Cidadania, Ego-descrição & Utilidade de Uso da Religião na Política.
Ubiracy de Souza Braga
“É inútil tentar fazer um homem abandonar pelo
raciocínio coisa que não adquiriu pela razão”. Sócrates
Uma
característica da compreensão moderna
do mundo é a secularização. É um processo através do qual a religião perde a
sua influência sobre as variadas esferas da vida social. Essa perda de
influência repercute-se na diminuição do número de membros participantes no conjunto das religiões mundiais e de
suas práticas. Na perda do prestígio das igrejas, congregações e organizações religiosas. Na
influência na sociedade, na cultura, na diminuição das riquezas das
instituições religiosas, e, last but notleast, na desvalorização das crenças
e dos valores a elas associados. A partir do século XIX, houve um progressivo
declínio da influência das instituições religiosas tradicionais. Este declínio
verificou-se tanto na prática dos fiéis, como na dificuldade crescente em
recrutar clero para o desenvolvimento e manutenção da instituição. A maior
parte dos estudos acadêmicos versou a tentativa de compreensão deste âmbito. A
investigação já não se centra tanto nas causas e nas razões da secularização,
mas nas possibilidades da relação da modernidade com o religioso.
Mas
não é a consciência do próprio sujeito que neste sentido passa a atribuir significado
ao espaço/tempo no qual está inserido. A vida ganha uma dimensão de
responsabilidade para com a condução do destino da espécie humana, bem como com
relação ao domínio da natureza em suas várias formas de manifestação. O ser
humano cria instituições a partir das quais vai gerenciar a vida em sociedade e
tais instituições passam a ter a legitimidade de sua atuação amparada em
argumentos e motivos típicos racionalmente válidos. Paternidade é um conceito
que vem do latim “paternĭtas” e que diz respeito à condição de ser pai. Isto
significa que o homem que tenha tido um ou mais filhos acede à paternidade. É
importante destacar que a paternidade transcende o biológico. A filiação pode
acontecer através da adoção, convertendo a pessoa em pai do seu filho mesmo
que este não seja seu descendente de sangue. Num sentido semelhante, o homem
que doa sêmen para que uma mulher se insemine não se transforma no pai da futura criança. A paternidade, por outro lado, pode ser
tanto espiritual quanto simbólica. No âmbito da religião, ou de uma congregação religiosa, é considerado líder o guia de
uma congregação que é tido como o “pai” dos fiéis. Neste sentido, o papa da
Igreja católica apostólica romana tende a designar-se ardorosamente como Santo
Pai.
Do
ponto de vista teórico “povo” do latim “populus” e do etrusco “pupluna”, teve
acepções bem diferentes na história social e política. Para os gregos e
romanos, na esfera política, o povo que tinha a capacidade de decidir sobre os
assuntos do Estado, era composto apenas pelos cidadãos com disponibilidade de
tempo e recursos para isso. Na esfera da religião, na Bíblia, por exemplo, o
“povo de Deus”, é hebreu e, a partir do Concílio Ecuménico Vaticano II, passou
igualmente a referir-se aos seguidores da Igreja Cristã. Na Idade Média, o povo passa a representar o “Terceiro
Estado”: a plebe, sem direitos de cidadão, considerado como a massa de cidadãos sem capacidade
psicológica e política para participar na gestão do Estado. No fim da Idade
Média, com as invasões e massacres dos “descobrimentos” europeus e a
colonização e recolonização, como ocorreu no caso brasileiro quando se submeteram
outros povos, com a visão colonialista inventaram-se os “povos naturais”,
“povos primitivos” ou “povos indígenas” que, na segunda metade do século XX,
são designados pela antropologia colonialista por etnias. Os
conceitos de massa, que diferem do
conceito relacionado à “matéria”, sempre se mostram de alguma forma associados
ao conceito de inércia.
