sexta-feira, 28 de julho de 2017

Cidadania, Ego-descrição & Utilidade de Uso da Religião na Política.

                                                                                                    Ubiracy de Souza Braga
É inútil tentar fazer um homem abandonar pelo raciocínio coisa que não adquiriu pela razão”. Sócrates

Uma característica da compreensão moderna do mundo é a secularização. É um processo através do qual a religião perde a sua influência sobre as variadas esferas da vida social. Essa perda de influência repercute-se na diminuição do número de membros participantes no conjunto das religiões mundiais e de suas práticas.  Na perda do prestígio das igrejas, congregações e organizações religiosas. Na influência na sociedade, na cultura, na diminuição das riquezas das instituições religiosas, e, last but not least, na desvalorização das crenças e dos valores a elas associados. A partir do século XIX, houve um progressivo declínio da influência das instituições religiosas tradicionais. Este declínio verificou-se tanto na prática dos fiéis, como na dificuldade crescente em recrutar clero para o desenvolvimento e manutenção da instituição. A maior parte dos estudos acadêmicos versou a tentativa de compreensão deste âmbito. A investigação já não se centra tanto nas causas e nas razões da secularização, mas nas possibilidades da relação da modernidade com o religioso.
Mas não é a consciência do próprio sujeito que neste sentido passa a atribuir significado ao espaço/tempo no qual está inserido. A vida ganha uma dimensão de responsabilidade para com a condução do destino da espécie humana, bem como com relação ao domínio da natureza em suas várias formas de manifestação. O ser humano cria instituições a partir das quais vai gerenciar a vida em sociedade e tais instituições passam a ter a legitimidade de sua atuação amparada em argumentos e motivos típicos racionalmente válidos. Paternidade é um conceito que vem do latim “paternĭtas” e que diz respeito à condição de ser pai. Isto significa que o homem que tenha tido um ou mais filhos acede à paternidade. É importante destacar que a paternidade transcende o biológico. A filiação pode acontecer através da adoção, convertendo a pessoa em pai do seu filho mesmo que este não seja seu descendente de sangue. Num sentido semelhante, o homem que doa sêmen para que uma mulher se insemine não se transforma no pai da futura criança. A paternidade, por outro lado, pode ser tanto espiritual quanto simbólica. No âmbito da religião, ou de uma congregação religiosa, é considerado líder o guia de uma congregação que é tido como o “pai” dos fiéis. Neste sentido, o papa da Igreja católica apostólica romana tende a designar-se ardorosamente como Santo Pai.  
      

Do ponto de vista teórico “povo” do latim “populus” e do etrusco “pupluna”, teve acepções bem diferentes na história social e política. Para os gregos e romanos, na esfera política, o povo que tinha a capacidade de decidir sobre os assuntos do Estado, era composto apenas pelos cidadãos com disponibilidade de tempo e recursos para isso. Na esfera da religião, na Bíblia, por exemplo, o “povo de Deus”, é hebreu e, a partir do Concílio Ecuménico Vaticano II, passou igualmente a referir-se aos seguidores da Igreja Cristã. Na Idade Média, o povo passa a representar o “Terceiro Estado”: a plebe, sem direitos de cidadão, considerado como a massa de cidadãos sem capacidade psicológica e política para participar na gestão do Estado. No fim da Idade Média, com as invasões e massacres dos “descobrimentos” europeus e a colonização e recolonização, como ocorreu no caso brasileiro quando se submeteram outros povos, com a visão colonialista inventaram-se os “povos naturais”, “povos primitivos” ou “povos indígenas” que, na segunda metade do século XX, são designados pela antropologia colonialista por etnias. Os conceitos de massa, que diferem do conceito relacionado à “matéria”, sempre se mostram de alguma forma associados ao conceito de inércia. 
Entretanto, apesar de muito bem definida dentro de cada nível de análise comparativo onde aparece, explicar a massa sociologicamente, não é uma representação simples, nem na religião e muito menos na política, mas existem teorias que tentam elucidar nas origens o que é massa. A afirmativa de Freud, na introdução de seu artigo sobre as massas, de que a psicologia individual é ao mesmo tempo psicologia social, certamente ele não as considerava como entidades separadas, mas sim como algo que naturalmente constituía um nexo único. Pois, mesmo sozinho, ou seja, fora do nível de análise de algum grupo, no indivíduo há sempre a presença do outro, pondo o social em questão na esfera clínica psicanalítica. Na esfera política alguns pensadores discutiram que a legitimidade de Estados modernos deve ser baseada em uma noção de direitos políticos para sujeitos individuais autônomos. De acordo com este ponto de vista, o Estado não pode reconhecer a identidade étnica, nacional ou racial e deve, preferivelmente, reforçar a igualdade política e legal de todos os indivíduos. Tal como os conceitos de raça e nação, o de etnicidade desenvolveu-se na expansão colonial, quando o mercantilismo e o capitalismo promoviam movimentações de populações ao mesmo tempo em que as fronteiras dos Estados eram definidas mais claramente.

