segunda-feira, 24 de julho de 2017

Marc Augé - Novos Apostolados & Etnologia da Solidão Urbana.

                                                                                                 Ubiracy de Souza Braga
 “O fruto do nosso apostolado depende da oração”. São Maximiliano Maria Kolbe

                      
        Em meados da década de 1990 ministrava na universidade pública em que trabalho, uma disciplina intitulada: “Correntes Epistemológicas Contemporâneas” que, apresentada por mim ao colegiado de curso do extinto Departamento de Ciências Sociais, transformado posteriormente em Coordenação do curso de Ciências Sociais, (por que, eu não sei!) continha em seu programa excertos da hermenêutica de Hans-Georg Gadamer, da filosofia de transição de Georg Simmel, da fenomenologia de Michel de Certeau, e essencialmente a temática do poder simbólico desenvolvida hic et nunc por Pierre Bourdieu. Como consequência das tolas e frequentes reformas universitárias que apenas racionalizam o sistema de créditos, a nova disciplina criada como primícias do raisonnement sociologique chegou ao fim, excluída pelos próceres das Ciências Sociais.  Isto quer dizer o seguinte: uma disciplina representa um tempo social, original de pesquisa como fruto do processo de trabalho com começo, meio e fim que, neste caso, representa um resultado que pode se converter em causa de uma ação assembleísta. Mas isto não ocorre com frequência como “lugares praticados” nas universidades. O Ceará é uma exceção de ultraconservadorismo docente. Há pouco, por exemplo, submeti ao Apostolado da instituição duas novas disciplinas para integrar a grade curricular do curso de graduação. No primeiro caso a disciplina: “Sociologia das Emoções”, e no segundo caso a disciplina: Teoria Política Contemporânea, acrescido do projeto de pesquisa: “A Conciliação como Princípio de Autoridade”. Esta em função do golpe de Estado de 2016 no Brasil. As propostas foram rejeitadas,  inicialmente, talvez pelo “excesso” de disciplinas ofertadas por professores do curso de Ciências Sociais, inclusive em função de atividades programadas destinadas aos candidatos recém aprovados no exame de seleção do doutorado tardio em Sociologia. 
            Autores notaram a extrema confusão que reina na demasiado rica terminologia do  imaginário social: signos, imagens, símbolos, alegorias, emblemas, arquétipos, esquemas (schémas), esquemas (schèmes), ilustrações, representações, diagramas e sinepsias são termos empregados pelos analistas do imaginário social. O esquema é uma generalização dinâmica e afetiva da imagem, constitui a factividade e a não-substantividade geral do parcours imaginário. O esquema aparenta-se ao que Jean Piaget, na esteira de Herbert Silberer, chama “símbolo funcional” e ao que Gaston Bachelard na filosofia chama de “símbolo motor”. Faz a junção ente dos gestos inconscientes da sensório-motricidade, entre as dominantes reflexas e as representações. São esses esquemas que na antropologia do imaginário formam o “esqueleto dinâmico”, o esboço funcional da imaginação. A diferença entre os gestos reflexológicos que Gilbert Durand descreve analogamente e os esquemas é que estes últimos já não são apenas abstratos engramas teóricos, mas trajetos encarnados em representações concretas bem mais precisas. Os gestos diferenciados em esquemas vão determinar, em contato com o ambiente natural e social, os grandes arquétipos que Jung os definiu. Os arquétipos constituem as substantificações dos esquemas. Carl Jung vai buscar esta noção em Jakob Burckhardt e faz dela sinônimo de origem primordial, de enagrama, de margem original, de protótipo social.

