Ubiracy de Souza Braga
“Conciliando os recíprocos interesses das colônias e metrópoles”. José da Silva Lisboa
Na
linguagem teórica, as palavras e expressões funcionam como conceitos teóricos.
Em sua periodização histórica, teórica e ideológica as palavras e expressões
funcionam de forma distinta, porque se referem à concepção de uma determinada
teoria da história. A dificuldade
própria da terminologia teórica consiste, pois, em que, por detrás do significado
usual da palavra, é preciso sempre discernir o seu significado conceptual, que é sempre diferente do significado usual corrente nas fontes, nas atas, nos
documentos oficiais, no âmbito da formação discursiva. Na sua significação mais
geral deve nos permitir a compreensão que tem por efeito o conhecimento de um objeto: a narrativa da história. É
assim que a história abstrata criticada por Marx ou a história em geral não
existem, no sentido do termo, mas a história real, ou “como efetivamente ocorreu” (“essen Sie tatsächlich, es
passierte”), concreta e singular que enformam a experiência
acumulada da humanidade. Neste sentido a História como ofício teórico e metodológico do historiador analisa os processos, personagens e fatos sociais, econômicos e políticos para poder compreender e demarcar um determinado período histórico de formação e da gênese da cultura ou mesmo processual da civilização.
Metodologicamente
a tradição clássica do Manifesto Comunista de 1848 concebe o Estado como um “aparelho repressivo”, uma
“máquina de repressão”, ou, “comitê executivo da classe dominante” que permite a configuração das classes no poder assegurar a sua dominação sobre a classe operária,
extorquindo desta última a mais-valia. O Estado é, antes de tudo, o “Aparelho
de Estado”, termo que compreende não somente o “aparelho especializado”, mas
também o exército que intervém como força repressiva de apoio em última
instância, o Chefe de Estado, o Governo e a Administração, definindo o Estado
como força de execução e de intervenção repressiva a serviço das frações da
classe dominante. A rejeição hegeliana parte da própria negação de “estruturas
hegelianas” em Marx, onde a totalidade expressiva de Hegel cede lugar, na
análise crítica de Louis Althusser, ao “todo-estruturado”. É um todo
“sobredeterminado” (“uberdeterminierung”) com níveis de análise e instâncias
relativamente autônomas. Na configuração social das esferas de ação há
diferente da lógica dialética, “todos parciais”, sem prioridade de um “centro”.
Na análise do econômico opera-se a rejeição da “unicausalidade econômica” e das
lutas sociais e políticas atribuindo-se as instâncias, então determinadas do
discurso como o político e ideológico, o peso de instâncias decisivas, dominantes
em ser determinantes. Mas no uso cotidiano da linguagem, o conceito de civilização é, muitas vezes, despido de seu caráte originalmente processual, pois se compararmos o desenvolvimento da humanidade, deparamos-nos com um amplo processo de civilização humana.
O
nacionalismo representa uma tese ideológica
(cf. Alzira, 1975) surgida historicamente após a revolução clássica francesa.
Em sentido estrito, consubstanciaria um sentimento de valorização marcado pela
proximidade e identificação com uma nação. Costuma diferenciar-se do ideário do
patriotismo devido à sua definição mais estreita. Ipso facto, entendemos que o patriotismo é considerado mais uma manifestação
amorosa aos símbolos do Estado, inclusiva ao Hino e a Bandeira, suas instituições
e/ou representantes. O nacionalismo apresenta uma definição política, sobretudo
da preservação da nação enquanto entidade, por vezes na defesa de território
delineado por fronteiras terrestres, mas, acima de tudo nos campos linguístico,
cultural, etc., contra processos de destruição identitária ou transformação. O
historiador Lord Acton, afirma que o
patriotismo prende-se com os deveres morais que temos para com a comunidade
política, enquanto que o nacionalismo está mais ligado à etnia. Foram os mais
diversos movimentos sociais dentro do espectro político-ideológico que se
apropriam do nacionalismo, seja como elemento programático, seja como forma de
propaganda.
