Ubiracy de Souza Braga
“Nossa forma ordinária de convívio social é, no fundo, o contrário da polidez”. Sergio Buarque de Holanda
No
âmbito da historiografia Carlos Guilherme Mota observou que depois de 1967,
“tornou-se possível o balanço da produção, a avaliação dos trabalhos de
Gilberto Freyre – o que não devia ser nada fácil antes dessa época, pelo que se
pode verificar no livro comemorativo dos vinte e cinco anos da Casa-Grande & Senzala” (cf. Mota,
1975), tendo em vista o ecletismo entre ensaístas tais como: Astrojildo
Pereira, Fernando de Azevedo, Jorge Amado, Antônio Cândido, Miguel Reale,
Anísio Teixeira, Luís Viana Filho, Cavalcanti Proença, o que demonstra, sociologicamente, por um
lado, o estudo da trajetória e dos vários impactos sociais e políticos na apreensão
da obra de Gilberto Freyre sobre os meios intelectuais representando a
cristalização de uma ideologia com base no editorialismo, caracterizado do ponto de vista merceológico com
“grande poder de difusão”, e por outro, contém ambiguidades daquilo que se
poderia denominar uma “geração de explicadores” da cultura brasileira,
representando por assim dizer, “uma espécie de caso-limite”.
Na concepção de Max Weber é um instrumento de análise sociológica para o entendimento da sociedade por parte do cientista social com o objetivo de criar tipologias puras, destituídas de tom avaliativo, de forma a oferecer um recurso analítico baseado em conceitos, como o que é religião, burocracia, economia, capitalismo, dentre outros. Metodologicamente
Gilberto Freyre pode ser interpretado como historicista no sentido do approach de Wilhelm Dilthey quando
propõe uma abordagem empática da realidade social, que lhe permitiu desenvolver
uma interpretação pari passu
histórica e sociológica. Seu objetivo é alcançar a subjetividade, é apreender a
vida em seu interior. Trata-se em verdade de uma interpretação de uma história
política, psicológica, vitalista, dionisíaca e não intelectualista o que não é
pouco. A interpretação de seus “tipos inconciliáveis” se faz como é sabido,
pelo “accountability” contido nos símbolos &:
das obras: “Casa Grande & Senzala”, “Sobrados & Mocambos”, “Ordem &
progresso”. Ao formular tipos ideais ele se aproxima de Max Weber; ao
interpretá-los, aproxima-se de Georg Simmel. Para compreender a interconexão
dos tipos, ele estudou o cotidiano, um
campo de pesquisa social efetivamente original e inovador para tempos sombrios.
Vale
lembrar que a nação é um produto cultural, político e social que surge na
Europa a partir do fim do século XVIII e que se constitui efetivamente em uma
“comunidade política imaginada”. Nesse processo de construção histórica, a
relação entre o velho e o novo, o passado e o presente, a tradição e a
modernidade é uma constante e se reveste de importância fundamental, pois, a
nação é uma comunidade de sentimento que normalmente tende a produzir um Estado
próprio, é preciso invocar antigas tradições (reais ou inventadas) como
fundamento “natural” da identidade nacional que está sendo criada. Isso tende a
obscurecer o caráter histórico e relativamente recente dos estados nacionais. Assim
como o Estado-nação procura delimitar e zelar por suas fronteiras geopolíticas,
ele também se empenha em demarcar suas fronteiras culturais, estabelecendo o
que faz e o que não faz parte da nação. Através desse processo se constrói uma
identidade nacional que procura dar uma imagem
à comunidade abrangida por ela. A consolidação dos
Estados-nações é recente. Mesmo em sociedades que
parecem ser bem integradas. Mas há casos em que é
representada como se fosse dividido em duas regiões antagônicas o que é
recorrente para o Brasil.
Germanófilo
de espírito e coração, Capistrano de Abreu foi, ao lado de Tobias Barreto, dos
maiores divulgadores da cultura alemã, e, sem dúvida no campo da história,
temos como dívida a introdução de métodos críticos que hoje alguns
historiadores procuram seguir. Admirador de Goethe de quem sempre repete ou as
palavras do Wilhelm Meister “obrar é fácil, pensar é difícil, obrar segundo seu
pensamento ainda mais difícil”, ou as de Fausto “de que não teria o livro lido
por aqueles que mais quisera”, Capistrano representa na história das idéias no
Brasil uma das mais autênticas imaginações e uma das mais lúcidas consciências.
