sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Philip Hoffman - Princípio da Dúvida – Obscura Angústia Católica.

                                                               Ubiracy de Souza Braga*

                                                                                               What do you do when you are not sure?”. Padre Flynn


Entre os povos da Antiguidade, os gregos procuravam combater a angústia, criando uma sociedade baseada no principio do equilíbrio, isto é, nada em demasia, como forma de combater nossos instintos que podem se tornar perversos, assim como nossas paixões. Assim surgiram as tragédias gregas que como arte da representação que nos coloca em contato com a tragédia e angústia da existência. Alguns filósofos dizem que a angústia surge no momento que o homem percebe a sua condenação à liberdade. Por isso se sente angustiado já que sabe que é o senhor do seu destino. A angústia também pode estar ligada a causas psicológicas como, complexos, traumas, meio familiar e institucional repressores ou desgastantes que podem desencadear algumas sensações de forte opressão. A angústia somente será considerada uma doença quando aparecerem outros sintomas, tais como falta de concentração, tristeza permanente, inquietação, pensamentos negativos. Aqueles que apresentam quadro de angústia sem acompanhamento profissional desenvolvem outros distúrbios como cansaço psicofísico, comportamento inadequado e baixa autoestima.

O Sermão da Montanha é um discurso de Jesus Cristo que pode ser lido no Evangelho de Mateus (Caps. 5-7) e no Evangelho de Lucas (Fragmentado ao longo do livro). Nestes discursos, Jesus Cristo profere lições de conduta e moral, ditando os princípios que normatizam e orientam a vida cristã. Estes discursos podem ser considerados por isso como um resumo dos ensinamentos de Jesus a respeito do Reino de Deus, do acesso ao Reino e da transformação que esse Reino produz. John Stott, teólogo e escritor, diz que a essência do Sermão da Montanha foi o apelo de Cristo aos seus seguidores para serem diferentes de todos os demais. “Não sejam iguais a eles”, disse Jesus (Mt 6.8). O reino que Cristo proclamou deve ser uma contracultura, exibindo todo um conjunto de valores e padrões distintos. Ele fala de justiça, influência, piedade, confiança e ambição, e conclui com um desafio radical para que se escolha o caminho. Além de importantes princípios ético-morais, pode-se notar grandes revelações.  

A cidade de Jerusalém tinha importância política e religiosa. Tinha 25-30.000 habitantes na época de Jesus. O comércio era necessário para a importação de mercadorias. Para financiar o comércio havia as imensas receitas do templo, os negócios ocasionados pela presença de estrangeiros, as receitas de impostos para os períodos dos soberanos independentes. Jerusalém atraía os donos de grandes capitais: grandes comerciantes, cobradores de impostos, judeus da diáspora enriquecidos, que às vezes se estabeleceram ali para sempre por convicção religiosa. - “De tudo isso emerge uma imagem singular: é verdade, a situação da cidade era totalmente desfavorável ao desenvolvimento dos ofícios; no entanto, certas profissões prosperavam em virtude de sua importância econômica, política e religiosa”. A classe média era composta de pequenos comerciantes, os artesãos, na medida em que eram proprietários de oficinas e não trabalhavam para terceiros como assalariados. Não existem fábricas. - “Dados precisos sobre a situação financeira dessas categorias são muito raros. A certos exageros não se deve dar crédito” (p. 167). “Essas categorias se encontravam em uma situação econômica propícia, quando tinham negócios com o templo e os peregrinos”.

Quase exclusivamente os peregrinos impulsionavam a atividade albergueira. Nas festas com peregrinação e na chegada das primícias, era obrigatório dormir em Jerusalém. Assim se formou a “Grande Jerusalém”, incorporada ao distrito de Betfagé. Uma prescrição proibia o aluguel de casas na cidade porque eram propriedade comum de todo Israel. Os sacerdotes faziam parte da classe média. O clero, espalhado por todo o país, era organizado em 24 classes. Os que residiam na cidade eram pessoas cultas e ricas (cf. Josefo, 1969). Em relação aos rendimentos dos sacerdotes, uma distinção clara deve ser feita entre prescrição e práxis. Temos certeza do pagamento apenas de alguns proventos, embora não saibamos em que medida eram pagos: porções das oferendas, primícias dos produtos colhidos, o dízimo dos produtos da terra (disso, porém, não se faz menção nos compêndios da época). Na verdade, eles eram baseados exclusivamente na legislação mosaica e não na práxis. O dízimo dos sacerdotes é atestado, mas não se sabe por quanto tempo foi pago (talvez o sumo sacerdote João Hircano o tenha abolido). Grande parte da população não pagava ou não pagava de modo insuficiente os impostos aos sacerdotes, e a indiferença da população os impelia à pobreza.

Os pobres eram constituídos pelos escravos e trabalhadores diários. Encontra-se escravos especialmente na cidade e são escravos domésticos. Os libertos devem ser considerados pelo menos como prosélitos. Os trabalhadores diários eram muito mais numerosos que os escravos. Eles ganhavam um denário por dia, mais alimentação. Alguns pobres viviam caçando pombos, ganhando quatro rolas. Eles ofereciam duas por dia ao templo, ficando com um lucro de 1/4 de denário, que era notoriamente pouco. Havia partes da população que viviam de ajudas. Era proibido aos escribas serem pagos por seus ofícios. Parece que nos tempos de Jesus alguns exercessem um ofício, uma atividade profana (Hillel era um trabalhador diário, Paulo trabalhou durante sua missão). Os “escribas viviam sobretudo de ajudas” (p. 187), principalmente aquelas de seus alunos. Pessoas abastadas poderiam prover as necessidades do mestre (cf. as mulheres que seguem Jesus). Antes de 70 d.C., a existência de cobranças para médicos não é constatada. Já “no tempo de Jesus a cidade havia se tornado um centro de mendicância” e “era sobretudo a distribuição de esmolas, consideradas particularmente meritórias se feitas na cidade santa, que alimentava a mendicância” (p. 192). Havia quem se fingisse de cego, surdo, com hidropisia, aleijado. A mendicância concentrou-se nos lugares sagrados. Havia pessoas preguiçosas que se dedicavam apenas à participação do culto. Pessoas formaram bandos que aterrorizaram Jerusalém e geraram uma guerra civil.

           

Aquilo que muitas vezes é tido por ruim, por desagradável, diante de Deus é o que realmente vai levar muitos à verdadeira felicidade. Esta passagem forma um paradoxo, contrariando a ideia de muitos e mais uma vez mostrando que “…Deus não vê como o homem vê, o homem vê a aparência, mas Deus sonda o coração” (I Samuel 16.7). No Sermão da Montanha o evangelista Mateus está a apresentar Jesus Cristo como o novo Moisés, daí o discurso ser proferido numa montanha (talvez, apenas uma colina), pois Moisés tinha recebido os 10 Mandamentos no monte Sinai. Entretanto, Jesus afirmou que não veio para abolir a Lei ou os Profetas, mas sim cumprir na sua íntegra (Mt 5.17), embora a interpretação descontextualizada da Bíblia, pode dar a uma literal interpretação sobre a abolição ou não da lei, destaca-se o texto da epístola aos Hebreus 8:6-13: - Mas a Cristo foi confiado um serviço muito mais importante, até porque a nova aliança, para o qual serviu de mediador, se fundamenta em promessas muito mais excelentes. Evidentemente que se a primeira aliança tivesse sido perfeita não teria havido razão para ser substituída por outra aliança.