Nomeadamente
nos finais do século XIX em Portugal contra o “iberismo”. Ipso facto no século XX o nacionalismo permeou movimentos radicais autoritário/totalitário
com o ideário em torno do fascismo, o nacional-socialismo na Alemanha, o
saudosismo e o integralismo no Brasil e em Portugal (cf. Caetano, 1971), guardadas
as proporções, durante o Estado Novo no
Brasil, analogamente à formação do Estado Novo em Portugal. A categoria Estado
Novo representa o regime político autoritário, autocrata e corporativista de
Estado que vigorou em Portugal durante 41 anos sem interrupção, desde a
aprovação da Constituição de 1933 até o fim pela revolução de 25 de abril de
1974. A designação oficial de Estado Novo, criada, sobretudo por razões
ideológicas e propagandísticas, serviu para assinalar a entrada num novo
período político aberto pela chamada revolução de 28 de maio de 1926 que ficou
marcado por uma concessão presidencialista, autoritária e antiparlamentar através
do Estado. Neste sentido, o Estado Novo encerrou o período do liberalismo em
Portugal, abrangendo nele não só a Primeira República, como também a
experiência do Constitucionalismo monárquico.
Independentemente
do modo como o regime de Salazar se via a si próprio, a questão gira em torno
de saber em que características, essenciais ou secundárias, o Estado Novo
diferiu do padrão fascista: existência ou não de movimento de massas, papel do
partido único, estrutura, lugar e papel dos sindicatos e corporações no Estado,
características e estilo de governação do chefe carismático, grau de autonomia
do poder judicial, liberdades públicas, nível de repressão das oposições
políticas, independência da Igreja Católica. Nos pontos citados, com efeito, há
diferenças e semelhanças entre o Estado Novo e a dimensão política efetiva do fascismo: há diferenças flagrantes
no papel atribuído ao movimento de massas e no estilo autoritário de governação do chefe;
há semelhanças muito vincadas no papel e função do partido único e no lugar praticado dos
sindicatos e das corporações na estrutura do Estado, assim como no cerceamento das
liberdades públicas e no nível de repressão das oposições políticas.
No
Brasil desde a queda da ditadura do Estado Novo, em 1945, e a ascensão do
populismo que permeou os governos que se sucederam hic et nunc até o golpe de Estado de 1° de abril de 1964, a
sociedade brasileira havia mudado substancialmente, tornando-se complexa e
diversificada econômica e politicamente. A industrialização e o crescimento da
população urbana, somados à legislação trabalhista varguista e ao
fortalecimento de sindicatos, partidos políticos e movimentos sociais rurais e
urbanos, favoreceram a mobilização e a radicalização em torno de propostas
nacionalistas, anti-imperialistas, e de reformas de base, tais como a urgentíssima reforma agrária no Brasil. Os
processos de transição política e consolidação democrática no Brasil podem ser
considerados um excelente laboratório de Ciência Política, tanto pela longue durée, como pela variedade dos
eventos que marcam tal período da história brasileira recente. Em
1945, o debate intelectual girava em torno da democratização.
Foi o
nacionalismo que forneceu, de fato, a trama da vida política, um nacionalismo
sem nenhuma relação, á primeira vista, com o período 1925-40. A nação estava
constituída em torno de seus interesses econômicos, de sua cultura e vontade
política. Ela se experimenta a si mesma, afirmando-se dia a dia contra as
nações dominantes. O sentimento de identidade é substituído pelo de confronto;
o avento do povo como sujeito político liga-se à sua mobilização a serviço da
soberania nacional. Dois episódios marcam simbolicamente a conjunção do
nacionalismo com a participação popular: a campanha que culminou na criação da
Petrobrás, a companhia nacional de petróleo, em outubro de 1953, e a emoção
desencadeada pelo suicídio de Getúlio Vargas. A campanha “O petróleo é nosso” (cf.
Cohn, 1968) propiciou a convergência de diversos setores nacionalistas que se
colocavam contra o projeto inicial apresentado por Vargas. A morte selou,
assim, a fusão do povo com a nação. O getulismo torna-se um mito (pessoa) quanto ideário fundador.
