Mostrando postagens com marcador Patronato Político. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Patronato Político. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 22 de maio de 2018

Justiça Eleitoral - Voto Obrigatório & Política Conchavada no Brasil.

Ubiracy de Souza Braga

                                           Uma boa lei eleitoral não é tudo, mas é muito”. Assis Brasil


                                 
            Em 1916, o presidente brasileiro Wenceslau Brás, preocupado com a seriedade do processo eleitoral, sancionou a Lei 3.139, que entregou ao Poder Judiciário o preparo do processo de trabalho de alistamento eleitoral. Por confiar ao Judiciário o papel de principal executor das leis eleitorais, muitos percebem nessa atitude o ponto de partida para a criação da Justiça Eleitoral, que só viria, entretanto, acontecer em 1932. Morreu em 15 de maio de 1966, em Itajubá, com 98 anos, sendo considerado o mais longevo de todos os presidentes e vice-presidentes brasileiros e o político que permaneceu mais tempo na condição de ex-presidente da República, morrendo exatos 47 anos e 6 meses depois de deixar o cargo da Presidência. Portanto, a justiça eleitoral brasileira foi criada tardiamente pelo Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, tendo sua representação em torno das ideias pela chamada Revolução de 1930 ou golpe de Estado 1930. Em 1932 foi promulgado o Código Eleitoral brasileiro, inspirado na Justiça Eleitoral Checoslovaca e nas ideias do político Joaquim Francisco de Assis Brasil.
            O Código Eleitoral de 1932 criou a Justiça Eleitoral que passou a ser responsável pelo processo de trabalho eleitoral desde o alistamento, organização das mesas de votação, apuração dos votos, reconhecimento e proclamação dos eleitos. Além disso, há a regulamentação processual em quase todo o país das eleições federais, estaduais e municipais. O Código introduziu o voto secreto, o reconhecimento do voto feminino e o sistema de representação proporcional, em dois turnos simultâneos. Pela primeira vez, a legislação eleitoral fez referência à existência dos partidos políticos, mas ainda era admitida a “candidatura avulsa”. Esse código já previa o uso de “máquina de votar”, o que só veio a se efetivar na década de 1990. A Revolução Constitucionalista de 1932 exige a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, realizada pelo Decreto nº 22.621/1933, que estabeleceu que, além dos deputados eleitos na forma prescrita pelo Código Eleitoral, outros 40 seriam eleitos pelos sindicatos legalmente reconhecidos, pelas associações de profissionais liberais e de funcionários públicos das estatais.

                       
As críticas ao Código Eleitoral de 1932 levaram, em 1935, à promulgação do segundo Código, a Lei nº 48, que substituiu o primeiro sem alterar as conquistas de até então. Em sua primeira fase (1932-1937), três importantes pleitos foram organizados pela Justiça Eleitoral: em 1933, quando foram escolhidos os constituintes nacionais; em 1934, quando foram escolhidos os constituintes estaduais e, em 1935, quando foram escolhidos prefeitos e vereadores. Em 1935, os termos prefeito e vereador substituíram a denominação de “intendente” e “conselheiro municipal”. Para 1938 se esperava a eleição presidencial, contudo, com o golpe de Estado em novembro de 1937 Getúlio Vargas outorgou uma nova Constituição, conhecida como “Polaca”, por ter sido  inspirada na Lei Maior daquele país, e que não recepcionou a Justiça Eleitoral. Assim, era extinta a Justiça Eleitoral, que só voltaria a ser reorganizada em 1945, com o fim do Estado Novo. A “polaca”, como ficou conhecida a Constituição de 1937, extinguiu a Justiça Eleitoral, aboliu os partidos políticos existentes, suspendeu as eleições livres e estabeleceu eleição indireta para presidente da República, com mandato de seis anos.
O golpe conhecido Estado Novo sofre a oposição dos intelectuais, estudantes, religiosos e empresários. Em 1945, Getúlio Vargas anuncia eleições gerais e lança Eurico Gaspar Dutra, seu ministro da Guerra, como seu candidato. Oposição e cúpula militar se articulam e dão o golpe de 29 de outubro de 1945. Os ministros militares destituem Getúlio Vargas e passam o governo ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), José Linhares, também presidente do TSE, até a eleição e posse do novo presidente da República, o general Dutra, em janeiro de 1946. Era o fim do Estado Novo. O Decreto-Lei nº 7.586, de 28 de maio de 1945 determina novamente a criação da Justiça Eleitoral, e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é criado em 2 de junho daquele ano. Já em 2 de dezembro são realizadas as eleições para presidente da República e Assembleia Nacional Constituinte. A Carta Política de 1946 recepciona a Justiça Eleitoral que, a partir do golpe militar de 1° de abril de 1964, passa a ter uma função apenas acessória. Com a 1ª eleição pós-redemocratização (1986) ao último pleito (2008), foram realizadas 14 eleições, com plebiscito (1993) e referendo (2005).
            Atualmente, a existência e regulamentação da Justiça Eleitoral do Brasil está determinada nos artigos 118 a 121 da Constituição Federal de 1988, que estabelece que é competência privativa da União legislar sobre Direito Eleitoral e, ainda, que: “Art. 121. Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais”. Como tal lei complementar ainda não foi instituída, as principais leis que regem o Direito Eleitoral são o Código Eleitoral de 1965, a Lei 9.504, de 1997, a Lei dos Partidos Políticos, de 1995, a Lei 12.034 de 2009 e as periódicas resoluções normativas do Tribunal Superior Eleitoral, que regulam as eleições com força de lei. Estas normas, em especial o Código Eleitoral de 1965, concedem ao TSE poderes característicos do Poder Executivo e do Poder Legislativo. Assim, o Tribunal Superior Eleitoral é o único órgão integrante da justiça brasileira que detém funções administrativa e normativa que extrapolam seu âmbito jurisdicional.



