Janeiro no qual houve o comparecimento de milhares de
pessoas.
No ano seguinte publicou, com o
pseudônimo de Marcos, um livreto contando a história do quilombo de Manuel
Congo. Apesar do viés de propaganda comunista juvenil, o livreto resultou da
primeira pesquisa histórica feita sobre um assunto que fora quase esquecido. Quando ocorreu a
derrota da Intentona Comunista de 1935, teve que se esconder na velha chácara
da família em Comércio, atual Sebastião Lacerda, Vassouras e ser protegido pela
família influente politicamente. Reformista, rompeu com o movimento comunista
em 1939, dizendo considerar que tal doutrina “levaria a uma ditadura, pior do
que as outras, porque muito mais organizada, e, portanto, muito mais difícil de
derrubar”. A partir de então, como político e escritor, consagrou-se como um
dos maiores porta-vozes das ideologias conservadora e direitista no país, e
grande adversário de Getúlio Dornelles Vargas e dos movimentos trabalhistas e
comunistas, sendo contado como um dos principais oradores da “Banda de música
da UDN”.
A lei eleitoral de maio de 1945,
elaborada sob a supervisão do ministro da Justiça Agamenon Magalhães,
determinou a constituição de partidos políticos de caráter nacional, o que
rompia aparentemente com a tradição regionalista da política partidária
brasileira. A UDN foi fundada no dia 7 de abril de 1945, reunindo diversas
correntes ideológicas que nos anos anteriores haviam-se colocado em oposição à
ditadura do Estado Novo. Setores liberais que desde 1943, com o lançamento do Manifesto dos Mineiros, vinham se manifestando pelo fim do regime ditatorial, se
articularam para lançar a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes à presidência
da República. Para dar sustentação a essa candidatura foi criada a UDN, que num
primeiro momento constituiu uma ampla frente anti-Vargas. Participaram da
fundação da UDN, setores oligárquicos desalojados do poder pela Revolução de
1930, representados por figuras como o baiano Otávio Mangabeira, o paulista
Júlio Prestes ou o ex-presidente Artur Bernardes, e por clãs políticos
estaduais como os Konder, de Santa Catarina, ou os Caiado, de Goiás.
Ingressaram
também na UDN, outros setores oligárquicos que só romperam com Vargas no
decorrer da década de 1930, como José Américo de Almeida, Juarez Távora,
Antônio Carlos, Juraci Magalhães, Carlos de Lima Cavalcanti e Flores da Cunha.
Havia ainda liberais ditos “históricos”, como os irmãos Virgílio e Afonso
Arinos de Melo Franco, Raul Pilla, Pedro Aleixo, Odilon Braga, Milton Campos, e
outros. Finalmente, estiveram entre os fundadores do partido curiosamente alguns
grupos e personalidades de esquerda, como Silo Meireles, rompido com o PCB em
virtude da aproximação desse partido com Getúlio Vargas, e socialistas como
Hermes Lima, Domingos Vellasco e João Mangabeira, aglutinados na chamada “Esquerda
Democrática”. Essa frente ampla e pluralista começou a dissolver-se, contudo,
ainda durante o ano de 1945 da 2ª guerra. Em Minas Gerais, o grupo ligado ao
antigo PRM, liderado por Artur Bernardes, optou por organizar o Partido
Republicano (PR), enquanto no Rio Grande do Sul foi criado o Partido
Libertador, dirigido por Raul Pilla. PR e PL, entretanto, mantiveram seu apoio
à candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes. No ano seguinte, a Esquerda
Democrática abandonaria a UDN para reorganizar o Partido Socialista Brasileiro
(PSB). Em 24 de agosto de 1954 - Carlos Lacerda festeja uma suposta renúncia de Getúlio Vargas para depois simular consternação com o suicídio do presidente. Com a saída desses setores, o partido se consolidou como um partido de direita.
Até a sua extinção em 1965, o partido
esteve no centro dos principais acontecimentos da vida política do país.