Entretanto,
apesar de muito bem definida dentro de cada nível de análise comparativo onde
aparece, explicar a massa sociologicamente, não é uma representação simples, nem
na religião e muito menos na política, mas existem teorias que tentam elucidar
nas origens o que é massa. A afirmativa de Freud, na introdução de seu artigo
sobre as massas, de que a psicologia individual é ao mesmo tempo psicologia social,
certamente ele não as considerava como entidades separadas, mas sim como algo
que naturalmente constituía um nexo único. Pois, mesmo sozinho, ou seja, fora
do nível de análise de algum grupo, no indivíduo há sempre a presença do outro,
pondo o social em questão na esfera clínica psicanalítica. Na
esfera política alguns pensadores discutiram que a legitimidade de Estados
modernos deve ser baseada em uma noção de direitos políticos para sujeitos
individuais autônomos. De acordo com este ponto de vista, o Estado não pode
reconhecer a identidade étnica, nacional ou racial e deve, preferivelmente,
reforçar a igualdade política e legal de todos os indivíduos. Tal como os
conceitos de raça e nação, o de etnicidade
desenvolveu-se na expansão colonial, quando o
mercantilismo e o capitalismo promoviam movimentações de populações ao
mesmo tempo em que as fronteiras dos Estados eram definidas mais claramente.
O
colonialismo moderno começou com a chamada Era dos Descobrimentos.
Portugal e Espanha descobriram novas terras do outro lado do oceano e
construíram feitorias. Para algumas pessoas, é esta construção de colônias em
outro continente que diferencia o colonialismo de outros tipos de
expansionismo. Essas novas terras foram divididas entre o Império Português e o
Império Espanhol, primeiro pela bula papal Inter Coetera e depois pelo Tratado
de Tordesilhas (1494) e o Tratado de Saragoça (1529). Este período
também é associado com a Revolução Comercial. O final da Idade Média viu
reformas na contabilidade e sistema bancário na Itália e no Mediterrâneo
oriental. Essas ideias foram adotadas e adaptadas na Europa Ocidental para os
altos riscos e benefícios associados aos empreendimentos coloniais. No século
XVII, ocorreu a criação do império colonial francês e do Império Colonial
Neerlandês, bem como do Império Colonial do Reino de Inglaterra, que mais tarde
tornou-se o Império Britânico.
Também
ocorreu a criação de algumas colônias suecas e um império colonial dinamarquês.
A disseminação dos impérios coloniais foi reduzida no final do século XVIII e
início do século XIX pela Guerra Revolucionária Americana e a independência da
América Espanhola. No entanto, muitas novas colônias foram estabelecidas após
esse tempo, inclusive para o império colonial alemão e o império belga. No
final do século XIX, muitas potências europeias estavam envolvidas na partilha
da África. O Império Russo, Império Otomano e o Império Austríaco existiam ao
mesmo tempo, como os impérios historicamente constituídos, mas não expandiram exatamente
sobre os oceanos. Em vez disso, esses impérios expandiram através da rota comercial
imperialista mais tradicional de conquista de territórios vizinhos. Havia,
porém, alguma colonização russa das Américas através do Estreito de Bering. O
Império do Japão modelou-se nos impérios coloniais europeus. Os Estados Unidos da
América em territórios ultramarinos após a Guerra Hispano-Americana e o
termo “Império americano” foi cunhado.
A
palavra etnia é derivada do grego ethnos,
significando povo que tem o mesmo ethos,
costume, incluindo língua, raça, religião etc. Esse termo era tipicamente
utilizado para se referir a povos não gregos, então também tinha conotação de
estrangeiro. No posterior uso cultural católico-romano, havia a conotação
adicional de gentio. A palavra deixou de ser relacionada com o paganismo em
princípios do século XVIII. O uso do sentido moderno, mais próximo do original
grego, começou a ocorrer na metade do século XX, tendo se intensificado desde
então. Assiná-la, ainda que as etnias se distingam das nações por intermédio da
intensidade de seus vínculos afetivos, visto que a solidariedade assim
constituída subsiste para além da dissolução do grupo que a produziu como
entidade sociopolítica, e permanece como identidade e fator de distinção de
outros grupos sociais. No século XIX, os Estados modernos, em geral no âmbito ocidental do processo de colonização, procuravam reclamando a representação constitucional e conceitual de
“nações”.
