segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Antiliberalismo - A Questão Pragmática & Discursiva no Brasil.

                                                                                                    Ubiracy de Souza Braga
 
Conciliando os recíprocos interesses das colônias e metrópoles”. José da Silva Lisboa 

        
            
Na linguagem teórica, as palavras e expressões funcionam como conceitos teóricos. Em sua periodização histórica, teórica e ideológica as palavras e expressões funcionam de forma distinta, porque se referem à concepção de uma determinada teoria da história. A dificuldade própria da terminologia teórica consiste, pois, em que, por detrás do significado usual da palavra, é preciso sempre discernir o seu significado conceptual, que é sempre diferente do significado usual corrente nas fontes, nas atas, nos documentos oficiais, no âmbito da formação discursiva. Na sua significação mais geral deve nos permitir a compreensão que tem por efeito o conhecimento de um objeto: a narrativa da história. É assim que a história abstrata criticada por Marx ou a história em geral não existem, no sentido do termo, mas a história real, ou “como efetivamente ocorreu” (“essen Sie tatsächlich, es passierte”), concreta e singular que enformam a experiência acumulada da humanidade.  Neste sentido a História como ofício teórico e metodológico do historiador analisa os processos, personagens e fatos sociais, econômicos e políticos para poder compreender e demarcar um determinado período histórico de formação e da gênese da cultura ou mesmo processual da civilização. 
Metodologicamente a tradição clássica do Manifesto Comunista de 1848 concebe o Estado como um “aparelho repressivo”, uma “máquina de repressão”, ou, “comitê executivo da classe dominante” que permite a configuração das classes no poder assegurar a sua dominação sobre a classe operária, extorquindo desta última a mais-valia. O Estado é, antes de tudo, o “Aparelho de Estado”, termo que compreende não somente o “aparelho especializado”, mas também o exército que intervém como força repressiva de apoio em última instância, o Chefe de Estado, o Governo e a Administração, definindo o Estado como força de execução e de intervenção repressiva a serviço das frações da classe dominante. A rejeição hegeliana parte da própria negação de “estruturas hegelianas” em Marx, onde a totalidade expressiva de Hegel cede lugar, na análise crítica de Louis Althusser, ao “todo-estruturado”. É um todo “sobredeterminado” (“uberdeterminierung”) com níveis de análise e instâncias relativamente autônomas. Na configuração social das esferas de ação há diferente da lógica dialética, “todos parciais”, sem prioridade de um “centro”. Na análise do econômico opera-se a rejeição da “unicausalidade econômica” e das lutas sociais e políticas atribuindo-se as instâncias, então determinadas do discurso como o político e ideológico, o peso de instâncias decisivas, dominantes em ser determinantes. Mas no uso cotidiano da linguagem, o conceito de civilização é, muitas vezes, despido de seu caráte originalmente processual, pois se compararmos o desenvolvimento da humanidade, deparamos-nos com um amplo processo de civilização humana. 



O nacionalismo representa uma tese ideológica (cf. Alzira, 1975) surgida historicamente após a revolução clássica francesa. Em sentido estrito, consubstanciaria um sentimento de valorização marcado pela proximidade e identificação com uma nação. Costuma diferenciar-se do ideário do patriotismo devido à sua definição mais estreita. Ipso facto, entendemos que o patriotismo é considerado mais uma manifestação amorosa aos símbolos do Estado, inclusiva ao Hino e a Bandeira, suas instituições e/ou representantes. O nacionalismo apresenta uma definição política, sobretudo da preservação da nação enquanto entidade, por vezes na defesa de território delineado por fronteiras terrestres, mas, acima de tudo nos campos linguístico, cultural, etc., contra processos de destruição identitária ou transformação. O historiador Lord Acton, afirma que o patriotismo prende-se com os deveres morais que temos para com a comunidade política, enquanto que o nacionalismo está mais ligado à etnia. Foram os mais diversos movimentos sociais dentro do espectro político-ideológico que se apropriam do nacionalismo, seja como elemento programático, seja como forma de propaganda. 