Estes foram os anos articulados economicamente em torno do amálgama do chamado desenvolvimentismo brasileiro (cf. Cardoso, 1977).
Em
1953, os cariocas do grupo Itatiaia fundaram um instituto particular, Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia
e Política, o IBESP, tendo como secretário-geral Hélio Jaguaribe e do qual
fizeram parte os economistas e sociólogos. Em 1955, a ele se agregaram Juvenal
Osório Gomes e Nelson Werneck Sodré, militar de carreira, ligado à corrente
nacionalista do general Newton Estillac Leal. Dos paulistas do grupo Itatiaia,
só Roland Corbisier entrou para o novo Instituto. Esta irá publicar a revista Cadernos de Nosso Tempo entre 1953 e
1956 que irá elaborar um diagnóstico da sociedade brasileira. A morte de
Getúlio Vargas e sua substituição provisória por Café Filho, sustentado pelos
antigetulistas, transformou-se, com o novo nome do ISEB, num instituto oficial
plenamente autônomo, mas vinculado ao Ministério da Educação e Cultura, graças
ao apoio do titular desse Ministério, Cândido Motta Filho, sem ter jamais
aderido ao Integralismo, foi um simpatizante deste movimento reacionário, tendo
participado em 1932 da Sociedade de
Estudos Políticos de São Paulo, primeira etapa para a origem da Ação
Integralista. No ISEB se reencontra a maioria dos membros do IBESP.
Hélio
Jaguaribe continuou como o verdadeiro dinamizador do Instituto, ainda que,
devido às suas responsabilidades no setor privado, não ocupasse a sua direção,
atribuída a Roland Corbisier. Foram criados os departamentos de filosofia,
história, economia, sociologia e ciência política, colocados sob a
responsabilidade de Álvaro Vieira Pinto, Cândido Mendes, Ewaldo Correia Lima,
Guerreiro Ramos e Hélio Jaguaribe. Foi instituído um Conselho de Tutela, no
qual participava Anísio Teixeira, Ernesto Luiz de Oliveira Júnior, Hélio Burgos
Cabral, Hélio Jaguaribe, José Augusto de Macedo Soares, Nelson Werneck Sodré,
Roberto Campos e Rolando Corbisier. Com a eleição de Juscelino Kubitschek,
pareciam reunidas as circunstâncias “para fazer do ISEB uma peça essencial da
nova administração”. Como é sabido, Roland Corbisier era pessoalmente ligado ao
Presidente da República, e diversos membros do ISEB participaram
individual e coletivamente da campanha. Porém o ISEB, segundo Daniel Pécault (1990) estava
longe de ser homogêneo. Compreendia intelectuais que continuavam a tradição da década de 1930: Roland Corbisier, Guerreiro Ramos e Cândido
Mendes; filósofos de formação, Álvaro Vieira Pinto; economistas, como Roberto Campos e Ignácio Rangel; um militar-historiador marxista Nelson
Werneck Sodré; um cientista político como Hélio Jaguaribe, pari passu homem de negócios no cargo responsável pela página
econômica do Jornal do Comércio.
Foram
muito diferentes as suas carreiras políticas: Roland Corbisier originou-se do
integralismo, próximos do qual também estiveram Álvaro Vieira Pinto e Guerreiro
Ramos durante certo período; Nelson Werneck Sodré, que colaborou na revista Cultura Política durante o Estado Novo,
inseriu-se na corrente nacionalista do exército e iria tornar-se um dos
intelectuais mais destacados do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Hélio
Jaguaribe era antes de tudo, um “desenvolvimentista”. A projeção do ISEB não advinha
apenas de seus membros permanentes, mas decorreu também do prestígio e honra de
numerosos conferencistas eventuais como Celso Furtado. Enfim, o ISEB provocou a
desconfiança não só de muitos intelectuais paulistas que nele viam, à
semelhança do grupo de Itatiaia, um ressurgimento do Integralismo (cf. Trindade, 1971) de intelectuais de direita (cf.