O colonialismo moderno começou com a chamada Era dos Descobrimentos. Portugal e Espanha descobriram novas terras do outro lado do oceano e construíram feitorias. Para algumas pessoas, é esta construção de colônias em outro continente que diferencia o colonialismo de outros tipos de expansionismo. Essas novas terras foram divididas entre o Império Português e o Império Espanhol, primeiro pela bula papal Inter Coetera e depois pelo Tratado de Tordesilhas (1494) e o Tratado de Saragoça (1529). Este período também é associado com a Revolução Comercial. O final da Idade Média viu reformas na contabilidade e sistema bancário na Itália e no Mediterrâneo oriental. Essas ideias foram adotadas e adaptadas na Europa Ocidental para os altos riscos e benefícios associados aos empreendimentos coloniais. No século XVII, ocorreu a criação do império colonial francês e do Império Colonial Neerlandês, bem como do Império Colonial do Reino de Inglaterra, que mais tarde tornou-se o Império Britânico.

Também ocorreu a criação de algumas colônias suecas e um império colonial dinamarquês. A disseminação dos impérios coloniais foi reduzida no final do século XVIII e início do século XIX pela Guerra Revolucionária Americana e a independência da América Espanhola. No entanto, muitas novas colônias foram estabelecidas após esse tempo, inclusive para o império colonial alemão e o império belga. No final do século XIX, muitas potências europeias estavam envolvidas na partilha da África. O Império Russo, Império Otomano e o Império Austríaco existiam ao mesmo tempo, como os impérios historicamente constituídos, mas não expandiram exatamente sobre os oceanos. Em vez disso, esses impérios expandiram através da rota comercial imperialista mais tradicional de conquista de territórios vizinhos. Havia, porém, alguma colonização russa das Américas através do Estreito de Bering. O Império do Japão modelou-se nos impérios coloniais europeus. Os Estados Unidos da América em territórios ultramarinos após a Guerra Hispano-Americana e o termo “Império americano” foi cunhado.