Nomeadamente nos finais do século XIX em Portugal contra o “iberismo”. Ipso facto no século XX o nacionalismo permeou movimentos radicais autoritário/totalitário com o ideário em torno do fascismo, o nacional-socialismo na Alemanha, o saudosismo e o integralismo no Brasil e em Portugal (cf. Caetano, 1971), guardadas as proporções,  durante o Estado Novo no Brasil, analogamente à formação do Estado Novo em Portugal. A categoria Estado Novo representa o regime político autoritário, autocrata e corporativista de Estado que vigorou em Portugal durante 41 anos sem interrupção, desde a aprovação da Constituição de 1933 até o fim pela revolução de 25 de abril de 1974. A designação oficial de Estado Novo, criada, sobretudo por razões ideológicas e propagandísticas, serviu para assinalar a entrada num novo período político aberto pela chamada revolução de 28 de maio de 1926 que ficou marcado por uma concessão presidencialista, autoritária e antiparlamentar através do Estado. Neste sentido, o Estado Novo encerrou o período do liberalismo em Portugal, abrangendo nele não só a Primeira República, como também a experiência do Constitucionalismo monárquico.
Independentemente do modo como o regime de Salazar se via a si próprio, a questão gira em torno de saber em que características, essenciais ou secundárias, o Estado Novo diferiu do padrão fascista: existência ou não de movimento de massas, papel do partido único, estrutura, lugar e papel dos sindicatos e corporações no Estado, características e estilo de governação do chefe carismático, grau de autonomia do poder judicial, liberdades públicas, nível de repressão das oposições políticas, independência da Igreja Católica. Nos pontos citados, com efeito, há diferenças e semelhanças entre o Estado Novo e a dimensão política efetiva do fascismo: há diferenças flagrantes no papel atribuído ao movimento de massas e no estilo autoritário de governação do chefe; há semelhanças muito vincadas no papel e função do partido único e no lugar praticado dos sindicatos e das corporações na estrutura do Estado, assim como no cerceamento das liberdades públicas e no nível de repressão das oposições políticas.

No Brasil desde a queda da ditadura do Estado Novo, em 1945, e a ascensão do populismo que permeou os governos que se sucederam hic et nunc até o golpe de Estado de 1° de abril de 1964, a sociedade brasileira havia mudado substancialmente, tornando-se complexa e diversificada econômica e politicamente. A industrialização e o crescimento da população urbana, somados à legislação trabalhista varguista e ao fortalecimento de sindicatos, partidos políticos e movimentos sociais rurais e urbanos, favoreceram a mobilização e a radicalização em torno de propostas nacionalistas, anti-imperialistas, e de reformas de base, tais como a urgentíssima reforma agrária no Brasil. Os processos de transição política e consolidação democrática no Brasil podem ser considerados um excelente laboratório de Ciência Política, tanto pela longue durée, como pela variedade dos eventos que marcam tal período da história brasileira recente. Em 1945, o debate intelectual girava em torno da democratização. 
Foi o nacionalismo que forneceu, de fato, a trama da vida política, um nacionalismo sem nenhuma relação, á primeira vista, com o período 1925-40. A nação estava constituída em torno de seus interesses econômicos, de sua cultura e vontade política. Ela se experimenta a si mesma, afirmando-se dia a dia contra as nações dominantes. O sentimento de identidade é substituído pelo de confronto; o avento do povo como sujeito político liga-se à sua mobilização a serviço da soberania nacional. Dois episódios marcam simbolicamente a conjunção do nacionalismo com a participação popular: a campanha que culminou na criação da Petrobrás, a companhia nacional de petróleo, em outubro de 1953, e a emoção desencadeada pelo suicídio de Getúlio Vargas. A campanha “O petróleo é nosso” (cf. Cohn, 1968) propiciou a convergência de diversos setores nacionalistas que se colocavam contra o projeto inicial apresentado por Vargas. A morte selou, assim, a fusão do povo com a nação. O getulismo torna-se um mito (pessoa) quanto ideário fundador. Estes foram os anos articulados economicamente em torno do  amálgama do chamado desenvolvimentismo brasileiro (cf. Cardoso, 1977).            
