quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Carlos Lacerda - Udenismo & Mercado Jornalístico Global.

                                                                                                    Ubiracy de Souza Braga

                                               “A impunidade gera a audácia dos maus”. Carlos Lacerda

                                  
            Carlos Lacerda nasceu em Vassouras, cidade localizada no sul do estado do Rio de Janeiro, onde seu avô residia e seu pai tinha grandes interesses políticos. Recebeu o nome de Carlos Frederico como homenagem aos pensadores políticos Karl Marx e Friedrich Engels. Seus pais eram primos, descendentes em linhas afastadas de Francisco Rodrigues Alves, o primeiro sesmeiro da cidade de Vassouras. Por outro lado, embora tivesse sobrenome parecido com o do 2º barão de Pati do Alferes, o seu sobrenome Lacerda origina-se de seu bisavô, um pobre confeiteiro português que se estabeleceu em Vassouras e se casou com uma descendente de Francisco Rodrigues Alves - estes serão os pais de seu avô paterno, Sebastião Lacerda. Seu bisavô português chamava-se João Augusto Pereira de Lacerda e pertencia a uma das principais famílias da nobreza açoriana, os Lacerdas do Faial, descendentes das famílias dos Pereiras, senhores da Feira, e dos Lacerdas, descendentes dos reis de Castela e Leão e dos de França.
            Ingressou em 1929 no curso de Ciências Jurídicas e Sociais da então Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro, atual Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Durante seu período acadêmico, destacou-se como orador e participando ativamente do movimento estudantil de esquerda no Centro Acadêmico Cândido de Oliveira. Devido ao grande envolvimento em atividades políticas, abandonou o curso em 1932. Tornou-se militante comunista, seguindo os passos de seu pai, Maurício de Lacerda, e dos seus tios Paulo Lacerda e Fernando Paiva de Lacerda, antigos militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Sua primeira ação contra o governo de Getúlio Vargas implantado com a revolução de 1930 deu-se em janeiro de 1931, quando planejou, junto com outros companheiros comunistas, incentivar marchas de desempregados no Rio de Janeiro e em Santos durante as quais ocorreriam ataques ao comércio. A “conspiração comunista” foi descoberta e desbaratada pela polícia liderada por João Batista Luzardo, o que não por acaso transformou-se em notícia no jornal norte-americano The New York Times. Em março de 1934 leu o manifesto de lançamento oficial da Aliança Nacional Libertadora (ANL), entidade ligada ao Partido Comunista do Brasil (PCB), em uma solenidade na cidade do Rio de Janeiro no qual houve o comparecimento de milhares de pessoas.

Vídeo do ano em que o udenista completaria 100 anos.
            