Ele estava convicto – afirma Rodrigues - de que era preciso, pelo menos,
“equilibrar a decisiva influência francesa no Brasil com a divulgação do
pensamento anglo-germânico”. E nesse sentido seu papel foi plenamente cumprido.
Mas para entendermos melhor sua démarche,
vale a pena fazermos uma digressão. O motivo da vinda de Capistrano de Abreu
para o Rio de Janeiro, “constitui episódio ainda não totalmente esclarecido em
sua biografia”. Preparando o ambiente favorável à sua admissão no jornalismo
carioca, já em dezembro de 1874, escrevera Alencar uma carta a Bruno Seabra, em
que há outra alusão que está sendo formulada a seguir: - “Esse moço que já é
fácil e elegante escritor, aspira ao estágio da imprensa desta Corte. Creio eu
que, além de granjear nele um prestante colaborador, teria o jornalismo
fluminense a fortuna de franquear a
um homem de futuro, o caminho da glória, que lhe está obstruindo uns acidentes
mínimos”.
Sérgio
Buarque de Holanda concluiu o curso de Direito em 1925, pela Universidade do
Brasil, depois transformada em Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
sem deixar o jornalismo e chegou a ser correspondente internacional dos Diários Associados, na Europa. Entrou em
contato com o movimento modernista europeu, através da leitura do sociólogo Max
Weber quando presenciou a ascensão do nazismo na Alemanha. De volta ao Brasil
passou a ensinar a disciplina História Moderna e Contemporânea na Universidade
do Distrito Federal, depois Universidade de Brasília quando publicou Raízes do Brasil (1936; 1995).
Distraído, emotivo, irônico, mas disciplinado, lia em seis línguas, cantava
tango em alemão e samba em latim. Em suas conversas não sabia onde parar: Roma,
Estados Unidos, Idade Média ou Brasil Colônia. Foi diretor do Museu Paulista,
professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, das Universidades de
Roma, Harvard, Columbia, Yale e outras. Prestigiado internacionalmente, foi
para a Itália (1952) e fez parte da cadeira de Estudos Brasileiros na
Universidade de Roma, durante dois anos. Tornou-se catedrático de História da
Civilização Brasileira, USP (1958), onde permaneceu até sua aposentaria como
professor (1969), em solidariedade aos colegas afastados pela ditadura. Foi
casado com Maria Amélia Alvim Buarque de Holanda, a Memélia, com quem teve sete
filhos: Heloísa Maria (Miucha), Sérgio Filho (Sergito), Álvaro Augusto,
Francisco (Chico), Maria do Carmo, Ana Maria e Maria Cristina, e faleceu na
cidade de São Paulo.
As análises teóricas sobre o legado
de Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), desencadeadas no centenário de seu
nascimento, tiveram o dom de resgatar um capítulo esquecido em sua obra que
dedicou a carreira acadêmica a compreender a alma nacional. Trata-se de uma
dissertação de mestrado, defendida por Sérgio Buarque em 1958 na Escola Livre
de Sociologia e Política de São Paulo, intitulada: “Elementos Formadores da
Sociedade Portuguesa na Época dos Descobrimentos”. O ensaio adormecia no acervo
do historiador, confiado à Unicamp depois de sua morte. Edgar de Decca ficou
surpreso e intrigado com o que encontrou. - “Há uma impressionante linha de
continuidade entre essa dissertação e o clássico: Raízes do Brasil, publicado
em 1936”. Alguma coisa foi alterada na percepção de Sérgio Buarque. Perde força
no trabalho de mestrado aquilo que se transformou no traço mais marcante da
obra Raízes do Brasil, que representa um ensaio histórico e ideológico sobre o que faltou e o que foi
negado na constituição da nossa identidade. Em Raízes, a análise histórica
parte do critério da ausência: à nossa cultura faltou uma ética do trabalho disciplinar, o
estado racional se ausentou ante o predomínio do patriarcalismo e do
paternalismo.