Em 1953, os cariocas do grupo Itatiaia fundaram um instituto particular, Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política, o IBESP, tendo como secretário-geral Hélio Jaguaribe e do qual fizeram parte os economistas e sociólogos. Em 1955, a ele se agregaram Juvenal Osório Gomes e Nelson Werneck Sodré, militar de carreira, ligado à corrente nacionalista do general Newton Estillac Leal. Dos paulistas do grupo Itatiaia, só Roland Corbisier entrou para o novo Instituto. Esta irá publicar a revista Cadernos de Nosso Tempo entre 1953 e 1956 que irá elaborar um diagnóstico da sociedade brasileira. A morte de Getúlio Vargas e sua substituição provisória por Café Filho, sustentado pelos antigetulistas, transformou-se, com o novo nome do ISEB, num instituto oficial plenamente autônomo, mas vinculado ao Ministério da Educação e Cultura, graças ao apoio do titular desse Ministério, Cândido Motta Filho, sem ter jamais aderido ao Integralismo, foi um simpatizante deste movimento reacionário, tendo participado em 1932 da Sociedade de Estudos Políticos de São Paulo, primeira etapa para a origem da Ação Integralista. No ISEB se reencontra a maioria dos membros do IBESP.
Hélio Jaguaribe continuou como o verdadeiro dinamizador do Instituto, ainda que, devido às suas responsabilidades no setor privado, não ocupasse a sua direção, atribuída a Roland Corbisier. Foram criados os departamentos de filosofia, história, economia, sociologia e ciência política, colocados sob a responsabilidade de Álvaro Vieira Pinto, Cândido Mendes, Ewaldo Correia Lima, Guerreiro Ramos e Hélio Jaguaribe. Foi instituído um Conselho de Tutela, no qual participava Anísio Teixeira, Ernesto Luiz de Oliveira Júnior, Hélio Burgos Cabral, Hélio Jaguaribe, José Augusto de Macedo Soares, Nelson Werneck Sodré, Roberto Campos e Rolando Corbisier. Com a eleição de Juscelino Kubitschek, pareciam reunidas as circunstâncias “para fazer do ISEB uma peça essencial da nova administração”. Como é sabido, Roland Corbisier era pessoalmente ligado ao Presidente da República, e diversos membros do ISEB participaram individual e coletivamente da campanha. Porém o ISEB, segundo Daniel Pécault (1990) estava longe de ser homogêneo. Compreendia intelectuais que continuavam a tradição da década de 1930: Roland Corbisier, Guerreiro Ramos e Cândido Mendes; filósofos de formação, Álvaro Vieira Pinto; economistas, como Roberto Campos e Ignácio Rangel; um militar-historiador marxista Nelson Werneck Sodré; um cientista político como Hélio Jaguaribe, pari passu homem de negócios no cargo responsável pela página econômica do Jornal do Comércio.
Foram muito diferentes as suas carreiras políticas: Roland Corbisier originou-se do integralismo, próximos do qual também estiveram Álvaro Vieira Pinto e Guerreiro Ramos durante certo período; Nelson Werneck Sodré, que colaborou na revista Cultura Política durante o Estado Novo, inseriu-se na corrente nacionalista do exército e iria tornar-se um dos intelectuais mais destacados do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Hélio Jaguaribe era antes de tudo, um “desenvolvimentista”. A projeção do ISEB não advinha apenas de seus membros permanentes, mas decorreu também do prestígio e honra de numerosos conferencistas eventuais como Celso Furtado. Enfim, o ISEB provocou a desconfiança não só de muitos intelectuais paulistas que nele viam, à semelhança do grupo de Itatiaia, um ressurgimento do Integralismo (cf. Trindade, 1971) de intelectuais de direita (cf. Bobbio, 1999), que percebiam nele a aproximação entre getulistas e membros comunistas. O ISEB conservou-se, sobretudo até 1958, mais como um centro de estudos. Na visão do ministro Cândido Motta Filho, tratava-se de um Instituto Civil que devia, da mesma maneira que a Escola Superior de Guerra consagrar-se às ciências sociais “afim de aplicar as categorias e os dados dessas ciências à análise e compreensão crítica da realidade brasileira, buscando a elaboração de instrumentos teóricos que permitam estimular e promover o desenvolvimento nacional” (cf. Pécault, 1990: 110).
A construção da capital Brasília (DF), de um lado, e o lançamento da indústria automobilística confiada a firmas estrangeiras, de outro, revelam as oscilações de um governo que, lança as bases do que logo foi batizado como “capitalismo associado”. A partir de 1959-60, a cisão vai se exacerbando. Frente aos nacionalistas que, durante o governo João Goulart, acreditaram vencer com a concretização das “reformas de base”, a maior parte dos industriais, exportadores e grandes proprietários fundiários se organizam para influir sobre a opinião pública. Apoiados pela maioria dos grandes jornais estão na origem da criação, em 1959, de fundações ideológicas como o IBADE - Instituto Brasileiro de Ação Democrática e a ADEP - Ação Democrática Popular que propagavam o anticomunismo e financiavam as campanhas eleitorais de candidatos “confiáveis”. Na linguagem analítica da esquerda, a oposição entre os “nacionalistas” e “entreguistas” comandava então o sentido nacional da vida política. Tudo o que pretendiam os intelectuais orgânicos do ISEB era formular o “sentimento de massas”.   
A tese central do “nacionalismo desenvolvimentista” tem como representação social o desenvolvimento econômico e a consolidação da nacionalidade constituindo dois aspectos do mesmo processo emancipatório. O desenvolvimento dependeria, assim, de uma consciência nacional mobilizada em torno de uma vontade no plano global de desenvolvimento. Na esfera cultural, a retórica do início dos anos 1960, tanto de “direita” como de “esquerda”, para lembrarmo-nos da ciosa interpretação de Norberto Bobbio, foi demarcada pelo uso corrente das categorias sociais “povo” e “nação”, ou nacional- popular. Os movimentos de esquerda no caso emblemático do Centro Popular de Cultura (CPC), além do discurso anti-imperialista adotaram também uma postura vanguardista, baseada na premissa de que a autêntica cultura popular revolucionária é aquela produzida por artistas e intelectuais que optaram pelo povo - enquanto a cultura do povo era considerada arcaica e atrasada. A coleção Cadernos Brasileiros e a Revista Civilização Brasileira, editadas por Ênio Silveira, e a História Nova, organizada por Nelson Werneck Sodré, sugerem a intensa colaboração entre o ISEB e o CPC.
Do ponto de vista técnico o quadro administrativo do ISEB era formado por três órgãos: o Conselho Consultivo, de orientação geral composto por 50 membros, designados pelo MEC; o Conselho Curador, órgão de direção, com a assistência do Conselho Consultivo e composto por oito membros, também designados pelo MEC; a Diretoria Executiva, exercida por um Diretor eleito pelo Conselho Curador, além de cinco Departamentos. Com o golpe de 1964 é aberto um Inquérito Policial Militar do ISEB. Desse IPM foram destacados dois pontos que, na visão dos militares participantes do golpe, comprometiam politicamente o ISEB tomado como uma “organização determinada por Moscou”. Por um lado, publicou-se no Instituto folheto esclarecedor acerca da vigência do regime parlamentarista com o plebiscito realizado em 1961, a partir da renúncia de Jânio e que veio limitar os poderes decisórios de João Goulart. Por outro lado, o ISEB cometeu o erro de ter realizado cursos e conferências em entidades estudantis e sindicais - leiam-se subversivas. O primeiro ato de Ranieri Mazzilli foi sua extinção pelo Decreto n° 53884 de 13 de abril de 1964 (cf. Sodré, 1978).
A totalidade concreta instituição já é, portanto, fruto de um trabalho de abstração ou, se se prefere, fruto de um trabalho de produção de um objeto de pensamento. Mas a constituição de uma totalidade concreta é muito pouco para um trabalho teórico, segundo determinantes da própria teoria. Isto significa que, se se quiser fugir de uma terminologia essencialista, será necessário entender que uma proposição do tipo a escola é um sistema de reprodução da ideologia dominante refere-se à totalidade empírica escola, não mais a este ou aquele estabelecimento, totalidade esta cuja pertinência interpretativa se à sua análise em termos de aparelho ideológico de Estado – uma entidade teórica designa sempre uma propriedade que, se é observável, pode ser interpretada em termos de propriedades empíricas de uma totalidade, jamais em termos de totalidades enquanto tais. O engano de nomeá-las, multiplicando suas propriedades exaustivamente, levaria no máximo à elaboração de um extenso catálogo de nomes, uma confusão entre o plano de análise (teoria) e o plano da realidade, jamais à produção de conhecimento. Por onde surge a categoria da totalidade, desaparece o rigor científico.  
Três dias após o golpe político-militar de 1964, foi decretada a extinção do ISEB seguido da instauração um inquérito policial-militar (IPM) para apurar suas atividades. Diretores e professores do Instituto foram investigados extrajudicialmente e alguns de seus pensadores, como Álvaro Vieira Pinto tiveram que sair do país, compulsoriamente para o exílio. Entre o escol composto pelos membros do Iseb estavam: Hélio Jaguaribe, Roland Corbisier, Alberto Guerreiro Ramos, Nelson Werneck Sodré, Antonio Cândido, Wanderley Guilherme dos Santos, Cândido Mendes, Ignácio Rangel, Álvaro Vieira Pinto e Carlos Estevam Martins tendo como colaborador Celso Furtado, Gilberto Freyre e Heitor Villa Lobos. Entre os seus membros ilustres, em oposição assimétrica, podemos citar Miguel Reale e Sérgio Buarque de Holanda. Entre seus alunos mais destacados, inclui-se o ativista afro-brasileiro Abdias Nascimento. O ISEB surgira em 1955, por decreto do presidente da República, João Café Filho.
Criado e regulamentado por Juscelino Kubitschek, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) projetou-se como centro formulador de uma ideologia desenvolvimentista no país. Também sobressaiu enquanto concepção de cultura como elemento impulsionador de transformações socioeconômicas e de fixação de identidades nacionais. Este Centro de Altos Estudos nascia com liberdade de opinião e de cátedra e se constituía, nos primeiros anos num quadro de pensadores heterodoxos. Sua origem institucionalizava um debate sobre o desenvolvimento econômico, político e social que já existia no Brasil desde a década de 1940, mas que a universidade, incipiente, aparentemente não perfazia. O instituto emergia dentro dos quadros orgânicos do Ministério da Educação, com uma função e com um conteúdo de sentido claro: deveria produzir pesquisas e análises que contribuíssem para a definição de um projeto nacional de desenvolvimento econômico, político e social. Os isebianos, reunidos na Rua das Palmeiras, no famoso bairro de Botafogo (RJ) promoveram vários cursos, conferências, seminários, pesquisas, publicaram livros sob divesos temas etc., durante seus quase nove anos de existência como agremiação. Existiu um pensamento político-ideológico isebiano e o Instituto pretendeu realizar um conjunto de práticas e saberes sociais em torno de intelectuais diversos que não expressavam, nem a mesma linguagem e nem  mesmo o “único receituário de orientação para suas opções políticas”.

O ISEB foi criado pelo Decreto nº 37.608, de 14 de julho de 1955, como órgão do Ministério da Educação e Cultura (MEC). O grupo de intelectuais que o criou tinha como objetivos o estudo, o ensino e a divulgação das ciências sociais, cujos dados e categorias seriam aplicados à análise e à compreensão crítica da realidade brasileira e deveriam permitir o incentivo e a promoção do desenvolvimento nacional. O ISEB foi um dos centros mais importantes de elaboração teórica de um programa do curso “Introdução aos Problemas Brasileiros”, promovido pelo ISEB no Rio de Janeiro em 14 de maio de 1959, reconhecido como “nacional-desenvolvimentista”. Criado ainda no governo Café Filho, o ISEB iniciou suas atividades políticas quando Juscelino Kubitschek assumia a presidência da República concomitantemente acelerava a industrialização, com a ampliação dos investimentos privados nacionais e estrangeiros, além do investimento de tradição estatal. Os intelectuais do ISEB apoiaram a política nacional de desenvolvimento por considerá-la muito próxima das idéias que vinham formulando. 
O Instituto não conseguiu sensibilizar os grupos mais representativos das ciências sociais no Brasil. Os cientistas sociais da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Brasil, depois UFRJ não atribuíram aos intelectuais do ISEB legitimidade para exercer o papel de analistas e formuladores de soluções para a sociedade, por os considerarem carentes de formação científica em sociologia, ciência política, economia, história e antropologia. De fato os “isebianos” eram percebidos como intelectuais de formação bacharelesca, desprovidos de instrumentos teóricos e metodológicos indispensáveis para o exame científico da sociedade. Portanto, a maioria dos integrantes do ISEB era de advogados com interesses intelectuais voltados basicamente para a filosofia política. A desconfiança em relação ao ISEB se manifestou também por parte de alguns jornais e associações empresariais, que identificavam os intelectuais do órgão como ligados aos movimentos de esquerda e aos comunistas.