No
entanto, nos Estados-nação incluem, mormente, “populações” indígenas que foram
excluídas do projeto político de construção da nação, ou recrutam trabalhadores
do exterior como massa de mão-de-obra das suas fronteiras. Estas pessoas
constituem, tipicamente, grupos étnicos. Consequentemente, os membros de grupos
étnicos costumam conceber a sua identidade como algo que está fora da história
nativa do Estado-nação, quer como alternativa histórica quer em termos não
históricos, quer em termos de uma religação ao Estado-nação. Esta identidade se
expressa através de tradições e motivações variadas que embora sejam frequentemente invenções
recentes, apelam certamente para a sua constituição à memória e a noção de
passado. Por se tratar de um fenômeno universal, não raro presente em toda a
história da humanidade, desde as tribos nômades, índios e povos africanos, para não falarmos na sobrevivência de povos
latinoamericanos, conflitos étnicos têm uma justificativa na retomada de valores e idéias que sendo
societário não podem ter sido esquecidos.
No
estudo comparativo das religiões e etnias, fundamentalismo
pode se referir a movimentos antimodernistas nas várias religiões. Por extensão
de sentido o termo fundamentalismo passou a ser usado por outras ciências para
significar uma crença irracional e exagerada, uma posição dogmática ou até
certo fanatismo em relação a determinadas opiniões, como no mercado econômico
ocorre com o “fundamentalismo de livre mercado”. O fundamentalismo étnico, essencialmente,
pode referir-se a movimentos sociais antimodernistas decorrentes de várias etnias, com a manutenção de
ideias separatistas, representando um conjunto estipulado de características
tradicionais do grupo que se mescla a um grupo maior determinado pela
diversidade cultural, social, política e econômica. Enquanto o grupamento social s é absorvido no processo político de globalização, e destinam-se prevalentemente a
compartilhar as mesmas ideias separatistas, com ou sem o propósito da organização
armada, podendo chegar aos congressos nacionais, assembleias legislativas, ou em
apoiar partidos políticos, que podem eventualmente pela via política chegar ao
poder.
O
fundamentalismo está alimentando intolerância crescente em todo o mundo,
o que representa uma grave ameaça a direitos como liberdade de reunião pacífica
e associação, disse o especialista da Organização das Nações Unidas sobre o
tema, Maina Kiai (cf. EcoDebate, 08/07/2016), ao Conselho de Direitos
Humanos, durante apresentação de seu recente relatório sobre fundamentalismo de
livre mercado, político, religioso, nacionalista ou cultural. - “O conceito de
fundamentalismo não pode ser limitado à religião. Ele pode e deve ser definido
de forma mais ampla, para incluir todos os movimentos e não somente aqueles
religiosos que defendem a adesão estrita e literal a um conjunto de crenças ou
princípios básicos”, disse Kiai. “Na essência, este relatório é sobre a luta
entre tolerância e intolerância,”. Para o especialista em direitos humanos,
embora as pessoas em todo o mundo falem cerca de 7 mil línguas, pratiquem 270
principais religiões, vivam em 193 Estados-membros das Nações Unidas e
pertençam a milhares de culturas, “todos compartilham um único planeta, e a
tolerância para com as diferenças é a única maneira de evitar a violência, a
opressão e o conflito”.
O
Relator Especial também observou que os direitos à liberdade de reunião
pacífica e de associação são os “alicerces” da tolerância, pois eles ajudam a
garantir que “toda a humanidade, na sua diversidade impressionante, tenha uma
voz.” No entanto, segundo Maina, muitos Estados estão se movendo na direção
errada, promovendo pontos de vista fundamentalistas e abolindo a dissidência. -
“O fundamentalismo do livre mercado - a crença na infalibilidade das políticas
econômicas do mercado livre - é uma ameaça urgente”, disse Kiai, destacando
leis na Austrália e no Canadá, que potencialmente criminalizam protestos
anti-empresas. - “A atividade econômica é certamente importante, mas os Estados
trilham um caminho perigoso quando priorizam a liberdade de mercado em
detrimento da liberdade dos seres humanos. Os direitos econômicos de
investidores nunca devem triunfar sobre os direitos humanos fundamentais
previstos na Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos”.
Ainda
de acordo com Kiai, o fundamentalismo político coloca um problema semelhante, exigindo a adesão dogmática às
plataformas dos partidos oficiais e lealdade a determinados líderes. O relator
especial citou como exemplos Coreia do Norte, Bahrein, China, Cuba e Laos. - “Os
direitos à liberdade de reunião pacífica e de associação incluem
inequivocamente o direito de reunião e de associação com fins políticos”, disse
o especialista. - “Na verdade, um dos propósitos centrais é preservar a
capacidade das pessoas de expressar pacificamente suas queixas aos líderes
políticos. Isso pode representar uma ameaça ao governo no poder, mas não deve
ser confundido com uma ameaça ao próprio Estado”. Kiai também explicou que o
fundamentalismo religioso representa uma grave ameaça para os direitos de
reunião pacífica e associação, mas enfatizou que nenhum grupo religioso único
tem o monopólio sobre esse problema, citando como exemplos os cristãos, os hindus,
budistas, o fundamentalismo judaico e muçulmano em todo o mundo. - “O fracasso
dos Estados em assegurar um ambiente tolerante pode ter resultados
catastróficos. As pessoas têm uma necessidade instintiva de tomar parte nas
sociedades em que vivem, a fim de ter algum controle sobre seus destinos, de
expressar seu descontentamento, bem como de melhorar suas vidas. Os direitos de
reunião e de associação permitem que elas façam isso de forma pacífica”.
Os
grupos étnicos estão sujeitos às atitudes e às ações autoritárias do Estado ou
dos agenciamentos de seus membros. No século XX, os povos começaram a discutir que conflitos
entre grupos étnicos ou entre membros de um grupo étnico e o Estado podem e
devem ser resolvidos de duas maneiras. A primeira, que a legitimidade de Estados
modernos deve ser baseada em uma noção de direitos políticos para sujeitos
individuais autônomos. De acordo com este ponto de vista, o Estado estando
“acima” dos interesses étnicos não pode reconhecer a identidade étnica, nacional
ou racial e deve preferivelmente reforçar a falsa ideia de igualdade política e legal de todos
os indivíduos perante a Lei. A segunda, que a noção do indivíduo autônomo é ela própria um
construto cultural, e que não é nem possível nem correto tratar povos como
indivíduos autônomos. Em sua opinião, os Estados devem reconhecer a identidade
étnica e desenvolver processos nos quais as necessidades particulares de grupos
étnicos - a manutenção da propriedade - possam ser levadas em conta no contexto geral do Estado-nação.
O
século XX, deste modo, ao mesmo tempo em que reforçou o processo de
secularização (cf. Colliot-Theléne, 1992), criou as condições para o
ressurgimento gradativo das religiões monoteístas no cenário político internacional.
Essa aparente contradição não antagônica pode ser sentida pelo fato de ser um
século da filosofia de transição para Georg Simmel, tanto quanto de extremos para a historiografia marxista de Eric
Hobsbawm. Os Estados nacionais se fortaleceram com o processo de
descolonização e decolonização e deste modo queremos salientar que a intenção não é desfazer o colonial ou revertê-lo, para superar o momento colonial pelo momento pós-colonial. A intenção é provocar um posicionamento contínuo de transgredir e insurgir. O decolonial implica, portanto, uma luta contínua. Ipso facto, assistimos o sentimento de nacionalismo e a secularização,
com a força do Estado laico, que Jean-Jacques Rousseau chama de “religião civil”.
Esse quadro de pensamento se transforma em estufa nos
processos sociais de globalização, com a criação dos mercados regionais,
reforçando o fundamentalismo e a expressão das religiões monoteístas. O
fundamentalismo no início do século XXI é inclusivo ao espaço e temporalidades do afeto
enquanto “sentimento de terror” que varreu o ocidente no período da
Guerra Fria e globalização bipolar associada ao terrorismo.
O
termo fundamentalismo ideologicamente empregado refere-se a qualquer grupo de
religioso de infringente de uma maioria, ou refere-se a movimentos étnicos
extremistas com motivações só nominalmente religiosas, o termo tem um conotação
bem precisa. Fundamentalismo conceitualmente é um movimento que objetiva voltar
ao que são considerados princípios fundamentais vigentes na fundação da
religião. Especificamente refere-se a um enclave religioso que intencionalmente
contrarie a identificação com o grupo religioso hegemônico do qual diverge
quanto aos princípios fundamentais dos quais imputa ao grupo religioso ter-se
desviado ou corrompido pela adoção de princípios alternativos hostis ou
contraditórios à identidade original. A formação de uma identidade separada é
julgada necessária por causa de uma percepção de sentidos de que a comunidade religiosa
perdeu a habilidade de se definir em termos religiosos, e que, portanto, julgam socialmente que os
fundamentos da religião foram perdidos por negligência configurando ato de
separatismo ou divergência em termos estranhos impróprios e para não dizer hostis à configuração da religião.
Os
fundamentalistas acreditam piamente que a sua causa é de grave e cósmica
importância. Acolhem a máxima weberiana de interpretação pragmática da
política, segundo a qual, fim, “é a representação de um resultado que se
converte em causa de uma ação” (cf. Weber, 2009). Eles vêem a si mesmo como
protetores de uma única e distinta doutrina como modo de vida e de salvação. A
comunidade, compreensivelmente centrara-se num modo de vida particular,
egocêntrico e preponderantemente religioso em todos os seus aspectos fundamentais. É o
compromisso dos movimentos religiosos-políticos fundamentalistas, e atrai então
não apenas os que compreendem a distinção entre política e religião, mas também
outros insatisfeitos e os que julgam que a dissidência é distintiva, sendo
vital à formação de suas identidades religiosas. O chamado muro de virtudes
fundamentalista que protege a identidade do grupo é instituído não só em
oposição aquelas religiões estranhas, no sentido de alienação social, mas também contra os modernizadores com os
quais compactuam continuar numa versão nominal inclusiva da sua própria
religião.
É
neste sentido que no cristianismo, o fundamentalismo representa uma reação
contra o modernismo que estava começando a se espalhar nas igrejas dos Estados
Unidos da América e uma afirmação na inspiração divina e inerrância da Bíblia e
ressureição e retorno de Jesus Cristo, doutrinas consideradas fundamentais do
Evangelho; daí o nome fundamentalista que os teólogos modernistas já não criam
que eram verdadeiras. No islamismo eles são jamaat
que em linguagem árabe significam enclaves religiosos, com conotações de
irmandade fechada ego-conscientemente flertam com o jihad na luta contra a cultura ocidental que suprime o Islam
autêntico que implica submissão ao modo de vida prescrita na determinação
divina contida na Charia. No judaísmo
eles são os judeus Haredi que se
julgam os “verdadeiros judeus da Torah” que se alimenta, se vestem, e enfim,
vivem estritamente no modo religioso. Existem equivalentes no hinduísmo e
outras religiões mundiais. Estes grupamentos que insistem na existência de um
agudo limite entre eles e os partidários fiéis de outras religiões, e
finalmente entre uma visão sagrada da vida e do “mundo secular” e da sua
“religião nominal”. Com suas críticas, os fundamentalistas objetivam atrair e
converter os religiosos da comunidade maior, em linhas gerais, tentando
convence-los de que eles não estão experimentando a versão autêntica (e única) da
religião professada.