A palavra etnia é derivada do grego ethnos, significando povo que tem o mesmo ethos, costume, incluindo língua, raça, religião etc. Esse termo era tipicamente utilizado para se referir a povos não gregos, então também tinha conotação de estrangeiro. No posterior uso cultural católico-romano, havia a conotação adicional de gentio. A palavra deixou de ser relacionada com o paganismo em princípios do século XVIII. O uso do sentido moderno, mais próximo do original grego, começou a ocorrer na metade do século XX, tendo se intensificado desde então. Assiná-la, ainda que as etnias se distingam das nações por intermédio da intensidade de seus vínculos afetivos, visto que a solidariedade assim constituída subsiste para além da dissolução do grupo que a produziu como entidade sociopolítica, e permanece como identidade e fator de distinção de outros grupos sociais. No século XIX, os Estados modernos, em geral no âmbito ocidental do processo de colonização, procuravam reclamando a representação constitucional e conceitual de “nações”.
No entanto, nos Estados-nação incluem, mormente, “populações” indígenas que foram excluídas do projeto político de construção da nação, ou recrutam trabalhadores do exterior como massa de mão-de-obra das suas fronteiras. Estas pessoas constituem, tipicamente, grupos étnicos. Consequentemente, os membros de grupos étnicos costumam conceber a sua identidade como algo que está fora da história nativa do Estado-nação, quer como alternativa histórica quer em termos não históricos, quer em termos de uma religação ao Estado-nação. Esta identidade se expressa através de tradições e motivações variadas que embora sejam frequentemente invenções recentes, apelam certamente para a sua constituição à memória e a noção de passado. Por se tratar de um fenômeno universal, não raro presente em toda a história da humanidade, desde as tribos nômades, índios e povos africanos, para não falarmos na sobrevivência de povos latinoamericanos, conflitos étnicos têm uma justificativa na retomada de valores e idéias que sendo societário não podem ter sido esquecidos.
No estudo comparativo das religiões e etnias, fundamentalismo pode se referir a movimentos antimodernistas nas várias religiões. Por extensão de sentido o termo fundamentalismo passou a ser usado por outras ciências para significar uma crença irracional e exagerada, uma posição dogmática ou até certo fanatismo em relação a determinadas opiniões, como no mercado econômico ocorre com o “fundamentalismo de livre mercado”. O fundamentalismo étnico, essencialmente, pode referir-se a movimentos sociais antimodernistas decorrentes de várias etnias, com a manutenção de ideias separatistas, representando um conjunto estipulado de características tradicionais do grupo que se mescla a um grupo maior determinado pela diversidade cultural, social, política e econômica. Enquanto o grupamento social s é absorvido no processo político de globalização, e destinam-se prevalentemente a compartilhar as mesmas ideias separatistas, com ou sem o propósito da organização armada, podendo chegar aos congressos nacionais, assembleias legislativas, ou em apoiar partidos políticos, que podem eventualmente pela via política chegar ao poder.

O fundamentalismo está alimentando intolerância crescente em todo o mundo, o que representa uma grave ameaça a direitos como liberdade de reunião pacífica e associação, disse o especialista da Organização das Nações Unidas sobre o tema, Maina Kiai (cf. EcoDebate, 08/07/2016), ao Conselho de Direitos Humanos, durante apresentação de seu recente relatório sobre fundamentalismo de livre mercado, político, religioso, nacionalista ou cultural. - “O conceito de fundamentalismo não pode ser limitado à religião. Ele pode e deve ser definido de forma mais ampla, para incluir todos os movimentos e não somente aqueles religiosos que defendem a adesão estrita e literal a um conjunto de crenças ou princípios básicos”, disse Kiai. “Na essência, este relatório é sobre a luta entre tolerância e intolerância,”. Para o especialista em direitos humanos, embora as pessoas em todo o mundo falem cerca de 7 mil línguas, pratiquem 270 principais religiões, vivam em 193 Estados-membros das Nações Unidas e pertençam a milhares de culturas, “todos compartilham um único planeta, e a tolerância para com as diferenças é a única maneira de evitar a violência, a opressão e o conflito”.

O Relator Especial também observou que os direitos à liberdade de reunião pacífica e de associação são os “alicerces” da tolerância, pois eles ajudam a garantir que “toda a humanidade, na sua diversidade impressionante, tenha uma voz.” No entanto, segundo Maina, muitos Estados estão se movendo na direção errada, promovendo pontos de vista fundamentalistas e abolindo a dissidência. - “O fundamentalismo do livre mercado - a crença na infalibilidade das políticas econômicas do mercado livre - é uma ameaça urgente”, disse Kiai, destacando leis na Austrália e no Canadá, que potencialmente criminalizam protestos anti-empresas. - “A atividade econômica é certamente importante, mas os Estados trilham um caminho perigoso quando priorizam a liberdade de mercado em detrimento da liberdade dos seres humanos. Os direitos econômicos de investidores nunca devem triunfar sobre os direitos humanos fundamentais previstos na Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos”.