A campanha do voto feminino no Brasil alcançou seu grande êxito somente na década de 1930.
            Depois desse período, a nova legislação que passou a reger as eleições foi o Código Eleitoral de 1965, criado pela Lei 4.737, aprovada pelo Congresso Nacional. Esse é o Código que vigora até os dias atuais e trouxe novas regras para o processo eleitoral. Entre as novidades, ampliou e passou a disciplinar as atribuições dos juízes eleitorais de cada localidade, instituiu a votação no exterior para os cargos de presidente e vice-presidente da República, entre outras garantias, como a determinação para que ninguém pudesse atrapalhar ou impedir o exercício do sufrágio. Inicialmente, o Código de 1932 tinha apenas 144 artigos, enquanto o Código de 1965 foi publicado em 15 de julho com 383 artigos. Leis foram aprovadas pelo Congresso Nacional para o processo eleitoral: Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/95), a Lei das Eleições (Lei 9.504/97), a Lei de Inelegibilidade (Lei Complementar 64/90) e a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010), além das diversas resoluções aprovadas pelo TSE para cada eleição. Ainda que tenha sido instituído há mais de oito décadas, o Código Eleitoral fixou as bases para um processo eleitoral democrático que rege o nosso país atualmente.                   
            A Justiça Eleitoral editou o e-Título, aplicativo que permitirá aos eleitores acessarem uma via digital do título eleitoral por meio do seu smartphone ou tablet. A novidade é uma iniciativa do Tribunal Regional Eleitoral do Acre (TRE-AC) que foi abraçada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e será adotada em todo o país. No aspecto sustentável, o e-Título surge como alternativa à emissão de títulos eleitorais em papel e trará ainda economia perceptível na redução dos custos da Justiça Eleitoral, como a emissão de segundas vias dos títulos extraviados, suprimentos de impressora, entre outros. Para o eleitor, o benefício virá na facilidade de ter os seus dados eleitorais sempre seguros e disponíveis, diminuindo os riscos de extravios e danos ao título de eleitor. Segundo o presidente do TSE, trata-se de um projeto que vislumbra, a um só tempo, a utilização mais eficiente e sustentável de recursos públicos – “o que, mais do que nunca, merece a nossa atenção” –, bem como o favorecimento do eleitor, com a eliminação da necessidade de emissão de segunda via de documentos extraviados ou danificados. - “Isso significa economia de tempo, evitando-se deslocamentos aos cartórios eleitorais, e também o retrabalho dos servidores da Justiça Eleitoral”.
Por conter a palavra tribunal em seu nome, é chamado de Justiça Eleitoral, assumindo toda administração executiva, operacional e boa parte da normatização do processo eleitoral.  Os juízes eleitorais são nomeados pelo TRE respectivo dentre juízes de direito oriundos da magistratura estadual, que acumulam as duas funções durante o período em que nomeados para jurisdição eleitoral.  O Presidente do respectivo TRE nomeia os membros da Junta Eleitoral sessenta (60) dias antes das eleições, após a aprovação pelo Tribunal. A sede da Junta Eleitoral será definida pelo Presidente do TRE respectivo, coincidindo, na maioria das vezes, com a sede do Juízo Eleitoral. Observe que os membros da Junta Eleitoral, à exceção de seu presidente, são juízes não togados (juízes leigos), que são nomeados dentre cidadãos da comunidade, eleitores na Zona Eleitoral correspondente, bastando para serem nomeados que tenham idoneidade moral.
Este órgão toma para si todas as etapas do processo eleitoral, desde o registro de eleitores e de candidatos, a decisão sobre quem pode ou não ser candidato, sobre quais partidos políticos podem ou não existir sobre os mecanismos de votação, decide monocraticamente sobre a validade da decisão dos eleitores e, principalmente, toma para si a manipulação do processo de apuração, feito entre quatro paredes sem a presença e o acompanhamento dos eleitores e dos candidatos. Em qualquer democracia, o processo eleitoral deve estar sob o controle da massa dos eleitores. Pois o poder constituinte originário e permanente cabe unicamente à sociedade civil organizada, que através do processo eleitoral deve decidir as regras pelas quais o poder político será transferido a seus representantes eleitos. A restauração da democracia passa necessariamente pela reorganização completa da maneira pela qual são realizadas as eleições, para que assim, os eleitores retomem em suas mãos o controle de todo o processo eleitoral, para que se possa dessa forma assegurar a transparência das eleições.      
Nas conturbadas eleições do governo provisório de Getúlio Dornelles Vargas, um fato político entrou para a história da Justiça Eleitoral brasileira: o assassinato do magistrado gaúcho Moisés Viana. Sua morte foi um marco já que, impedindo que a eleição se decidisse nos moldes propostos pela República Velha através da fraude, intimidação e violência, o juiz fez prevalecer uma nova ordem política afiançada pelos agentes estatais imparciais, embora à custa de sua vida. Em 1990 o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul instituiu a uma medalha com seu nome. Quanto ao primeiro Código, além da previsão de inclusão do voto feminino, há uma curiosa referência a uma “máquina de votar”. A lei, na verdade, admitia a possibilidade de que um “aparelho mecânico” fosse oficialmente aproveitado em pleitos. Vale lembrar que a Justiça Eleitoral é uma das bandeiras dos revolucionários de 1930, que tinham na luta contra a fraude eleitoral uma questão de honra. Mais de 80 anos depois, há urna eletrônica, que compõe mais um princípio ético na busca por eleições limpas.
Uma constituição envolve a distribuição de poder na sociedade civil e o modo de usar socialmente o poder político estatal. As constituições anteriores puderam ser protegidas pelos privilégios que a extrema concentração de prestígio social, de riqueza e de poder conferiam às frações das classes dominantes. Elas não se viram ameaçadas, apesar de três constituições terem sido promulgadas depois da revolução política de 1930, como em 1934, 1937 e 1946. A crítica fundamental volta-se aparentemente contra a extensão e as contradições internas do projeto. Poder-se-ia retirar do texto uns cem ou centro e cinquenta artigo, desde que prevalecesse o sentido democrático libertário e igualitário da Carta Magna. Aí se acha o aspecto básico sobre o qual se deve insistir. Acima de tudo, carecemos de uma constituição “viva”, que fomente a transformação de corações e mentes, forje a civilização da sociedade e institua a democratização do Estado. Em síntese, necessitamos de uma constituição dinâmica, que nos possa ajudar a construir uma nova sociedade. Que não se atenha à reprodução a ordem, com suas mazelas, mas estabeleça a base legal para a extinção das mazelas e para a criação de uma ordem social que consagre “tudo o que é humano”. Uma constituição analítica e dinâmica enfeixaria em nossas mãos a conquista de novos rumos e ritmos históricos.
 A experiência da urna eletrônica e sua evolução foi tema de palestra no TSE.
Em 1989 é realizada a 1ª eleição presidencial após a ditadura militar. Em 1990, no município de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, a Justiça Eleitoral realizou o “I Seminário Brasileiro de Direito Eleitoral”. Presentes ao evento compareceram desembargadores representados pelos mais diferentes Tribunais Regionais e vários outros operadores de Direito Eleitoral, além de Ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Neste encontro, fez-se o diagnóstico da instituição até aquele momento, destacando-se a preocupação com o desperdício de investimentos no treinamento de funcionários cedidos ou requisitados que acabavam voltando ao órgão de origem. A Justiça eleitoral por não dispor de quadros para ocupar as vagas em cartórios eleitorais necessitava da colaboração de prefeituras municipais para a cedência de funcionários. No ano 2000 foi apresentado projeto de Lei no Congresso Nacional tratando da criação dos quadros de primeiro para a Justiça Eleitoral. A tramitação do projeto avançou com a reunião de avaliação das eleições de 2002 quando o presidente do TSE, ministro Nelson Jobim comprometeu-se com a gestão política do projeto junto ao Congresso nacional.
Em sua segunda fase, a Justiça Eleitoral teve de enfrentar o rápido avanço do eleitorado brasileiro, que aumentou estatisticamente mais de 10 vezes nos quase 50 anos entre 1945 e 1994, passando de 7.432.765 para 94.743.043. A história das eleições está repleta de casos de urnas sumidas, trocadas, apuradores infiéis, juízes suspeitos. Na apuração manual, contudo, sempre existia a possibilidade de uma recontagem, da comprovação de cédulas fraudadas. A partir de 1982, a informática foi lentamente sendo empregada pela instituição. Iniciando-se com a informatização dos processos de totalização de resultados, como se comprova pelo Caso Proconsult, intensificando-se em 1986 com o recadastramento nacional de eleitores, chegando finalmente ao decisivo processo de voto eletrônico, em cidades com mais de 200.000 eleitores (1996), posteriormente em municípios com mais de 40.500 (1998) até ter atingido o país no pleito municipal de 2000. A partir de 2001, mais de 50 países enviaram representantes para conhecer a inovação de urna eletrônica brasileira e vários países da América Latina utilizaram, em eleições oficiais, prévias partidárias, ou simulações, os equipamentos brasileiros: Paraguai, Argentina, México, Equador e República Dominicana. A partir de 2005, iniciaram-se os trabalhos tecnológicos de planejamento e implantação do recadastramento biométrico de eleitores obrigatório em todo território nacional. Depois destas experiências, nenhum deles adotou mais o modelo do equipamento brasileiro.                   
Convém aqui rememorar um caso que se tornou famoso pelas circunstâncias: o citado Caso Proconsult, nas eleições de 1982, no Rio de Janeiro, quando se elegiam governadores pelo voto direto, depois de um longo interregno de escolhas indiretas impostas pela ditadura do regime militar. Mais ainda: vários ex-cassados retomavam carreiras políticas interrompidas pela força bruta da política 18 anos antes. O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) decidiu informatizar a fase final da apuração, isto é, o somatório final dos mapas produzidos manualmente pelas juntas de apuração em cada zona eleitoral. A firma contratada para isto foi a Proconsult que tinha entre seus especialistas pessoas ligadas ao Serviço Nacional de Informações (SNI) e a outros órgãos da chamada comunidade de informações. Sem que os partidos pudessem exercer seu direito de fiscalização, esse decisivo ponto da apuração representava uma alienação do voto, uma vez que o TRE estava desaparelhado para garantir a lisura do somatório final e, além disso, alienava o seu dever de garantir a honestidade eleitoral, ao entregar a responsabilidade social do veredicto final do pleito a uma empresa particular.
A Justiça Eleitoral é um órgão de jurisdição especializada que integra o Poder Judiciário e cuida da organização do processo eleitoral: alistamento eleitoral, votação, apuração dos votos, diplomação dos eleitos, etc.. Logo, trabalha para garantir o respeito à soberania popular e à cidadania. Para que esses fundamentos constitucionais – previstos no art. 1º da Constituição Federal de/1988 – sejam devidamente assegurados, são distribuídas competências e funções entre os órgãos que formam a Justiça Eleitoral. Aliás, são eles: o Tribunal Superior Eleitoral, os tribunais regionais eleitorais, os juízes eleitorais e as juntas eleitorais. O Tribunal Superior Eleitoral é composto de, no mínimo, sete membros, sendo eles: três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF); dois ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ); e dois ministros dentre advogados indicados pelo STF e nomeados pelo presidente da República (art. 119 da CF/1988). Algumas de suas principais competências judiciárias são: (i) processar e julgar originariamente o registro e a cassação de registro de partidos políticos, dos seus diretórios nacionais e de candidatos à Presidência e Vice-Presidência da República; (ii) julgar recurso especial e recurso ordinário interpostos contra decisões dos tribunais regionais; (iii) aprovar a divisão dos estados em zonas eleitorais ou a criação de novas zonas; (iv) requisitar a força federal necessária ao cumprimento da lei, de suas próprias decisões ou das decisões dos tribunais regionais que a solicitarem, e para garantir a votação e a apuração; e (v) tomar quaisquer outras providências que julgar convenientes à execução da legislação eleitoral.