A
comunidade religiosa, entretanto, interpreta aos fundamentalistas como
dissidentes e a controvérsia por vezes tem sido a razão suficiente para a
formação de novas seitas e religiões, mas, frequentemente são fundados grupos
fundamentalistas com o objetivo de manter e guardar a fidelidade dos princípios
religiosos ditos desnaturados e forçar uma aproximação interna com o mundo
moderno atendendo aos referidos princípios fundamentais. Não raro isto se passa
individualmente com religiosos que, independentemente da formação de grupos
ativos continua a proceder e atender aos princípios fundamentais de modo a
conservar a doutrina adotando-a como prática de vida. Este fenômeno ocorreu e
legou o uso do termo dos Fundamentalistas Cristãos que surgiram no início do
século XX com o protestantismo dos Estados Unidos da América, com a publicação
do livro: “Os Fundamentos”, livro que foi patrocinado por empresários e escrito
por eruditos evangélicos reconhecidos. O
padrão do conflito entre os fundamentalistas cristãos e os cristãos modernos no
cristianismo protestante tem notável aplicação comparativa às outras
comunidades religiosas. Em seu uso cotidiano como descrição destes aspectos
sociais e religiosos correspondentes. Em caso contrário, em movimentos
religiosos diversos o termo fundamentalista se tornou mais que só um termo
qualquer um de ego-descrição ou de desprezo pejorativo.
No
fim do século passado, um grupo de mulheres cristãs norte-americanas, lideradas
por Elizabeth Cady Stanton, começou a se reunir periodicamente para estudar
todas as passagens bíblicas onde havia referência à mulher, a fim de relê-las, compreendê-las e
interpretá-las à luz da nova consciência que a mulher tinha de si mesma. Nesses
encontros nasceu a “Woman’s Bible”, editada em duas partes, respectivamente em
1895 e 1898, uma obra que abalou a ética protestante e espírito do mundo protestante norte-americano. A
realização desse vasto projeto de revisão e reinterpretação da Bíblia por parte
de um grupo de mulheres é o primeiro sinal marcante de uma nova consciência da
mulher, que amadureceu também no interior de comunidades cristãs. A idealização
da “Bíblia da Mulher” foi considerada como um fato social tanto cultural como eclesial
e como ponto de partida de um longo processo, que levaria em torno dos anos
1960 - contemporaneamente ao emergir das teologias da libertação - à elaboração
do particular projeto de uma “teologia feminista”.
Elizabeth
Cady Stanton nascida em Johnstown, New York foi uma feminista e reformista
estadunidense (1815-1902). Começou sua carreira como abolicionista, e quando um
grupo de oito mulheres foi banido do World Anti-Slavery Convention de 1840, em
Londres, que ela e Lucretia Mott, duas das delegadas banidas, resolveram fundar
uma convenção pelos direitos das mulheres, em 1848. Outras delegadas
frustradas, como Mary Grew, se juntaram, e o movimento pelos direitos femininos
acabou surgindo em Seneca Falls. Ela formou um casal com a líder feminista
Susan B. Anthony; durante o dia, elas cuidavam juntas da casa e dos filhos e, à
noite, se armavam de munição e se preparavam para atacar o inimigo. Elizabeth
Stanton descreveu a relação entre as duas em termos românticos, dizendo também
que preferia uma tirania de seu próprio sexo, e que era submissa a Susan.
Anthony e Stanton formaram a 1ª convenção sufragista depois da guerra civil
americana, em 1869, que fundou a National Woman Suffrage Association. Elizabeth
foi casada e teve sete filhos.