O domínio da igreja Católica, “punindo o herege, mas perdoando o pecador”, no passado, ainda mais do que agora, é tolerado por povos de caráter econômico inteiramente moderno, e nasceu entre as mais ricas e economicamente mais avançadas nações, por volt do século XV. O domínio do Calvinismo, como o introduzido no século XVI, em Genebra e na Escócia, na passagem do século XVI para o século XVII, em grande parte nos Países Baixos, no século XVII na Nova Inglaterra, e, por algum tempo, na própria Inglaterra, seria a forma mais insuportável de controle eclesiástico do indivíduo que até então pode existir. Justamente dessa forma é que foi sentido por grandes camadas da velha aristocracia comercial desse período, tanto em Genebra, como na Holanda e na Inglaterra. e o que os reformadores desses países queixavam-se, segundo Weber (2002), nos altos escalões de desenvolvimento econômico, não era de demasiado controle da vida cotidiana por parte da igreja, mas de pouco controle. Como se deu então naquele período, os países mais avançados economicamente e suas emergentes classes médias burguesas não apenas falharam na resistência a essa tirania do Puritanismo, mas até defenderam-na heroicamente, de uma maneira raramente vista antes, e nuca depois manifestada, a tal ponto que Carlyle a denominou, não sem razão, de “the last of our heroism”. Para o que nos interessa, lembramos que "os julgamentos sobre a importância de um fenômeno histórico podem ser, por um lado, de valor ou de fé, isto é, quando eles se referem ao que, por si só, é interessante ou ao que, por si só, é duradouramente “válido em si”.
Por outro lado, podem referir-se à sua influência como fator causal sobre o processo histórico. Trata-se, portanto, de julgamentos de imputação histórica, se partirmos, como entendemos, deste último ponto de vista e investigarmos o significado a ser atribuído àquele dogma em virtude de suas consequências pari passu histórico e culturais, devemos ter por ele alta consideração. O filme a “Dúvida” (“Doubt”, 2008), de John Patrick Shanley, debate uma das questões mais dramáticas da atualidade: quem tem relações amorosas com quem e quem fuma o que na Era de Aquários. Não se trata apenas de um filme sobre os dramas internos à igreja católica em processo de modernização em meio ao Concílio Vaticano II. Trata-se de um dilacerante debate acerca das rotinas do pensamento moral, que muitas vezes beiram o puro sonambulismo. Os personagens são um padre doce e pra frente, Philip Seymour Hoffman, a diretora e madre superiora antipática e conservadora, Meryl Streep, um triste aluno negro, sua mãe pobre trabalhadora e uma jovem freira ingênua. O filme descreve as agruras ambientadas nos anos 1960 - esse mito de revolução sexual que fez das maiores utopias da modernidade um problema. Contudo, alguns preferem o benefício da dúvida, imaginando que podem até desconfiar, mas jamais definem uma acusação dentro ou fora das instituições sociais. Outros têm uma postura diferente, escolhem um lado por algum motivo - pessoal, geralmente - e creem nele até o fim. Esta simples pergunta: “O que vocês fazem quando não têm certeza?” inicia “Dúvida” e também dá o tom na lentidão na trama da angústia católica no filme.
              O Concílio Vaticano II, “XXI Concílio Ecumênico da Igreja Católica”, foi convocado no dia 25 de dezembro de 1961, através da bula papal “Humanae salutis”, pelo Papa João XXIII. Este mesmo Papa inaugurou-o, a ritmo extraordinário, no dia 11 de outubro de 1962. O Concílio, realizado em 4 sessões, só terminou no dia 8 de dezembro de 1965, já sob o papado de Paulo VI. Nestas quatro sessões, mais de 2 000 Prelados convocados de todo o planeta discutiram e regulamentaram vários temas da Igreja Católica. As suas decisões estão expressas nas 4 constituições, 9 decretos e 3 declarações elaboradas e aprovadas pelo Concílio. Apesar da sua boa intenção em tentar atualizar a Igreja, os resultados deste Concílio, para alguns estudiosos, ainda não foram totalmente entendidos nos dias de hoje, enfrentando por isso vários problemas que perduram. Para estudiosos, é esperado que os jovens teólogos que participaram do Concílio, salvaguardem a sua natureza. Isto porque depois de João XXIII, os Papas que o sucederam até Bento XVI, participaram do Concílio ou como Padres conciliares (ou prelados) ou como consultores teológicos (ou peritos).           
Viola Davis, uma das notáveis atrizes da sua geração, fez um desabafo em entrevista à revista Glamour. Ela contou que passou fome e até vasculhou o lixo para procurar comida. - “Nós não tínhamos comida e eu estava sempre com muita fome e envergonhada na escola. Eu não podia desenvolver meu potencial, não conseguia ser eu”, contou. A atriz disse ainda que chegou a participar de um programa de verão para conseguir bebida e donuts de graça. Ela contou ainda que seus pais faziam estoque de mantimentos quando recebiam o pagamento mensal, mas durava muito pouco tempo. “Era uma coisa do tipo, se você não comer agora vai acabar e você vai ficar com fome nos próximos”, comentou. Viola é apoiadora da Hunger Is, uma campanha da Fundação Safeway que ajuda a juntar cerca de R$ 135 milhões para ajudar alimentar as crianças carentes. - “Eu vou insistir entre os meus amigos. Os Estados Unidos é o país mais rico do mundo e não há nenhuma razão para que crianças continuem indo para a escola com fome. A comida é algo que todos devemos ter”.
Ao longo de sua duração no filme “Dúvida” não há claras evidências de favorecimento a qualquer lado, mas a batalha das ideias entre estes dois modos de tratamento sociais. O primeiro vindo da jovem e ingênua irmã James, interpretada por Amy Adams. O outro, irascível e rígido, vindo da irmã Aloysius, protagonizado Meryl Streep. Mais do que um confronto de ideias, e aqui entra ainda o terceiro vértice da história, de desejo do padre Flynn de Philip Seymour Hoffman em que há no filme concepções de mundo completamente díspares. Streep compõe sua personagem amarga, sem perdão. Crendo na obediência e punição em casos onde ela é o melhor meio de trabalho para educar os alunos da escola St. Nicholas. Flynn é professor com ideias liberais, acredita na bondade e na compaixão como meio de ajudar as pessoas. Entre eles está a jovem irmã James, sem saber qual caminho seguir por estar em dúvida. Seu comportamento diante dos alunos ora segue as pregações de Aloysius, ora as de Flynn. Ela própria crê que a igreja poderia ser mais aberta! Mas tem receio de seguir este caminho devido à sua imaturidade moral e a onipresença masculina de Aloysius.

A jovem irmã James (Amy Adams) desconfia da atenção especial que o padre Flynn (Hoffman) dá ao único aluno negro do local. Quando conta para a irmã Aloysius (Meryl), que dirige o local, tem início uma pressão moral que ela exerce sobre ele baseada mais em suposições do que em fatos concretos. O filme, no entanto, tira proveito dos subtextos. Não é à toa que o padre é um progressista, a irmã veterana é conservadora e autoritária e a jovem divide-se entre o idealismo e a obediência. Há vários outros elementos simbólicos mais ou menos óbvios, como as aulas de história, o açúcar, a luz queimando. Estes subtextos incluem o tratamento que o filme dá com relação a dúvidas e certezas. O padre diz que é inocente. A questão é: mas será mesmo? A freira diz que tem certeza da culpa dele, mas só isso garante que ela esteja certa? O filme acerta e se torna maior ao não responder claramente essas questões. É por isso que em filmes desse gênero os atores consagrados na dramaturgia são tão importantes na trama.
Há também a questão de comportamento no cotidiano, com as mulheres levando uma vida mais controlada e os homens de forma mais espontânea. Mais uma vez, um confronto entre o velho e o novo na visão de mundo. Apenas esta percepção já tornaria Dúvida um filme atualíssimo, pelas disputas internas geradas dentro de um ambiente tão secreto como tem sido as relações no âmbito da igreja católica. Lembra-nos em certa medida “Il nome della rosa” do escritor italiano Umberto Eco, lançado em 1980 que o tornou conhecido mundialmente. Muita atenção tem sido dada para o mistério sobre a que o título do romance se refere. Na verdade, Eco afirmou que sua intenção era encontrar um “título que dá liberdade de interpretação ao leitor”. Noutra versão da história, quando ele tinha acabado de escrever o romance, apressadamente sugeriu dez nomes e pediu a alguns amigos para escolher um, então escolheram “O nome da Rosa”. Sugeriu-se que Eco tenha se inspirado nas referências de Borges, que disse: “Quem viu o Zahir pronto verá uma rosa: o Zahir é a sombra da rosa e o rasgo do Velo”. Eco descreve a representação de um episódio, passado durante a Idade Média, no qual o riso era considerado, pela Igreja Católica Apostólica Romana, um pecado.    
O desenrolar da trama cinematográfica é todo neste sentido representado nas peculiaridades e reações dos personagens de acordo com suas crenças. É assim que brilha o elenco. Meryl Streep, Philip Seymour Hoffman e Amy Adams estão precisos em suas atuações, representando o que seus personagens requerem. Não há excessos, mesmo nos momentos mais delicados e duros, pois assim é a visão de mundo católica representando a angústia silenciosa através do assédio moral e sexual. São personagens-chaves não apenas para a trama em si, mas também para entender aquele momento histórico, turbulento culturalmente na década de 1960, no qual a população negra enfim conquistava direitos civis então renegados pelas práticas políticas dominantes. Dentro e fora do contexto da escola, Aloysius e Flynn representam uma concepção social de mundo existente em sua época. Philip Seymour Hoffman nasceu em Fairport, em 23 de julho de 1967 e faleceu em Nova Iorque, em 2 de fevereiro de 2014. Foi um premiado ator e diretor teatral norte-americano. Iniciou sua carreira na televisão, em 1991, e no ano seguinte começou a aparecer extraordinariamente no cinema. Gradualmente conquistou reconhecimento por seu trabalho como ator coadjuvante em diversos filmes célebres, como “Scent of a Woman”, de 1992, “Twister”, de 1996, “Boogie Nights”, de 1997, “Happiness” e “The Big Lebowski”, de 1998, “Magnolia” e “The Talented Mr. Ripley” de 1999, “Almost Famous”, de 2000, “25th Hour” e “Punch-Drunk Love”, de 2002, e “Cold Mountain”, de 2003. Hoffman também é premiado ator e diretor teatral. Passou a fazer parte da LAByrinth Theater Company em 1995, e desde então dirigiu e atuou em diversas produções Off-Broadway.

Suas atuações em duas peças da Broadway lhe renderam duas indicações ao Prêmio Tony; uma de melhor ator, em “True West” (2000), e outra de melhor ator coadjuvante em “Long Day`s Journey into Night” (2003). Em 2005 Hoffman interpretou o papel-título no filme biográfico “Capote”, de 2005, pelo qual ele conquistou diversos prêmios, incluindo um Oscar de melhor ator. Foi indicado por outras duas vezes ao Oscar de melhor ator coadjuvante pelo seu trabalho em “Charlie Wilson`s War”, de 2007, e “Doubt”, de 2008. Entre os outros filmes elogiados pela crítica nos quais atuou estão: “Before the Devil Knows You`re Dead” e “The Savages”, de 2007. Em 2010, fez sua estreia como diretor de cinema com Jack Goes Boating. Philip Seymour Hoffman conseguiu o papel de Plutarch Heavensbee nas adaptações cinematográficas de “Em Chamas” (2013), “A Esperança parte 1” (2014) e “A Esperança parte 2” (2015), da saga “Jogos Vorazes”, de Suzanne Collins. Era filho de Marilyn Hoffman Coonor e Gordon Hoffman. Tinha três irmãos: de Gordy, Emily e Jill Hoffman. Vivia em Manhattan, Nova Iorque com sua namorada, a estilista Mimi O`Donnell, que conheceu na peça: “In Arabia We`d All Be Kings”, de 1999, dirigida por Hoffman. Ambos tiveram um filho, Cooper Alexander, nascido em março de 2003, e duas filhas, Tallulah, nascida em novembro de 2006, e Willa, nascida em outubro de 2008. No dia 2 de fevereiro de 2014, em fase de gravação de dois filmes, um deles da série: “Jogos Vorazes” - (The Hunger Games) foi encontrado no banheiro de seu apartamento em Manhattan, com uma agulha inserida em um de seus braços. Morreu devido ao consumo de drogas: heroína, cocaína, anfetaminas e tranquilizantes, informou o Departamento de Medicina Legal nova-iorquino.  
Bibliografia geral consultada.

THÉLÈNE, Catherine, Le Désenchantement de l`État: De Hegel à Max Weber. Paris: Éditions Minuit, 1992; WEIGEL, George, A Verdade do Catolicismo. Rio de Janeiro: Bertrand Editora 2002; MELLO, Sangia, Argumentação e Persuasão da Sexagésima do Padre Antônio Vieira. Dissertação de Mestrado em Literatura e Crítica Literária. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005; BLACKBURN, Simon, Verdade: Um Guia para os Perplexos. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2006; ALBERIGO, Giuseppe, A Brief History of Vatican II. 1 ed. New York: Orbis Books, 2006; PEIXOTO, Davi Silva, A Construção da Argumentação no Sermão da Primeira Dominga do Advento: Um Estudo Historiográfico. Dissertação de Mestrado. Programa de Mestrado em Língua Portuguesa. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008; BOFF, Leonardo, “A Sociedade Mundial da Cegueira”. In: Jornal O Povo, Fortaleza, 22.02.2010; ASLAN, Odette, O Ator no Século XX. São Paulo: Editora Perspectiva, 2010; WELLER, Wivian, “A Atualidade do Conceito de Gerações de Karl Mannheim”. In: Soc. Estado. Vol. 25 no. 2 Brasília May/Aug. 2010; LÖWY, Michael, A Jaula de Aço. São Paulo: Boitempo Editorial, 2014; BARROS, José D’Assunção, “Verdade e História: Arqueologia de uma Relação”. In: Cadernos IHU Ideias. São Leopoldo, vol. 12, nº 212, pp. 3-41, 2014; GARCÍA, Tony, “Philip Seymour Hoffman, o maior de sua geração”. In:  https://brasil.elpais.com/brasil/2014/02/02; COSTA E SILVA, Patrícia, Racionalidade Técnica e Formação: Um Estudo a partir do Personalismo de Mounier. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Faculdade de Educação. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2015; CALÇADO, Thiago, A Carne se Fez Verbo: Confissão Cristã e Sexualidade em Michel Foucault. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Filosofia. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2015; entre outros.