O pensador evidencia claramente o caráter de trajeto antropológico dos arquétipos quando escreve que a imagem primordial deve incontestavelmente estar em relação com certos processos perceptíveis da natureza que se reproduzem sem cessar e são sempre ativos, mas por outro lado é igualmente indubitável que ela diz respeito também a certas condições inferiores da vida do espírito e da dinâmica da vida em geral. Bem longe de ter a primazia sobre a imagem, a ideia seria tão-somente o comprometimento pragmático do arquétipo imaginário num contexto histórico e epistemológico dado. Neste sentido, o mito representa um sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e esquemas, sistema dinâmico que, sob o impulso de um esquema tende a compor uma narrativa. O mito é já um esboço de racionalização, dado que utiliza o fio do discurso, no qual os símbolos se resolvem em palavras e os arquétipos em ideias culturais. O mito explicita um esquema ou um grupo de esquemas. Do modo que o arquétipo promovia a ideia, o símbolo o nome, concordamos com Gilbert Durand que o mito promove a doutrina religiosa, o sistema filosófico ou, como bem anteviu Émile Bréhier, a “narrativa histórica e lendária”.  Foi este princípio, que o psicólogo Carl Jung sentiu abrangido por seus conceitos de “Arquétipo” e “Inconsciente coletivo”, justamente o que uniu o médico psiquiatra Jung ao físico Wolfgang Pauli, dando início às pesquisas interdisciplinares em física e psicologia. A sincronicidade, vale lembrar, se manifesta muitas vezes atemporalmente e/ou em eventos energéticos acausais, e em ambos são violados princípios associados ao paradigma científico vigente.


        No primeiro caso, a sociologia das emoções se constituiu como uma subárea da disciplina sociologia nos anos 1990, como primícias de um processo iniciado nos Estados Unidos da América quase duas décadas antes. Herdeiros de duas escolas sociológicas distintas, a funcionalista de Talcott Parsons e a interacionista simbólica, de George Herbert Mead, Herbert Blumer e Erving Goffman, dos sociólogos norte-americanos Randall Collins, Theodore Kemper, Jonathan Turner, Norma Denzin, Arlie Hochschild, Susan Shott, Steven Gordon e Thomas Scheff, desenvolvem a partir das suas respectivas filiações, teorias sociológicas alternativas, e, até certo ponto, conflitantes, para a compreensão das emoções. As tensões conceituais e metodológicas entre tais proposições envolvem questões sociológicas fundamentais, cuja origem remota aos debates travados entre os pragmatistas William James, John Dewey e George Herbert Mead. As respostas a essas questões dizem respeito à definição do conceito sociológico. Seus adeptos propõem uma representação disciplinar da sociologia das emoções que deve procurar as causas sociais, psicológicas, fisiológicas para explicá-las.
         No segundo caso, apresentamos notas de pesquisa que propus como objetivo a análise comparativa do processo eleitoral anterior ao Golpe de Estado de 17 de abril de 2016 no Brasil, pretendendo descrever as nuances no nível de análise política em torno da questão fulcral do princípio de autoridade no Brasil.  A nossa política é a política da conciliação inclusiva à universidade. Fomos nós os primeiros que a iniciamos por fatos políticos e não por palavras. É a representação da política da conciliação, mas não dessa conciliação dos princípios, da conciliação que se firma por atos legislativos e administrativos.  A conjuntura política em que vivemos sugere que não fomos tomados de surpresa com a abrupta mudança presidencial ocorrida em 17 de abril de 2016.  A destituição da presidente eleita Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT) representou um golpe de Estado com deputados e senadores - profundamente envolvidos em casos de corrupção, pois fala-se em 60% da representação parlamentar que instituiu um processo de destituição pretextando irregularidades contábeis, as chamadas “pedaladas fiscais”, para cobrir déficits causados no âmbito político nas contas públicas – uma prática corriqueira em todos os governos anteriores, inclusive de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) após o período da chamada redemocratização no âmbito do movimento social Diretas Já!      

            A departamentalização acadêmica surge à medida que as instituições públicas tornam-se “maiores” e envolvem a tout court atividades mais diversificadas, forçando-as a dividir as principais atividades em função da carga horária e tarefas administrativas e transformá-las em responsabilidades departamentais ou divisionais. Os diferentes tipos usuais de departamentalização definem os critérios organizacionais  para agrupar as pessoas em unidades, para que possam ser aparentemente melhor administradas. As universidades públicas podem recorrer quanto à escolha de determinados tipos de departamentalização. Para isso, devem reconhecer, analisar e escolher o melhor tipo de departamentalização que assegure os projetos individuais e coletivos em termos de Pesquisa & Desenvolvimento. Existem tipos de abordagens que definem os critérios de  subordinação da hierarquia. Cada abordagem departamental tem uma finalidade política distinta para a instituição, sendo o que a diferença entre cada tipo de abordagem é a maneira como as atividades são agrupadas e a que grupo de poder se subordinam.