Os
“periódicos” do ponto de vista comunicativo representaram as primeiras publicações religiosas de massa a
circularem pelos Estados Unidos desde o fim do século XVIII, tomando grande
impulso ao longo do século XIX. Foi o caso da American Tract Society, que
editava folhetos, almanaques, cartilhas e revistas para serem distribuídas em
suas publicações por “colportagem”. O termo não se refere necessariamente a
livros religiosos. Na França, colportor tinha originalmente o sentido de
mascate, o vendedor que transportava suas mercadorias. O termo colportor é de
origem francesa e representa uma combinação da palavra colo (pescoço) com a palavra
portare, carregar, tendo o sentido resultante de “carregar no
pescoço”. Nos primeiros tempos da divulgação ideológica do cristianismo
não católico no Brasil, os agentes “colportores” eram considerados verdadeiros
heróis pelas dificuldades históricas e sociais que enfrentavam e pela disciplina e persistência do
seu trabalho. Mark Fackler demonstrou que o mercado de revistas diminuiu ao
longo do século XX, ao passo que outros meios de informação, comunicação e entretenimento
evangélicos surgiram. Ao criar o periódico, Billy Graham pretendeu estabelecer a compreensão no
espaço religioso de discussão acadêmica para os novos evangélicos. Além de permitir a evidente
expressão de opiniões, debates e ideais sobre comportamentos e valores
cristãos. Em seu primeiro número, os editores justificaram o título da revista:
- “negligenciado, menosprezado, mal representado – o cristianismo evangélico
precisa de uma voz clara para falar
com convicção e amor, e para atestar sua verdadeira posição e relevância para a crise mundial”.
A
edição da revista foi recomendada a Carl Henry, teólogo da Fuller Theological
Seminary, enquanto que o custeio das despesas foi financiado pelo magnata do
petróleo J. Howard Pew, pelo empresário do ramo de calçados Maxey Jarman e pela
Billy Graham Evangelistic Association. Dessa forma, a revista “Christianity
Today” foi distribuída gratuitamente para cerca de 200 mil ministros, pastores
e líderes evangélicos até março de 1967, “quando a revista passou a ser
cobrada”. A idéia de se infiltrar na cultura norte-americana para instilar os
valores cristãos guiou a edição da revista e serviu para unificar uma visão
sobre a identidade cultural que os evangélicos deveriam assumir perante a
sociedade contemporânea. Ainda que não fossem tão arrivista quanto os críticos de Graham,
Christianity Today defendia a verdade perante o “mundo” decaído, conforme
artigo de Graham na primeira edição da revista, em 15 de outubro de 1956,
intitulado: Biblical authority in evangelism. Nele Billy Graham afirma que,
“em meio a uma batalha espiritual pessoal, havia descoberto o segredo que
mudaria seu ministério”. Ele não precisaria comprovar pela via da ética
protestante para todos que a Bíblia era verdadeira, e sim, que ela tinha
autoridade.
Enfim,
segundo Zygmunt Bauman, o fundamentalismo liberta o ser humano das angústias da
escolha no mundo pós-moderno quando lhe oferece uma autoridade suprema. Longe
de ser uma irracionalidade pré-moderna, o fundamentalismo apresenta-se como uma
racionalidade alternativa para resolver os problemas da sociedade pós-moderna.
Sem dúvida, a autoridade de Deus, revelada na Bíblia, é o valor máximo na
pregação de Graham em meados dos anos 1950, e é um dos valores partilhados por
outros pregadores evangélicos nesse contexto de pós-modernidade. A autoridade
bíblica é uma constante da tradição protestante, porém, a partir da segunda
metade do século XX, ela se torna pedra de toque para os fundamentalistas ao
apontar um caminho de certezas em um mundo de incertezas. Retomando o sociólogo
Stuart Hall, a cultura “não é questão do que as tradições fazem por nós, mas do
que nós fazemos com as nossas tradições”, e sob essa perspectiva podemos pensar
em uma cultura fundamentalista em formação nos Estados Unidos, organizando seus
símbolos e líderes, com a intenção de transformar a cultura norte-americana por
meio de uma religiosidade prática e uma atenção especial para as questões
familiares. Os fundamentalistas experimentaram um prestígio na passagem da
esfera da religião para a esfera da política que os tornaram parte da cultura
norte-americana que violentamente tanto os combateu.
Bibliografia
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Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. São Paulo: Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, 2019; entre outros.
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