E, em virtude disso, vicejou o caráter cordial do brasileiro – que privilegia as relações pessoais e busca a intimidade no convívio social, conceito cunhado por Sergio Buarque e confundido com benevolência. Essa exploração humana dos trópicos não se processou, em verdade, por um empreendimento metódico e racional, não emanou de uma vontade construtora e enérgica: fez antes com desleixo e certo abandono. Dir-se-ia mesmo que se fez apesar de seus autores. E o reconhecimento desse fato não constitui, para Sérgio Buarque, menoscabo à grandeza do esforço português. Isto porque existe uma ética do trabalho, como existe uma ética da aventura. Assim, o indivíduo do tipo trabalhador só atribuirá valor moral positivo às ações que sente ânimo de praticar e, inversamente, terá por imorais e detestáveis as qualidades próprias do aventureiro – audácia, imprevidência, irresponsabilidade, instabilidade, vagabundagem – tudo, enfim, quanto se relacione com a concepção espaçosa do mundo, característica desse tipo. As energias e esforços que se dirigem a uma recompensa são enaltecidos pelos aventureiros; as energias que visam à estabilidade, à paz, à segurança pessoal e os esforços sem perspectiva de rápido proveito material passam, ao contrário, por viciosos e desprezíveis para eles. Nada lhes parece mais estúpido e mesquinho do que o ideal do trabalhador.
E, em virtude disso, vicejou o caráter cordial do brasileiro – que privilegia as relações pessoais e busca a intimidade no convívio social, conceito cunhado por Sergio Buarque e confundido com benevolência. Essa exploração humana dos trópicos não se processou, em verdade, por um empreendimento metódico e racional, não emanou de uma vontade construtora e enérgica: fez antes com desleixo e certo abandono. Dir-se-ia mesmo que se fez apesar de seus autores. E o reconhecimento desse fato não constitui, para Sérgio Buarque, menoscabo à grandeza do esforço português. Isto porque existe uma ética do trabalho, como existe uma ética da aventura. Assim, o indivíduo do tipo trabalhador só atribuirá valor moral positivo às ações que sente ânimo de praticar e, inversamente, terá por imorais e detestáveis as qualidades próprias do aventureiro – audácia, imprevidência, irresponsabilidade, instabilidade, vagabundagem – tudo, enfim, quanto se relacione com a concepção espaçosa do mundo, característica desse tipo. As energias e esforços que se dirigem a uma recompensa são enaltecidos pelos aventureiros; as energias que visam à estabilidade, à paz, à segurança pessoal e os esforços sem perspectiva de rápido proveito material passam, ao contrário, por viciosos e desprezíveis para eles. Nada lhes parece mais estúpido e mesquinho do que o ideal do trabalhador.
Essa
exploração humana dos trópicos não se processou, em verdade, por um
empreendimento metódico e racional, não emanou de uma vontade construtora e
enérgica: fez antes com desleixo e certo abandono. Dir-se-ia mesmo que se fez
apesar de seus autores. E o reconhecimento desse fato não constitui, para
Sérgio Buarque, menoscabo à grandeza do esforço português. Isto porque existe
uma ética do trabalho, como existe uma ética da aventura. Assim, o indivíduo do
tipo trabalhador só atribuirá valor moral positivo às ações que sente ânimo de
praticar e, inversamente, terá por imorais e detestáveis as qualidades próprias
do aventureiro – audácia, imprevidência, irresponsabilidade, instabilidade,
vagabundagem – tudo, enfim, quanto se relacione com a concepção espaçosa do mundo, característica desse
tipo. Por outro lado, as energias e esforços que se dirigem a uma recompensa
imediata são enaltecidos pelos aventureiros; as energias que visam à
estabilidade, à paz, à segurança pessoal e os esforços sem perspectiva de
rápido proveito material passam, ao contrário, por viciosos e desprezíveis para
eles. Nada lhes parece mais estúpido e mesquinho do que o ideal do trabalhador.