Os juízes eleitorais, por sua vez, são os juízes de Direito de primeiro grau de jurisdição integrantes da Justiça Estadual e do Distrito Federal (art. 32 do Código Eleitoral), sendo algumas de suas atribuições5: (i) processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns, exceto o que for da competência originária do Tribunal Superior Eleitoral e dos tribunais regionais eleitorais; (ii) expedir títulos eleitorais e conceder transferência de eleitor; e (iii) tomar todas as providências ao seu alcance para evitar os atos ilícitos das eleições. Finalmente, as juntas eleitorais são compostas de um juiz de Direito – que será o presidente da junta eleitoral – e de dois ou quatro cidadãos de notória idoneidade (art. 36 do Código Eleitoral; e art. 11, § 2º, da LC nº 35/1979), aos quais compete, por exemplo, resolver as impugnações e demais incidentes verificados durante os trabalhos da contagem e da apuração, bem como burocraticamente expedir diploma aos candidatos eleitos para cargos municipais. Descritas as composições e as competências dos órgãos da Justiça Eleitoral, nota-se que esta funciona em uma dinâmica diferenciada de modo a permitir, por exemplo, que, em sua esfera, atuem magistrados de outros tribunais, tais como do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e da Justiça Comum Estadual, evidenciando, assim, a ausência de uma magistratura própria, organizada em carreira. Outras peculiaridades dessa justiça especializada podem ser observadas quando se descrevem algumas de suas funções. A Justiça Eleitoral desempenha outros papéis nos limites de sua atuação, afora as funções administrativa e jurisdicional, a saber, funções normativa e consultiva. Primeiramente, a respeito da função administrativa, o juiz eleitoral administra todo o processo eleitoral, independentemente de que um conflito de interesses lhe seja submetido para solução, mesmo porque está investido do poder de polícia, que é a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente, por exemplo, à segurança, à ordem, aos costumes, à tranquilidade pública, conforme art. 78 do Código Tributário.
Bibliografia geral consultada:
 