            No ano seguinte publicou, com o pseudônimo de Marcos, um livreto contando a história do quilombo de Manuel Congo. Apesar do viés de propaganda comunista juvenil, o livreto resultou da primeira pesquisa histórica feita sobre um assunto que fora quase esquecido. Quando ocorreu a derrota da Intentona Comunista de 1935, teve que se esconder na velha chácara da família em Comércio, atual Sebastião Lacerda, Vassouras e ser protegido pela família influente politicamente. Reformista, rompeu com o movimento comunista em 1939, dizendo considerar que tal doutrina “levaria a uma ditadura, pior do que as outras, porque muito mais organizada, e, portanto, muito mais difícil de derrubar”. A partir de então, como político e escritor, consagrou-se como um dos maiores porta-vozes das ideologias conservadora e direitista no país, e grande adversário de Getúlio Dornelles Vargas e dos movimentos trabalhistas e comunistas, sendo contado como um dos principais oradores da “Banda de música da UDN”.
            A lei eleitoral de maio de 1945, elaborada sob a supervisão do ministro da Justiça Agamenon Magalhães, determinou a constituição de partidos políticos de caráter nacional, o que rompia aparentemente com a tradição regionalista da política partidária brasileira. A UDN foi fundada no dia 7 de abril de 1945, reunindo diversas correntes ideológicas que nos anos anteriores haviam-se colocado em oposição à ditadura do Estado Novo. Setores liberais que desde 1943, com o lançamento do Manifesto dos Mineiros, vinham se manifestando pelo fim do regime ditatorial, se articularam para lançar a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes à presidência da República. Para dar sustentação a essa candidatura foi criada a UDN, que num primeiro momento constituiu uma ampla frente anti-Vargas. Participaram da fundação da UDN, setores oligárquicos desalojados do poder pela Revolução de 1930, representados por figuras como o baiano Otávio Mangabeira, o paulista Júlio Prestes ou o ex-presidente Artur Bernardes, e por clãs políticos estaduais como os Konder, de Santa Catarina, ou os Caiado, de Goiás.
Ingressaram também na UDN, outros setores oligárquicos que só romperam com Vargas no decorrer da década de 1930, como José Américo de Almeida, Juarez Távora, Antônio Carlos, Juraci Magalhães, Carlos de Lima Cavalcanti e Flores da Cunha. Havia ainda liberais ditos “históricos”, como os irmãos Virgílio e Afonso Arinos de Melo Franco, Raul Pilla, Pedro Aleixo, Odilon Braga, Milton Campos, e outros. Finalmente, estiveram entre os fundadores do partido curiosamente alguns grupos e personalidades de esquerda, como Silo Meireles, rompido com o PCB em virtude da aproximação desse partido com Getúlio Vargas, e socialistas como Hermes Lima, Domingos Vellasco e João Mangabeira, aglutinados na chamada “Esquerda Democrática”. Essa frente ampla e pluralista começou a dissolver-se, contudo, ainda durante o ano de 1945 da 2ª guerra. Em Minas Gerais, o grupo ligado ao antigo PRM, liderado por Artur Bernardes, optou por organizar o Partido Republicano (PR), enquanto no Rio Grande do Sul foi criado o Partido Libertador, dirigido por Raul Pilla. PR e PL, entretanto, mantiveram seu apoio à candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes. No ano seguinte, a Esquerda Democrática abandonaria a UDN para reorganizar o Partido Socialista Brasileiro (PSB). Em 24 de agosto de 1954 - Carlos Lacerda festeja uma suposta renúncia de Getúlio Vargas para depois simular consternação com o suicídio do presidente. Com a saída desses setores, o partido se consolidou como um partido de direita.