Caracterizou-se pela defesa da democracia liberal e pelo combate aguerrido às
correntes sulistas getulistas. Os conceitos do papel apropriado do jornalismo
variam de país para país. Em algumas nações, os meios de comunicação de
notícias são controlados pelo governo e não são um corpo completamente
independente. Em outros, os meios de comunicação são independentes do governo,
mas a motivação pelo lucro entra em tensão com as proteções constitucionais da
liberdade de imprensa. O acesso à informação livre recolhida por empresas
jornalísticas independentes e concorrentes, com normas editoriais
transparentes, pode permitir aos cidadãos participarem efetivamente do processo
político. O padrão histórico e politico da comunicação social no Brasil têm
como uma de suas características principais o vínculo orgânico dos meios
massivos de trabalho comunicacional com as representantes elites políticas
locais ou regionais.
Expressões
modernas “coronelismo eletrônico” ou “cartórios eletrônicos” têm sido frequentemente
utilizadas para caracterizar a tentativa ordinária de políticos para exercer,
por intermédio do domínio de mercado da mídia, o controle sobre o mercado
eleitoral. Nesse sentido, interessa-nos descrever e explicar o ineditismo da
experiência de jornais como O Dia, a Última Hora e o jornal Luta Democrática na conjuntura de seu
aparecimento durante o segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954). Ao que
parece deu-se “a primeira união entre veículos de comunicação de alcance
massivo e sua instrumentalização por parte de lideranças políticas, no ambiente
democrático” (cf. Siqueira, 2005). Assim, para Marialva Barbosa em sua tese de
doutoramento, o século XX trouxe à cena um novo tipo de jornalismo, no qual o
investimento em um noticiário amplo buscou um público variado e fortaleceu
determinados jornais como empresas. O caso do jornal Correio da Manhã, fundado
na cidade do Rio de Janeiro em 1901, é exemplar, por razões políticas e
ideológicas, interpelando os indivíduos como sujeitos, mas que não trataremos agora.
Antes,
vale lembrar a tópica da inclusão dos trabalhadores na cena política, em que Angela
de Castro Gomes, historiadora e cientista demarca duas fases. Na primeira, que
cobre toda a Primeira República, estendendo-se até a promulgação da
Constituição de 1934, a direção do processo esteve com os trabalhadores.
Segundo a autora, “a ‘palavra operária’, sob o controle de lideranças
diferenciais, operou buscando criar as bases de uma nova identidade de classe
como fundamento para sua ação política”.
A partir de 1934, em um segundo momento do processo histórico de formação
da classe trabalhadora como ator político, a palavra não esteve mais com os
trabalhadores. O acesso à cidadania por parte dos setores populares passou a realizar-se
via intervenção estatal. Neste quadro, a invenção do trabalhismo e a montagem
do sindicalismo corporativista, complementadas pela criação do Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB), constituíram os elementos fundamentais da incorporação
política dos trabalhadores.
O
Estado Novo (1937-46), com as suas características de controle, agravou a
situação, limitando não só a palavra dos trabalhadores, mas influenciando a de
outros grupos. A imprensa esteve cerceada por inúmeros dispositivos, culminando
mesmo no desaparecimento de vários jornais e revistas. A constituição
brasileira de 1937 legalizou a censura prévia aos meios sociais de comunicação.
A imprensa, por meio de uma legislação especial, foi investida da função de
caráter público, o que permitiu sua instrumentalização por parte do Estado. A
palavra, agora, estava concentrada nas mãos do governo autoritário. O “udenismo”
sociologicamente caracterizou-se pela defesa do liberalismo clássico e da
moralidade, e pela forte oposição ao
populismo (cf. Laclau, 2005). Além disso, algumas de suas bandeiras eram as
aberturas econômicas para o capital estrangeiro e a valorização da educação
pública. O partido político detinha forte apoio das classes médias urbanas e de
alguns setores conservadores da elite. Concorreu às eleições presidenciais de
1945, 1950, e de 1955 postulando o brigadeiro Eduardo Gomes nas duas primeiras
e o general Juarez Távora na última, perdendo nas três conjunturas políticas.
Em 1960, apoiou Jânio Quadros que não era filiado à UDN, obtendo assim uma
vitória histórica e singular. Seu principal rival nas eleições era o Partido
Social Democrático. Até as eleições parlamentares de 1962, a UDN era a segunda
maior bancada do Congresso Nacional, atrás apenas da bancada pessedista. Nesse
ano, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) tomou este segundo lugar da UDN.
Como
todos os demais partidos, a UDN foi extinta pelos golpistas militares que
assumiram o poder em 1964, através do Ato Institucional n° 2. Foi institucionalizado
pelo regime militar, em 27 de outubro de 1965, como resposta aos resultados das
eleições que ocorreram no início daquele mês. Seguindo a estratégia delineada
pelos militares anteriormente ao 1° de abril de 1964, foi necessária a edição
de mais um Ato Institucional, agora com 33 artigos, pois certos dispositivos da
Constituição de 1946 não eram compatíveis com a ordem contrarrevolucionária. Após
o golpe político-militar de 1° de abril de 1964, muitos quadros políticos da UDN
migraram para a Aliança Renovadora Nacional (ARENA). No entanto, sua principal
liderança, o jornalista Carlos Lacerda, apesar de ter sido um dos líderes civis
do golpe de Estado, voltou-se contra ele em 1966, com a prorrogação do mandato
do presidente-marechal Castelo Branco. Segundo Lacerda, a prorrogação do
mandato de Castelo Branco levaria à consolidação do governo revolucionário numa
ditadura militar permanente no Brasil, o que realmente aconteceu até 1984. Em novembro
de 1966, organizou politicamente a “Frente Ampla”, comum em tempos e crise de
hegemonia sócio-política, desencadeando um movimento democrático, contrário ao
golpe militar de abril de 1964, que seria liderada por ele e articulado com
seus antigos adversários, João Goulart e Juscelino Kubitschek. Mercado do Jornalismo: A UDN, de Carlos Lacerda, espalhou que Brasília fez do presidente Juscelino Kubitschek a sétima maior fortuna do mundo.
O
ato institucional, que ainda reabriu processos de cassação e extinguiu os
partidos políticos, fora uma resposta do regime às derrotas sofridas pelos candidatos
a governador oficiais em estados importantes como Minas Gerais e Guanabara.
Carlos Lacerda foi politicamente deslocado, pois com a criação do
bipartidarismo a maior parte dos udenistas filiou-se à situacionista Aliança
Renovadora Nacional (Arena), que se contrapunha ao oposicionista Movimento
Democrático Nacional (MDB). O ingresso dos deputados lacerdistas da Guanabara
no MDB, segundo o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV), também marcou sua ruptura e
distanciamento com os militares. O ex-governador resolveu então procurar seus
antigos adversários políticos, como os exilados e cassados Juscelino
Kubitschek, vivendo em Portugal, e João Goulart, residindo no Uruguai, numa
tentativa de juntar forças sociais e políticas para lutar pela restauração da
democracia no país. O movimento foi ganhando “corpo a corpo” e conquistando a
adesão de importantes emedebistas, como o secretário-geral do partido, Mário
Covas, líder da bancada, ou o senador Josafá Marinho, figura proeminente da
oposição.
Com
a vitória da oposição nas eleições em cinco estados do país, mais notadamente
as de Israel Pinheiro, em Minas Gerais e a de Negrão de Lima, na Guanabara (RJ),
os setores militares avançaram com a calibragem
da repressão: foram reabertos os processos de cassação, partidos políticos
foram extintos, sob a égide da violência física dos aparelhos repressivos de
Estado (ARE) com suas sedes invadidas e desativadas e o Poder Judiciário, ao
contrário do golpe histórico de 17 de abril de 2016, sofreu intervenção oportunista
do Executivo. Até que, em 27 de outubro de 1965, o marechal cearense Humberto
de Alencar Castelo Branco mandou publicar no Diário Oficial da União e ordenou
o cumprimento do AI-2, que emendou contrariamente vários dispositivos da Constituição
de 1946, tornando indireta a eleição para presidente da República. O Poder
Judiciário em contradição com o Poder Executivo sofreu intervenção direta do
Poder Executivo. Desta forma, os julgamentos das ações dos contrarrevolucionários
deixaram de ser competência da justiça civil e o Estado entrou em um regime de
exceção ainda mais repressor das posições contrárias ao regime.
Deputado Tenório Cavalcanti (UDN) ao centro. |
Ativíssima
era a UDN carioca, com apoios na imprensa, principalmente do jornal Tribuna da Imprensa, na Igreja católica
e nas altas patentes militares. Era galvanizado pelo intelectual orgânico, Carlos Lacerda, o qual ganhou as eleições de
1960 para governador ao derrotar o petebista Sérgio Magalhães por 28% dos votos
a 26%. Seu maior rival aqui era o PTB. Com exceção de Adauto Lúcio Cardoso,
seus grandes expoentes eram figuras carimbadas do lacerdismo, como Sandra
Cavalcanti e Amaral Netto, fundador do chamado “Clube da Lanterna”. A UDN
fluminense não se confunde com a UDN carioca. No antigo estado do Rio de
Janeiro, o PSD, liderado por Amaral Peixoto era hegemônico, daí fazendo com que
a UDN frequentemente se aliasse ao PTB. No entanto, a UDN apoiou o vencedor das
eleições para governador de 1947, com Edmundo Macedo Soares e Silva do PSD. A
UDN fluminense era heterogênea, reunindo bacharéis liberais como Prado Kelly, o
principal defensor do Brigadeiro Eduardo Gomes no partido, e Raul Fernandes,
Ministro das Relações Exteriores do governo do Marechal Dutra, com
ex-integralistas como Raymundo Padilha e líderes populistas de direita, como o
deputado federal Tenório Cavalcanti, considerado o primeiro udenista “com cara
de povo”, se consagraria o “cacique” de Duque de Caxias, na baixada fluminense,
líder famoso assombrando por sua capa preta e metralhadora “Lurdinha”, e
principalmente, por seu anticomunismo radical e envolvimento com dezenas de
assassinatos de adversários e desafetos no corredor da política.
Tenório
conquistou três mandatos seguidos de deputado federal pelo Estado do Rio de
Janeiro (1950, 1954 e 1958), e nos dois últimos pleitos conseguiu a maior
votação do estado. Construiu uma imagem política também no jornal Luta Democrática, de sua propriedade, e
os seus discursos na Câmara dos Deputados expressaram uma linguagem, símbolos e
valores que se identificavam com sua personalidade. Após uma briga política com
Carlos Lacerda, da UDN, ele rompeu e se afastou do partido. Candidatou-se
depois ao governo do recém-criado estado da Guanabara pelo PST, mas Tenório não
foi eleito, ficou em terceiro lugar. O vencedor foi Carlos Lacerda. Mais tarde,
em outubro de 1962, Tenório disputou a eleição novamente pelo PST, desta vez ao
governo do estado do Rio de Janeiro e perdeu para Badger da Silveira, do PTB,
com pouca diferença. Devido às constantes ameaças de morte, Tenório e sua
família moravam em uma casa-fortaleza, em Duque de Caxias. Andava sempre armado
e acompanhado de capangas. A ele foram atribuídos pelo menos 25 crimes
violentos. Apesar de as investigações terem comprovado a participação de
Tenório, ele jamais foi indiciado pelo crime. Em 1958, grandes enchentes
assolaram Duque de Caxias e Tenório assumiu o projeto de construção da Vila São
José com a finalidade de atender a população flagelada. Em 1961, ele apoiou a
posse de João Goulart e aproximou-se de Leonel Brizola. Tenório foi cassado em
1964, e se orgulhava de não ter fugido do país. Quinze anos depois, em 1979,
apoiou o último general-presidente, João Baptista Figueiredo. Mas em 1982,
apoiou Moreira Franco, desvinculando-se do brizolismo.
Tenório
Cavalcanti na política possuía um estilo político agressivo, muitas vezes
violento. Isso lhe rendeu uma aura de mito. Eleito deputado estadual e deputado
federal do Rio de Janeiro, tendo quase vencido também para governador do
estado, sua vida inspirou o filme “O Homem da Capa Preta”, dirigido em 1986 por
Sérgio Rezende e estrelado por José Wilker no papel de Tenório Cavalcanti (cf.