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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Diplomacia, Filme Rendition – Absurdismo & Nova Guerra Fria.

                                                                                                Ubiracy de Souza Braga*

“O tempo penetra o corpo, e com ele todos os controles minuciosos do poder”. Michel Foucault
          
                          
         O corpo, notoriamente, percorre a história da ciência e da filosofia. De Platão a Bergson, passando por Descartes, Espinosa, Merleau-Ponty, Freud, Marx, Nietzsche, Weber e principalmente Michel Foucault, a definição de corpo demonstra um puzzle. Quase todos reconhecem a profusão da visão dualista de Descartes, que define o corpo como uma substância extensa em oposição à substância pensante. Podemos perceber que seguindo este modo de compreensão, sobretudo com o advento da modernidade, o corpo foi facilmente associado a uma máquina. O corpo foi pensado como um mecanismo elaborado por determinados princípios que alimentam as engrenagens desta máquina promovendo o seu bom funcionamento. Isto quer dizer que através dos exercícios de abstinência e domínio que constituem a ascese necessária, o lugar atribuído ao conhecimento de si torna-se mais importante: a tarefa de se pôr à prova, de se examinar, de controlar-se numa série de exercícios bem definidos, coloca a questão da verdade – da verdade do que se é, do que se faz e do que é capaz de fazer – no cerne da constituição do sujeito moral. E, finalmente, o ponto de chegada dessa elaboração é ainda e sempre definido pela soberania do indivíduo sobre si mesmo. Neste aspecto Michel Foucault (2014) nos adverte sobre a questão abstrata da analítica do poder que se constitui o marco histórico e pontual de “docilidade dos corpos”.  

Para ele o soldado é, antes de tudo, alguém que se reconhece de longe; que leva os sinais naturais de seu vigor e coragem, as marcas também de seu orgulho: seu corpo é o brasão de sua força e de sua valentia: e se é verdade que deve aprender aos poucos o ofício das armas – essencialmente lutando – as manobras como a marcha, as atitudes como o porte da cabeça se originam, em boa parte, de uma retórica corporal de honra. Eis como ainda no início do século XVIII se descrevia a figura ideal do soldado. Mas na segunda metade deste século, o soldado se tornou algo que se fabrica; de uma massa informe, de um corpo inapto, fez-se a máquina de que se precisa; corrigiram-se aos poucos as posturas: lentamente uma coação calculada percorrer cada parte do corpo, assenhoreia-se dele, dobra o conjunto, torna-o perpetuamente disponível, e se prolonga, em silêncio, no automatismo dos hábitos; em resumo, foi “expulso o camponês” e lhe foi dada a “fisionomia de soldado”. Ipso facto, houve, durante a época clássica, uma descoberta do corpo como objeto e alvo de poder. Encontraríamos facilmente sinais dessa grande atenção dedicada então ao corpo que se manipula, modela-se, treina-se, que obedece, responde, torna-se hábil ou cujas forças multiplicam o “homem-máquina”.

O grande livro do homem-máquina foi descrito simultaneamente em dois registros: no anátomo-metafísico, cujas primeiras páginas haviam sido escritas por Descartes e que os médicos, os filósofos continuaram; o outro, técnico-político, constituído por um conjunto de regulamentos militares, escolares, hospitalares e por processo empíricos e refletidos para controlar ou corrigir as operações do corpo. Dois registros bem distintos, pois se tratava ora de submissão e utilização, ora de funcionamento e de explicação: corpo útil, corpo inteligível. E, entretanto, de um ao outro, pontos de cruzamento. “O homem-máquina” de Julien Offray La Metrie (1709-1751) é ao mesmo tempo uma redução materialista da alma e uma teoria geral do adestramento, no centro dos quais reina a noção de “docilidade” que une ao corpo analisável o corpo manipulável. Em sua significação específica é dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado. Contudo, os famosos autômatos, por seu lado, não eram apenas uma maneira de ilustrar o organismo; eram também bonecos políticos, modelos reduzidos de poder: obsessão de Frederico II (1712-1786), rei minucioso das pequenas máquinas, dos regimentos bem treinados e dos longos exercícios. 

Para Foucault metodologicamente a questão a responder é a seguinte: Nesses esquemas de docilidade, em que o século XVIII teve tanto interesse, o que há de tão novo? Não é a primeira vez, certamente, que o corpo é objeto de investimentos tão imperiosos e urgentes; em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes mito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações. Muitas coisas, entretanto, são novas nessas técnicas. A escala, em primeiro lugar, do controle; não se trata de cuidar do corpo, massa, grosso modo, como se fosse uma unidade indissociável, mas de trabalha-lo detalhadamente; de exercer sobre ele uma coerção sem folga, de mantê-lo ao mesmo nível prático da mecânica – movimentos, gestos, atitudes, rapidez: poder infinitesimal sobre o corpo ativo. O objeto, em seguida, do controle: não, ou mais, os elementos significativos do comportamento ou a linguagem do corpo, mas a economia, a eficácia dos movimentos, sua organização interna; a coação se faz mais sobre as forças que sobre os sinais; a única cerimônia que realmente importa é a do exercício. A modalidade, enfim, implica uma coerção ininterrupta, constante, que vela sobre os processos da atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de acordo com uma codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço, os movimentos.

               

Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar disciplinas. Muitos processos disciplinares existiam há muito tempo: nos conventos, nos exércitos, nas oficinas também. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos XVII e XVIII fórmulas gerais de dominação. Diferentes da escravidão, pois não se fundamentam numa relação de apropriação dos corpos; é até a elegância da disciplina dispensar essa relação custosa e violenta obtendo efeitos de utilidade pelo menos igualmente grandes. Mas também ocorre que são diferentes também da domesticidade, que é uma relação social de dominação constante, global, maciça, não analítica, ilimitada e estabelecida sob a forma de vontade de poder singular do patrão, sendo quase seu “capricho”. Diferentes da vassalidade que é uma relação de submissão altamente codificada, mas longínqua e que se realiza menos sobre as operações do corpo que sobre os produtos do trabalho e as marcas rituais de obediência. Diferentes do ascetismo e das “disciplinas” de tipo monástico, que têm por função realizar renúncias mais do que aumentos de utilidade e obediência, têm como fim um aumento do domínio de cada um sobre seu próprio corpo.

O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma “anatomia política”, que é também igualmente uma “mecânica do poder”, está nascendo; ela define como se pode ter o domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas ara que operem como se quer, com as técnicas segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos dóceis.  A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela associa o poder do corpo; faz dele por um lado uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar, e faz dela uma relação de sujeição estrita.

Se a exploração econômica separa a força e o produto do trabalho, a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada. Entendida como consumo cultural, a prática do culto ao corpo situa-se como preocupação geral de mobilidade social, que perpassa a estratificação de classes sociais e faixas etárias, apoiada num discurso clínico difuso que se refere tanto a questão estética, quanto a preocupação alimentar com a saúde. Nas sociedades contemporâneas há uma crescente apropriação do corpo, com a dieta alimentar e o consumo excessivo de cosméticos, impulsionados pelo processo de massificação da propaganda/consumo a desde o desenvolvimento econômico dos anos 1980, onde o corpo ganha mais espaço, principalmente nos meios midiáticos. Nesse sentido, as fábricas de imagens estéticas do vencedor como o cinema, televisão, publicidade, revistas etc., têm contribuído para isso. Ipso facto, nos leva a pensar que a imagem da eterna fonte de juventude, associada ao corpo perfeito e ideal, ao sucesso na educação, no trabalho e na vida amorosa atravessa as etnias e classes sociais, compondo de maneiras diferentes diversos estilos de vida.