 Até a sua extinção em 1965, o partido esteve no centro dos principais acontecimentos da vida política do país. Caracterizou-se pela defesa da democracia liberal e pelo combate aguerrido às correntes sulistas getulistas. Os conceitos do papel apropriado do jornalismo variam de país para país. Em algumas nações, os meios de comunicação de notícias são controlados pelo governo e não são um corpo completamente independente. Em outros, os meios de comunicação são independentes do governo, mas a motivação pelo lucro entra em tensão com as proteções constitucionais da liberdade de imprensa. O acesso à informação livre recolhida por empresas jornalísticas independentes e concorrentes, com normas editoriais transparentes, pode permitir aos cidadãos participarem efetivamente do processo político. O padrão histórico e politico da comunicação social no Brasil têm como uma de suas características principais o vínculo orgânico dos meios massivos de trabalho comunicacional com as representantes elites políticas locais ou regionais.
Expressões modernas “coronelismo eletrônico” ou “cartórios eletrônicos” têm sido frequentemente utilizadas para caracterizar a tentativa ordinária de políticos para exercer, por intermédio do domínio de mercado da mídia, o controle sobre o mercado eleitoral. Nesse sentido, interessa-nos descrever e explicar o ineditismo da experiência de jornais como O Dia, a Última Hora e o jornal Luta Democrática na conjuntura de seu aparecimento durante o segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954). Ao que parece deu-se “a primeira união entre veículos de comunicação de alcance massivo e sua instrumentalização por parte de lideranças políticas, no ambiente democrático” (cf. Siqueira, 2005). Assim, para Marialva Barbosa em sua tese de doutoramento, o século XX trouxe à cena um novo tipo de jornalismo, no qual o investimento em um noticiário amplo buscou um público variado e fortaleceu determinados jornais como empresas. O caso do jornal Correio da Manhã, fundado na cidade do Rio de Janeiro em 1901, é exemplar, por razões políticas e ideológicas, interpelando os indivíduos como sujeitos, mas que não trataremos agora.
Antes, vale lembrar a tópica da inclusão dos trabalhadores na cena política, em que Angela de Castro Gomes, historiadora e cientista demarca duas fases. Na primeira, que cobre toda a Primeira República, estendendo-se até a promulgação da Constituição de 1934, a direção do processo esteve com os trabalhadores. Segundo a autora, “a ‘palavra operária’, sob o controle de lideranças diferenciais, operou buscando criar as bases de uma nova identidade de classe como fundamento para sua ação política”.  A partir de 1934, em um segundo momento do processo histórico de formação da classe trabalhadora como ator político, a palavra não esteve mais com os trabalhadores. O acesso à cidadania por parte dos setores populares passou a realizar-se via intervenção estatal. Neste quadro, a invenção do trabalhismo e a montagem do sindicalismo corporativista, complementadas pela criação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), constituíram os elementos fundamentais da incorporação política dos trabalhadores.
O Estado Novo (1937-46), com as suas características de controle, agravou a situação, limitando não só a palavra dos trabalhadores, mas influenciando a de outros grupos. A imprensa esteve cerceada por inúmeros dispositivos, culminando mesmo no desaparecimento de vários jornais e revistas. A constituição brasileira de 1937 legalizou a censura prévia aos meios sociais de comunicação. A imprensa, por meio de uma legislação especial, foi investida da função de caráter público, o que permitiu sua instrumentalização por parte do Estado. A palavra, agora, estava concentrada nas mãos do governo autoritário. O “udenismo” sociologicamente caracterizou-se pela defesa do liberalismo clássico e da moralidade, e pela forte oposição ao populismo (cf. Laclau, 2005). Além disso, algumas de suas bandeiras eram as aberturas econômicas para o capital estrangeiro e a valorização da educação pública. O partido político detinha forte apoio das classes médias urbanas e de alguns setores conservadores da elite. Concorreu às eleições presidenciais de 1945, 1950, e de 1955 postulando o brigadeiro Eduardo Gomes nas duas primeiras e o general Juarez Távora na última, perdendo nas três conjunturas políticas. Em 1960, apoiou Jânio Quadros que não era filiado à UDN, obtendo assim uma vitória histórica e singular. Seu principal rival nas eleições era o Partido Social Democrático. Até as eleições parlamentares de 1962, a UDN era a segunda maior bancada do Congresso Nacional, atrás apenas da bancada pessedista. Nesse ano, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) tomou este segundo lugar da UDN.
Como todos os demais partidos, a UDN foi extinta pelos golpistas militares que assumiram o poder em 1964, através do Ato Institucional n° 2. Foi institucionalizado pelo regime militar, em 27 de outubro de 1965, como resposta aos resultados das eleições que ocorreram no início daquele mês. Seguindo a estratégia delineada pelos militares anteriormente ao 1° de abril de 1964, foi necessária a edição de mais um Ato Institucional, agora com 33 artigos, pois certos dispositivos da Constituição de 1946 não eram compatíveis com a ordem contrarrevolucionária. Após o golpe político-militar de 1° de abril de 1964, muitos quadros políticos da UDN migraram para a Aliança Renovadora Nacional (ARENA). No entanto, sua principal liderança, o jornalista Carlos Lacerda, apesar de ter sido um dos líderes civis do golpe de Estado, voltou-se contra ele em 1966, com a prorrogação do mandato do presidente-marechal Castelo Branco. Segundo Lacerda, a prorrogação do mandato de Castelo Branco levaria à consolidação do governo revolucionário numa ditadura militar permanente no Brasil, o que realmente aconteceu até 1984. Em novembro de 1966, organizou politicamente a “Frente Ampla”, comum em tempos e crise de hegemonia sócio-política, desencadeando um movimento democrático, contrário ao golpe militar de abril de 1964, que seria liderada por ele e articulado com seus antigos adversários, João Goulart e Juscelino Kubitschek. Mercado do Jornalismo: A UDN, de Carlos Lacerda, espalhou que Brasília fez do presidente Juscelino Kubitschek a sétima maior fortuna do mundo.