Bobbio, 1999), que percebiam nele a aproximação entre getulistas e membros
comunistas. O ISEB conservou-se, sobretudo até 1958, mais como um centro de
estudos. Na visão do ministro Cândido Motta Filho, tratava-se de um Instituto
Civil que devia, da mesma maneira que a Escola Superior de Guerra consagrar-se às ciências sociais
“afim de aplicar as categorias e os dados dessas ciências à análise e
compreensão crítica da realidade brasileira, buscando a elaboração de
instrumentos teóricos que permitam estimular e promover o desenvolvimento
nacional” (cf. Pécault, 1990: 110).
A
construção da capital Brasília (DF), de um lado, e o lançamento da indústria
automobilística confiada a firmas estrangeiras, de outro, revelam as oscilações
de um governo que, lança as bases do que logo foi batizado como “capitalismo
associado”. A partir de 1959-60, a cisão vai se exacerbando. Frente aos
nacionalistas que, durante o governo João Goulart, acreditaram vencer com a
concretização das “reformas de base”, a maior parte dos industriais,
exportadores e grandes proprietários fundiários se organizam para influir sobre
a opinião pública. Apoiados pela maioria dos grandes jornais estão na origem da
criação, em 1959, de fundações ideológicas como o IBADE - Instituto Brasileiro de Ação Democrática e a ADEP - Ação Democrática Popular que propagavam
o anticomunismo e financiavam as campanhas eleitorais de candidatos
“confiáveis”. Na linguagem analítica da esquerda, a oposição entre os
“nacionalistas” e “entreguistas” comandava então o sentido nacional da vida
política. Tudo o que pretendiam os intelectuais
orgânicos do ISEB era formular o “sentimento de massas”.
A
tese central do “nacionalismo desenvolvimentista” tem como representação social
o desenvolvimento econômico e a consolidação da nacionalidade constituindo dois
aspectos do mesmo processo emancipatório. O desenvolvimento dependeria, assim,
de uma consciência nacional mobilizada em torno de uma vontade no plano global de desenvolvimento. Na esfera cultural, a
retórica do início dos anos 1960, tanto de “direita” como de “esquerda”, para
lembrarmo-nos da ciosa interpretação de Norberto Bobbio, foi demarcada pelo uso
corrente das categorias sociais “povo” e “nação”, ou nacional- popular. Os
movimentos de esquerda no caso emblemático do Centro Popular de Cultura (CPC),
além do discurso anti-imperialista adotaram também uma postura vanguardista,
baseada na premissa de que a autêntica cultura popular revolucionária é aquela
produzida por artistas e intelectuais que optaram pelo povo - enquanto a
cultura do povo era considerada arcaica e atrasada. A coleção Cadernos Brasileiros e a Revista Civilização Brasileira, editadas
por Ênio Silveira, e a História Nova,
organizada por Nelson Werneck Sodré, sugerem a intensa colaboração entre o ISEB
e o CPC.
Do
ponto de vista técnico o quadro administrativo do ISEB era formado por três
órgãos: o Conselho Consultivo, de orientação geral composto por 50 membros,
designados pelo MEC; o Conselho Curador, órgão de direção, com a assistência do
Conselho Consultivo e composto por oito membros, também designados pelo MEC; a Diretoria
Executiva, exercida por um Diretor eleito pelo Conselho Curador, além de cinco
Departamentos. Com o golpe de 1964 é aberto um Inquérito Policial Militar do
ISEB. Desse IPM foram destacados dois pontos que, na visão dos militares
participantes do golpe, comprometiam politicamente o ISEB tomado como uma
“organização determinada por Moscou”. Por um lado, publicou-se no Instituto
folheto esclarecedor acerca da vigência do regime parlamentarista com o
plebiscito realizado em 1961, a partir da renúncia de Jânio e que veio limitar
os poderes decisórios de João Goulart. Por outro lado, o ISEB cometeu o erro de
ter realizado cursos e conferências em entidades estudantis e sindicais - leiam-se
subversivas. O primeiro ato de Ranieri Mazzilli foi sua extinção pelo Decreto
n° 53884 de 13 de abril de 1964 (cf. Sodré, 1978).