         O divórcio oficial entre a Rússia e os seus aliados políticos, por um lado, e o bloco ocidental, por outro, vem ocorrendo em Moscou. As comemorações do 70º aniversário do fim da 2ª guerra mundial (1939-1945) marcam aparentemente o princípio de uma nova ordem mundial, uma poderosa elite com uma agenda globalista conspirando para eventualmente governar o mundo por meio de um governo mundial autoritário e uma propaganda abrangente cuja ideologia política saúda o estabelecimento da Nova Ordem Mundial como a culminação do progresso da história. Ao lado de Vladimir Putin estavam os presidentes da China comunista, Xi Jinping; do Irã, oAli Khamenei; do Egito, marechal Sisi; da Coreia do Norte, Kim Jong-un; da Venezuela, Nicolás Maduro; da Turquia, Erdogan; e da Grécia, Tsipras, entre outros líderes de países, como a Bielorrússia, que sempre estiveram ao lado de Moscou nos bons e maus momentos. Barack Obama, Merkel, Hollande, Cameron e tantos outros ficam de fora, com a OTAN ao compreender dois dos seus membros ao lado de Vladimir Putin. A guerra fria do século XXI está começando oficialmente, muito embora as relações internacionais entre o Leste e Oeste nunca tenham sido felizes e muito menos amistosas politicamente. 
Não queremos perder de vista que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), por vezes também dita “Aliança Atlântica”, é uma organização militar intergovernamental baseada no Tratado do Atlântico Norte, que foi assinado em 4 de abril de 1949. A organização constitui um sistema de defesa coletiva através do qual seus Estados-membros concordam com a defesa mútua em resposta a um ataque por qualquer entidade externa à organização. A sede da OTAN localiza-se em Bruxelas, na Bélgica, um dos 28 países membros em toda a América do Norte e Europa, sendo que os mais novos Albânia e Croácia associaram-se em abril de 2009. Um adicional de 22 países participa da Parceria para a Paz da Organização do Tratado Atlântico Norte (OTAN), com 15 outros países envolvidos em programas de diálogo institucionalizado. O gasto militar combinado na “indústria da guerra global” de todos os membros da organização constitui mais de 70% do total de gastos militares de todo o mundo. Foi-se configurando um bloco político-ideológico que questiona a hegemonia do bloco ocidental dirigido pelos Estados Unidos da América (EUA), comparativamente tanto no plano econômico como político e militar.
           Os Estados Unidos da América continuam sendo potência hegemônica no mundo, mas ficou para trás – como constata The Economist – o período de cerca de duas décadas e meia de sua hegemonia absoluta no mundo. Hoje se pode dizer que, com o Brics (o bloco que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), já existe uma espécie de multipolaridade econômica no mundo, com uma arquitetura distinta da de Bretton Woods – apoiada no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial – em processo de construção, centrada no Sul do mundo. As alianças da Rússia com a China constituem o eixo dessa nova configuração – que incorpora América Latina, ou parte dela, e parte da Ásia. Os elementos de força do campo dirigido por Washington estão no plano militar, tecnológico e econômico, mas os próprios Estados Unidos, como principalmente Europa e Japão, vítimas de prolongada estagnação econômica e intranscendência política, estão em processo de decadência. Enquanto o bloco dirigido por Rússia-China, mesmo em inferioridade militar, econômica e tecnológica, está em processo de fortalecimento. A primeira metade do século encontrará uma nova configuração de poder no mundo.
       Mas antes da ofensiva da Geórgia, a OTAN e os Estados Unidos avançaram decididos para leste e integraram em 2004, na Aliança Atlântica, os três países bálticos:  Estônia, Letônia e Lituânia  e a Polônia. A Rússia ficava com quatro países integrantes do antigo inimigo junto à sua fronteira. Ucrânia, o espaço vital agora, em 2014, 14 anos depois da chegada de Vladimir Putin ao poder, nova ofensiva ocidental, desta vez na sensível Ucrânia, cobiçada relíquia da Rússia dos czares e da União Soviética, que só conheceu a Independência em 1991. Evidentemente que a Ucrânia sempre foi uma região disputada por russos e alemães. A. Hitler definiu-a como o espaço vital alemão e J. Stalin via-a quase da mesma maneira. Em 2014 surgiu a oportunidade, há muito esperada pelo Ocidente, para pôr as botas sujas na Ucrânia. E foi assim que, a reboque da Alemanha de Merkel, a União Europeia tentou o presidente pró-russo Yanukovitch a assinar um acordo de parceria muito aplaudido pelos ucranianos do Oeste. Putin chamou Yanukovitch a Moscovo e obrigou-o a assinar uma parceria com a Rússia. Os protestos na Praça Maidan, em Kiev, foram realimentados por forças sociais e políticas nacionalistas e fascistas. O massacre de dezenas de manifestantes em fevereiro constituiu-se em crimes políticos que ainda não está esclarecido, fez cair Yanukovitch.
Rendition é um filme de drama norte-americano produzido em seu país de origem em 2007 e dirigido por Gavin Hood e estrelado por Reese Witherspoon, Meryl Streep, Peter Sarsgaard, Alan Arkin, Jake Gyllenhaal e Omar Metwally. Centra-se na prática controversa da CIA de “delação extraordinária”. É baseado na história de Khalid El-Masri, que foi confundido com Khalid Al-Masri. O filme também tem semelhanças com o caso de Maher Arar. Ao descobrir que seu marido simplesmente desapareceu de um voo em direção aos Estados Unidos, Isabella El-Ibrahimi (Reese Witherspoon) começa uma desesperada luta entre Estados para descobrir seu paradeiro. O drama fica mais ortodoxo ainda quando o observador da Central Intelligence Agence (CIA), vivido por Jake Gyllenhaal, começa a presenciar um método político neo-ortodoxo de interrogatório e tortura. Tudo isso, pois, de acordo com a lei “Extreme Rendition”, um suspeito de terrorismo pode ser levado/sequestrado para seu país de origem e lá ser interrogado por autoridades norte-americanas.
       Em segundo lugar em filosofia “Absurdo” se refere ao conflito entre a tendência humana de buscar significado inerente à vida. Ou a inabilidade humana para encontrar algum significado. Nesse contexto “absurdo” não significa, “logicamente impossível”, mas sim “humanamente impossível”. O universo e a mente humana não causam separadamente o Absurdo. Mas é o que surge pela natureza contraditória de ambos existindo simultaneamente. Esta filosofia está relacionada ao existencialismo de  Sartre e ao niilismo de Nietzsche, ainda que não deva ser confundido com estes. “Absurdismo”, portanto, como conceito tem suas raízes no século XIX com o filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard. Já como sistema de crença nasceu do movimento existencialista quando o filósofo e escritor  Albert Camus rompe essa linha filosófica e publica seu manuscrito “O Mito de Sísifo”. As consequências da 2ª guerra mundial proporcionaram um ambiente social propício para as visões “absurdista”, especialmente na devastada França de Foucault, ou como bem retratadas em Emil Cioran, para ficarmos nestes exemplos.
O absurdo no ensaio Le Mythe de Sisyphe é considerado um extraordinário ponto de partida. Trata-se de uma sensibilidade, não de uma filosofia do absurdo. Albert Camus diz isso em parte do prólogo: – “aqui se encontrará unicamente a descrição, o estado puro de uma doença do espírito. Nenhuma metafísica, nenhuma crença foi misturada a isso por enquanto”. Sem lugar a dúvidas, “O mito de Sísifo” é a obra capital do absurdo. Assim como fez Jean-Paul Sartre, ao publicar em 1943 o ensaio “O Ser e o Nada”, onde tenta exibir a tese da novela “A Náusea” (1938), Albert Camus publica o ensaio em que tenta resolver os problemas propostos em sua narração d`“O Estranho”, ambos de 1942 (cf. Camus, 1945). Um dos aspectos relacionados por estudiosos a este ensaio de Camus é o tema do suicídio. Foi analisado magistralmente por Émile Durkheim (1897), mas analogamente para Albert Camus, especialmente em sua primeira parte intitulada: “Um raciocínio absurdo”.                   
O filme começa com a saída de Anwar El-Ibrahimi (o egípcio Omar Metwally) de um hotel no Sul da África. Pouco antes de entrar no carro, ele recebe uma chamada no celular. Sem saber quem lhe ligou, ele faz uma chamada para sua mulher, Isabella Fields El-Ibrahimi (Reese Witherspoon), que está na casa deles, em Chicago, brincando com o filho de seis anos, Jeremy (Aramis Knight). Em seguida, acompanhamos um dia normal na vida do agente da CIA Douglas Freeman (Jake Gyllenhaal) no Norte da África. Ele sai de casa para ir ao trabalho junto ao seu chefe imediato, William Dixon (David Fabrizio), mas, no caminho, eles presenciam um ataque terrorista na praça central da cidade. Com a morte de Dixon, Freeman assume o seu lugar e conhece o lado obscuro e pragmático das investigações policiais do governo norte-americano. Sob a ordem da senadora Corrine Whitman (Meryl Streep), Anwar é preso ao desembarcar nos Estados Unidos porque está sendo considerado provavelmente suspeito de ter envolvimento com terroristas. Ele é torturado continuamente enquanto sua mulher viaja a Washington DC atrás de respostas. A narrativa é colocar em xeque os Estados Unidos da América depois dos ataques ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001.        
A partir daí, realmente, o governo norte-americano adotou uma postura que possibilita compreender o conceito filosófico absurdismo como pode ser visto no filme baseado em fatos políticos reais. Como diz a senadora Corrine Whitman no filme, foi através de tortura e prisão arbitrária que eles conseguiram “salvar 7 mil vidas em Londres”, se referindo ao ataque terrorista na cidade que não deu certo. No caso de Anwar o filme quer nos fazer crer ele tinha recebido ligações no celular do homem que havia assumido o ataque terrorista. A verdade é que ele estava recebendo chamadas de um número desconhecido – quantos de nós já não recebemos chamados assim? – e que isso, convenhamos, não é prova e nem justificativa para ele passar pelo que passou. Além do mais, ele estava em negócios no Sul da África quando o ataque terrorista no Norte do país foi praticado. O simples fato de ele estar no mesmo país e de ser egípcio o torna terrorista. Os Estados Unidos da América (EUA) realmente estão equivocados.
 Em 2002, o presidente George Bush divulgou o documento “A Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos”, que ficou conhecido como Doutrina Bush. O primeiro uso do termo para se referir às políticas de George W. Bush pode ter sido referido ao jornalista e comentarista conservador Charles Krauthammer, quando utilizou o termo em fevereiro de 2001 para se referir ao presidente da abordagem unilateral para o sistema de mísseis de defesa nacional. Este documento apresenta as estratégias político-militares que foram adotadas pelo país em nome da  defesa da soberania nacional, frente às ameaças de guerra em que poderiam estar sujeitos o território e o povo norte-americano. O documento declara a intenção dos Estados Unidos em agir militarmente, por conta própria e decisão unilateral em nome do direito de autodefesa, de maneira preventiva e antecipada: atacar antes e perguntar depois. Em nome do antiterrorismo e do combate de países considerados como ameaçadores aos seus interesses expansionistas, justificaram suas ações e procuraram legitimá-las diante da opinião pública americana e internacional. 

A Organização das Nações Unidas nasceu após o segundo conflito mundial para salvar as gerações futuras do flagelo das guerras e preservar a segurança internacional. A Assembleia Geral da instituição iniciou sua sessão de 2008, em setembro último, abordando as crises que o mundo tem sido incapaz de resolver. A crise financeira, a fome, a intensificação das mudanças climáticas, guerras no Iraque, no Afeganistão e na Geórgia. Atentados terroristas de Islamabad, a pobreza e a febre amarela foram outros temas abordados. Todos os 192 países-membros têm direito a palavra, mas apenas o Conselho de Segurança, integrado por cinco membros permanentes com direito a veto e dez membros rotativos, detém efetivamente poder executivo. Essas responsabilidades propiciariam condições favoráveis à criação de instituições nacionais e locais que possibilitassem a formação de governo representativo, a reconstrução econômica, à criação de condições sociais para um desenvolvimento sustentável, a proteção dos direitos humanos, a recuperação das forças da polícia civil iraquiana e, finalmente, o incentivo aos esforços internacionais para promover uma reforma jurídica. Três meses após a adoção daquela resolução, foi assassinado o representante especial do secretário-geral Kofi Annan. Sérgio Vieira de Mello (cf. Santos, 2015; Fróio, 2015), sem a devida proteção, mas com a difícil tarefa de abreviar os conflitos e a restauração da nação, morreu após horas de agonia, em cumprimento do seu dever. Tombou em Bagdá, vítima do terror bilateral, quando iniciava esforços para a construção da autoridade iraquiana. 