O ato institucional, que ainda reabriu processos de cassação e extinguiu os partidos políticos, fora uma resposta do regime às derrotas sofridas pelos candidatos a governador oficiais em estados importantes como Minas Gerais e Guanabara. Carlos Lacerda foi politicamente deslocado, pois com a criação do bipartidarismo a maior parte dos udenistas filiou-se à situacionista Aliança Renovadora Nacional (Arena), que se contrapunha ao oposicionista Movimento Democrático Nacional (MDB). O ingresso dos deputados lacerdistas da Guanabara no MDB, segundo o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV), também marcou sua ruptura e distanciamento com os militares. O ex-governador resolveu então procurar seus antigos adversários políticos, como os exilados e cassados Juscelino Kubitschek, vivendo em Portugal, e João Goulart, residindo no Uruguai, numa tentativa de juntar forças sociais e políticas para lutar pela restauração da democracia no país. O movimento foi ganhando “corpo a corpo” e conquistando a adesão de importantes emedebistas, como o secretário-geral do partido, Mário Covas, líder da bancada, ou o senador Josafá Marinho, figura proeminente da oposição.
Com a vitória da oposição nas eleições em cinco estados do país, mais notadamente as de Israel Pinheiro, em Minas Gerais e a de Negrão de Lima, na Guanabara (RJ), os setores militares avançaram com a calibragem da repressão: foram reabertos os processos de cassação, partidos políticos foram extintos, sob a égide da violência física dos aparelhos repressivos de Estado (ARE) com suas sedes invadidas e desativadas e o Poder Judiciário, ao contrário do golpe histórico de 17 de abril de 2016, sofreu intervenção oportunista do Executivo. Até que, em 27 de outubro de 1965, o marechal cearense Humberto de Alencar Castelo Branco mandou publicar no Diário Oficial da União e ordenou o cumprimento do AI-2, que emendou contrariamente vários dispositivos da Constituição de 1946, tornando indireta a eleição para presidente da República. O Poder Judiciário em contradição com o Poder Executivo sofreu intervenção direta do Poder Executivo. Desta forma, os julgamentos das ações dos contrarrevolucionários deixaram de ser competência da justiça civil e o Estado entrou em um regime de exceção ainda mais repressor das posições contrárias ao regime.
Deputado Tenório Cavalcanti (UDN) ao centro.
Ativíssima era a UDN carioca, com apoios na imprensa, principalmente do jornal Tribuna da Imprensa, na Igreja católica e nas altas patentes militares. Era galvanizado pelo intelectual orgânico, Carlos Lacerda, o qual ganhou as eleições de 1960 para governador ao derrotar o petebista Sérgio Magalhães por 28% dos votos a 26%. Seu maior rival aqui era o PTB. Com exceção de Adauto Lúcio Cardoso, seus grandes expoentes eram figuras carimbadas do lacerdismo, como Sandra Cavalcanti e Amaral Netto, fundador do chamado “Clube da Lanterna”. A UDN fluminense não se confunde com a UDN carioca. No antigo estado do Rio de Janeiro, o PSD, liderado por Amaral Peixoto era hegemônico, daí fazendo com que a UDN frequentemente se aliasse ao PTB. No entanto, a UDN apoiou o vencedor das eleições para governador de 1947, com Edmundo Macedo Soares e Silva do PSD. A UDN fluminense era heterogênea, reunindo bacharéis liberais como Prado Kelly, o principal defensor do Brigadeiro Eduardo Gomes no partido, e Raul Fernandes, Ministro das Relações Exteriores do governo do Marechal Dutra, com ex-integralistas como Raymundo Padilha e líderes populistas de direita, como o deputado federal Tenório Cavalcanti, considerado o primeiro udenista “com cara de povo”, se consagraria o “cacique” de Duque de Caxias, na baixada fluminense, líder famoso assombrando por sua capa preta e metralhadora “Lurdinha”, e principalmente, por seu anticomunismo radical e envolvimento com dezenas de assassinatos de adversários e desafetos no corredor da política.