            Temos um caso-limite quando o Cardeal de São Paulo, Dom Odilo Scherer, e os bispos de sua Arquidiocese, anunciaram recentemente que não autorizariam a criação, prevista em meados de 2011, da Cátedra “Michel Foucault e a Filosofia do Presente” na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Por ocasião do 7° Colóquio Internacional Michel Foucault, que reuniu na PUC-SP dezenas de especialistas na obra do filósofo e pesquisador, centenas de interessados, foi assinada uma Carta de apoio a essa iniciativa. A lista dos signatários incluía de forma extraordinária desde membros do Collège International de Philosophie aos membros da Universidad San Martin na Argentina, da Universidad de los Andes na Venezuela e da Universidad de Valparaiso no Chile, obtendo a solidariedade do Consulado Geral da França em São Paulo. Do latim cathedra que tem origem num vocábulo grego que significa “assento” ou “cadeira”, a cátedra é a disciplina/cadeira, metaforicamente, que ensina um catedrático - professor que tenha preenchido determinados requisitos para partilhar conhecimentos e que tenha alcançado o posto mais alto na docência.
           O termo também é usado para fazer referência à função e ao exercício do catedrático. Essa Cátedra, que leva o nome de Michel Foucault, não é dedicada à leitura de seus escritos – que hoje já é parte da cultura clássica. Ela está voltada, sob o impulso não exclusivo de seus trabalhos, como o diz seu título, para uma livre análise, informação e debate sobre questões de filosofia e de vida civil contemporânea. A recusa de tal Cátedra, aberta à complexidade e diversidade de estudos e pesquisas na atualidade, contradiz a deontologia universitária assim como seu fundamento filosófico. A Universidade seria sua primeira vítima, ironicamente, no caso da PUC-SP, da 2ª morte de Michel Foucault. Tem-se aí metodologicamente um dos princípios mais importantes dessa atividade consagrada a si mesmo. Ela não constitui um exercício da solidão; mas sim uma verdadeira prática social. E isso, em vários sentidos. Mas toda essa aplicação a si não possuía como único suporte social a existência das escolas, do ensino e dos profissionais da direção da alma; ela encontrava, facilmente, seu apoio em todo o feixe de relações habituais de parentesco, de amizade ou de obrigação.
             Quando, no exercício do cuidado de si, faz-se apelo a outro, o qual se advinha que possui aptidão para dirigir e para aconselhar, faz-se uso de um direito; e é um dever que se realiza quando se proporciona ajuda a outro ou quando se recebe com gratidão as lições que ele pode dar na duração da vida. Acontece também do jogo entre os cuidados de si e a ajuda do outro inserir-se em relações sociais preexistentes às quais ele dá uma nova coloração e um calor maior. O cuidado de si – ou os cuidados que se tem com o cuidado que os outros devem ter consigo mesmos – aparece então como uma intensificação das relações sociais. Sêneca dedica um consolo à sua mãe, no momento em que ele próprio está no exílio, para ajudá-la a suportar essa infelicidade atual e, talvez, mais tarde, infortúnios maiores. O “cuidado de si” aparece, portanto, intrinsecamente ligado a uma espécie de “serviço da alma” que comporta a possibilidade de um jogo de trocas com o outro e de um sistema de obrigações recíprocas. Neste aspecto singular da vida Michel Foucault abriu uma porta ao eterno.