Na
obra da conquista e colonização dos novos mundos coube ao “trabalhador”, papel
muito limitado, quase nulo. A época predispunha aos gestos e façanhas
audaciosos, galardoando bem os homens de grandes voos. E não foi fortuita a
circunstância de se terem encontrado neste continente, empenhados nessa obra,
principalmente as nações onde o tipo do trabalhador, encontrou ambiente menos
propício. Essa pouca disposição para o trabalho, ao menos para o trabalho sem
compensação próxima, essa indolência, como diz o deão Inge, não sendo
evidentemente um estímulo às ações aventurosas, não deixa de constituir, com
notável frequência, o aspecto negativo do ânimo quer gera as grandes empresas. Como
explicar, sem isso, que os povos ibéricos mostrassem tanta aptidão para a caça
aos bens materiais em fins do século XVIII? “Um português” comentava certo
viajante em fins do século XVIII, “pode fretar um navio para o Brasil com menos
dificuldade do que lhe é preciso para ir de cavalo de Lisboa ao Porto”. E essa
ânsia de prosperidade sem custo, de títulos honoríficos, de posições e riquezas
fáceis, tão notoriamente característica da gente de nossa terra, não é bem uma
das manifestações mais cruas do espírito de aventura?
Nesse
ponto, precisamente, os portugueses e seus descendentes imediatos foram
inexcedíveis. Procurando recriar aqui o meio de sua origem, fizeram-no com uma
facilidade que ainda não encontrou, talvez, segundo exemplo na história. Aos
portugueses e, em menor grau, aos castelhanos, coube, sem dúvida, a primazia no
emprego do regime que iria servir de modelo à exploração latifundiária e
monocultora adotada depois por outros povos. E a boa qualidade das terras do
Nordeste brasileiro para a lavoura altamente lucrativa de cana-de-açúcar fez
com que essas terras se tornassem o cenário onde, por muito tempo, se
elaboraria em seus traços mais nítidos o tipo de organização agrária mais tarde
característico das colônias europeias situadas na zona tórrida. E verificou-se,
frustradas as primeiras tentativas de emprego do braço indígena, que o recurso
mais fácil estaria na introdução de escravos africanos.
O
que o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa
ousadia, não riqueza que custa trabalho. Não foi, por conseguinte, uma
civilização tipicamente agrícola o que instauraram os portugueses no Brasil com
a lavoura açucareira. Não o foi, em primeiro lugar, porque a tanto não conduzia
o o gênio aventureiro que os trouxe á América; em seguida, por causa da
escassez da população do reino, que permitisse emigração em larga escala de
trabalhadores rurais, e finalmente pela circunstância de a atividade agrícola
não ocupar então, em Portugal, posição de primeira grandeza. Poucos indivíduos
sabiam dedicar-se a vida inteira a um só mister sem se deixaram atrair por
outro negócio aparentemente lucrativo. Mais raros seriam os casos em
que um mesmo ofício perdurava na mesma família por mais de uma geração, como
acontecia em terras onde a estratificação social alcançara maior
grau de estabilidade. Da tradição portuguesa, pouca coisa se conservou entre
nós que não tivesse sido modificada ou relaxada pelas condições adversas do
meio.
A
família patriarcal fornece, assim, o grande modelo por onde se hão de calcar,
na vida política, as relações entre governantes e governados, entre monarcas e
súditos. Uma lei moral inflexível, superior a todos os cálculos e vontades dos
homens, pode regular a boa harmonia do corpo social, e, portanto deve ser
rigorosamente respeitada e cumprida. Esse rígido paternalismo é tudo quanto se
poderia esperar de mais oposto, não já as ideias da França revolucionária. Mas
tradicionalistas e iconoclastas que se movem, em realidade, na mesma órbita de
ideias. Estes, não menos do que aqueles, mostram-se fiéis preservadores do
legado colonial, e as diferenças que os separam entre si são unicamente de
forma e superfície. O caráter puramente exterior, epidérmico, de numerosas
agitações sociais ocorridas entre nós durante os anos que antecederam e sucederam à
Independência de 1822 (ou emancipação), demonstra o quanto era difícil ultrapassarem-se os limites que à
nossa vida política tinham traçado certas condições específicas geradas pela
colonização.