Tenório conquistou três mandatos seguidos de deputado federal pelo Estado do Rio de Janeiro (1950, 1954 e 1958), e nos dois últimos pleitos conseguiu a maior votação do estado. Construiu uma imagem política também no jornal Luta Democrática, de sua propriedade, e os seus discursos na Câmara dos Deputados expressaram uma linguagem, símbolos e valores que se identificavam com sua personalidade. Após uma briga política com Carlos Lacerda, da UDN, ele rompeu e se afastou do partido. Candidatou-se depois ao governo do recém-criado estado da Guanabara pelo PST, mas Tenório não foi eleito, ficou em terceiro lugar. O vencedor foi Carlos Lacerda. Mais tarde, em outubro de 1962, Tenório disputou a eleição novamente pelo PST, desta vez ao governo do estado do Rio de Janeiro e perdeu para Badger da Silveira, do PTB, com pouca diferença. Devido às constantes ameaças de morte, Tenório e sua família moravam em uma casa-fortaleza, em Duque de Caxias. Andava sempre armado e acompanhado de capangas. A ele foram atribuídos pelo menos 25 crimes violentos. Apesar de as investigações terem comprovado a participação de Tenório, ele jamais foi indiciado pelo crime. Em 1958, grandes enchentes assolaram Duque de Caxias e Tenório assumiu o projeto de construção da Vila São José com a finalidade de atender a população flagelada. Em 1961, ele apoiou a posse de João Goulart e aproximou-se de Leonel Brizola. Tenório foi cassado em 1964, e se orgulhava de não ter fugido do país. Quinze anos depois, em 1979, apoiou o último general-presidente, João Baptista Figueiredo. Mas em 1982, apoiou Moreira Franco, desvinculando-se do brizolismo.
Tenório Cavalcanti na política possuía um estilo político agressivo, muitas vezes violento. Isso lhe rendeu uma aura de mito. Eleito deputado estadual e deputado federal do Rio de Janeiro, tendo quase vencido também para governador do estado, sua vida inspirou o filme “O Homem da Capa Preta”, dirigido em 1986 por Sérgio Rezende e estrelado por José Wilker no papel de Tenório Cavalcanti (cf. Alves, 2003). Nascido em Alagoas, mudou-se já adulto para Duque de Caxias no fim dos anos 1920. Sua infância fora humilde, na maior parte passada no sertão nordestino. Na época de sua chegada ao Rio de Janeiro, Duque de Caxias era apenas um gueto cruzado por ruas de terra batida. Habitado na maior parte por migrantes nordestinos, a região era desprovida de qualquer infraestrutura ou saneamento básico, sendo apenas “uma enorme favela horizontal de loteamentos pantanosos, infestados de mosquitos”. A Baixada Fluminense, que Cavalcanti garantiria seu poder político como caudilho. Como deputado estadual, o “homem da capa preta” providenciou diversas melhorias para a população local, buscando também instalar as dezenas de milhares de migrantes nordestinos que vinham diariamente para o Rio de Janeiro em busca de condições melhores de vida. Suas obras políticas renderam-lhe muitos aliados e eleitores pelas favelas de Duque de Caxias, apoio este que o levaria a ser eleito deputado federal.