A característica marcante do “coquetismo”, em termos platônicos, para Georg Simmel representa o estado intermediário entre o ter e o não ter. Assim, podemos entender como sendo próprio da mulher coquete despertar o interesse e o desejo do Outro por meio da alusão ao ato da entrega e não pela entrega em si. A mediação entre o ter e o não ter, que é a essência do coquetismo, se constitui também no fundamento último do erotismo. O “querer agradar” da coquete ainda não é, em si e por si, o que dá a seu comportamento o cunho decisivo. Assim, traduzir coquetismo por “necessidade de agradar” é confundir o meio em um fim e a pulsão orientada para esse fim. Uma mulher pode lançar mão de tudo para agradar, dos encantos espirituais à exposição mais insistente de seus encantos físicos, que ainda assim distinguir-se-á bastante da coquete. Através da dicionarização do vocábulo, seu sentido refere-se “à procura com o objetivo de despertar admiração, tendo cuidados excessivos com a aparência física ou outros dotes”. Na filosofia o sentido do coquetismo não pode ser limitado ao “querer agradar”, pois é um equívoco que tem uma profunda ligação com a autoestima.

Antropologicamente a humanidade sempre atravessa estágios em que: a) opressão da individualidade é o ponto de passagem obrigatório de seu livre desabrochar superior, em que a pura exterioridade das condições de vida se torna a escola da interioridade, b) em que a violência da modelagem produz uma acumulação de energia, destinada, em seguida, a gerar toda a especificidade pessoal. Do alto desse ideal é que, c) a individualidade plenamente desenvolvida, tais períodos parecerão, é claro, grosseiros e indignos. Mas, para dizer a verdade, além de semear os germes positivos do progresso vindouro, já é em si uma manifestação do espírito exercendo uma dominação organizadora sobre a matéria-prima das impressões flutuantes, uma aplicação das personalidades especificamente humanas, procurando elas próprias fixar suas normas de vida - do modo mais brutal, exterior ou, mesmo, estúpido que seja -, em vez de recebê-las das simples forças da natureza.  A horda, uma estrutura social e militar histórica encontrada na estepe eurasiática “não protege mais a moça e rompe suas relações com ela, porque nenhuma contrapartida foi obtida por sua pessoa”. 
Para Simmel diante do “conflito” (“Kampf”) os indivíduos vivem em relações sociais de cooperação, mas também de oposição, portanto, os conflitos são parte mesma da constituição da sociedade. É neste sentido que formam momentos de crise, um intervalo entre dois momentos de harmonia, vistos numa função positiva de superação das divergências. Fundamenta uma episteme em torno da ideia de movimento, da relação, da pluralidade, da inexorabilidade do conhecimento, de seu caráter construtivista, cuja dimensão central realça o fugidio, o fragmento e o imprevisto. Por isso, seu panteísmo estético, ancorado sob forma paradoxais de interpretação real, como episteme, no qual se entende que cada ponto, cada fragmento superficial e, portanto fugaz é passível de significado estético absoluto, de compreender o sentido total, os traços significativos, do fragmento à totalidade.
O significado sociológico do “conflito”, em princípio, nunca foi contestado. Conflito é admitido por causar ou modificar grupos de interesse, unificações, organizações. Por outro lado, pode parecer paradoxal na visão do senso comum se alguém pergunta se independentemente de quaisquer fenômenos que resultam de condenar ou que a acompanha, o conflito é uma forma de “sociação”. À primeira vista, isso soa como uma pergunta retórica. Se todas as interações entre os homens é uma sociação, o conflito, - afinal uma das interações mais vivas, que, além disso, não pode ser exercida por um indivíduo sozinho, - deve certamente ser considerado como “sociação”. E, de fato, os fatores de dissociação, tais como ódio, inveja, necessidade, desejo, são as causas da condenação, que irrompe em função deles. Conflito é, portanto, destinado a resolver dualismos divergentes, é a maneira de conseguir algum tipo de unidade, que seja através da aniquilação de uma das partes em litígio.
A imagem está associada a conhecimentos pretéritos adquiridos e concernentes ao objeto que ela de fato representa. Ela não apreende nada além daquilo que nós podemos extrair da realidade durante o trabalho de percepção. A imagem não se relaciona com o mundo em si, ela só depende do processo de como podemos descobrir algo sobre ela. Portanto, se existe uma possibilidade de se observar o objeto através da imaginação, mesmo assim essa possibilidade ainda não nos permite apreender nada de novo em relação ao objeto. A imagem, ato da consciência imaginante, é um elemento, identificado como o primeiro e incomunicável, como produto de uma atividade consciente atravessada de um extremo ao outro por uma corrente de “vontade criadora”. Trata-se, de dar-lhe à sua própria consciência um conteúdo de sentido imaginante, próximo da analogia weberiana da interpretação da ciência que recria para si os objetos afetivos espontaneamente ao seu redor: ela é criativa.   