A diplomacia parlamentar distingue-se por ocorrer no âmbito de organização internacional, seguir regras técnicas de procedimento e contar com debate permanente, no que vem assemelhando-se, portanto, ao que ocorre com os parlamentos nacionais. Mais recentemente, neste século, encontram-se referências à diplomacia parlamentar como sendo a conduzida pelos membros dos parlamentos nacionais. Ao lado da diplomacia profissional, os Estados também lançam mão de missões temporárias ao exterior - diplomacia ad hoc - para desempenhar determinada função como negociar um tratado. Este tipo de missão pode envolver outros órgãos do Estado, como os ministérios de comércio, da fazenda, da agricultura, da defesa etc. O direito internacional reconhece ao Chefe de Estado um papel na diplomacia, podendo até mesmo negociar e assinar tratados sem necessidade de plenos poderes, da mesma forma que o Ministro do Exterior. Compete ao Chefe de Estado, em geral, a prerrogativa de ratificar os tratados assinados em seu nome. No século XX surgiu a chamada “diplomacia presidencial”, fruto da facilidade de comunicação social e política entre os países e da vantagem que representa a tomada de decisão no mais alto nível.

        A Doutrina Bush foi um termo político utilizado para descrever uma série de princípios relacionados com a geopolítica do ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush, declarados como resultado dos atentados de 11 de setembro de 2001. A frase inicialmente descrita na política que os Estados Unidos tinham o direito de tratar como terroristas os países que abrigam ou dão apoio aos grupos terroristas, que foi utilizado para justificar a invasão do Afeganistão. A geopolítica determinou ainda o fortalecimento das alianças com outros Estados para derrotar o chamado “terrorismo no mundo”. Mas a arrogância da declaração norte-americana deixou claro que em nome da “paz e da segurança internacional”, os Estados Unidos não permitirão a ascensão de qualquer potência, a ponto de rivalizar com o seu poder e a sua liderança militar, alcançada desde o fim da guerra fria e da União das Repúblicas Socialistas Soviética. Ao afirmar a sua condição de superpotência militar global, a Doutrina Bush aponta para o alargamento dos interesses de mercado norte-americanos. Parte desses interesses está associada ao controle das principais fontes estratégicas de energia, com a intensificação de sua influência no Oriente Médio e na Ásia Central, regiões detentoras das maiores jazidas de petróleo e gás natural. Uma consequência capciosa da Doutrina Bush é o enfraquecimento de organismos supranacionais, principalmente a Organização das Nações Unidas (ONU). 
          A Organização das Nações nasceu após o segundo conflito mundial para salvar as gerações futuras do flagelo das guerras e preservar a segurança internacional. A Assembleia Geral da instituição iniciou sua sessão de 2008, em setembro último, abordando as crises que o mundo tem sido incapaz de resolver. A crise financeira, a fome, a intensificação das mudanças climáticas, guerras no Iraque, no Afeganistão e na Geórgia. Atentados terroristas de Islamabad, a pobreza e a febre amarela foram outros temas abordados. Todos os 192 países-membros têm direito a palavra, mas apenas o Conselho de Segurança, integrado por cinco membros permanentes com direito a veto e dez membros rotativos, detém efetivamente poder executivo. Essas responsabilidades propiciariam condições favoráveis à criação de instituições regionais e nacionais que possibilitassem a formação de um governo representativo, a reconstrução econômica, a criação de condições sociais para um desenvolvimento sustentável, a proteção dos direitos humanos, a recuperação das forças da polícia civil iraquiana e, finalmente, o incentivo aos esforços internacionais para promover uma reforma jurídica. Três meses após a adoção daquela Resolução, foi assassinado o representante especial do secretário-geral Kofi Annan. Sérgio Vieira de Mello, sem a devida proteção diplomática internacional, mas com a difícil tarefa de abreviar os conflitos e tentar a restauração de uma nação praticamente em pedaços, morreu após horas de agonia, em pleno cumprimento do dever. Tombou em Bagdá, vítima do terror bilateral, para a construção da autoridade iraquiana.  
  A Doutrina Bush foi expressão utilizada para descrever uma série de princípios relacionados com a política externa do ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush, declarados como resultado dos atentados de 11 de setembro de 2001. A frase inicialmente descrita na política que os Estados Unidos tinham o direito de tratar como terroristas os países que abrigam ou dão apoio aos grupos terroristas, que foi utilizado para justificar a invasão do Afeganistão. A geopolítica determinou ainda o fortalecimento das alianças com outros Estados para derrotar o chamado “terrorismo no mundo”. Mas a arrogância da declaração norte-americana deixou claro que em nome da “paz e da segurança internacional”, os Estados Unidos não permitirão a ascensão de qualquer potência, a ponto de rivalizar com o seu poder e a sua liderança militar, alcançada desde o fim da guerra fria e da URSS. Ao afirmar a sua condição de superpotência militar global, a Doutrina Bush aponta para o alargamento dos interesses de mercado norte-americanos. Parte desses interesses está associada ao controle das principais fontes estratégicas de energia, com a intensificação de sua influência no Oriente Médio e na Ásia Central, regiões detentoras das maiores jazidas de petróleo e gás natural do planeta. Uma consequência capciosa da doutrina é o enfraquecimento de organismos supranacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), nascida após a 2ª guerra mundial (1941-45) para salvar sociedades do flagelo e preservar a segurança internacional.   

O 5º presidente do Iraque, Saddam Hussein (1979-2005), ficou aparentemente reconhecido, internacionalmente, por seu uso de armas químicas na década de 1980 contra civis iranianos e curdos durante e após a Guerra Irã-Iraque. Nesta década ele seguiu um extenso programa de armas biológicas e um programa de armas nucleares, embora nenhuma bomba nuclear foi construída. Após a contrapartida norte-americana na Guerra do Golfo 1990-1991, as Nações Unidas “localizaram e destruíram grandes quantidades de armas químicas do Iraque e equipamentos relacionados e materiais em todo o início de 1990, com graus variados de cooperação iraquiana e obstrução”. Em resposta à diminuição da cooperação do Iraque com a Comissão Especial das Nações Unidas (UNSCOM), os Estados Unidos da América convocaram para a retirada de todos os inspetores da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Agência Internacional de Energia Atômica ou Atômica (AIEA), que foi estabelecida e consagrada como uma organização autônoma no coração das Nações Unidas em 1957 e em 1998, o que resultou na Operação Desert Fox. Os Estados Unidos e o Reino Unido afirmaram que Saddam Hussein ainda possuía grandes reservas ocultas de armas de destruição em massa em 2003, e que ele estava clandestinamente adquirindo e produzindo mais.

Inspeções realizadas pela ONU para resolver a situação das questões do desarmamento não resolvidos reiniciados de novembro de 2002 até março de 2003, nos termos da Resolução 1441 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que exigia que Saddam desse uma “cooperação imediata, incondicional e ativa” com as instruções para as inspeções políticas da ONU e da AIEA, pouco antes que seu país fosse atacado. Durante os preparativos para a guerra em 2003, inspetor de armas da ONU Hans Blix, um político e diplomata sueco pertence ao Partido Popular Liberal. Foi ministro das relações exteriores da Suécia de 1978 a 1979 e mais tarde se tornou o chefe da Agência Internacional de Energia Atômica, não havia encontrado arsenais de armas de destruição em massa e tinha feito um progresso significativo em direção a resolução de questões abertas do desarmamento observando o “pró-ativa”, mas nem sempre com a cooperação “imediata” do Iraque como solicitado pela Resolução 1441 do Conselho Segurança das Nações Unidas. Ele concluiu que seria necessário, “mais meses” para resolver as principais tarefas restantes do desarmamento. Os Estados Unidos da américa afirmaram que isso representava uma violação da Resolução 1441, mas não conseguiram convencer o Conselho de Segurança das Nações Unidas a aprovar uma nova resolução que autoriza o uso da força, devido à falta de provas. 

Apesar de ser incapaz de obter uma nova resolução autorizando à força e citando a seção 3 da Resolução Conjunta aprovada pelo Congresso dos EUA, O presidente George W. Bush afirmou medidas pacíficas e que não conseguia desarmar o Iraque das armas e ele deu início a segunda Guerra do Golfo, apesar das “várias opiniões divergentes e questões de integridade sobre a inteligência subjacente”. Mais tarde, inspeções lideradas pelos Estados Unidos “concordaram que o Iraque já havia abandonado seus programas de destruição em massa, mas afirmou que o Iraque tinha a intenção de seguir esses programas se as sanções da ONU nunca fossem suspensas”. Bush, disse mais tarde que o maior arrependimento da sua presidência foi a “falha de inteligência” no Iraque, enquanto o Comitê de Inteligência do Senado concordou em 2008, que sua administração “deturpou a inteligência e a ameaça do Iraque”. Um informante-chave da CIA no Iraque admitiu que mentiu sobre suas alegações, “então observou em choque quando ele foi usado para justificar a guerra”.           
      A Assembleia Geral da instituição iniciou sua sessão de 2008, em setembro último, abordando as crises que o mundo tem sido incapaz de resolver. A crise financeira, a fome, a intensificação das mudanças climáticas, guerras no Iraque, no Afeganistão e na Geórgia. Atentados terroristas de Islamabad, a pobreza e a febre amarela foram outros temas abordados. Todos os 192 países-membros têm direito a palavra, mas apenas o Conselho de Segurança, integrado por cinco membros permanentes com direito a veto e dez membros rotativos, detém efetivamente poder executivo. Essas responsabilidades propiciariam condições favoráveis à criação de instituições nacionais e locais que possibilitassem a formação de um governo representativo, a reconstrução econômica, à criação de condições sociais para um desenvolvimento sustentável, a proteção dos direitos humanos, a recuperação das forças da polícia civil iraquiana e, finalmente, o incentivo aos esforços internacionais para promover uma ampla reforma social e jurídica. Três meses após a adoção daquela Resolução, foi assassinado o representante especial do secretário-geral Kofi Annan. Sérgio Vieira de Mello, sem proteção e apoio, mas com a difícil tarefa de abreviar os conflitos e a restauração da nação, morreu após horas de agonia, em pleno cumprimento do seu dever. Tombou em Bagdá, vítima do terrorismo  internacional, quando planejava esforços diplomáticos para a reconstrução da autoridade iraquiana.         
Bibliografia geral consultada.

CAMUS, Albert, “A Noite da Verdade”. In: Revista Veja. São Paulo: Abril Cultural, fevereiro de 1945; GOLDMANN, Lucien, Per una Sociologia del Romanzo. Milão:  Editore Bompiani, 1967; PERROT, Michelle, As Mulheres e a História. Lisboa: Editor Dom Quixote, 1995; MILLER, Roger Gene, To Save a City: The Berlin Airlift, 1948–1949. Texas: A&M University Press, 2000; LA FEBER, Walter, América, Russia, and the Cold War, 1945–2002. Estados Unidos: Editora McGraw-Hill, 2002; MIGLIETTA, John, American Alliance Policy in the Middle East, 1945–1992: Iran, Israel, and Saudi Arabia. Lanham MD: Lexington Books, 2002; PLAGEN, Trevor e THOMPSON, Adam Clay, A Verdadeira História dos Voos da CIA – Os Táxis da Tortura. Porto: Editor Campo das Letras, 2007; ALLES, Leonardo Miguel, A Não-Indiferença na Política Externa Brasileira: A Maneira de Intervir da Diplomacia Lula da Silva. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2011; LÜTHI, Lorenz, The Sino-Soviet Split: Cold War in the Communist World. EUA: Princeton University Press, 2008; KALINOVSKY, Artemy, A Long Goodbye: The Soviet Withdrawal from Afghanistan. Harvard: Harvard University Press, 2011; EMIL, Cioran, Silogismos da Amargura. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2011; Idem, Nos Cumes do Desespero. São Paulo: Editora Hedra, 2012; FOUCAULT, Michel, Vigiar e Punir. Nascimento da Prisão. 42ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2014; FANTA, Daniel, A Neutralidade Valorativa: A Posição de Max Weber no Debate sobre os Juízos de Valor. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Sociologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2014; SANTOS, Guilherme de Paula Costa, No Caleidoscópio da Diplomacia: Formação da Monarquia Constitucional da Independência e do Império do Brasil, 1822-1827. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de História. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015; Artigo: “Nova Guerra Fria Começa a Despontar no Ártico”. In: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/02/; FRÓIO, Liliana Ramalho, Paradiplomacia e o Impacto da Alternância de Governos na Atuação Internacional dos Estados Brasileiros. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciência Política. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2015; ALMEIDA SILVA, Antônio Ruy de, “A Diplomacia de Defesa na Política Internacional”. In: Revista da Escola de Guerra Naval, vol. 21, nº 2, pp. 179-202, 2015; entre outros.

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Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ) e Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Lugar de Igreja, Vaticano – Formação Espiritual & Crença do Rebanho.

                                                   Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga

                                    A igreja cristã é uma enciclopédia de cultos pré-históricos”. Friedrich Nietzsche  
                                        
                                                                                                                                              

A Cidade do Vaticano é um Estado eclesiástico ou teocrático-monárquico, governado pelo bispo de Roma, o Papa. A maior parte dos funcionários públicos são todos os clérigos católicos de diferentes origens raciais, étnicas e nacionais. É o território soberano da Santa Sé (Sancta Sedes) e o local de residência do Papa, referido como o Palácio Apostólico. O nome “Vaticano” já era utilizado na época da República Romana para o Ager Vaticanus, uma área pantanosa na margem Oeste do Tibre em frente à cidade de Roma, localizada entre o Janículo, a Colina do Vaticano e Monte Mario, descendo para o Monte Aventino e até a confluência do riacho Cremera. Por causa de sua proximidade com sua arqui-inimiga, a cidade etrusca de Veii, outro nome para o Ager Vaticanus era Ripa Veientana ou Ripa Etrusca e por ter sido submetida às inundações do Tibre, os romanos consideraram esta parte desabitada de Roma como insalubre e sinistra. A qualidade particularmente baixa do vinho do Vaticano, mesmo após a recuperação da área, foi comentada pelo poeta Marcial entre 102 e 104 d.C.

Tácito escreveu que em 69, o Ano dos Quatro Imperadores, quando o exército do Norte que levou Vitélio ao poder chegou a Roma, “uma grande proporção acampou nos bairros insalubres do Vaticano, o que resultou em muitas mortes entre os soldados comuns; e estando o Tibre por perto, a incapacidade dos gauleses e germânicos de suportar o calor e a consequente ganância com que bebiam da corrente enfraquecia os seus corpos, que já eram uma presa fácil para a doença”. O topônimo Ager Vaticanus é atestado até o século I: depois, apareceu outro topônimo, Vaticanus, denotando uma área muito mais restrita: a colina do Vaticano, atualmente a Praça de São Pedro e possivelmente também a Via della Conciliazione. Sob o Império Romano, muitas vilas foram construídas lá, depois que Agripina, a Velha (14 aC-18 de outubro de 33) drenou a área e planejou seus jardins no início do século I. No ano 40, seu filho, o imperador Calígula (31 de agosto 12–24 de janeiro de 41 d.C.; r. 37–41) construiu em seus jardins um circo para cocheiros (40 d.C.) que mais tarde foi concluído por Nero, o Circo Gaii et Neronis, geralmente chamado, simplesmente, de Circo de Nero ou Circus Neronis. A construção do circo começou durante o reinado de Calígula numa propriedade que era de sua própria mãe, Agripina, no chamado Agro Vaticano, o moderno rione do Borgo, e foi terminado pelo imperador Cláudio. 

O Circo de Nero foi construído num eixo Leste-Oeste similar ao da moderna Basílica de São Pedro e da antiga Basílica de Constantino, com um obelisco marcando o centro da espina e com seu próprio eixo mais para o sul da basílica atual, isto é, para a esquerda se você estiver olhando de frente para a fachada da basílica na Praça de São Pedro. As interpretações mais antigas analisavam as ruínas colocando a entrada do edifício na extremidade Leste em direção ao fundo da basílica e consideravam que o circo era menor do que de fato sociologicamente se acredita hoje que ele era. Atualmente, os estudiosos inverteram o eixo em 170 graus e indicam a entrada voltada para o Oeste, na direção do centro de Roma. A Via Cornélia corria ao lado da lateral Norte do circo e seu curso é conhecido com precisão por causa dos túmulos pagãos que foram descobertos em períodos variados em suas margens. As memórias de Sante Bartoli relatam que quando o papa Alexandre VII estava construindo a ala Leste da colunata de Bernini e a fonte Leste, um túmulo foi descoberto com um baixo-relevo sobre a porta representando uma cena de um casamento. Outros túmulos foram descobertos na sequência, incluindo um conjunto de túmulos alinhados exatamente com o túmulo de São Pedro em 9 de novembro de 1616: “Naquele dia, eu adentrei numa sala sepulcral quadrada cujo teto estava ornamentado com desenhos pintados no estuque.

                           

Havia um medalhão no centro com uma figura em alto relevo. A porta abria para a Via Cornélia, que estava no mesmo nível. Este túmulo está localizado sob o sétimo degrau na frente da porta central da igreja. Me disseram que o sarcófago que é agora utilizado como fonte no pátio da Guarda Suíça foi descoberto na época de Gregório XIII no mesmo local e que continha o corpo de um pagão”. O circo ficava no local do primeiro martírio organizado e patrocinado pelo estado romano em 65. A tradição defende que, dois anos depois, São Pedro e muitos outros cristãos foram mortos ali. As circunstâncias foram detalhadas por Tácito numa reconhecida passagem em seus Anais. O local das crucificações no Circo de Nero pode ter sido ao longo da espina, como sugerido pelos antigos Atos de Pedro, que descrevem o local de seu martírio como sendo inter duas metas, que eram os dois marcos de virada nos circos romanos. Esta identificação é provavelmente genuína dado o trauma provocado pelo evento na comunidade cristã da época e posterior. O obelisco no centro da espina do circo, trazido para Roma por Calígula, permaneceu no local original, em frente à igreja de Santa Maria della Febbre, até ser removido para a Praça de São Pedro no século XVI pelo arquiteto Domenico Fontana. A igreja também foi demolida na obra.

A localização tradicional do túmulo de São Pedro fica nesta região, no cemitério já mencionado, no local onde está o altar da Basílica de São Pedro. Uma basílica foi construída por Constantino sobre o local usando parte da estrutura ainda existentes do Circo de Nero. Ela foi posicionada de tal forma que a abside ficou centrada no túmulo de São Pedro (e hoje abaixo do altar da nova basílica). O circo propriamente dito já havia sido abandonado em meados do século II quando a área foi repartida e concedida a particulares para a construção de túmulos numa nova necrópole. Porém, é provável que a maior parte das ruínas tenha sobrevivido até 1450, quando elas foram finalmente destruídas durante a construção da nova Basílica de São Pedro. O Obelisco do Vaticano foi originalmente levado por Calígula de Heliópolis no Egito para decorar a espinha de seu circo e é, portanto, seu último remanescente visível. Esta área se tornou o local do martírio de muitos cristãos após o Grande Incêndio de Roma em 64. A tradição antiga afirma que foi neste circo que São Pedro foi “crucificado de cabeça para baixo”. Em frente ao circo havia um cemitério separado pela Via Cornélia.

Monumentos fúnebres e mausoléus e pequenos túmulos, bem como altares para deuses pagãos de todos os tipos de religiões politeístas, foram construídos até a construção da Basílica Constantiniana de São Pedro na primeira metade do século IV. O mito de Átis e Cibele pode estar relacionado com rituais de culturas agrárias ancestrais, que envolviam a fertilidade e a prosperidade. Nesses rituais, um deus jovem, filho ou amante de uma deusa, morria e renascia anualmente, fertilizando a terra. Os sacerdotes de Cibele, chamados de Galli, também eram castrados. Os textos romanos representam os Galli de forma negativa, como emasculados em seu corpo, vestimentas e performatividades. Um santuário dedicado à deusa frígia Cibele e seu consorte Átis permaneceu ativo por muito tempo depois que a antiga Basílica de São Pedro foi construída historicamente nas proximidades. Cibele era uma deusa frígia que simbolizava a fertilidade da natureza e era reconhecida como “Mãe dos Deuses” ou Deusa-mãe. O seu culto começou originalmente na Ásia Menor e se espalhou por vários territórios da Grécia Antiga. Restos desta antiga necrópole foram trazidos à luz esporadicamente, durante reformas gerenciadas por vários papas ao longo dos séculos, aumentando em frequência durante a Renascença até que foi escavada por ordens do Papa Pio XII de 1939 a 1941.  

A Basílica Constantiniana foi construída em 326 sobre o que se acredita que seja o túmulo de São Pedro, que teria sido sepultado naquele cemitério. A partir de então, a área tornou-se mais populosa devido à atividade da basílica. Um palácio foi construído nas proximidades no século V durante o pontificado do Papa Símaco que reinou de 498 a 514. O Tratado de Latrão, de 1929, que criou a cidade-Estado do Vaticano, descreve-a como uma nova criação (preâmbulo e no artigo III) e não como um vestígio dos muito maiores Estados Pontifícios (756–1870), que anteriormente abrangiam a região central da Itália. A maior parte desse território foi absorvida pelo Reino de Itália em 1860 e a porção final, ou seja, a cidade de Roma, com uma pequena área perto dela, dez anos depois, em 1870. Os papas residem na área, que em 1929 tornou-se a Cidade do Vaticano, desde o retorno de Avinhão em 1377. Anteriormente, residiam no Palácio de Latrão na colina Célio oposto de Roma, que Constantino deu ao Papa Milcíades em 313.

A assinatura dos acordos que estabeleceram o novo Estado teve lugar neste último edifício, dando origem ao nome Tratado de Latrão, pelo qual é reconhecido. Vaticano ou Cidade do Vaticano, oficialmente Stato della Città del Vaticano é a sede da Igreja Católica e uma cidade-Estado soberana sem costa marítima, cujo território consiste de um enclave murado dentro da cidade de Roma, capital da Itália. Com aproximadamente 44 hectares (0,44 km²) e com uma população estimada de 1 000 habitantes, é a menor entidade territorial do mundo administrada por um Estado. A Cidade do Vaticano é uma cidade-Estado que existe desde 1929. É distinta da Santa Sé, que remonta ao cristianismo primitivo sendo a principal sé episcopal de 1,5 bilhão de católicos romanos (latinos e orientais) do mundo. Ordenanças da Cidade do Vaticano são publicadas em italiano; documentos oficiais da Santa Sé são emitidos principalmente em latim. As duas entidades ainda têm passaportes distintos: a Santa Sé, como não é um país, apenas trata de questões de passaportes diplomáticos e de serviço; o Estado da Cidade do Vaticano cuida dos passaportes comuns. Em ambos os casos, os passaportes emitidos são muito poucos.

A burocracia dos tempos modernos preconizou sua origem nas mudanças religiosas verificadas após os últimos eventos no Renascimento. O moderno sistema de produção, eminentemente racional e capitalista, não se originou das mudanças tecnológicas nem das relações de propriedade, mas de um novo conjunto de normas sociais morais, às quais o sociólogo Max Weber denominou o estudo clássico A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. O trabalho árduo e sujo, a poupança compulsória e o ascetismo que proporcionaram a reaplicação das rendas excedentes, em vez de seu dispêndio e consumo burguês urbano em símbolos materiais e improdutivos de vaidade humana, a honra e o prestígio. O capitalismo, a organização burocrática e a ciência moderna constituem as formas de racionalidade que surgiram a partir das mudanças éticas religiosas. Inicialmente em países protestantes, Inglaterra e Holanda e não necessariamente em países católicos, conquanto essas formas de racionalidade se apoiaram nas mudanças religiosas. A partir da distinção no plano de análise teórica entre racionalidade finalística e valorativa, melhor dizendo, sine ira et studioa formulação técnico-metodológica ideal-típica da sociologia de Max Weber estava em tentar apreender os processos pelos quais o pensamento racional, ou a racionalidade técnica e burocrática, proliferou nas instituições modernas como os governos, a representação da forma de Estado, e ainda o âmbito de um conjunto de práticas e saberes sociais e culturais do indivíduo moderno.

Historicamente o termo burocracia como categoria social origina-se na segunda metade do século XVIII. É inicialmente empregado para designar a estrutura administrativa estatal  formada pelos servidores no cargo de funcionários. A análise de Max Weber esclarece que a burocracia antiga e moderna, existiu em todas as formas de Estado. Contudo, foi no contexto do Estado moderno e da ordem legal estamental que a burocracia atingiu seu mais alto grau de racionalidade e prosperidade através das principais características de um aparato burocrático contemporâneo: a) funcionários que ocupam cargos burocráticos são considerados servidores; b) são contratados em virtude de competência técnica e qualificações específicas; c) cumprem tarefas que são determinadas por normas e regulamentos escritos; d) sua remuneração é baseada em salários estipulados em dinheiro, sujeitos a regras hierárquicas e códigos disciplinares que estabelecem as relações de autoridade. Toda burocracia tenta acrescentar a superioridade dos profissionalmente informados conservando em segredo os seus conhecimentos e propósitos. A administração burocrática propende a ser uma administração de sessões secretas, tanto quanto possível, porque furtam a toda crítica analítica seus conhecimentos e suas atividades. Uma ovelha ruim põe o rebaho a perder. 

Um sistema doutrinário é pensado à distância se considerarmos que os sinais ou frutos da religião existem apenas no homem. Portanto, não há motivo para duvidar de que só no homem a semente da religião, consiste numa qualidade que lhe é peculiar, pelo menos num grau que não existe em qualquer outro ser vivente. A teologia de uma organização religiosa funciona como máquina abstrata da religião em que os homens de saber designam a rota dos rebanhos e os burocratas do pão celeste fazem a distribuição. A metáfora do rebanho sustenta a maior organização burocrática do planeta – a igreja. A palavra igreja, “ecclesia” ou “casa de Deus” tem diversos significados nos livros das Sagradas Escrituras, onde os cristãos se reúnem para cumprir seus deveres religiosos. O templo de Jerusalém era a casa de Deus e a casa de oração. O edifício dedicado pelos cristãos ao culto de Cristo, que os sacerdotes gregos chamavam Kyriaké, “a casa do senhor”, e, na língua inglesa, veio mais tarde a se chamar Kirk e church. Em Roma, essa assembleia denominada Concio, é aquela que falava Ecclesiastes e Concionator.
            No Novo Testamento, uma igreja é simplesmente um grupo de cristãos que seguem a Cristo. A palavra pode ser usada para falar de todos aqueles que servem ao Senhor, não importa onde estejam (Hebreus 12: 22-23). É frequentemente usada para descrever grupos locais de discípulos que se encontram para adorarem, para edificarem uns aos outros e para proclamarem o evangelho de Jesus. É neste sentido que lemos sobre a igreja em Antioquia da Síria (Atos 13:1), sobre as igrejas em Listra, Icônio e Antioquia da Pisídia (Atos 14: 21-23), sobre a igreja em Éfeso (Atos 20: 17), a igreja em Corinto (1 Coríntios 1:1;  2 Coríntios 1:1), as igrejas na região da Galácia (Gálatas 1:2) e a igreja dos tessalonicenses. É neste ambiente de igrejas locais que encontramos homens escolhidos para supervisionar e guiar. Os sistemas comuns de superestruturas de denominações, de ligas internacionais de igrejas e de hierarquias que ligam e até governam milhares de igrejas locais, são invenções do homem. Não há modelo bíblico de tais arranjos. No Novo Testamento, os cristãos serviam juntos em congregações locais. Eles eram gratos pelos seus irmãos em outros lugares. Mas não tentavam criar algum laço de organização onde os cristãos de um lugar pudessem dirigir ou governar o trabalho de discípulos de outro lugar. Este modelo mais claramente se espraia se considerado o ensinamento específico sobre a organização de uma igreja local.
        Nesse último sentido, a Igreja pode ser entendida como uma pessoa, isto é, que ela tenha o poder de querer, de pronunciar, de ordenar, de ser obedecida, de fazer leis ou de praticar qualquer espécie de ação. Se não existir a autoridade de uma congregação legítima, qualquer ato praticado por um conjunto de pessoas é um ato individual de cada um dos presentes que contribuíram para a prática desse ato. Não um ato conjunto, como se fosse de um só corpo. Não é um ato dos ausentes ou daqueles que, estando presentes, eram contra a sua prática. Uma Igreja pode ser definida “como um conjunto de pessoas que professam a religião cristã, ligadas à pessoa de um soberano, que ordena a reunião e que determina quando não deverá haver reunião. Tendo em vista que em todos os Estados semelhantes assembleias são ilegítimas, se não são autorizadas pelo soberano civil, constitui também uma assembleia ilegítima a reunião da Igreja em qualquer Estado em que tiver sido proibida” (cf. Hobbes, 2014: 360).  
              É compreensível que não haja na Terra, qualquer Igreja universal à qual todos os cristãos devam obedecer, uma vez que não há nenhum poder aos quais todos os outros Estados estejam sujeitos. Nos domínios dos diversos príncipes e estados, existem cristãos, mas cada um deles se sujeita ao Estado do qual é membro, não podendo, por conseguinte, sujeitar-se às ordens de qualquer outra pessoa. Assim, uma Igreja capaz de mandar, julgar, absolver, condenar ou praticar qualquer outro ato é o mesmo que um Estado civil formado por homens cristãos; o Estado civil tem esse nome por serem seus súditos os homens, enquanto a Igreja é assim denominada pelo fato de seus súditos serem os cristãos. Governo espiritual e temporal são apenas palavras trazidas ao mundo ocidental para confundir os homens, enganando-os quanto a seu soberano legítimo.
            É preciso haver um único governante, do contrário se origina a facção e a guerra civil, entre a Igreja e o Estado, entre os espiritualistas e os temporalistas, entre a espada da justiça e o escudo da fé, e, o que é pior ainda, no próprio coração de cada cristão, entre o cristão e o homem. Chamam-se pastores os doutores da igreja, bem como os soberanos civis. Entretanto, se entre os pastores não houver alguma subordinação, de forma que haja apenas um chefe dos pastores, serão ministrados aos homens doutrinas contrárias, que poderão ser falsas, e uma delas necessariamente o será. O soberano civil é o chefe dos pastores, segundo a lei natural. Embora o poder tanto do Estado quanto da religião estivesse nas mãos dos reis, nenhum deles deixou de ser fiscalizado em seu uso, a não ser quando eram bem quistos por suas capacidades naturais ou por sua fortuna.
       Max Weber havia resumido sob a expressão racionalidade formal as “determinações” (níveis de análise da realidade) que torna possível a ponderabilidade das ações sociais sob o aspecto instrumental, a eficácia dos meios disponíveis; e sob o aspecto estratégico e de probabilidade em termos de legitimidade no acerto da escolha dos meios segundo preferência, meios e condições periféricas dadas. A denominação “formal” destina-se em especial a esse segundo aspecto da “racionalidade eletiva”, que e diferencia então do julgamento material dos próprios valores subjacentes às preferências dos sujeitos. Ele aplica esse conceito como sinônimo de “racionalidade teleológica”. Trata-se da estrutura de orientações da ação determinada pela racionalidade cognitivo-instrumental, mediante a desconsideração de parâmetros de uma racionalidade moral-prática ou estético-prática. Cadeias prolongadas de ações podem ser julgadas de maneira sistemática sob o aspecto da validade da verdade e da eficácia simbólica de sua interpretação, mas que podem ser bem como calculadas e melhoradas no sentido da racionalidade formal.
          A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo é considerada a grande obra de Max Weber e é o seu texto mais lido e conhecido. A primeira parte desta obra foi publicada em 1904 e a segunda veio a público em 1905, depois da viagem do autor e de sua esposa aos Estados Unidos. Analisando todo o processo em seu conjunto, Weber verifica que dos dogmas e, em especial, dos impulsos morais do protestantismo, derivados após a reforma de Lutero, surge uma forma de vida de caráter metódico, disciplinado e racional. Da base moral do protestantismo surge não só a valorização religiosa do trabalho e da riqueza, mas também uma forma de vida que submete toda a existência do indivíduo a uma lógica férrea e coerente: uma personalidade sistemática e ordenada. Sem estes impulsos morais não seria possível compreender a ideia de vocação profissional, concepção que subjaz as figuras modernas do operário e do empresário. A moral dos círculos protestantes possui uma relação sociológica de afinidade eletiva com o comportamento (espírito) que subjaz ao sistema econômico e, ainda que não derive deste fator unicausal, trata-se de um impulso vital para o entendimento do mundo tanto moderno quanto contemporâneo.
                  No final da Ética Protestante, Max Weber destaca para o que nos interessa - objeto de nossa argumentação que, apesar de secularizada, ou seja, desprovida de fundamentos religiosos, a vida aquisitiva da economia moderna generalizou-se para todo conjunto da vida social: os puritanos queriam tornar-se monges, hoje todos têm que segui-los. Esta avaliação também ganha contornos críticos, pois Weber constata que a lógica da produção, do trabalho e da riqueza envolve o mundo moderno como uma jaula de ferro (Eisernen Käfig) e se pergunta qual o destino dos tempos modernos: o ressurgimento de velhas ideias ou profecias ou uma realidade petrificada, até que a última tonelada de carvão fóssil seja queimada? Em tons que lembram Nietzsche, ele dirá ainda sobre os homens dos tempos atuais: “especialistas sem espírito, nulidades sem coração”. Esta visão crítica do capitalismo encorajou certos pensadores marxistas como Georg Lukács, Karl Löwith, Michael Löwy a ressaltarem algumas afinidades do seu pensamento com a visão marxista, corrente que, sem menosprezar as sensíveis diferenças entre as duas formas de pensamento, foi sendo denominada de webero-marxismo. No entanto, diferente da visão marxista, que privilegia os condicionamentos econômicos, Max Weber, coerente com uma visão multicausal dos fenômenos sociais, destaca seus fatores culturais e, mais tarde, concordando com Marx, enfatizará também os fatores materiais ou níveis de análise com domínio econômico no surgimento das instituições modernas.
A ironia desse uso da linguagem consiste em que a razão, desde Immanuel Kant se refere à faculdade das ideias e inclui tanto a razão prática quanto a faculdade de juízo estético, é identificada com o que distingue cuidadosamente dela mesma, ou seja, com a atividade do entendimento do sujeito cognoscente que age segundo imperativos técnicos: - “Quando se concebe a ideia de razão, caberia a ela ter realizações maiores do que simplesmente regrar as relações entre meios e fins; ela foi vista como instrumento para compreender os fins, para determina-los”. Gabriel Cohn, leitor e tradutor de Max Weber, por outro lado, considera que a chave do seu pensamento seria definida por dois conceitos principais: padrões e dilemas. No primeiro ele busca caracterizar formas de organização e regularidades, a partir da utilização ideal-típica de conceitos, reconstruíveis, discerníveis, identificáveis e apreendidas em seu modo próprio de articulação. No segundo, dilemas, nas condições culturais geradas pela dinâmica desses padrões, que opõem obstáculos à realização das condições e possibilidades postas por eles em termos de análise social.
           O trabalho etnológico do sociólogo é fazer sociologia, fazer aparecer o objeto para além das normas, das categorias e dos controles da organização social. O sociólogo há muito deixou de ser um mero observador por trás das relações. Sua pesquisa se torna necessariamente uma intervenção, mesmo se ela é recusada ou se os seus efeitos são anulados. Não é mais possível separar ao nível político o estudo da organização e o dos comportamentos sociais. A posição dos atores sociais é menos abstrata, não pode ser mais definida em relação a escalas de estratificação, à distância entre o grupo de pertencimento e os grupos de referência que se constituem em instâncias de poder etc. Ela deve ser expressa diretamente em termos de influência do ator sobre a decisão que o afeta. À observação em uma organização de relações abstratas sucede a pesquisa-ação sobre mecanismos de decisão. O “campo” de estudo é menos limitado, mas as relações são mais fáceis de identificar, já que o ator se define logo em relação a outros e não em relação a regras ou escalas.
           Pensadores católicos modernos apoiaram-se tanto nos textos de Max Weber no que diz respeito ao aspecto de influência protestante quanto nos de Bernard Groethuysen para afirmar que “o ethos católico é anticapitalista”. Essa afirmação se encontra no livro de Amintore Fanfani, Catholicism, Protestantism and Capitalism, publicado em 1935. Como exemplo de Weber, o autor – na época um jovem intelectual católico que depois se tornaria um dos líderes do Partido Democrata Cristão e primeiro ministro da Itália – define o capitalismo como um sistema de racionalização econômica à prova de influências externas. Para Fanfani, se o protestantismo favorece a supremacia do espírito capitalista, ou melhor, legitima-o e santifica-o – tese de Weber, revista e corrigida por Hector Menteith Robertson -, “existe um abismo intransponível entre as concepções da vida católica e capitalista”. Por causa desse abismo, o catolicismo mostra uma “repugnância muito marcada” pelo capitalismo – não por um ou outro de seus aspectos, pois quase todos são acidentais, mas pela própria essência do sistema.   Evidentemente, nem todos os intelectuais católicos concordam com uma concepção tão radical, e o próprio Amintore Fanfani, quando foi primeiro-ministro depois da guerra, comportou-se como um administrador típico da economia capitalista.  
                Apesar disso, seu livro se tornou como diz Michael Novak num novo prefácio escrito em 1984, um “locus classicus do sentimento anticapitalista entre os intelectuais católicos”. Michael Novak, eminente neoconservador religioso norte-americano, é um bom exemplo do pensamento católico pró-capitalista. E, no entanto, segundo Löwy (2014: 86 e ss.), as numerosas queixa que ele faz contra o que chama de “preconceito anticapitalista do catolicismo” e a desaprovação explícita do que considera uma falha grave de sua própria tradição religiosa é uma prova, ainda que involuntária, da existência de uma espécie de afinidade negativa (Wahlverwandtschaft)  ou antipatia cultural entre a ética católica e o espírito do capitalismo. Novak acusa a igreja católica de ser excessivamente conservadora. E não há dúvida de que esse preconceito anticapitalista do catolicismo e essa hostilidade contra a sociedade burguesa moderna tiveram, desde o princípio, uma orientação poderosamente conservadora, restauradora, retrógrada – em suma, reacionária. Além disso, ela tomou frequentemente a forma sinistra do antissemitismo, o judeu servindo de bode expiatório pelos males resultantes da usura, do poder corruptor do dinheiro e da ascensão do capitalismo. Paralelamente a essa tendência dominante, existia outra sensibilidade católica, motivada, por certa simpatia pelos sofrimentos dos pobres e atraídas também em certa medida pelas utopias socialistas e comunistas.  

                É interessante notar que vários desses autores utopistas, dentre eles Ernest Bloch, Eric Fromm, serviram-se da obra de Max Weber para denunciar o protestantismo e celebrar a civilização católica moderna – o que é absolutamente contrário á intenção do autor de A ética protestante e o espírito do capitalismo. Contudo, poucos escritores socialistas elaboraram uma crítica mais profunda, radical e corrosiva da sociedade burguesa moderna, do espírito de acumulação capitalista e da lógica impessoal do dinheiro do que Charles Péguy. Ele fundou uma tradição especificamente francesa de anticapitalismo progressista cristão (principalmente católico, mas, ás vezes, ecumênico) que perdurou no século XX por meio de figuras tão diversas quanto Emmanuel Mounier e seu grupo reunido em torno da revista Esprit, o pequeno movimento de cristãos socialistas na época da Frente Popular e a rede de resistência antifascista Testemunho Cristão durante a 2ª guerra mundial. Sem contar com os padres operários dos anos 1940 e 1950, os diversos movimentos e redes cristãos, além de boa parte da juventude católica, que nos anos 1960 e 1970 simpatizou ativamente com diversos movimentos socialistas, comunistas ou revolucionários, que desde o fim da guerra manifestaram grande interesse pelo marxismo e pelo socialismo: Henri Desroche, Jean-Yves Calvez, Marie-Dominique Chenu, Jean Cardonnel, Paul Blanquart e muitos outros.
              Embora haja cristãos socialistas ligados à Igreja católica em muitos países, não encontramos em nenhum outro – fora da América Latina – uma tradição religiosa anticapitalista de esquerda tão ampla e considerável como na cultura católica francesa. Não é à toa que nas primeiras manifestações de cristianismo progressista na América Latina – a esquerda cristã brasileira de 1960-1962, cujo protagonista principal foi a Juventude Universitária Católica (JUC) – estivessem diretamente ligadas a essa cultura francesa.  A chamada “Igreja dos pobres” da América Latina é herdeira da rejeição ética do capitalismo pelo catolicismo – a afinidade negativa – e, sobretudo dessa tradição francesa e europeia de socialismo cristão. Herbert de Souza, o Betinho, um dos principais dirigentes da JUC brasileira, prestou homenagem ao ethos anticapitalista católico tradicional num artigo publicado em 1962. O cristianismo da libertação na América Latina, não é simplesmente um prolongamento do anticapitalismo tradicional da Igreja. É essencialmente criação da nova cultura religiosa, que exprime condições específicas: capitalismo dependente, pobreza em massa, violência institucionalizada e religiosidade popular, de consequências consideráveis, com sua profunda aversão ao cosmo capitalista que se propaga.           
Bibliografia geral consultada.

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