Ainda de acordo com Kiai, o fundamentalismo político coloca um problema  semelhante, exigindo a adesão dogmática às plataformas dos partidos oficiais e lealdade a determinados líderes. O relator especial citou como exemplos Coreia do Norte, Bahrein, China, Cuba e Laos. - “Os direitos à liberdade de reunião pacífica e de associação incluem inequivocamente o direito de reunião e de associação com fins políticos”, disse o especialista. - “Na verdade, um dos propósitos centrais é preservar a capacidade das pessoas de expressar pacificamente suas queixas aos líderes políticos. Isso pode representar uma ameaça ao governo no poder, mas não deve ser confundido com uma ameaça ao próprio Estado”. Kiai também explicou que o fundamentalismo religioso representa uma grave ameaça para os direitos de reunião pacífica e associação, mas enfatizou que nenhum grupo religioso único tem o monopólio sobre esse problema, citando como exemplos os cristãos, os hindus, budistas, o fundamentalismo judaico e muçulmano em todo o mundo. - “O fracasso dos Estados em assegurar um ambiente tolerante pode ter resultados catastróficos. As pessoas têm uma necessidade instintiva de tomar parte nas sociedades em que vivem, a fim de ter algum controle sobre seus destinos, de expressar seu descontentamento, bem como de melhorar suas vidas. Os direitos de reunião e de associação permitem que elas façam isso de forma pacífica”. 

Os grupos étnicos estão sujeitos às atitudes e às ações autoritárias do Estado ou dos agenciamentos de seus membros. No século XX, os povos começaram a discutir que conflitos entre grupos étnicos ou entre membros de um grupo étnico e o Estado podem e devem ser resolvidos de duas maneiras. A primeira, que a legitimidade de Estados modernos deve ser baseada em uma noção de direitos políticos para sujeitos individuais autônomos. De acordo com este ponto de vista, o Estado estando “acima” dos interesses étnicos não pode reconhecer a identidade étnica, nacional ou racial e deve preferivelmente reforçar a falsa ideia de igualdade política e legal de todos os indivíduos perante a Lei. A segunda, que a noção do indivíduo autônomo é ela própria um construto cultural, e que não é nem possível nem correto tratar povos como indivíduos autônomos. Em sua opinião, os Estados devem reconhecer a identidade étnica e desenvolver processos nos quais as necessidades particulares de grupos étnicos - a manutenção da propriedade - possam ser levadas em conta no contexto geral do Estado-nação.
O século XX, deste modo, ao mesmo tempo em que reforçou o processo de secularização (cf. Colliot-Theléne, 1992), criou as condições para o ressurgimento gradativo das religiões monoteístas no cenário político internacional. Essa aparente contradição não antagônica pode ser sentida pelo fato de ser um século da filosofia de transição para Georg Simmel, tanto quanto de extremos para a historiografia marxista de Eric Hobsbawm. Os Estados nacionais se fortaleceram com o processo de descolonização e decolonização e deste modo queremos salientar que a intenção não é desfazer o colonial ou revertê-lo, para superar o momento colonial pelo momento pós-colonial. A intenção é provocar um posicionamento contínuo de transgredir e insurgir. O decolonial implica, portanto, uma luta contínua. Ipso facto, assistimos o sentimento de nacionalismo e a secularização, com a força do Estado laico, que Jean-Jacques Rousseau chama de “religião civil”. Esse quadro de pensamento se transforma em estufa nos processos sociais de globalização, com a criação dos mercados regionais, reforçando o fundamentalismo e a expressão das religiões monoteístas. O fundamentalismo no início do século XXI é inclusivo ao espaço e temporalidades do afeto enquanto “sentimento de terror” que varreu o ocidente no período da Guerra Fria e globalização bipolar associada ao terrorismo.