Daí a importância de se compreender no campo da imagem, de sua produção, recepção, influência, de sua relação com o sonho, o devaneio, a criação e a ficção, a substituição das mediações pelos meios de comunicação, posto que contenha em si uma possibilidade de violência, a partir da constituição do novo regime de ficção que hoje afeta, contamina e penetra a vida social. Ipso facto temos a sensação de sermos colonizados, mas sem saber precisamente por quem. Não é facilmente identificável e, a partir daí é normal questionar-se sobre o papel da cultura ou da ideia que fazemos dela. O etnólogo Marc Augé reitera que as “etnociências” se atribuem sempre dois objetivos, proposto por ele ao final em seu opúsculo “La guerre des rèves” (1997). Usado como prefixo, “etno” relativiza o termo que o segue e o faz depender da “etnia” ou da “cultura” que supõe ter práticas análogas às que chamamos “ciências”: medicina, botânica, zoologia etc. Desse ponto de vista, a etnociência tenta reconstituir o que serve de ciência aos outros, suas práticas sanitárias e do corpo, seus conhecimentos botânicos, mas também suas modalidades de classificação, de relacionamento etc. É claro que, a partir do momento em que se generaliza a etnociência muda de ponto de vista.
Ela tenta emitir uma apreciação sobre os modelos locais, indígenas, e compará-los a outros e, além disso, propor uma análise dos procedimentos cognitivos em ação num certo número de experiências. Ela leva então às vezes o nome de antropologia: fala-se assim em antropologia médica ou cognitiva. Em verdade, quando Augé recoloca a questão: “que é nosso imaginário, hoje?”, por outro lado, ele se indaga se nestes dias não estamos assistindo a uma generalização do fenômeno de fascínio da consciência que nos pareceu característico da situação colonial e de seus diferentes avatares? Trata-se de “exercícios de Etnoficção”, em analisar o estatuto da ficção ou as condições etnológicas de seu surgimento numa sociedade, e ipso facto num momento histórico particular, em analisar os diferentes gêneros que se irradiam sob formas ficcionais, sua relação com o imaginário individual e coletivo, as representações da morte etc., em diferentes sociedades ou conjunturas.
Temos o que fica reservado como lugar de representação do conhecimento, posto que bem entendido o nível ao qual se aplica a pesquisa antropológica, ela tem por objeto interpretar a interpretação que os outros fazem da categoria do outro, nos diferentes níveis que situam o lugar dele e impõem sua necessidade. Melhor dizendo, tendo como representação social etnia, tribo, aldeia, linhagem ou outro modo de agrupamento até o átomo elementar de parentesco, do qual se sabe que submete a identidade da filiação à necessidade da aliança, o individualismo, enfim; que todos os sistemas rituais definem como compósito e pleno de alteridade, figura literalmente impensável, como o são, em modalidades opostas, a do rei e a do feiticeiro. O fato social é que deste ângulo de análise há um princípio abrangente e primordial, porque norteador, pois “toda antropologia é antropologia da antropologia dos outros, além disso, que neste âmbito, o lugar antropológico, é simultaneamente princípio de sentido para aqueles que o habitam e princípio de inteligibilidade para quem o observa”. Essa inteligibilidade, ao que nos parece, fornece e propõe no âmbito de apropriação dos saberes que as condições de uma antropologia da contemporaneidade devem ser deslocadas do método para o objeto. E além disso, que deve-se estar atento às mudanças que afetaram as grandes categorias por meio das quais os homens pensam sua identidade e suas relações recíprocas em termos espaciais.