Pelos cabos eleitorais, Tenório Cavalcanti fora conhecido como “O Rei da Baixada”; pelos rivais, era tachado de “O Deputado Pistoleiro”. Devido aos constantes riscos de morte, Tenório e sua família habitavam uma casa-fortaleza ipsis litteris na Baixada Fluminense. No entanto, “jamais se recusava em caminhar pelas ruas do gueto, andando sempre armado e acompanhado de capangas”. As aspirações e os planos políticos de Tenório Cavalcanti chocavam-se violentamente com o das elites políticas de Duque de Caxias. Isso lhe rendeu diversos desafetos, muitos dos quais culminaram em atentados à vida dele e à de seus familiares e aliados. Em casos como este Tenório Cavalcanti mandava matar quem o desafiasse. Um destes fora o delegado paulista Albino Imparato, convocado às pressas pela elite política de Duque de Caxias para que freasse o populismo de direita (cf. Laclau, 2005) e a agressividade do chamado “homem da capa preta”. Com a chegada de Albino, o deputado federal Tenório Cavalcanti e seus aliados foram perseguidos de forma implacável. Sua casa-fortaleza fora metralhada, seus familiares ameaçados e alguns de seus comparsas sumariamente assassinados.
Até que, no dia 28 de agosto de 1953, o delegado Imparato fora encontrado metralhado dentro de seu carro, no Centro da cidade. O crime despertou a atenção nacional. As investigações policiais comprovaram a participação direta de Tenório Cavalcanti no crime. As duas residências do “homem da capa preta” – a fortaleza de Duque de Caxias e o apartamento de Copacabana – foram cercadas por policiais fortemente armados. Com a intervenção de alguns nomes políticos de prestígio da época, o cerco fora desfeito. Intervieram Nereu Ramos, presidente da Câmara, Osvaldo Aranha, ex-ministro da Fazenda, e Afonso Arinos, então deputado e futuro senador, que foram a Duque de Caxias especialmente para defender o aliado. A título de curiosidade, Tenório Cavalcanti andava sempre ao lado de sua “Lurdinha”, uma submetralhadora MP- 40 de fabricação alemã, similar àquelas utilizadas por soldados nazistas durante a segunda guerra mundial. Esta arma foi dada como presente do general Góis Monteiro.
Este, com Antônio Carlos Peixoto de Magalhães (1927-2007), doravante ACM, seu logotipo político, protagonizaria um dos episódios mais tensos da história política contemporânea brasileira. Na ocasião, Tenório Cavalcanti, ainda no mandato de deputado federal, discursava na Câmara dos Deputados. No discurso, acusava o então presidente do Banco do Brasil, Clemente Mariani, de desvio de verbas. Antônio Carlos Magalhães, então deputado e baiano como Mariani, defendera o conterrâneo respondendo que “vossa excelência pode dizer isso e mais coisas, mas na verdade o que vossa excelência é mesmo é um protetor do jogo e do lenocínio, porque é um ladrão”. Tenório Cavalcanti, então, sacou o seu revólver e berrou: “Vai morrer agora mesmo!”. Todos os membros da Câmara Federal correram para tentar impedir o assassinato. Segurando o microfone, Antônio Carlos Magalhães não se deu por vencido, mas tremendo gritou: “Atira!”. Tenório, no fim, resolveu não atirar. O deputado Tenório Cavalcanti teve suas armas apreendidas e seus direitos políticos cassados pelo governo militar em 1964 com a interveniência direta de Antônio Carlos Magalhães.