O termo fundamentalismo ideologicamente empregado refere-se a qualquer grupo de religioso de infringente de uma maioria, ou refere-se a movimentos étnicos extremistas com motivações só nominalmente religiosas, o termo tem um conotação bem precisa. Fundamentalismo conceitualmente é um movimento que objetiva voltar ao que são considerados princípios fundamentais vigentes na fundação da religião. Especificamente refere-se a um enclave religioso que intencionalmente contrarie a identificação com o grupo religioso hegemônico do qual diverge quanto aos princípios fundamentais dos quais imputa ao grupo religioso ter-se desviado ou corrompido pela adoção de princípios alternativos hostis ou contraditórios à identidade original. A formação de uma identidade separada é julgada necessária por causa de uma percepção de sentidos de que a comunidade religiosa perdeu a habilidade de se definir em termos religiosos, e que, portanto, julgam socialmente que os fundamentos da religião foram perdidos por negligência configurando ato de separatismo ou divergência em termos estranhos impróprios e para não dizer hostis à configuração da religião.
Os fundamentalistas acreditam piamente que a sua causa é de grave e cósmica importância. Acolhem a máxima weberiana de interpretação pragmática da política, segundo a qual, fim, “é a representação de um resultado que se converte em causa de uma ação” (cf. Weber, 2009). Eles vêem a si mesmo como protetores de uma única e distinta doutrina como modo de vida e de salvação. A comunidade, compreensivelmente centrara-se num modo de vida particular, egocêntrico e preponderantemente religioso em todos os seus aspectos fundamentais. É o compromisso dos movimentos religiosos-políticos fundamentalistas, e atrai então não apenas os que compreendem a distinção entre política e religião, mas também outros insatisfeitos e os que julgam que a dissidência é distintiva, sendo vital à formação de suas identidades religiosas. O chamado muro de virtudes fundamentalista que protege a identidade do grupo é instituído não só em oposição aquelas religiões estranhas, no sentido de alienação social, mas também contra os modernizadores com os quais compactuam continuar numa versão nominal inclusiva da sua própria religião.
É neste sentido que no cristianismo, o fundamentalismo representa uma reação contra o modernismo que estava começando a se espalhar nas igrejas dos Estados Unidos da América e uma afirmação na inspiração divina e inerrância da Bíblia e ressureição e retorno de Jesus Cristo, doutrinas consideradas fundamentais do Evangelho; daí o nome fundamentalista que os teólogos modernistas já não criam que eram verdadeiras. No islamismo eles são jamaat que em linguagem árabe significam enclaves religiosos, com conotações de irmandade fechada ego-conscientemente flertam com o jihad na luta contra a cultura ocidental que suprime o Islam autêntico que implica submissão ao modo de vida prescrita na determinação divina contida na Charia. No judaísmo eles são os judeus Haredi que se julgam os “verdadeiros judeus da Torah” que se alimenta, se vestem, e enfim, vivem estritamente no modo religioso. Existem equivalentes no hinduísmo e outras religiões mundiais. Estes grupamentos que insistem na existência de um agudo limite entre eles e os partidários fiéis de outras religiões, e finalmente entre uma visão sagrada da vida e do “mundo secular” e da sua “religião nominal”. Com suas críticas, os fundamentalistas objetivam atrair e converter os religiosos da comunidade maior, em linhas gerais, tentando convence-los de que eles não estão experimentando a versão autêntica (e única) da religião professada.

A comunidade religiosa, entretanto, interpreta aos fundamentalistas como dissidentes e a controvérsia por vezes tem sido a razão suficiente para a formação de novas seitas e religiões, mas, frequentemente são fundados grupos fundamentalistas com o objetivo de manter e guardar a fidelidade dos princípios religiosos ditos desnaturados e forçar uma aproximação interna com o mundo moderno atendendo aos referidos princípios fundamentais. Não raro isto se passa individualmente com religiosos que, independentemente da formação de grupos ativos continua a proceder e atender aos princípios fundamentais de modo a conservar a doutrina adotando-a como prática de vida. Este fenômeno ocorreu e legou o uso do termo dos Fundamentalistas Cristãos que surgiram no início do século XX com o protestantismo dos Estados Unidos da América, com a publicação do livro: “Os Fundamentos”, livro que foi patrocinado por empresários e escrito por eruditos evangélicos reconhecidos.  O padrão do conflito entre os fundamentalistas cristãos e os cristãos modernos no cristianismo protestante tem notável aplicação comparativa às outras comunidades religiosas. Em seu uso cotidiano como descrição destes aspectos sociais e religiosos correspondentes. Em caso contrário, em movimentos religiosos diversos o termo fundamentalista se tornou mais que só um termo qualquer um de ego-descrição ou de desprezo pejorativo.
No fim do século passado, um grupo de mulheres cristãs norte-americanas, lideradas por Elizabeth Cady Stanton, começou a se reunir periodicamente para estudar todas as passagens bíblicas onde havia referência à mulher, a fim de relê-las, compreendê-las e interpretá-las à luz da nova consciência que a mulher tinha de si mesma. Nesses encontros nasceu a “Woman’s Bible”, editada em duas partes, respectivamente em 1895 e 1898, uma obra que abalou a ética protestante e espírito do mundo protestante norte-americano. A realização desse vasto projeto de revisão e reinterpretação da Bíblia por parte de um grupo de mulheres é o primeiro sinal marcante de uma nova consciência da mulher, que amadureceu também no interior de comunidades cristãs. A idealização da “Bíblia da Mulher” foi considerada como um fato social tanto cultural como eclesial e como ponto de partida de um longo processo, que levaria em torno dos anos 1960 - contemporaneamente ao emergir das teologias da libertação - à elaboração do  particular projeto de uma “teologia feminista”.
Elizabeth Cady Stanton nascida em Johnstown, New York foi uma feminista e reformista estadunidense (1815-1902). Começou sua carreira como abolicionista, e quando um grupo de oito mulheres foi banido do World Anti-Slavery Convention de 1840, em Londres, que ela e Lucretia Mott, duas das delegadas banidas, resolveram fundar uma convenção pelos direitos das mulheres, em 1848. Outras delegadas frustradas, como Mary Grew, se juntaram, e o movimento pelos direitos femininos acabou surgindo em Seneca Falls. Ela formou um casal com a líder feminista Susan B. Anthony; durante o dia, elas cuidavam juntas da casa e dos filhos e, à noite, se armavam de munição e se preparavam para atacar o inimigo. Elizabeth Stanton descreveu a relação entre as duas em termos românticos, dizendo também que preferia uma tirania de seu próprio sexo, e que era submissa a Susan. Anthony e Stanton formaram a 1ª convenção sufragista depois da guerra civil americana, em 1869, que fundou a National Woman Suffrage Association. Elizabeth foi casada e teve sete filhos.
Os “periódicos” do ponto de vista comunicativo representaram as primeiras publicações religiosas de massa a circularem pelos Estados Unidos desde o fim do século XVIII, tomando grande impulso ao longo do século XIX. Foi o caso da American Tract Society, que editava folhetos, almanaques, cartilhas e revistas para serem distribuídas em suas publicações por “colportagem”. O termo não se refere necessariamente a livros religiosos. Na França, colportor tinha originalmente o sentido de mascate, o vendedor que transportava suas mercadorias. O termo colportor é de origem francesa e representa uma combinação da palavra colo (pescoço) com a palavra portare, carregar, tendo o sentido resultante de “carregar no pescoço”. Nos primeiros tempos da divulgação ideológica do cristianismo não católico no Brasil, os agentes “colportores” eram considerados verdadeiros heróis pelas dificuldades históricas e sociais que enfrentavam e pela disciplina e persistência do seu trabalho. Mark Fackler demonstrou que o mercado de revistas diminuiu ao longo do século XX, ao passo que outros meios de informação, comunicação e entretenimento evangélicos surgiram. Ao criar o periódico, Billy Graham pretendeu estabelecer a compreensão no espaço religioso de discussão acadêmica para os novos evangélicos. Além de permitir a evidente expressão de opiniões, debates e ideais sobre comportamentos e valores cristãos. Em seu primeiro número, os editores justificaram o título da revista: - “negligenciado, menosprezado, mal representado – o cristianismo evangélico precisa de uma voz clara para falar com convicção e amor, e para atestar sua verdadeira posição e relevância para a crise mundial”.
A edição da revista foi recomendada a Carl Henry, teólogo da Fuller Theological Seminary, enquanto que o custeio das despesas foi financiado pelo magnata do petróleo J. Howard Pew, pelo empresário do ramo de calçados Maxey Jarman e pela Billy Graham Evangelistic Association. Dessa forma, a revista “Christianity Today” foi distribuída gratuitamente para cerca de 200 mil ministros, pastores e líderes evangélicos até março de 1967, “quando a revista passou a ser cobrada”. A idéia de se infiltrar na cultura norte-americana para instilar os valores cristãos guiou a edição da revista e serviu para unificar uma visão sobre a identidade cultural que os evangélicos deveriam assumir perante a sociedade contemporânea. Ainda que não fossem tão arrivista quanto os críticos de Graham, Christianity Today defendia a verdade perante o “mundo” decaído, conforme artigo de Graham na primeira edição da revista, em 15 de outubro de 1956, intitulado: Biblical authority in evangelism. Nele Billy Graham afirma que, “em meio a uma batalha espiritual pessoal, havia descoberto o segredo que mudaria seu ministério”. Ele não precisaria comprovar pela via da ética protestante para todos que a Bíblia era verdadeira, e sim, que ela tinha autoridade.
Enfim, segundo Zygmunt Bauman, o fundamentalismo liberta o ser humano das angústias da escolha no mundo pós-moderno quando lhe oferece uma autoridade suprema. Longe de ser uma irracionalidade pré-moderna, o fundamentalismo apresenta-se como uma racionalidade alternativa para resolver os problemas da sociedade pós-moderna. Sem dúvida, a autoridade de Deus, revelada na Bíblia, é o valor máximo na pregação de Graham em meados dos anos 1950, e é um dos valores partilhados por outros pregadores evangélicos nesse contexto de pós-modernidade. A autoridade bíblica é uma constante da tradição protestante, porém, a partir da segunda metade do século XX, ela se torna pedra de toque para os fundamentalistas ao apontar um caminho de certezas em um mundo de incertezas. Retomando o sociólogo Stuart Hall, a cultura “não é questão do que as tradições fazem por nós, mas do que nós fazemos com as nossas tradições”, e sob essa perspectiva podemos pensar em uma cultura fundamentalista em formação nos Estados Unidos, organizando seus símbolos e líderes, com a intenção de transformar a cultura norte-americana por meio de uma religiosidade prática e uma atenção especial para as questões familiares. Os fundamentalistas experimentaram um prestígio na passagem da esfera da religião para a esfera da política que os tornaram parte da cultura norte-americana que violentamente tanto os combateu. 
Bibliografia geral consultada.
COLLIOT-THÉLÈNE, Catherine, Le Désenchantement de l`État: de Hegel a Max Weber. Paris: Éditions Minuit, 1992; FONTAINE, Laurence, Histoire du Colportage, XVe-XIXe Siècles. Paris: Éditions Albin Michel, 1993; CONRADO, Flávio César dos Santos, Religião e Cultura Cívica - Um Estudo sobre Modalidades, Oposições e Complementaridades Presentes nas Ações Sociais Evangélicas no Brasil. Tese de Doutorado em Antropologia. Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006; WEBER, Max, La Objetividad del Conocimiento en la Ciencia Social y en la Politica Social. Madrid: Alianza Editorial, 2009; WILLIAMS, Daniel King, God`s Own Party: Tthe Making of the Christian Right. Oxford: Oxford University Press, 2010; DANTAS, Bruna Suruagy do Amaral, Religião e Política: Ideologia e Ação da Bancada Evangélica na Câmara Federal. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2011; PLATÃO, Apologia de Sócrates, precedido de, Êutifron (Sobre a piedade) e, seguido de, Críton (Sobre o dever). Porto Alegre: L&PM Editores, 2011; BRAGA, Ubiracy de Souza, “Bíblia: Exclusividade na Educação Pública?”. In: http://opovo/opiniao/2014/07/08; SILVEIRA, João Paulo de Paula, Identidades Religiosas na Modernidade Tardia: Um estudo a partir da Seicho-no-Ie do Brasil em Goiânia. Tese de Doutorado em Sociologia. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2016; GONÇALVES, Rafael Bruno, O Discurso Religioso na Política e a Política no Discurso Religioso: Uma Análise da Atuação da Frente Parlamentar Evangélica na Câmara dos Deputados. Tese de Doutorado. Instituto de Estudos Sociais e Políticos. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2016; ORTUNES, Leandro, Religião e Política: O Neofundamentalismo no Brasil. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2019; entre outros.

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