Assim, se um lugar de análise pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um na etnologia da solidão de Marc Augé, o que ele denominou analiticamente de “não-lugar”. A hipótese adjudicada na teoria, e, portanto, no pensamento, é o que o autor chama de surmodernité conquanto produtora de não-lugares, de espaços que não são em si lugares (tradicionais) antropológicos. Isto é importante. Estas características comuns podem ser aplicadas a dispositivos institucionais diferentes e que constituem, de certo modo, as formas elementares de compreensão do espaço social. Trata-se de aspectos gerais e que se identificam enquanto itinerários ou eixos ou caminhos que, do ponto de vista etnológico conduzem de um lugar a outro. Mas também em cruzamentos e praças, que satisfazem por assim dizer esferas de ação social, que nos mercados definem necessidades do intercâmbio econômico e, nesta progressão, centros mais ou menos monumentais. Sejam eles religiosos ou políticos construídos por certos homens e mulheres e que definem como outros, em relação a outros centros e outros espaços sociais.  
Contrariando esta dimensão analítica para repensar o trabalho nas instituições públicas, a particularidade da Universidade Estadual do Ceará (UECE) é que a prática institucional decorre em um confronto do Apostolado (casta) tendo como leitmotiv a luta pelos cargos. O exercício da autoridade legal está relacionado com o cargo ocupado pelo funcionário-professor. As normas legais são abstratas enquanto consideradas como um sistema integrado demonizado no âmbito discursivo do direito, concretizado na aplicação da lei nos casos particulares contrário ao apostolado. Desse modo, o processo administrativo orienta-se para os interesses pessoais assim definidos pelas ordenações da instituição, dentro dos limites legalmente estabelecidos e de acordo com os princípios gerais aprovados em conformidade pelas relações de compadrio pelas ordenações. O exercício da autoridade legal está relacionado com o cargo ocupado pelo funcionário-professor, servidor público concursado e habilitado ao cargo, o que implica em sua subordinação a uma ordem pessoal para a qual orienta suas ações políticas. Isto significa que a obediência aparentemente não é devida ao indivíduo, mas ao cargo ocupado, que representa uma posição efetiva de autoridade com limites legalmente definidos. O membro do Apostolado obedece aos critérios racionais da administração.
Bibliografia geral consultada.

SIMMEL, Georg, La Tragédie de la Culture. Paris: Petite Bibliothèque Rivages, 1988; TAVARES, Ana Maria, Armadilhas para os Sentidos: Uma Experiência no Espaço-Tempo da Arte. Tese de Doutorado em Artes. Departamento de Artes Plásticas. Escola de Comunicações e Artes. Universidade de São Paulo, 2000; CREADO, Eliana Santos Junqueira, Entre Lugares e Não-lugares: Restrições Ambientais e Supermodernidade no Parque Nacional do Jau (AM). Tese de Doutorado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.  Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2006; BOTTON, Alain de, Os Prazeres e Desprazeres do Trabalho. São Paulo: Editora Rocco, 2009; RABELATTO, Francielli, Atravessando a Ponte, Vivendo na Linha: Marcos e Marcas de uma Cultura de Fronteira à Luz da Fotoetnografia. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Universidade Federal de Santa Maria, 2011; LIMA, Lúcio Renato Mota, O Apostolado dos Padrões: Limites e Possibilidades de um Plano Industrial Disciplinar-religioso em uma Fábrica Têxtil (Camaragibe, 1891-1908). Dissertação Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2012; AUGÉ, Marc, Non-Lieux. Introduction à une Anthropologie de la Surmodernité. Paris: Éditions du Seuil, 1992; Idem, La Guerre des Rêves. Exercices d’Ethno-Fiction. Paris: Éditions du Seuil, 1997; Idem, El Antropólogo y el Mundo Global. México: Siglo Veintiuno Editores, 2014; Idem, O Duplo da Vida: Etnologia, Viagem, Escrita. Maceió: Editora da Universidade Federal de Alagoas, 2014; “Como Um Escritor É Lido? Sobre a Apropriação de Elias Canetti pelas Universidades Brasileiras”. In: Plumilla Educativa 14 (14) :225-238, 2014; RIBEIRO, Ulisses Alves Maciel, Não-lugar: Um Olhar sobre as Metrópoles Contemporâneas. Dissertação de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2015; AMORIM, Lidiane Ramirez de, Em Busca de uma Cartografia dos (Não/Entre) Lugares da Comunicação em Multinacionais. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Faculdade de Comunicação Social. Porto Alegre: Madrid: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2015;  entre outros. 

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