É
neste sentido que se insere o romance de Chico Buarque, Leite Derramado (2010; 2013). Um homem muito velho está num leito
de hospital. Membro de uma tradicional família brasileira, ele desfia, num
monólogo dirigido à filha, às enfermeiras e a quem quiser ouvir, a história social
de sua linhagem desde os ancestrais portugueses, passando por um barão do Império,
um senador das Oligarquias até o descendente “garotão”, um tipo social da
cidade do Rio de Janeiro. Uma saga familiar caracterizada pela decadência
social e econômica, tendo como pano de fundo a história do Brasil dos últimos
dois séculos. A weltanschauung que o
autor nos oferece da sociedade brasileira é extremamente pessimista:
compadrios, preconceitos de classe e de raça, machismo, oportunismo, corrupção,
destruição da natureza, delinquência. A saga familiar marcada pela decadência é
um gênero consagrado no romance ocidental moderno.
Há
também um jogo com os espaços onde ocorrem os acontecimentos narrados. As
várias casas em que o narrador morou, como as décadas acumuladas em suas
lembranças, se sobrepõem e se revezam. Recolocá-las em ordem cronológica é
assistir a uma derrocada pessoal e coletiva: o chalé de Copacabana, “longínquo
areal” dos anos 20, é substituído por um apartamento num edifício construído
atrás de seu terreno; esse apartamento é trocado por outro, menor, na Tijuca; o
palacete familiar de Botafogo, vendido, torna-se estacionamento de embaixada; a
fazenda da infância, na “raiz da serra”, transforma-se em favela, com um
barulhento templo evangélico da velha igreja outrora consagrada pelo
bispo. Embaixo da última morada do narrador, nesse “endereço de gente
desclassificada”, está o antigo cemitério onde jaz seu avô.
Vale
lembrar que mesmo em seus melhores momentos, a obra realizada pelos
portugueses, segundo Sérgio Buarque, teve um caráter mais acentuado de “feitorização
do que de colonização”. Não convinha que se fizessem grandes obras, ao menos
quando não produzissem imediatos benefícios. Nada que acarretasse maiores
despesas ou resultasse em prejuízo para a metrópole. Na realidade o
exclusivismo dos castelhanos, em contraste com a relativa liberalidade dos
portugueses, constitui parte obrigatória, inalienável de seu sistema.
Compreende-se que, para a legislação castelhana, deva ter parecido indesejável,
como prejudicial à boa disciplina dos súditos, o trato e convívio de estrangeiros
em terras de tão recente conquista e de domínio tão mal assente. Essa
liberalidade dos portugueses pode parecer, em comparação, uma atitude negativa,
mal definida, e que porviria, em parte, de sua moral interessada, moral de
negociantes, embora de negociantes ainda sujeitos, por muitos e poderosos
laços, à tradição medieval. Pouco importa que seja frouxa e insegura a
disciplina fora daquilo que os freios podem melhor aproveitar, e imediatamente,
aos seus interesses terrenos. A rotina e não a razão abstrata foi o princípio
que norteou os portugueses, nesta como em tantas outras formas de colonização.
Preferiam agir por experiências sucessivas, nem sempre coordenadas umas às
outras, a traçar de antemão um plano para segui-lo até ao fim.
No
Brasil, onde imperou, desde tempos remotos, o tipo primitivo da família
patriarcal, o desenvolvimento da urbanização – que resulta unicamente no
crescimento das cidades, mas também do crescimento dos meios de comunicação,
atraindo vastas áreas rurais para a esfera de influências das cidades – ia
acarretar um desequilíbrio social, cujos efeitos permanecem vivos até hoje. Já
se disse, numa expressão feliz, afirma Sérgio Buarque, “que a contribuição
brasileira para a civilização será a de cordialidade – daremos ao mundo o homem cordial. A lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade,
virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito,
um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, que permanece
ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano,
informados no meio rural e patriarcal. Seria engano supor que essas virtudes
possam significar ´boas maneiras`, civilidade. São antes de tudo expressões
legítimas de um lado emotivo extremamente rico e transbordante. Nenhum povo
está mais distante dessa noção ritualista da vida d que o brasileiro. Nossa
forma ordinária de convívio social é, no fundo, justamente o contrário da
polidez. Ela pode iludir na aparência – e isso se explica pelo fato de a atitude
polida consistir precisamente em uma espécie de mímica deliberada de manifestações
que são espontâneas no “homem cordial”:
é a forma natural e viva que se converteu em fórmula. Além disso a polidez é,
de algum modo, organização de defesa ante a sociedade. Detém-se na parte
exterior, epidérmica do indivíduo, podendo mesmo servir, quando necessário, de
peça de resistência. Equivale a um disfarce que permitirá a cada qual preservar
inatas sua sensibilidade e suas emoções.