Após a reformulação partidária filiou-se ao PDS em fevereiro de 1980 mantendo incólume sua condição de líder político apesar do duro golpe sofrido às vésperas das eleições de 1982 quando um acidente aéreo vitimou Clériston Andrade, candidato situacionista ao governo da Bahia. Refeito da tragédia, ACM indicou João Durval Carneiro como candidato a governador, afinal vitorioso. Entusiasta da candidatura de Mário Andreazza à sucessão do general-presidente João Figueiredo, opôs-se firmemente ao nome de Paulo Maluf como candidato após sua vitória sobre Andreazza na convenção nacional do PDS realizada em 11 de agosto de 1984 pela contagem de 493 votos a 350. Episódio singular de sua postura antimalufista aconteceu três semanas após a convenção pedessista quando, na inauguração do novo terminal de passageiros do aeroporto de Salvador, o Ministro da Aeronáutica, Délio Jardim de Matos, criticou a postura dos dissidentes do PDS em favor da candidatura de Tancredo Neves no que ACM respondeu: - “Trair a Revolução de 1964 é apoiar Maluf para presidente”.
O relativo sucesso dos jornais Última Hora, O Dia e a Luta Democrática durante a década de 1950 pode ser medido não apenas a partir de seu desempenho no mercado jornalístico, como também pelo desempenho eleitoral dos políticos a eles relacionados, como é o caso de Chagas Freitas e Tenório Cavalcanti. Em 1953, O Dia já atingia a marca de 90 mil exemplares, tornando-se o matutino de maior circulação no Distrito Federal. O jornal adquiriu grande penetração nos subúrbios cariocas e na Baixada Fluminense, fato decisivo para a eleição de Chagas Freitas à Câmara Federal em 1954. A partir daí, o jornal tornou-se a base de sustentação da expansão da política chaguista, durante as duas décadas seguintes, servindo como veículo da marca clientelista dessa política. O jornal Luta Democrática foi fundado em 1954 por Tenório Cavalcanti, então deputado federal pela União Democrática Nacional (UDN) e liderança política em Duque de Caxias, nas áreas vizinhas da Baixada Fluminense e no então Distrito Federal. Tenório Cavalcanti usou o jornal para expandir sua clientela política e combater o segundo governo de Getúlio Vargas. A popularidade de Tenório formou-se na base do clientelismo, dos pequenos favores e donativos feitos à população pobre. Em 1954, em sua reeleição como deputado federal, obteve a maior votação do estado do Rio. Em 1958, repetiu seu feito eleitoral, obtendo novamente a maior votação do estado. Importa demonstrar como a eficácia jornalística e política dos jornais Última Hora, O Dia e Luta Democrática pode ser explicada pela especificidade da interseção entre linguagem sensacionalista, udenismo e linguagem política destes periódicos.
Bibliografia geral consultada.
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita, A UDN e o Udenismo - Ambiguidades do Liberalismo Brasileiro (1945-1965). Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1981; DULCI, Otávio Soares, A UDN e o Anti-populismo no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG/Programa Nacional de Educação e Desenvolvimento, 1986; DULLES, John Watson Foster, Carlos Lacerda: A vida de um lutador (1914-1960). Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1992; BEZERRA, Sonia Jóia, O Jornal Última Hora nas Eleições de 1955: Um Estado-Maior Intelectual. Dissertação de Mestrado em História. Rio de Janeiro: Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1994; BARBOSA, Marialva, Imprensa, Poder e Público (os diários do Rio de Janeiro, 1880-1920). Tese de Doutorado em História. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 1996; SIQUEIRA, Carla Vieira de, “Sexo, Crime e Sindicato”: Sensacionalismo e Populismo nos Jornais Última Hora, O Dia e Luta Democrática durante o Segundo Governo Vargas (1951-1954). Tese de Doutorado em História Social. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2002; RIBEIRO, Ana Paula Goulart, Imprensa e História no Rio de Janeiro dos anos 50. Tese de Doutorado em Comunicação e Cultura. Rio de Janeiro: Escola de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2000; RUFFIN, François, Les Petits Soldats du Journalisme. Paris: Éditions Les Arènes, 2003; ALVES, José Cláudio Souza, Dos Barões ao Extermínio: Uma História da Violência na Baixada Fluminense. Duque de Caxias, RJ: APPH, CLIO, 2003; DELGADO, Marcio de Paiva, O Golpismo Democrático: Carlos Lacerda e o Jornal Tribuna da Imprensa na Quebra da Ilegalidade (1949-1964). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2006;  GOMES, Angela Maria de Castro, “Autoritarismo e Corporativismo no Brasil: O Legado de Vargas”. In: Revista USP. São Paulo, 2005; pp. 105-119; Idem, “Trabajo Análogo a del Esclavo: Construyendo un Problema”. In: Historia, Voces y Memoria, vol. 1, pp. 47-59, 2009; CHALOUB, Jorge Gomes de Souza, O Liberalismo entre o Espírito e a Espada: A UDN e a República de 1946. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciência Política. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2015; Idem, “A Economia Política dos Bacharéis Udenistas”. In: Rev. bras. Ci. Soc. 32 (94) 2017; entre outros.  

3 comentários:

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  2. Tirando o petismo incurável de quem classifica o impedimento legal e constitucional com apoio jurídico, politico e popular de Dilma como um processo antidemocrático, o texto é muito bom.

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  3. Fora de dúvida que a prática de corrupção significa "crime de responsabilidade". Foi o que ocorreu com Fernando Collor em 1992. Contudo, no julgamento de Dilma Rousseff, não conseguiram juridicamente comprovar sua associação com crimes de corrupção, cuja investigação criminal ela de forma transparente sempre apoiou. Portanto, sociologicamente, o que houve foi um julgamento político e não jurídico.

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