Ao nível do pensamento social o “realismo” era a palavra-chave. No entanto, o horror à realidade ressurgia sem cessar. Revelar a realidade, desvendar sua coesão oculta, mostrar as solidariedades que a irrigam: todos, depois de Alberto Torres, embarcam nessa aventura. Alceu Amoroso Lima, católico, preconiza “a filosofia do realismo integral” para responder às questões conjunturais, conseguir “colocar cada coisa em seu lugar” e evitar que a “vida se baseie apenas no arbítrio das maiorias ocasionais”. Oliveira Vianna, teórico do corporativismo, faz a apologia do “país real”, aquele cuja unidade se constrói na história. Mas a história passada não basta para atestar a sua unidade. Melhor dizendo, as estruturas familiares, as relações cotidianas, as relações de favor e compadrio, os costumes mostram muito melhor o processo de criação dos laços sociais ocultos nas profundezas das mentalidades e das trocas sociais. As análises de Vianna sobre o sistema da fazenda escravagista ressaltavam o espírito da família que ele cria: - “Estes são como membros da família e quase sempre ligados ao fazendeiro por terna afetividade. Jamais conhecemos a aristocracia de casta”.
Os objetivos da marcha para a “realidade” são aparentemente claros. Consistem, num primeiro momento, em demonstrar que não existe o indivíduo isolado: ele está, já de início, inserido numa coletividade. Ficava, assim, anulada a validade das ideias políticas referentes ao individualismo. Num segundo momento, visam a destacar a interdependência entre aqueles que ocupam posições sociais desiguais; desse modo, caducavam quase todas as teorias fundamentadas na divisão de classes. Pretenderam, enfim, provar que existia uma unidade nacional de fato, que faltava apenas fortalecê-la pela via institucional. Mas não foram esses os únicos objetivos do “realismo”. É certo, por exemplo, que estas descrições permitem também mesclar a aspiração por um Estado moderno ao respeito pelas formas patriarcais, concebendo o Estado moderno como prolongamento da dominação patriarcal. O importante é a maneira e marca com que a realidade serviria de fundamento político e a identidade cultural nela enraizada. Pois fundamentava o nacional e sua evolução explica a diferenciação entre as elites políticas e culturais e a transformação social do bendito povo-nação.
Bibliografia geral consultada.
 
CARDOSO, Miriam Limoeiro, Ideologia do Desenvolvimento - Brasil: JK-JQ. Tese de Doutorado em Sociologia. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1977; TOLEDO, Caio Navarro de, ISEB: Fábrica de Ideologias. 1ª edição. São Paulo: Editora Ática, 1977; MEDEIROS, Jarbas, Ideologia Autoritária no Brasil, 1930-1945. Prefácio de Raymundo Faoro. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1978; SODRÉ, Nelson Werneck, A Verdade Sobre o ISEB. Rio de Janeiro: Editor Avenir, 1978; CODATO, Adriano Nervo, Elites e Instituições no Brasil: Uma Análise Contextual do Estado Novo. Tese de Doutorado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2008; MARTINI, Renato Ramos, Álvaro Viera Pinto: Massas, Nacionalismo e Cultura na Realidade Nacional. Tese de Doutorado em Sociologia. Faculdade de Ciências, Letras e Artes. Araraquara: Universidade Estadual Paulista, 2008; TORGAL, Luís Reis, “Do Tradicionalismo Antiliberal ao “Nacionalismo Integral” e à “Terceira Via” dos ´Estados Novos`”. In: Historiæ. Rio Grande, 1 (1): 75-88, 2010; LOVATTO. Angélica, Os Cadernos do Povo Brasileiro e o Debate Nacionalista dos anos 1960: Um Projeto de Revolução Brasileira. Tese de Doutorado em Ciências Sociais. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010; GARCIA, Lênin Tomazett, O Ciclo da Revolução Burguesa Tupiniquim e a Educação de Adultos no Brasil. Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Educação.  Faculdade de Educação. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2015; RIBEIRO, Renato Ferreira, Nacional-desenvolvimentismo e Política Externa Brasileira: O Pensamento Político de San Tiago Dantas entre 1950 e 1960. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciência Política. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2016; COSTA, Alencar Cardoso da, Antiliberalismo e Autoritarismo nos Escritos de Carl Schmitt (1919-1933). Dissertação de Mestrado em História. Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso, 2016; RIBEIRO, Douglas Carvalho, As Raízes Antiliberais de Sérgio Buarque de Holanda: Carl Schmitt em Raízes do Brasil. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Direito. Faculdade de Direito. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017; entre outros.

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