Ubiracy de Souza Braga
“Não
levante a espada sobre a cabeça de quem te pediu perdão”. Machado de Assis
Machado de Assis pôde assistir, no
decorrer do século XIX e no começo do século XX, as alterações amplas e
decisivas no cenário social e político internacional e nacional, nos costumes,
nas ciências da natureza e da sociedade, nas técnicas e em quase tudo o que
entende no âmbito do progresso material. Alguns estudiosos supõem, no entanto, erroneamente
que as crenças atribuídas a Machado de Assis como um escritor engajado são falsas e que ele não
esperava nada ou quase nada da história e da política. Afrodescendente,
testemunhou a Abolição da Escravatura e a mudança política no país quando a República
substituiu o Reinado, e foi grande comentador e relator dos eventos político-sociais.
Suas crônicas estão repletas destes comentários. Em 1868, por exemplo, D. Pedro
II demitiu o gabinete liberal de Zacarias de Góis e substitui-o pelo gabinete
conservador de Itaboraí. Grêmios e jornais liberais acusaram a atitude do
imperador de bonapartista. Machado de Assis testemunhou com simpatia aos
liberais. Em 1895 com a morte de Joaquim Saldanha Marinho, liberal, maçom e
republicano escreveu: - “Os liberais voltaram mais tarde, tornaram a sair e a
voltar, até que se foram de vez, como os conservadores, e com uns e outros o
Império”. Machado de Assis como afrodescendente e liberal não estava só, e era
fervorosamente contra a escravidão.
Sua obra foi de fundamental
importância social para as escolas literárias brasileiras do século XIX e XX e surge
nos dias de hoje como de grande interesse acadêmico e público. Influenciou
grandes nomes das letras, como Olavo Bilac, Lima Barreto, Drummond de Andrade,
John Barth, Donald Barthelme e outros. Para a as frações da classe dominante o
óbice maior não vinha do nosso Estado constitucional, que representava o
latifúndio e dele se servia: o obstáculo era interposto pela nova matriz
internacional, a Inglaterra. Em seu tempo de vida, alcançou relativa fama e
prestígio pelo Brasil, contudo não desfrutou de popularidade no exterior em
função da divisão internacional do trabalho. Contudo, na modernidade tendo em
vista sua inovação, imaginação e audácia em temas precoces e paradoxais, é
frequentemente visto como o escritor brasileiro de produção intelectual sem
precedentes, de modo que, recentemente, seu nome e sua obra têm alcançado
diversos críticos literários, estudiosos e admiradores do mundo inteiro.
Machado de Assis é considerado um dos grandes gênios da história da literatura,
ao lado de autores como Dante, Shakespeare e Camões.
Entende-se a reivindicação do mais desenfreado
laissez-faire, contrapondo-se no
plano das ideias a hostilidade que despertava entre os proprietários o controle
da sua nação por um Estado estrangeiro. Mas como o denominador ideológico comum
era o liberalismo econômico, que conhece na época a sua fase áurea, só restava
à retórica escravista uma saída para o impasse. Demonstrar que as idéias
mestras da doutrina clássica, porque justas deveriam aplicar-se com justeza às circunstâncias, tanto quanto
às peculiaridades nacionais. A atenção e o respeito ostensivo ao particular,
tão insistentes nos escritos conservadores de Edmund Burke, permeiam a
ideologia romântico-nacional que vai de Francisco de Varnhagen a José de Alencar,
de Vasconcelos a Olinda, de Paraná a Itaboraí. Será o topo maior da
argumentação de cunho protelatório: dar tempo ao tempo, já que o Brasil colonizado
e periférico não é a Europa, e é preciso respeitar as diferenças, que na
interpretação de Bosi (1992: 195) tem como escopo a filtragem ideológica e
contemporização. As estratégias do nosso liberalismo intra-oligárquico em todo
o período em que se constituía o Estado nacional.