Alves, 2003). Nascido em Alagoas, mudou-se já adulto para Duque de Caxias no
fim dos anos 1920. Sua infância fora humilde, na maior parte passada no sertão
nordestino. Na época de sua chegada ao Rio de Janeiro, Duque de Caxias era
apenas um gueto cruzado por ruas de terra batida. Habitado na maior parte por
migrantes nordestinos, a região era desprovida de qualquer infraestrutura ou saneamento
básico, sendo apenas “uma enorme favela horizontal de loteamentos pantanosos,
infestados de mosquitos”. A Baixada Fluminense, que
Cavalcanti garantiria seu poder político como caudilho. Como deputado estadual,
o “homem da capa preta” providenciou diversas melhorias para a população local,
buscando também instalar as dezenas de milhares de migrantes nordestinos que
vinham diariamente para o Rio de Janeiro em busca de condições melhores de
vida. Suas obras políticas renderam-lhe muitos aliados e eleitores pelas
favelas de Duque de Caxias, apoio este que o levaria a ser eleito deputado
federal.
Pelos
cabos eleitorais, Tenório Cavalcanti fora conhecido como “O Rei da Baixada”;
pelos rivais, era tachado de “O Deputado Pistoleiro”. Devido aos constantes
riscos de morte, Tenório e sua família habitavam uma casa-fortaleza ipsis litteris na Baixada Fluminense. No
entanto, “jamais se recusava em caminhar pelas ruas do gueto, andando sempre
armado e acompanhado de capangas”. As aspirações e os planos políticos de
Tenório Cavalcanti chocavam-se violentamente com o das elites políticas de
Duque de Caxias. Isso lhe rendeu diversos desafetos, muitos dos quais
culminaram em atentados à vida dele e à de seus familiares e aliados. Em casos
como este Tenório Cavalcanti mandava matar quem o desafiasse. Um destes fora o
delegado paulista Albino Imparato, convocado às pressas pela elite política de Duque
de Caxias para que freasse o populismo de direita (cf. Laclau, 2005) e a
agressividade do chamado “homem da capa preta”. Com a chegada de Albino, o
deputado federal Tenório Cavalcanti e seus aliados foram perseguidos de forma
implacável. Sua casa-fortaleza fora metralhada, seus familiares ameaçados e
alguns de seus comparsas sumariamente assassinados.
Até
que, no dia 28 de agosto de 1953, o delegado Imparato fora encontrado
metralhado dentro de seu carro, no Centro da cidade. O crime despertou a
atenção nacional. As investigações policiais comprovaram a participação direta
de Tenório Cavalcanti no crime. As duas residências do “homem da capa preta” –
a fortaleza de Duque de Caxias e o apartamento de Copacabana – foram cercadas
por policiais fortemente armados. Com a intervenção de alguns nomes políticos
de prestígio da época, o cerco fora desfeito. Intervieram Nereu Ramos,
presidente da Câmara, Osvaldo Aranha, ex-ministro da Fazenda, e Afonso Arinos,
então deputado e futuro senador, que foram a Duque de Caxias especialmente para
defender o aliado. A título de curiosidade, Tenório Cavalcanti andava sempre ao
lado de sua “Lurdinha”, uma submetralhadora MP- 40 de fabricação alemã, similar
àquelas utilizadas por soldados nazistas durante a segunda guerra mundial. Esta
arma foi dada como presente do general Góis Monteiro.
Este,
com Antônio Carlos Peixoto de Magalhães (1927-2007), doravante ACM, seu
logotipo político, protagonizaria um dos episódios mais tensos da história
política contemporânea brasileira. Na ocasião, Tenório Cavalcanti, ainda no
mandato de deputado federal, discursava na Câmara dos Deputados. No discurso,
acusava o então presidente do Banco do Brasil, Clemente Mariani, de desvio de
verbas. Antônio Carlos Magalhães, então deputado e baiano como Mariani,
defendera o conterrâneo respondendo que “vossa excelência pode dizer isso e
mais coisas, mas na verdade o que vossa excelência é mesmo é um protetor do
jogo e do lenocínio, porque é um ladrão”. Tenório Cavalcanti, então, sacou o
seu revólver e berrou: “Vai morrer agora mesmo!”. Todos os membros da Câmara
Federal correram para tentar impedir o assassinato. Segurando o microfone,
Antônio Carlos Magalhães não se deu por vencido, mas tremendo gritou: “Atira!”.
Tenório, no fim, resolveu não atirar. O deputado Tenório Cavalcanti teve suas
armas apreendidas e seus direitos políticos cassados pelo governo militar em
1964 com a interveniência direta de Antônio Carlos Magalhães.
Após
a reformulação partidária filiou-se ao PDS em fevereiro de 1980 mantendo
incólume sua condição de líder político apesar do duro golpe sofrido às
vésperas das eleições de 1982 quando um acidente aéreo vitimou Clériston
Andrade, candidato situacionista ao governo da Bahia. Refeito da tragédia, ACM
indicou João Durval Carneiro como candidato a governador, afinal vitorioso.
Entusiasta da candidatura de Mário Andreazza à sucessão do general-presidente
João Figueiredo, opôs-se firmemente ao nome de Paulo Maluf como candidato após
sua vitória sobre Andreazza na convenção nacional do PDS realizada em 11 de agosto
de 1984 pela contagem de 493 votos a 350. Episódio singular de sua postura
antimalufista aconteceu três semanas após a convenção pedessista quando, na
inauguração do novo terminal de passageiros do aeroporto de Salvador, o
Ministro da Aeronáutica, Délio Jardim de Matos, criticou a postura dos
dissidentes do PDS em favor da candidatura de Tancredo Neves no que ACM
respondeu: - “Trair a Revolução de 1964 é apoiar Maluf para presidente”.
O
relativo sucesso dos jornais Última Hora,
O Dia e a Luta Democrática durante a década de 1950 pode ser medido não
apenas a partir de seu desempenho no mercado jornalístico, como também pelo
desempenho eleitoral dos políticos a eles relacionados, como é o caso de Chagas
Freitas e Tenório Cavalcanti. Em 1953, O
Dia já atingia a marca de 90 mil exemplares, tornando-se o matutino de
maior circulação no Distrito Federal. O jornal adquiriu grande penetração nos
subúrbios cariocas e na Baixada Fluminense, fato decisivo para a eleição de Chagas
Freitas à Câmara Federal em 1954. A partir daí, o jornal tornou-se a base de
sustentação da expansão da política chaguista,
durante as duas décadas seguintes, servindo como veículo da marca clientelista
dessa política. O jornal Luta Democrática
foi fundado em 1954 por Tenório Cavalcanti, então deputado federal pela União
Democrática Nacional (UDN) e liderança política em Duque de Caxias, nas áreas
vizinhas da Baixada Fluminense e no então Distrito Federal. Tenório Cavalcanti
usou o jornal para expandir sua clientela política e combater o segundo governo
de Getúlio Vargas. A popularidade de Tenório formou-se na base do clientelismo,
dos pequenos favores e donativos feitos à população pobre. Em 1954, em sua
reeleição como deputado federal, obteve a maior votação do estado do Rio. Em 1958, repetiu seu feito eleitoral, obtendo novamente a maior votação
do estado. Importa demonstrar como a eficácia jornalística e política dos
jornais Última Hora, O Dia e Luta Democrática pode ser explicada pela
especificidade da interseção entre linguagem sensacionalista, udenismo e linguagem
política destes periódicos.
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32 (94) 2017; entre outros.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirTirando o petismo incurável de quem classifica o impedimento legal e constitucional com apoio jurídico, politico e popular de Dilma como um processo antidemocrático, o texto é muito bom.
ResponderExcluirFora de dúvida que a prática de corrupção significa "crime de responsabilidade". Foi o que ocorreu com Fernando Collor em 1992. Contudo, no julgamento de Dilma Rousseff, não conseguiram juridicamente comprovar sua associação com crimes de corrupção, cuja investigação criminal ela de forma transparente sempre apoiou. Portanto, sociologicamente, o que houve foi um julgamento político e não jurídico.
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