Em
1936, obteve o cargo de professor assistente da Universidade do Distrito
Federal, incorporada depois na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade
do Brasil, atual UFRJ, não se confundindo com a Universidade do Distrito
Federal criada posteriormente e que deu origem a Universidade do Estado da Guanabara
e depois a Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Em 1939, extinta a
Universidade do Distrito Federal, passou a trabalhar na burocracia federal. Em
1941, passou uma longa temporada trabalhando como Visiting Scholar em diversas universidades dos Estados Unidos da
América (EUA). Reuniu, no volume intitulado “Cobra de Vidro”, em 1944, uma
série de artigos e ensaios que anteriormente publicara nos meios de imprensa.
Publicou, em 1945 e 1957, respectivamente, “Monções” e “Caminhos e Fronteiras”,
que consistem em coletâneas de análises historiográficas sobre a expansão oeste
da colonização da América Portuguesa entre os séculos XVII e XVIII. No contexto
da “História Geral da Civilização Brasileira”, publicou, em 1972, “Do Império à
República”, texto que, a princípio, fora concebido como um simples artigo para
a coletânea, mas que, com o decurso da pesquisa, acabou por ser ampliado num
volume independente. Trata-se de um trabalho analítico, interpretativo de história social e política que aborda a
crise do império brasileiro no final do século XIX, explicando-a como
resultante da corrosão do mecanismo fundamental de sustentação deste regime: o
poder pessoal do imperador.
Em
1946, voltou a residir em São Paulo, para assumir a direção do Museu Paulista,
que ocuparia até 1956, sucedendo então ao seu antigo professor escolar Afonso
Taunay. Em 1948, passou a lecionar na Escola de Sociologia e Política de São
Paulo, na cátedra de História Econômica do Brasil, em substituição a Roberto
Simonsen. Viveu na Itália entre 1953 e 1955, onde esteve a cargo da cátedra de
Estudos Brasileiros da Universidade de Roma. Esse processo ganhou maior estrutura quando a Divisão Cultural do Itamaraty, ligada ao Ministério das Relações Exteriores e responsável pela política cultural externa do país, deu ênfase ao projeto de fundação de cátedras de Estudos Brasileiros em cerca de 15 universidades no exterior, entre 1952 e 1955. Em 1958, Sérgio Buarque de Holanda assumiu a cadeira de História
da Civilização Brasileira, agora na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo. O concurso para esta vaga motivou-o a
escrever “Visão do Paraíso”, livro que publicou em 1959, no qual analisa
aspectos do imaginário individual (os sonhos) e coletivo (os mitos, os ritos,
os símbolos) europeu à época da conquista.
Ainda em 1958, ingressou na Academia Paulista de Letras e recebeu o “Prêmio Edgar Cavalheiro”, do Instituto Nacional do Livro, pelo ensaio: “Caminhos e Fronteiras”. Permaneceu intelectualmente ativo até 1982, tendo ainda, neste último decênio, publicado diversos textos. De 1975 é o volume “Vale do Paraíba - Velhas Fazendas” e de 1979, a coletânea “Tentativas de Mitologia”. Nestes últimos anos, trabalhou também na reelaboração do texto de “Do Império à República” - que não chegou a concluir. Recebeu em 1980 tanto o Prêmio Juca Pato, da União Brasileira de Escritores, quanto o Prêmio Jabuti de Literatura, da Câmara Brasileira do Livro. Também em 1980, participou da cerimônia de fundação do Partido dos Trabalhadores, recebendo a terceira carteira de filiação do partido, após Mário Pedrosa e Antonio Candido. Por conta de sua participação no PT e na condição de intelectual destacado é que o centro de documentação e memória da Fundação Perseu Abramo, fundação de apoio partidária instituída pelo Partido dos Trabalhadores em 1996, recebe seu nome: Centro Sérgio Buarque de Holanda: Documentação e Memória Política. Morreu em São Paulo em 24 de abril de 1982. Existe um navio batizado em seu nome, que foi construído em 2012.