Machado de Assis nasceu em 21 de
junho de 1839, no Morro do Livramento, no centro do Rio de Janeiro, então
capital do Império, em pleno Período Regencial. Seu pai Francisco José de Assis, foi um mulato que
pintava paredes, filho de Francisco de Assis e Inácia Maria Rosa, ambos pardos
e escravos alforriados. A mãe foi a lavadeira Maria Leopoldina da Câmara
Machado, portuguesa e branca, filha de Estevão José Machado e Ana Rosa. Consta
que a família Machado de Assis imigrara para o Brasil em 1815, oriunda da Ilha
de São Miguel, no arquipélago português dos Açores. Os pais de Joaquim Maria Machado
de Assis sabiam ler e escrever, fato quase incomum naquele tempo e
estratificação social. Ambos eram agregados
da Dona Maria José de Mendonça Barrozo Pereira, esposa do falecido senador
Bento Barroso Pereira, que abrigou seus pais permitindo morar com ela. As
terras do Livramento eram ocupadas pela chácara da família de Maria José e já
em 1818 o terreno começou a ser loteado de tão imenso que era dando origem à Rua
Nova do Livramento. Maria José tornou-se madrinha do bebê e Joaquim Alberto de
Sousa da Silveira, seu cunhado, tornou-se o padrinho, de modo que os pais de
Machado resolveram homenagear os dois nomeando-o com seus nomes.
Nascera junto a ele uma irmã, que
morreu jovem, em seus 4 anos, em 1845. Iniciou seus estudos numa escola pública
da região, mas aparentemente não se mostrou interessado por ela. Ocupava-se
também em celebrar missas, o que lhe fez conhecer o Padre Silveira Sarmento,
que de acordo com certos biógrafos, se tornou seu mentor de latim e amigo. Os
biógrafos notam hic et nunc que, interessado pela boemia e pela Corte,
imiscuiu-se para subir socialmente abastecendo-se de superioridade e domínio intelectual.
Para isso, assumiu diversos cargos técnicos públicos, passando pelo Ministério
da Agricultura, do Comércio e das Obras Públicas, e conseguindo precoce
notoriedade em jornais onde publicava suas primeiras poesias e crônicas. Em sua
maturidade, reunido a colegas próximos, fundou e foi o primeiro presidente
unânime da Academia Brasileira de Letras.
Sua extensa obra constitui-se de nove romances e peças teatrais, duzentos
contos, cinco coletâneas de poemas e sonetos, e mais de seiscentas crônicas. Fundou
o periódico: “O Jequitinhonha”, com o seu cunhado Josefino Vieira em 1860, por
meio do qual teria difundido o ideal republicano. No entanto, a República lhe
trouxe muitos desagrados econômicos e políticos, mas como letrado percebeu um
mundo em agonia, sendo “uma voz inquietante que fala baixo, mas provoca
sempre”.
Segundo
Reinado é um período da história do Brasil que compreende 49 anos, quando se
iniciou com o fim do período regencial em 23 de julho de 1840, com a declaração
de maioridade de Pedro de Alcântara, e teve o seu término em 15 de novembro de
1889, quando a monarquia constitucional parlamentarista vigente foi derrubada pelo
golpe de proclamação da República. Representou uma época de protestos e de
significado político para o Brasil, com o crescimento e a consolidação da nação
brasileira como um país independente, e como importante membro entre as nações do
continente americano. Denota-se nesta época a solidificação do Exército e da Marinha,
culminando com o processo de soberania com o etnogenocídio da Guerra do
Paraguai (1865-70), e mudanças superficiais, além da gradativa e lenta
libertação dos escravos e o incentivo de imigração para se juntar à força de
trabalho brasileira. O longo governo de D. Pedro II que durou 49 anos, foi marcado por raras mudanças sociais, política e econômicas no Brasil. No plano partidário na política no Segundo Reinado foi marcada pela disputa insignificante entre o Partido Liberal e o Conservador.
A
partir de 1835, começa a ganhar força a ideia de antecipar ascensão do jovem
Pedro de Alcântara ao trono imperial. Os grandes proprietários de terras e
escravos viam com desconfiança o processo de descentralização
político-administrativa iniciado pelas autoridades do período regencial. Ao mesmo
tempo, as revoltas sociais que rebentaram em várias províncias exigiam alguma
medida que garantisse a ordem e a paz social. Formava-se o consenso político de
que somente o restabelecimento da autoridade monárquica poderia conter os
excessos dos poderes locais e apaziguar as dissensões. A manobra política
aconteceu quando Dom Pedro II não tinha ainda idade suficiente para ascender ao
trono. Elaborou-se então uma declaração antecipando a sua maioridade para pôr
fim às disputas políticas que estavam em curso nesse período. Os liberais
agitaram o “povo”, que pressionou o Senado a declarar o jovem Pedro II maior de
idade “antes de completar 15 anos”. Esse ato teve como principal objetivo a
transferência de poder para Dom Pedro II para que esse, embora inexperiente,
pudesse pôr fim a disputas políticas que abalavam o Brasil mediante sua
autoridade. Acreditavam que com a figura do imperador deteriam as revoltas que
estavam ocorrendo como: Guerra dos Farrapos, Sabinada, Cabanagem, Revolta dos
Malês e Balaiada. Foi instaurado o Ministério da Maioridade, de orientação
liberal, também conhecido como o Ministério dos Irmãos, pois era formado, entre
outros, pelos irmãos Antônio Carlos e Martim Francisco de Andrada e os irmãos
Cavalcanti, futuros Viscondes de Albuquerque e de Suassuna.
Neste
período o parco jornalismo começou a dar mais atenção às notícias econômicas sobre
companhias, aos bancos e à Bolsa de Valores do que à aridez política parlamentar.
É por estas quadras que o capitalismo brasileiro, mediado pela intervenção do
Estado, “ensaiava temerariamente os primeiros passos no regime nascente”, como
escreveu o jurista Raymundo Faoro. Desenvolvendo seu raciocínio, conclui que o
que se teve no Brasil foi o desenvolvimento de um capitalismo “politicamente orientado”,
conceito este baseado na formulação ideal
típica weberiana. Negando-se em atribuir um papel hipostasiado à economia
com relação à política, compreende o Brasil enquanto uma forma pré-capitalista
de sociedade. Esta característica, no entanto, ainda será entendida no interior
do pensamento weberiano em que capitalismo é definido como uma aquisição
racional de lucros burocraticamente organizada, diferente do capitalismo
politicamente orientado em que tal aquisição será direcionada por interesses dos
Estados e da sua concorrência com outros Estados. O capitalismo “politicamente
orientado” atribui ao Estado patrimonial e seus funcionários características sociais
de um “estamento burocrático”, como entrave da consolidação de uma ordem
burguesa propriamente dita no país. Em seu antológico livro: “Os Donos do
Poder”, realiza um diagnóstico preciso da origem do patrimonialismo brasileiro:
a Casa de Aviz portuguesa no século XIV. Os reis de Portugal se consideravam
proprietários do país e da nação.
Essa
cultura atravessou mares e séculos e se enraizou com toda a força social e
política no Brasil e na concepção de Estado soberano. Hoje já não há a Casa de
Aviz. Outros são os tempos e outros são os donos do poder. O Estado brasileiro ter como representação social um paquiderme na luta
pelos cargos e a serviço desses donos do poder. Inicialmente foram os próprios
reis portugueses, depois os imperadores, depois os militares positivistas da chamada
República Velha. Agora os coronéis oriundos das oligarquias. Nada parecido com
o atual, altamente sofisticado e requintado. São funcionários da
“superestrutura” muitas vezes com reconhecidos títulos de PhD e que andam
acompanhados, nestes dias em jatinhos executivos, de poderosos empreiteiros e
subempreiteiros de gigantescas obras públicas. Alguns destes com reconhecido mandatos
populares nas Câmaras, Assembleias Legislativas ou no que Raymundo Faoro,
figura central nesse debate, vem argumentando que o patriarcado brasileiro
cedeu lugar a um Estado Patrimonialista, observando ainda que, ao contrário de
vários países de origem anglo-saxã e sistema liberal de governo, o modelo de
organização política, seguido pelo Brasil, se pauta pela dominação da esfera de
ação pública sobre a esfera de ação privada de forma singular. Testemunhou a Abolição da escravatura e a mudança social e política no país quando a República substituiu o II Reinado (1840), além das diversas reviravoltas pelo mundo político em finais do século XIX e início do XX, tendo sido grande comentador e relator dos eventos político-sociais de seu tempo.
Edifício da Rua Camões onde ocorreram as primeiras sessões solenes da ABL, sob a presidência de M. de Assis. Sabe-se
que Machado de Assis detestava o vale-tudo
do dinheiro especulativo. Em crônica n` O
Cruzeiro (18/08/1878), sob o pseudônimo de Eleazar, narra as lutas
políticas em Macaúbas entre os conservadores e os liberais. Em crônica ao
jornal Canção de Piratas (22/07/1894),
refere-se ao período histórico da Guerra de Canudos, apoiando Antonio
Conselheiro, por seus legionários se indignarem com a realidade: - “Jornais e
telegramas dizem dos clavinoteiros e dos sequazes do Conselheiro que são
criminosos; nem outra palavra pode sair de cérebros alinhados, registrados,
qualificados, cérebros eleitores e contribuintes. Para nós, artistas, é a
renascença, é um raio de sol que, através da chuva miúda e aborrecida, vem
dourar-nos a janela e a alma. É a poesia que nos levanta do meio da prosa
chilra e dura deste fim de século”.
Não
é por acaso que do ponto de vista político a noção de crise é privilegiada nos
discursos contrarrevolucionários, em geral oligárquicos, funcionando em dois
registros, mas complementares: por um lado, serve de explicação (saber) para a
emergência do irracional no coração da racionalidade (isto é, serve para
ocultar a crise verdadeira), por outro lado, mobiliza os agentes sociais
acenando-lhes o risco da perda da identidade, suscitando-lhe o medo da desagregação
social, isto é, da revolução e oferece-lhes a oportunidade de restaurar uma
ordem não crítica graças à ação de alguns ditos salvadores da ordem social
ameaçada. Eis porque a crise, no discurso contrarrevolucionário, é posta como
crise de autoridade. A imagem da “crise” serve para reforçar a submissão a um
poder miraculoso que emana dos chefes esperados e que encarna em suas pessoas a
identidade possível da sociedade consigo mesma. Na filosofia de Walter Benjamin,
para sermos breves, a questão tópica da identidade é concebida com a forma originária da ideologia. E esta representa a relação
imaginária do homem com as suas condições reais de existência no âmbito da
imaginação.
Carolina
Augusta Xavier de Novaes Machado de Assis (Porto, 1835 - Rio de Janeiro, 1904)
foi a esposa de Machado de Assis. Portuguesa mudou-se para o Rio de Janeiro em
1866 a fim de cuidar de seu irmão enfermo Faustino Xavier de Novaes (1820-1869).
Carolina e Machado se casaram em 12 de novembro de 1869 e viveram uma longa
vida conjugal de 35 anos sem grandes perturbações. Culta, os biógrafos escrevem
que apresentou a Machado de Assis livros da literatura portuguesa e da
literatura inglesa e outros clássicos, redefinindo o seu estilo literário para
a maturidade. Além disso, teria revisado, retificado e passado a limpo seus textos,
ajudando-o a escrever. Recentes análises de correspondências pessoais revelam
que Machado e Carolina eram apaixonados um pelo outro e que, ao longo do
casamento, o escritor temia que a esposa morresse antes e ele sofresse com a
perda. Carolina não conseguiu engravidar, e pela falta de filhos o casal
decidiu adotar uma cadelinha, a quem
batizaram de Graziela, a quem tratavam afetivamente como filha. Machado de
Assis cuidou do animal de estimação até seu falecimento. Seu casamento durou
até a morte de Carolina em 1904. O viúvo Machado de Assis entrou em profunda
depressão, encontrando consolo em sua solidão com sua cadelinha, sua única companhia.
Com muitas saudades escreveu um soneto em homenagem à esposa, amplamente
considerado a melhor peça de sua obra poética. Manuel Bandeira afirmaria, anos
mais tarde, que é uma das peças mais comoventes da literatura brasileira.
Chama-se “A Carolina”:
Carolina
em 1870. Há 1 ano já casada com Machado de Assis.
“Querida! Ao pé do leito derradeiro,/em que descansas desta longa vida,//aqui venho e virei, pobre querida,/trazer-te o coração de companheiro./Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro que,/a despeito de toda a humana lida,/fez a nossa existência apetecida/e num recanto pôs um mundo inteiro.../Trago-te flores - restos arrancados/da terra que nos viu passar unidos/e ora mortos nos deixa e separados;/que eu, se tenho, nos olhos mal feridos,/pensamentos de vida formulados/ são pensamentos idos e vividos” (cf. Assis, 1959).
A
crise no Brasil é usada para fazer com que surja diante dos agentes sociais o
sentimento de um terror hobbesiano que ameaça igualmente a todos. Dá-lhes o
sentimento de uma comunidade de interesses e de destino e leva-nos a aceitar a
bandeira da salvação da sociedade supostamente homogênea e integrada. Nessa
medida, a imagem da crise pode funcionar como válvula de escape de um discurso
e de uma prática contrarrevolucionários porque visa a impedir que as frações
das classes sejam assumidas como tais. Vale lembrar que os integralistas não se
cansaram de afirmar que a “crise brasileira” só poderia ser superada se fossem
abandonados os interesses classistas do capital e do trabalho e se uma classe,
não comprometida com as duas, pudesse conduzir os destinos da nação propondo a
integração entre contrários. Por outro
lado, embora a imagem da crise seja inseparável do contexto onde possa haver a
figuração empírica de “salvadores” ou “chefes”, o tipo de poder atribuído a
eles irradia-se para a sociedade inteira, através de aparelhos de Estado que
exerçam a mesma e única autoridade de sorte que o projeto de uma organização
burocrática, corporativa e militarizada não será, desde esta forma de
pensamento e prática autoritária, senão a consequência lógica da análise da
realidade brasileira como idealidade patrimonialista.
Sua
obra foi de fundamental importância para as escolas literárias brasileiras do
século XIX e do século XX e surge nos dias de hoje como de grande interesse
acadêmico e público. O estilo de Machado de Assis assume uma originalidade
despreocupada com as modas literárias dominantes de seu tempo. Os realistas que
seguiam Flaubert se esqueciam do narrador por detrás da objetividade narrativa,
e os naturalistas, a exemplo de Zola, narravam todos os detalhes do enredo -
Machado de Assis optou por abster-se de ambos os métodos para cultivar o
fragmentário e interferir na narrativa com o objetivo de dialogar com o leitor,
comentando seu próprio romance com filosofias, metalinguagens,
intertextualidade. Influenciou grandes nomes da literatura, como Olavo Bilac,
Lima Barreto, Carlos Drummond de Andrade, John Barth, Donald Barthelme e
outros. Em seu tempo de vida, alcançou relativa fama e prestígio social pelo
Brasil, contudo não desfrutou de popularidade internacional na sua época. Por
sua inovação literária e audácia dialética em temas precoces, minudentes e
contraditórios é frequentemente visto como o escritor de produção literária e
política sem precedentes. Seu nome e sua obra têm alcançado diversos críticos,
estudiosos e pesquisadores do mundo inteiro. Machado de Assis é considerado um dos grandes
gênios da história da literatura, comparativamente ao lado de autores como Dante, Shakespeare e
Camões.
Machado
de Assis, como exímio intelectual e leitor, atribui a sua obra caráteres de
arquétipos, numa época em que na literatura tínhamos os marcantes José de
Alencar, Joaquim Nabuco, o próprio Euclides da Cunha, para citar apenas alguns.
Os irmãos Pedro e Paulo, em Esaú e Jacó,
por exemplo, remontam ao arquétipo bíblico da rivalidade entre Caim e Abel,
enquanto a psicose do ciúme de Bentinho em Dom
Casmurro aproxima-se do drama Otelo,
de William Shakespeare. Em Memórias
Póstumas de Brás Cubas, surge Pandora, a primeira mulher mandada à Terra
para vingar-se dos homens com sua famosa caixa, que dialoga com o
narrador-personagem Brás Cubas e diz que ele pode chamá-la também de Natureza. Sua
preocupação com o psicologismo das personagens obrigava-o a escrever numa
narrativa lenta que não prejudicasse o menor detalhe para que este não
comprometesse o quadro psicológico do enredo. Os críticos em geral notam que a ironia é uma das características mais
atraentes e refinadas na obra machadiana. Em certas situações, sua ironia
alcança o humor, mas na maioria das vezes, por ser intelectual arguto, só é
percebida a leitores que reconheçam alguns temas com que ele perfaz a intertextualidade.
Sua ironia é a arma mais corrosiva da crítica dos comportamentos, dos costumes
e das estruturas sociais.
Para
o que nos interessa, socialmente, no conto Teoria
do Medalhão Machado de Assis, propugna uma análise do comportamento de
alguns membros da sociedade. Descreve-os de maneira extremamente clara, precisa,
com um humor recatado, ironizando-os usando como background uma conversa aparentemente inocente de um pai com um
filho. Ora, a tese freudiana de que se os pais soubessem educar os filhos, os
filhos não precisariam de pais ao que parece não se repete. Esse conto, um dos
mais deliciosos libelos do escritor contra a mediocridade intelectual e
política, é satírico por excelência, lembrando a ironia filosófica dos relatos
curtos de Voltaire. Praticamente sem ação, seu núcleo temático gira em torno de
uma exposição de ideias cínicas, através do diálogo entre pai & filho. Comparativamente,
em Teoria do Medalhão desenvolve com
muita ironia as mesmas questões levantadas pelo conto O Espelho, onde o narrador cede seu hábito de falar à reprodução
das falas das duas únicas personagens: pai & filho. O tom terrivelmente
irônico da fala do pai revela, obviamente, a denúncia feita pelo Autor por trás
da arte do conto que identifica e precisa em relação a uma sociedade burguesa medíocre e arrogante, que prega o
sucesso a qualquer preço, mesmo à custa do empobrecimento da vida interior e das
relações sociais e políticas. A atualidade da análise política é medonha se forem
comparados aos discursos paternalistas do Senado brasileiro principalmente na
conjuntura que culmina com o golpe de Estado de 17 de abril de 2016.
O
diálogo familiar ocorre perante uma noite exatamente às onze horas após um
jantar comemorativo dos 21 anos do filho. Quando pai & filho ficam a sós na
sala, este aconselha o filho a se tornar um Medalhão:
“um homem que ao chegar à velhice, tenha adquirido respeito e fama na sociedade
do Rio de Janeiro do século XIX”. Para tanto, será necessário que ele mude seus
hábitos e costumes e passe a conviver “sob uma máscara, anulando os seus gostos
pessoais e suas atitudes”. E nisso disserta sobre a necessidade do filho “de
sempre manter-se neutro, usar e abusar de palavras sem sentido, conhecer pouco,
ter vocabulário limitado” e assim por diante. Ao final, é a ironia machadiana fina e velada, é recorrente em seus livros e contos em momentos em que
infere sobre como se encontram os valores ensejados através da sociedade novecentista, e porque analogamente
tão atual e coerente nos dias de hoje. Portanto, o “medalhão”, formulação
realística criada pelo escritor neste conto, se caracteriza em política por
“aparentar ser o que não é”. Caracteriza-se, sobretudo, por ter, como nos
medalhões, “uma face oculta e sem atrativos, voltada apenas para o corpo do
dono, e outra, vistosa, virada para o exterior, para ser vista e admirada,
respeitada”.
A
Teoria do medalhão é um dos contos
que demonstra Machado de Assis como um analista político afiado da sociedade
brasileira no que ela tem de mais profundo: a mediocridade condecorada, a troca
de favores como “um elo quase universal”, motor básico das
relações sociais, em que borrifa-se a junta oculta da hipocrisia, e tudo aquilo que perduraria para além da mudança
de regime. O conto é representativo porque esboça uma lição a todo homem que
almeja ter honra e prestígio social. Ser reconhecido em vida pela sociedade e
que elimina qualquer expressão da subjetividade em nome da absorção referida ao
senso comum, “uma reflexão sem juízo” para Hans-Georg Gadamer, à opinião da
unanimidade no sentido político do termo. Os papéis sociais para fazermos
referência ao norte-americano Talcott Parsons, e outros, no conto machadiano,
pertencem, à família como base de tudo e grupo restrito: pai & filho. As
personagens não possuem nomes e são caracterizadas somente pela posição que ocupam no grupo familiar.
Num segundo momento, no decorrer da narrativa, há a construção de um terceiro
papel social, este pertencente a um grupo mais amplo: o Medalhão.
No
diálogo estabelecido no conto, há a presença das formas de tratamento. O pai
dirige-se ao filho sempre utilizando a 2ª pessoa pronominal: tu, te, contigo,
teu etc.; o filho, por sua vez, utiliza-se a 3ª pessoa, com valor de 2ª pessoa:
vosmecê, lhe, o senhor etc. No
primeiro caso, a presença da 2ª pessoa dá um valor de proximidade ao discurso
(ou tentativa de), dando um maior sentimento de intimidade. No segundo caso, o
uso da 3ª pessoa, demonstra uma aceitação do discurso paterno, e, portanto o
que remete ao paternalismo político, como se não houvesse outro meio de
discussão. É a aceitação pacífica do papel social que cabe ao filho no final do
século XIX. Daí a atualidade sempre marcante de Machado de Assis, quando
precipita como um balão de ensaio na estufa, a mediocridade condecorada na
política destes nossos dias. Um conto criado pelo escritor realista, originalmente publicado na Gazeta de Notícias, no ano de 1881, e posteriormente integrado ao livro Papéis Avulsos. Neste texto o autor, por meio de um discurso ambivalente, apresenta conselhos inescrupulosos de um pai para um filho visando a alcançar prestígio em uma sociedade que vive de aparências. Edificado sobre as bases da ironia, a obra tem como representação social a valorização do parecer acima do ser, analisando o comportamento medíocre por meio do qual se pode ascender socialmente numa sociedade de bases escravocratas sem grandes esforços. Ela é condecorada pela troca de favores com
o governo federal, como tem sido sobejamente acalentada, tendo como elemento das relações políticas, a hipocrisia. O que perduraria além da troca de regime em que se configura crise de hegemonia
na sociedade política (Estado) e particularmente na corte ancorada no Rio de Janeiro.
Bibliografia
geral consultada:
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Doutorado em Literatura Brasileira. Programa de Pós-Graduação em
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Ungleicheit. Wiesbaden: Verlag für Sozialwissenschaften, 2008; SILVA, Flávia Cristina Aparecida, A Construção da Identidade em Machado de Assis. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Literatura e Cultura Russa. Departamento de Letras Orientais. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, 2014; SILVA, Carolina Rangel, Memórias Póstumas de Brás Cubas: Aproximações entre a Crítica e a Ficção. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas. Universidade de São Paulo, 2015; FERREIRA, Gabriela Manduca, Interpretações do Realismo na Obra de
Machado de Assis: Realidade, Política e Crítica nos Regimes Autoritários Brasileiros.
Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Literatura Brasileira. Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas.
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. São Paulo: Universidade de São Paulo,
2016; ALCANTARA FILHO,
Wolmyr Aimberê, Da Negação do Nacional ao Nacional Negativo: A Crítica sobre
Machado de Assis (do Oitocentos ao Contemporâneo). Tese de Doutorado em
Letras. Centro de Ciências Humanas e Naturais. Vitória: Universidade Federal do
Espírito Santo, 2017; entre outros.
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