A
totalidade concreta instituição já é, portanto, fruto de um trabalho de
abstração ou, se se prefere, fruto de um trabalho de produção de um objeto de
pensamento. Mas a constituição de uma totalidade concreta é muito pouco para um
trabalho teórico, segundo determinantes da própria teoria. Isto significa que,
se se quiser fugir de uma terminologia essencialista, será necessário entender
que uma proposição do tipo a escola é um sistema de reprodução da ideologia
dominante refere-se à totalidade empírica escola, não mais a este ou aquele
estabelecimento, totalidade esta cuja pertinência interpretativa se à sua
análise em termos de aparelho ideológico de Estado – uma entidade teórica
designa sempre uma propriedade que, se é observável, pode ser interpretada em
termos de propriedades empíricas de uma totalidade, jamais em termos de totalidades
enquanto tais. O engano de nomeá-las, multiplicando suas propriedades
exaustivamente, levaria no máximo à elaboração de um extenso catálogo de nomes,
uma confusão entre o plano de análise (teoria) e o plano da realidade, jamais à
produção de conhecimento. Por onde surge a categoria da totalidade, desaparece
o rigor científico.
Três
dias após o golpe político-militar de 1964, foi decretada a extinção do ISEB
seguido da instauração um inquérito policial-militar (IPM) para apurar suas
atividades. Diretores e professores do Instituto foram investigados
extrajudicialmente e alguns de seus pensadores, como Álvaro Vieira Pinto
tiveram que sair do país, compulsoriamente para o exílio. Entre o escol
composto pelos membros do Iseb estavam: Hélio Jaguaribe, Roland Corbisier,
Alberto Guerreiro Ramos, Nelson Werneck Sodré, Antonio Cândido, Wanderley
Guilherme dos Santos, Cândido Mendes, Ignácio Rangel, Álvaro Vieira Pinto e Carlos
Estevam Martins tendo como colaborador Celso Furtado, Gilberto Freyre e Heitor
Villa Lobos. Entre os seus membros ilustres, em oposição assimétrica, podemos
citar Miguel Reale e Sérgio Buarque de Holanda. Entre seus alunos mais
destacados, inclui-se o ativista afro-brasileiro Abdias Nascimento. O ISEB surgira
em 1955, por decreto do presidente da República, João Café
Filho.
Criado
e regulamentado por Juscelino Kubitschek, o Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) projetou-se como centro formulador
de uma ideologia desenvolvimentista
no país. Também sobressaiu enquanto concepção de cultura como elemento
impulsionador de transformações socioeconômicas e de fixação de identidades
nacionais. Este Centro de Altos Estudos nascia com liberdade de opinião e de
cátedra e se constituía, nos primeiros anos num quadro de pensadores
heterodoxos. Sua origem institucionalizava um debate sobre o desenvolvimento
econômico, político e social que já existia no Brasil desde a década de 1940,
mas que a universidade, incipiente, aparentemente não perfazia. O instituto
emergia dentro dos quadros orgânicos do Ministério da Educação, com uma função
e com um conteúdo de sentido claro: deveria produzir pesquisas e análises que
contribuíssem para a definição de um projeto nacional de desenvolvimento econômico,
político e social. Os isebianos,
reunidos na Rua das Palmeiras, no famoso bairro de Botafogo (RJ) promoveram vários
cursos, conferências, seminários, pesquisas, publicaram livros sob divesos temas etc.,
durante seus quase nove anos de existência como agremiação. Existiu um pensamento político-ideológico isebiano e o
Instituto pretendeu realizar um conjunto de práticas e saberes sociais em torno de intelectuais diversos que não expressavam, nem a mesma linguagem e nem mesmo o “único receituário de
orientação para suas opções políticas”.
O
ISEB foi criado pelo Decreto nº 37.608, de 14 de julho de 1955, como órgão do
Ministério da Educação e Cultura (MEC). O grupo de intelectuais que o criou
tinha como objetivos o estudo, o ensino e a divulgação das ciências sociais,
cujos dados e categorias seriam aplicados à análise e à compreensão crítica da
realidade brasileira e deveriam permitir o incentivo e a promoção do
desenvolvimento nacional. O ISEB foi um dos centros mais importantes de
elaboração teórica de um programa do curso “Introdução aos Problemas
Brasileiros”, promovido pelo ISEB no Rio de Janeiro em 14 de maio de 1959, reconhecido como “nacional-desenvolvimentista”. Criado ainda no governo Café
Filho, o ISEB iniciou suas atividades políticas quando Juscelino Kubitschek assumia a
presidência da República concomitantemente acelerava a industrialização, com a
ampliação dos investimentos privados nacionais e estrangeiros, além do
investimento de tradição estatal. Os intelectuais do ISEB apoiaram a política nacional
de desenvolvimento por considerá-la muito próxima das idéias que vinham
formulando.
O
Instituto não conseguiu sensibilizar os grupos mais representativos das
ciências sociais no Brasil. Os cientistas sociais da Universidade de São Paulo (USP)
e da Universidade do Brasil, depois UFRJ não atribuíram aos intelectuais do
ISEB legitimidade para exercer o papel de analistas e formuladores de soluções
para a sociedade, por os considerarem carentes de formação científica em
sociologia, ciência política, economia, história e antropologia. De fato os
“isebianos” eram percebidos como intelectuais de formação bacharelesca,
desprovidos de instrumentos teóricos e metodológicos indispensáveis para o
exame científico da sociedade. Portanto, a maioria dos integrantes do ISEB era
de advogados com interesses intelectuais voltados basicamente para a filosofia
política. A desconfiança em relação ao ISEB se manifestou também por parte de
alguns jornais e associações empresariais, que identificavam os intelectuais do
órgão como ligados aos movimentos de esquerda e aos comunistas.
Ao
nível do pensamento social o “realismo” era a palavra-chave. No entanto, o
horror à realidade ressurgia sem cessar. Revelar a realidade, desvendar sua
coesão oculta, mostrar as solidariedades que a irrigam: todos, depois de
Alberto Torres, embarcam nessa aventura. Alceu Amoroso Lima, católico,
preconiza “a filosofia do realismo integral” para responder às questões
conjunturais, conseguir “colocar cada coisa em seu lugar” e evitar que a “vida
se baseie apenas no arbítrio das maiorias ocasionais”. Oliveira Vianna, teórico
do corporativismo, faz a apologia do “país real”, aquele cuja unidade se
constrói na história. Mas a história passada não basta para atestar a sua
unidade. Melhor dizendo, as estruturas familiares, as relações cotidianas, as
relações de favor e compadrio, os costumes mostram muito melhor o processo de
criação dos laços sociais ocultos nas profundezas das mentalidades e das trocas
sociais. As análises de Vianna sobre o sistema da fazenda escravagista
ressaltavam o espírito da família que ele cria: - “Estes são como membros da
família e quase sempre ligados ao fazendeiro por terna afetividade. Jamais
conhecemos a aristocracia de casta”.
Os
objetivos da marcha para a “realidade” são aparentemente claros. Consistem, num
primeiro momento, em demonstrar que não existe o indivíduo isolado: ele está,
já de início, inserido numa coletividade. Ficava, assim, anulada a validade das
ideias políticas referentes ao individualismo. Num segundo momento, visam a
destacar a interdependência entre aqueles que ocupam posições sociais desiguais; desse modo, caducavam quase todas as
teorias fundamentadas na divisão de classes. Pretenderam, enfim, provar que
existia uma unidade nacional de fato, que faltava apenas fortalecê-la pela via
institucional. Mas não foram esses os únicos objetivos do “realismo”. É certo,
por exemplo, que estas descrições permitem também mesclar a aspiração por um
Estado moderno ao respeito pelas formas patriarcais, concebendo o Estado
moderno como prolongamento da dominação patriarcal. O importante é a
maneira e marca com que a realidade serviria de fundamento político e a
identidade cultural nela enraizada. Pois fundamentava o nacional e
sua evolução explica a diferenciação entre as elites políticas e
culturais e a transformação social do bendito povo-nação.
Bibliografia
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Dissertação de Mestrado em História. Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Cuiabá: Universidade Federal de
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Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Direito. Faculdade de
Direito. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017; entre outros.
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