RIO, João do, No tempo de Wenceslau. 1ª edição. Rio de Janeiro: Editoras Vilas Boas, 1917; DUVERGER, Maurice, Droit Constitutionnel et Instituitions Politiques. Paris: Presses Universitaires de France, 1955; FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder - Formação do Patronato Político Brasileiro. Porto Alegre: Editor Globo, 1958; FOUCAULT, Michel, El Orden del Discurso. Barcelona: Ediciones Tusquets, 1973; LUHMANN, Niklas. “L’opinione pubblica”. In: Stato di Diritto e Sistema Sociale. Napoli: Guida Editori, 1978; FERNANDES, Florestan, A Constituição Inacabada. São Paulo: Editora Estação Liberdade, 1989; HUME, David. “Trattato sulla Natura Umana”. In: Opere. A cura di Eugênio Lecaldano e Enrico Mistretta, vol. I.  Bari: Casa Editrice Laterza, 1993; BRAGA, Ubiracy de Souza, Das Caravelas aos Ônibus Espaciais: A Trajetória da Informação no Capitalismo. Tese de Doutorado em Ciências. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. Departamento de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1994;  GUILHON ALBUQUERQUE, José Augusto, “President Lula`s Approach to Fragile States”. In: Anais da 25ª Reunião Brasileira de Antropologia: Saberes e Práticas Antropológicas Desafios para o Século XXI, volume 13, pp. 145-154, 2006; MENDES, Paulo Sérgio Pinto, A Urna Eletrônica Brasileira: Uma (Des) Construção Sociotécnica. Tese de Doutorado em Ciências. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2010; ALMEIDA NETO, Manoel Carlos de, O Poder Normativo da Justiça Eleitoral. Tese de Doutorado. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2013; SOUZA, Jessé, A Tolice da Inteligência Brasileira - ou como o país se deixa manipular pela elite. 1ª edição. São Paulo: Editora Leya, 2015; Artigo: “TSE procura um jeito de torcer a lei para impedir a candidatura de Lula”. In: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/midia/18/05/2018; entre outros.

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Machado de Assis - Literatura & Política: A Periferia Representa o Brasil?

                                                                                                    Ubiracy de Souza Braga 
      “Não levante a espada sobre a cabeça de quem te pediu perdão”. Machado de Assis

                                     
          Machado de Assis pôde assistir, no decorrer do século XIX e no começo do século XX, as alterações amplas e decisivas no cenário social e político internacional e nacional, nos costumes, nas ciências da natureza e da sociedade, nas técnicas e em quase tudo o que entende no âmbito do progresso material. Alguns estudiosos supõem, no entanto, erroneamente que as crenças atribuídas a Machado de Assis como um escritor engajado são falsas e que ele não esperava nada ou quase nada da história e da política. Afrodescendente, testemunhou a Abolição da Escravatura e a mudança política no país quando a República substituiu o Reinado, e foi grande comentador e relator dos eventos político-sociais. Suas crônicas estão repletas destes comentários. Em 1868, por exemplo, D. Pedro II demitiu o gabinete liberal de Zacarias de Góis e substitui-o pelo gabinete conservador de Itaboraí. Grêmios e jornais liberais acusaram a atitude do imperador de bonapartista. Machado de Assis testemunhou com simpatia aos liberais. Em 1895 com a morte de Joaquim Saldanha Marinho, liberal, maçom e republicano escreveu: - “Os liberais voltaram mais tarde, tornaram a sair e a voltar, até que se foram de vez, como os conservadores, e com uns e outros o Império”. Machado de Assis como afrodescendente e liberal não estava só, e era fervorosamente contra a escravidão.
         Sua obra foi de fundamental importância social para as escolas literárias brasileiras do século XIX e XX e surge nos dias de hoje como de grande interesse acadêmico e público. Influenciou grandes nomes das letras, como Olavo Bilac, Lima Barreto, Drummond de Andrade, John Barth, Donald Barthelme e outros. Para a as frações da classe dominante o óbice maior não vinha do nosso Estado constitucional, que representava o latifúndio e dele se servia: o obstáculo era interposto pela nova matriz internacional, a Inglaterra. Em seu tempo de vida, alcançou relativa fama e prestígio pelo Brasil, contudo não desfrutou de popularidade no exterior em função da divisão internacional do trabalho. Contudo, na modernidade tendo em vista sua inovação, imaginação e audácia em temas precoces e paradoxais, é frequentemente visto como o escritor brasileiro de produção intelectual sem precedentes, de modo que, recentemente, seu nome e sua obra têm alcançado diversos críticos literários, estudiosos e admiradores do mundo inteiro. Machado de Assis é considerado um dos grandes gênios da história da literatura, ao lado de autores como Dante, Shakespeare e Camões.

             
            Entende-se a reivindicação do mais desenfreado laissez-faire, contrapondo-se no plano das ideias a hostilidade que despertava entre os proprietários o controle da sua nação por um Estado estrangeiro. Mas como o denominador ideológico comum era o liberalismo econômico, que conhece na época a sua fase áurea, só restava à retórica escravista uma saída para o impasse. Demonstrar que as idéias mestras da doutrina clássica, porque justas deveriam aplicar-se com justeza às circunstâncias, tanto quanto às peculiaridades nacionais. A atenção e o respeito ostensivo ao particular, tão insistentes nos escritos conservadores de Edmund Burke, permeiam a ideologia romântico-nacional que vai de Francisco de Varnhagen a José de Alencar, de Vasconcelos a Olinda, de Paraná a Itaboraí. Será o topo maior da argumentação de cunho protelatório: dar tempo ao tempo, já que o Brasil colonizado e periférico não é a Europa, e é preciso respeitar as diferenças, que na interpretação de Bosi (1992: 195) tem como escopo a filtragem ideológica e contemporização. As estratégias do nosso liberalismo intra-oligárquico em todo o período em que se constituía o Estado nacional.
            Machado de Assis nasceu em 21 de junho de 1839, no Morro do Livramento, no centro do Rio de Janeiro, então capital do Império, em pleno Período Regencial. Seu pai  Francisco José de Assis, foi um mulato que pintava paredes, filho de Francisco de Assis e Inácia Maria Rosa, ambos pardos e escravos alforriados. A mãe foi a lavadeira Maria Leopoldina da Câmara Machado, portuguesa e branca, filha de Estevão José Machado e Ana Rosa. Consta que a família Machado de Assis imigrara para o Brasil em 1815, oriunda da Ilha de São Miguel, no arquipélago português dos Açores. Os pais de Joaquim Maria Machado de Assis sabiam ler e escrever, fato quase incomum naquele tempo e estratificação social. Ambos eram agregados da Dona Maria José de Mendonça Barrozo Pereira, esposa do falecido senador Bento Barroso Pereira, que abrigou seus pais permitindo morar com ela. As terras do Livramento eram ocupadas pela chácara da família de Maria José e já em 1818 o terreno começou a ser loteado de tão imenso que era dando origem à Rua Nova do Livramento. Maria José tornou-se madrinha do bebê e Joaquim Alberto de Sousa da Silveira, seu cunhado, tornou-se o padrinho, de modo que os pais de Machado resolveram homenagear os dois nomeando-o com seus nomes.  
            Nascera junto a ele uma irmã, que morreu jovem, em seus 4 anos, em 1845. Iniciou seus estudos numa escola pública da região, mas aparentemente não se mostrou interessado por ela. Ocupava-se também em celebrar missas, o que lhe fez conhecer o Padre Silveira Sarmento, que de acordo com certos biógrafos, se tornou seu mentor de latim e amigo. Os biógrafos notam hic et nunc  que, interessado pela boemia e pela Corte, imiscuiu-se para subir socialmente abastecendo-se de superioridade e domínio intelectual. Para isso, assumiu diversos cargos técnicos públicos, passando pelo Ministério da Agricultura, do Comércio e das Obras Públicas, e conseguindo precoce notoriedade em jornais onde publicava suas primeiras poesias e crônicas. Em sua maturidade, reunido a colegas próximos, fundou e foi o primeiro presidente unânime da Academia Brasileira de Letras. Sua extensa obra constitui-se de nove romances e peças teatrais, duzentos contos, cinco coletâneas de poemas e sonetos, e mais de seiscentas crônicas. Fundou o periódico: “O Jequitinhonha”, com o seu cunhado Josefino Vieira em 1860, por meio do qual teria difundido o ideal republicano. No entanto, a República lhe trouxe muitos desagrados econômicos e políticos, mas como letrado percebeu um mundo em agonia, sendo “uma voz inquietante que fala baixo, mas provoca sempre”.  
Segundo Reinado é um período da história do Brasil que compreende 49 anos, quando se iniciou com o fim do período regencial em 23 de julho de 1840, com a declaração de maioridade de Pedro de Alcântara, e teve o seu término em 15 de novembro de 1889, quando a monarquia constitucional parlamentarista vigente foi derrubada pelo golpe de proclamação da República. Representou uma época de protestos e de significado político para o Brasil, com o crescimento e a consolidação da nação brasileira como um país independente, e como importante membro entre as nações do continente americano. Denota-se nesta época a solidificação do Exército e da Marinha, culminando com o processo de soberania com o etnogenocídio da Guerra do Paraguai (1865-70), e mudanças superficiais, além da gradativa e lenta libertação dos escravos e o incentivo de imigração para se juntar à força de trabalho brasileira. O longo governo de D. Pedro II que durou 49 anos, foi marcado por raras mudanças sociais, política e econômicas no Brasil. No plano partidário na política no Segundo Reinado foi marcada pela disputa insignificante entre o Partido Liberal e o Conservador.
A partir de 1835, começa a ganhar força a ideia de antecipar ascensão do jovem Pedro de Alcântara ao trono imperial. Os grandes proprietários de terras e escravos viam com desconfiança o processo de descentralização político-administrativa iniciado pelas autoridades do período regencial. Ao mesmo tempo, as revoltas sociais que rebentaram em várias províncias exigiam alguma medida que garantisse a ordem e a paz social. Formava-se o consenso político de que somente o restabelecimento da autoridade monárquica poderia conter os excessos dos poderes locais e apaziguar as dissensões. A manobra política aconteceu quando Dom Pedro II não tinha ainda idade suficiente para ascender ao trono. Elaborou-se então uma declaração antecipando a sua maioridade para pôr fim às disputas políticas que estavam em curso nesse período. Os liberais agitaram o “povo”, que pressionou o Senado a declarar o jovem Pedro II maior de idade “antes de completar 15 anos”. Esse ato teve como principal objetivo a transferência de poder para Dom Pedro II para que esse, embora inexperiente, pudesse pôr fim a disputas políticas que abalavam o Brasil mediante sua autoridade. Acreditavam que com a figura do imperador deteriam as revoltas que estavam ocorrendo como: Guerra dos Farrapos, Sabinada, Cabanagem, Revolta dos Malês e Balaiada. Foi instaurado o Ministério da Maioridade, de orientação liberal, também conhecido como o Ministério dos Irmãos, pois era formado, entre outros, pelos irmãos Antônio Carlos e Martim Francisco de Andrada e os irmãos Cavalcanti, futuros Viscondes de Albuquerque e de Suassuna.
Neste período o parco jornalismo começou a dar mais atenção às notícias econômicas sobre companhias, aos bancos e à Bolsa de Valores do que à aridez política parlamentar. É por estas quadras que o capitalismo brasileiro, mediado pela intervenção do Estado, “ensaiava temerariamente os primeiros passos no regime nascente”, como escreveu o jurista Raymundo Faoro. Desenvolvendo seu raciocínio, conclui que o que se teve no Brasil foi o desenvolvimento de um capitalismo “politicamente orientado”, conceito este baseado na formulação ideal típica weberiana. Negando-se em atribuir um papel hipostasiado à economia com relação à política, compreende o Brasil enquanto uma forma pré-capitalista de sociedade. Esta característica, no entanto, ainda será entendida no interior do pensamento weberiano em que capitalismo é definido como uma aquisição racional de lucros burocraticamente organizada, diferente do capitalismo politicamente orientado em que tal aquisição será direcionada por interesses dos Estados e da sua concorrência com outros Estados. O capitalismo “politicamente orientado” atribui ao Estado patrimonial e seus funcionários características sociais de um “estamento burocrático”, como entrave da consolidação de uma ordem burguesa propriamente dita no país. Em seu antológico livro: “Os Donos do Poder”, realiza um diagnóstico preciso da origem do patrimonialismo brasileiro: a Casa de Aviz portuguesa no século XIV. Os reis de Portugal se consideravam proprietários do país e da nação.                 
Essa cultura atravessou mares e séculos e se enraizou com toda a força social e política no Brasil e na concepção de Estado soberano. Hoje já não há a Casa de Aviz. Outros são os tempos e outros são os donos do poder.  O Estado brasileiro ter  como representação social um paquiderme na luta pelos cargos e a serviço desses donos do poder. Inicialmente foram os próprios reis portugueses, depois os imperadores, depois os militares positivistas da chamada República Velha. Agora os coronéis oriundos das oligarquias. Nada parecido com o atual, altamente sofisticado e requintado. São funcionários da “superestrutura” muitas vezes com reconhecidos títulos de PhD e que andam acompanhados, nestes dias em jatinhos executivos, de poderosos empreiteiros e subempreiteiros de gigantescas obras públicas. Alguns destes com reconhecido mandatos populares nas Câmaras, Assembleias Legislativas ou no que Raymundo Faoro, figura central nesse debate, vem argumentando que o patriarcado brasileiro cedeu lugar a um Estado Patrimonialista, observando ainda que, ao contrário de vários países de origem anglo-saxã e sistema liberal de governo, o modelo de organização política, seguido pelo Brasil, se pauta pela dominação da esfera de ação pública sobre a esfera de ação privada de forma singular. Testemunhou a Abolição da escravatura e a mudança social e política no país quando a República substituiu o II Reinado (1840), além das diversas reviravoltas pelo mundo político em finais do século XIX e início do XX, tendo sido grande comentador e relator dos eventos político-sociais de seu tempo.



Edifício da Rua Camões onde ocorreram as primeiras sessões solenes da ABL, sob a presidência de M. de Assis. Sabe-se que Machado de Assis detestava o vale-tudo do dinheiro especulativo. Em crônica n` O Cruzeiro (18/08/1878), sob o pseudônimo de Eleazar, narra as lutas políticas em Macaúbas entre os conservadores e os liberais. Em crônica ao jornal Canção de Piratas (22/07/1894), refere-se ao período histórico da Guerra de Canudos, apoiando Antonio Conselheiro, por seus legionários se indignarem com a realidade: - “Jornais e telegramas dizem dos clavinoteiros e dos sequazes do Conselheiro que são criminosos; nem outra palavra pode sair de cérebros alinhados, registrados, qualificados, cérebros eleitores e contribuintes. Para nós, artistas, é a renascença, é um raio de sol que, através da chuva miúda e aborrecida, vem dourar-nos a janela e a alma. É a poesia que nos levanta do meio da prosa chilra e dura deste fim de século”.
Não é por acaso que do ponto de vista político a noção de crise é privilegiada nos discursos contrarrevolucionários, em geral oligárquicos, funcionando em dois registros, mas complementares: por um lado, serve de explicação (saber) para a emergência do irracional no coração da racionalidade (isto é, serve para ocultar a crise verdadeira), por outro lado, mobiliza os agentes sociais acenando-lhes o risco da perda da identidade, suscitando-lhe o medo da desagregação social, isto é, da revolução e oferece-lhes a oportunidade de restaurar uma ordem não crítica graças à ação de alguns ditos salvadores da ordem social ameaçada. Eis porque a crise, no discurso contrarrevolucionário, é posta como crise de autoridade. A imagem da “crise” serve para reforçar a submissão a um poder miraculoso que emana dos chefes esperados e que encarna em suas pessoas a identidade possível da sociedade consigo mesma. Na filosofia de Walter Benjamin, para sermos breves, a questão tópica da identidade é  concebida com a forma originária da ideologia. E esta representa a relação imaginária do homem com as suas condições reais de existência no âmbito da imaginação.
Carolina Augusta Xavier de Novaes Machado de Assis (Porto, 1835 - Rio de Janeiro, 1904) foi a esposa de Machado de Assis. Portuguesa mudou-se para o Rio de Janeiro em 1866 a fim de cuidar de seu irmão enfermo Faustino Xavier de Novaes (1820-1869). Carolina e Machado se casaram em 12 de novembro de 1869 e viveram uma longa vida conjugal de 35 anos sem grandes perturbações. Culta, os biógrafos escrevem que apresentou a Machado de Assis livros da literatura portuguesa e da literatura inglesa e outros clássicos, redefinindo o seu estilo literário para a maturidade. Além disso, teria revisado, retificado e passado a limpo seus textos, ajudando-o a escrever. Recentes análises de correspondências pessoais revelam que Machado e Carolina eram apaixonados um pelo outro e que, ao longo do casamento, o escritor temia que a esposa morresse antes e ele sofresse com a perda. Carolina não conseguiu engravidar, e pela falta de filhos o casal decidiu adotar uma cadelinha, a quem batizaram de Graziela, a quem tratavam afetivamente como filha. Machado de Assis cuidou do animal de estimação até seu falecimento. Seu casamento durou até a morte de Carolina em 1904. O viúvo Machado de Assis entrou em profunda depressão, encontrando consolo em sua solidão com sua cadelinha, sua única companhia. Com muitas saudades escreveu um soneto em homenagem à esposa, amplamente considerado a melhor peça de sua obra poética. Manuel Bandeira afirmaria, anos mais tarde, que é uma das peças mais comoventes da literatura brasileira. Chama-se “A Carolina”:
Carolina em 1870. Há 1 ano já casada com Machado de Assis.
Querida! Ao pé do leito derradeiro,/em que descansas desta longa vida,//aqui venho e virei, pobre querida,/trazer-te o coração de companheiro./Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro que,/a despeito de toda a humana lida,/fez a nossa existência apetecida/e num recanto pôs um mundo inteiro.../Trago-te flores - restos arrancados/da terra que nos viu passar unidos/e ora mortos nos deixa e separados;/que eu, se tenho, nos olhos mal feridos,/pensamentos de vida formulados/ são pensamentos idos e vividos” (cf. Assis, 1959).  

A crise no Brasil é usada para fazer com que surja diante dos agentes sociais o sentimento de um terror hobbesiano que ameaça igualmente a todos. Dá-lhes o sentimento de uma comunidade de interesses e de destino e leva-nos a aceitar a bandeira da salvação da sociedade supostamente homogênea e integrada. Nessa medida, a imagem da crise pode funcionar como válvula de escape de um discurso e de uma prática contrarrevolucionários porque visa a impedir que as frações das classes sejam assumidas como tais. Vale lembrar que os integralistas não se cansaram de afirmar que a “crise brasileira” só poderia ser superada se fossem abandonados os interesses classistas do capital e do trabalho e se uma classe, não comprometida com as duas, pudesse conduzir os destinos da nação propondo a integração entre contrários.  Por outro lado, embora a imagem da crise seja inseparável do contexto onde possa haver a figuração empírica de “salvadores” ou “chefes”, o tipo de poder atribuído a eles irradia-se para a sociedade inteira, através de aparelhos de Estado que exerçam a mesma e única autoridade de sorte que o projeto de uma organização burocrática, corporativa e militarizada não será, desde esta forma de pensamento e prática autoritária, senão a consequência lógica da análise da realidade brasileira como idealidade patrimonialista.
Sua obra foi de fundamental importância para as escolas literárias brasileiras do século XIX e do século XX e surge nos dias de hoje como de grande interesse acadêmico e público. O estilo de Machado de Assis assume uma originalidade despreocupada com as modas literárias dominantes de seu tempo. Os realistas que seguiam Flaubert se esqueciam do narrador por detrás da objetividade narrativa, e os naturalistas, a exemplo de Zola, narravam todos os detalhes do enredo - Machado de Assis optou por abster-se de ambos os métodos para cultivar o fragmentário e interferir na narrativa com o objetivo de dialogar com o leitor, comentando seu próprio romance com filosofias, metalinguagens, intertextualidade. Influenciou grandes nomes da literatura, como Olavo Bilac, Lima Barreto, Carlos Drummond de Andrade, John Barth, Donald Barthelme e outros. Em seu tempo de vida, alcançou relativa fama e prestígio social pelo Brasil, contudo não desfrutou de popularidade internacional na sua época. Por sua inovação literária e audácia dialética em temas precoces, minudentes e contraditórios é frequentemente visto como o escritor de produção literária e política sem precedentes. Seu nome e sua obra têm alcançado diversos críticos, estudiosos e pesquisadores do mundo inteiro.  Machado de Assis é considerado um dos grandes gênios da história da literatura, comparativamente ao lado de autores como Dante, Shakespeare e Camões.
Machado de Assis, como exímio intelectual e leitor, atribui a sua obra caráteres de arquétipos, numa época em que na literatura tínhamos os marcantes José de Alencar, Joaquim Nabuco, o próprio Euclides da Cunha, para citar apenas alguns. Os irmãos Pedro e Paulo, em Esaú e Jacó, por exemplo, remontam ao arquétipo bíblico da rivalidade entre Caim e Abel, enquanto a psicose do ciúme de Bentinho em Dom Casmurro aproxima-se do drama Otelo, de William Shakespeare. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, surge Pandora, a primeira mulher mandada à Terra para vingar-se dos homens com sua famosa caixa, que dialoga com o narrador-personagem Brás Cubas e diz que ele pode chamá-la também de Natureza. Sua preocupação com o psicologismo das personagens obrigava-o a escrever numa narrativa lenta que não prejudicasse o menor detalhe para que este não comprometesse o quadro psicológico do enredo. Os críticos em geral notam que a ironia é uma das características mais atraentes e refinadas na obra machadiana. Em certas situações, sua ironia alcança o humor, mas na maioria das vezes, por ser intelectual arguto, só é percebida a leitores que reconheçam alguns temas com que ele perfaz a intertextualidade. Sua ironia é a arma mais corrosiva da crítica dos comportamentos, dos costumes e das estruturas sociais.  
Para o que nos interessa, socialmente, no conto Teoria do Medalhão Machado de Assis, propugna uma análise do comportamento de alguns membros da sociedade. Descreve-os de maneira extremamente clara, precisa, com um humor recatado, ironizando-os usando como background uma conversa aparentemente inocente de um pai com um filho. Ora, a tese freudiana de que se os pais soubessem educar os filhos, os filhos não precisariam de pais ao que parece não se repete. Esse conto, um dos mais deliciosos libelos do escritor contra a mediocridade intelectual e política, é satírico por excelência, lembrando a ironia filosófica dos relatos curtos de Voltaire. Praticamente sem ação, seu núcleo temático gira em torno de uma exposição de ideias cínicas, através do diálogo entre pai & filho. Comparativamente, em Teoria do Medalhão desenvolve com muita ironia as mesmas questões levantadas pelo conto O Espelho, onde o narrador cede seu hábito de falar à reprodução das falas das duas únicas personagens: pai & filho. O tom terrivelmente irônico da fala do pai revela, obviamente, a denúncia feita pelo Autor por trás da arte do conto que identifica e precisa em relação a uma sociedade burguesa medíocre e arrogante, que prega o sucesso a qualquer preço, mesmo à custa do empobrecimento da vida interior e das relações sociais e políticas. A atualidade da análise política é medonha se forem comparados aos discursos paternalistas do Senado brasileiro principalmente na conjuntura que culmina com o golpe de Estado de 17 de abril de 2016.
O diálogo familiar ocorre perante uma noite exatamente às onze horas após um jantar comemorativo dos 21 anos do filho. Quando pai & filho ficam a sós na sala, este aconselha o filho a se tornar um Medalhão: “um homem que ao chegar à velhice, tenha adquirido respeito e fama na sociedade do Rio de Janeiro do século XIX”. Para tanto, será necessário que ele mude seus hábitos e costumes e passe a conviver “sob uma máscara, anulando os seus gostos pessoais e suas atitudes”. E nisso disserta sobre a necessidade do filho “de sempre manter-se neutro, usar e abusar de palavras sem sentido, conhecer pouco, ter vocabulário limitado” e assim por diante. Ao final, é a ironia machadiana fina e velada, é recorrente em seus livros e contos em momentos em que infere sobre como se encontram os valores ensejados através da sociedade novecentista, e porque analogamente tão atual e coerente nos dias de hoje. Portanto, o “medalhão”, formulação realística criada pelo escritor neste conto, se caracteriza em política por “aparentar ser o que não é”. Caracteriza-se, sobretudo, por ter, como nos medalhões, “uma face oculta e sem atrativos, voltada apenas para o corpo do dono, e outra, vistosa, virada para o exterior, para ser vista e admirada, respeitada”.



A Teoria do medalhão é um dos contos que demonstra Machado de Assis como um analista político afiado da sociedade brasileira no que ela tem de mais profundo: a mediocridade condecorada, a troca de favores como “um elo quase universal”, motor básico das relações sociais, em que borrifa-se a junta oculta da hipocrisia, e tudo aquilo que perduraria para além da mudança de regime. O conto é representativo porque esboça uma lição a todo homem que almeja ter honra e prestígio social. Ser reconhecido em vida pela sociedade e que elimina qualquer expressão da subjetividade em nome da absorção referida ao senso comum, “uma reflexão sem juízo” para Hans-Georg Gadamer, à opinião da unanimidade no sentido político do termo. Os papéis sociais para fazermos referência ao norte-americano Talcott Parsons, e outros, no conto machadiano, pertencem, à família como base de tudo e grupo restrito: pai & filho. As personagens não possuem nomes e são caracterizadas somente pela posição que ocupam no grupo familiar. Num segundo momento, no decorrer da narrativa, há a construção de um terceiro papel social, este pertencente a um grupo mais amplo: o Medalhão.
No diálogo estabelecido no conto, há a presença das formas de tratamento. O pai dirige-se ao filho sempre utilizando a 2ª pessoa pronominal: tu, te, contigo, teu etc.; o filho, por sua vez, utiliza-se a 3ª pessoa, com valor de 2ª pessoa: vosmecê, lhe, o senhor etc. No primeiro caso, a presença da 2ª pessoa dá um valor de proximidade ao discurso (ou tentativa de), dando um maior sentimento de intimidade. No segundo caso, o uso da 3ª pessoa, demonstra uma aceitação do discurso paterno, e, portanto o que remete ao paternalismo político, como se não houvesse outro meio de discussão. É a aceitação pacífica do papel social que cabe ao filho no final do século XIX. Daí a atualidade sempre marcante de Machado de Assis, quando precipita como um balão de ensaio na estufa, a mediocridade condecorada na política destes nossos dias. Um conto criado pelo escritor realista, originalmente publicado na Gazeta de Notícias, no ano de 1881, e posteriormente integrado ao livro Papéis Avulsos. Neste texto o autor, por meio de um discurso ambivalente, apresenta conselhos inescrupulosos de um pai para um filho visando a alcançar prestígio em uma sociedade que vive de aparências. Edificado sobre as bases da ironia, a obra tem como representação social a valorização do parecer acima do ser, analisando o comportamento medíocre por meio do qual se pode ascender socialmente numa sociedade de bases escravocratas sem grandes esforços. Ela é condecorada pela troca de favores com o governo federal, como tem sido sobejamente acalentada, tendo como elemento das relações políticas, a hipocrisia. O que perduraria além da troca de regime em que se configura crise de hegemonia na sociedade política (Estado) e particularmente na corte ancorada no Rio de Janeiro.
Bibliografia geral consultada:
MASSA, Jean-Michel, Bibliografie Descriptive, Analytique et Critique de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Editor: S. José, 1965; Idem, A Juventude de Machado de Assis (1839-1870): Ensaio de Biografia Intelectual. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1971; PEREIRA, Lúcia Miguel, Machado de Assis: Estudo Crítico e Biográfico. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1988; SCHWARZ, Roberto, Um Mestre na Periferia do Capitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Editoras Duas Cidades, 1990; IZOLAN, Maurício Lemos, A Letra e os Vermes. O Jogo Irônico de Ficção e Realidade em Machado de Assis. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006; PERROT, Andrea Czarnobay, Machado de Assis e a Ironia: Estilo e Visão de Mundo.  Tese de Doutorado em Literatura Brasileira. Programa de Pós-Graduação em Letras. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006; BOSI, Alfredo, Machado de Assis: O Enigma do Olhar. 4ª edição. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007; SOUZA, Jessé, Die Soziale Konstruktion der Peripheren Ungleicheit. Wiesbaden: Verlag für Sozialwissenschaften, 2008; SILVA, Flávia Cristina Aparecida, A Construção da Identidade em Machado de Assis. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Literatura e Cultura Russa. Departamento de Letras Orientais. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, 2014; SILVA, Carolina Rangel, Memórias Póstumas de Brás Cubas: Aproximações entre a Crítica e a Ficção. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas. Universidade de São Paulo, 2015; FERREIRA, Gabriela Manduca, Interpretações do Realismo na Obra de Machado de Assis: Realidade, Política e Crítica nos Regimes Autoritários Brasileiros. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Literatura Brasileira.  Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2016; ALCANTARA FILHO, Wolmyr Aimberê, Da Negação do Nacional ao Nacional Negativo: A Crítica sobre Machado de Assis (do Oitocentos ao Contemporâneo). Tese de Doutorado em Letras. Centro de Ciências Humanas e Naturais. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, 2017; entre outros.