Ainda em 1958, ingressou na Academia Paulista de Letras e recebeu o “Prêmio Edgar Cavalheiro”, do Instituto Nacional do Livro, pelo ensaio: “Caminhos e Fronteiras”. Permaneceu intelectualmente ativo até 1982, tendo ainda, neste último decênio, publicado diversos textos. De 1975 é o volume “Vale do Paraíba - Velhas Fazendas” e de 1979, a coletânea “Tentativas de Mitologia”. Nestes últimos anos, trabalhou também na reelaboração do texto de “Do Império à República” - que não chegou a concluir. Recebeu em 1980 tanto o Prêmio Juca Pato, da União Brasileira de Escritores, quanto o Prêmio Jabuti de Literatura, da Câmara Brasileira do Livro. Também em 1980, participou da cerimônia de fundação do Partido dos Trabalhadores, recebendo a terceira carteira de filiação do partido, após Mário Pedrosa e Antonio Candido. Por conta de sua participação no PT e na condição de intelectual destacado é que o centro de documentação e memória da Fundação Perseu Abramo, fundação de apoio partidária instituída pelo Partido dos Trabalhadores em 1996, recebe seu nome: Centro Sérgio Buarque de Holanda: Documentação e Memória Política. Morreu em São Paulo em 24 de abril de 1982. Existe um navio batizado em seu nome, que foi construído em 2012.
Bibliografia
geral consultada.
HOLANDA, Sérgio Buarque de, Raízes do Brasil. 1ª edição. São Paulo: Livraria José Olympio Editores, 1936; Idem, Visão do Paraíso. 2ª edição revista e ampliada. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional/Edusp, 1969; DILTHEY, Wilhelm, El Mundo Histórico. Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica, 1947; CLARA, Fernando, “Experiência-Vivência. Dilthey e as Humanidades: Um Olhar Retrospectivo”. Disponível em: Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, n° 19. Lisboa: Edições Colibri, 2007, pp. 35-48; BUARQUE, Chico, Leche Derramada. Tradução espanhola de Ana Rita da Costa García. Barcelona: Ediciones Salamandra, 2010; Idem, Vergossene Milch. Tradução alemã de Karin von Schweder-Schreiner. Frankfurt am Main: Samuel Fischer, 2013; PIMENTEL, Vanuccio Medeiros, A Primazia dos Clãs: A Família na Política Nordestina. Tese de Doutorado em Ciência Política. Universidade Federal de Pernambuco: Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, 2013; HIDALGO, Yaremis da Trinidade; CRUZ, Yenisey López, “La Hermenéutica en el Pensamiento de Wilhelm Dilthey”. Disponível em: Griot - Revista de Filosofia. Santiago de Cuba, volume11, n°1, junho/2015; Revista do Brasil. Número Especial: Ano 3, n° 6/87, dedicado a Sérgio Buarque de Holanda, 1935; SILVA, Rafael Pereira da, A Morte do Homem Cordial: Trajetória e Memória na Invenção de um Personagem (Sérgio Buarque de Holanda 1902-1982). Tese de Doutorado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2015; RIBEIRO, Douglas Carvalho, As Raízes antiliberais de Sérgio Buarque de Holanda: Carl Schmitt em Raízes do Brasil. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Direito. Faculdade de Direito. Belo Horizonte: Universidade Federald e Minas Gerais, 2017; ASSIS, Gabriela Lima de, Raízes do Paraíso: Uma Análise Whiteana de Sérgio Buarque de Holanda. Tese de Doutorado em História. Instituto de Geografia, História e Documentação. Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso, 2017; entre outros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário